quinta-feira, maio 28, 2009

A Festa da Menina Morta, de Matheus Nachtergaele ***


A presença de atores globais e do nome de Matheus Nachtergaele pode enganar um espectador desavisado e dar um baita susto no mesmo. Afinal, "A Festa da Menina Morta" (2008) está muito longe das amenidades que esse pessoal costuma participar nas telinhas. Com uma trama que combina de forma brutal miséria, misticismo picareta, homossexualismo e incesto, Nachtergaele joga na cara da platéia um retrato naturalista e cruel das suas obsessões, arrancando do seu elenco (principalmente de Daniel Oliveira, Jackson Antunes e Cássia Kiss) interpretações preciosas e intensas. Apesar da rudeza temática do roteiro, o filme é embalado por uma fotografia muito bem elaborada que obtém enquadramentos que em alguns momentos remetem a pinturas tamanha a bela manipulação de claros e escuros.


Apesar de alguns tropeços na sua narrativa, o resultado final de "A Festa da Menina Morta" é bem melhor que algumas das atuações mais recentes de Nachtergaele...

O Dragão da Maldade Contra o Santo Guerreiro, de Glauber Rocha ****


Por mais que haja resenhas, biografias, ensaios e o diabo a quatro sobre Glauber Rocha, a verdade é que há sempre algo de novo para se falar na revisão de suas obras. "O Dragão da Maldade Contra o Santo Guerreiro" (1969), por exemplo, é um filme que vi faz uns quinze anos na televisão e na época fiquei bastante impressionado. Assistindo recentemente no cinema a uma cópia restaurada de tal obra pude perceber ainda mais o impacto sensorial da mesma. Glauber usa na superfície uma trama que remete a uma espécie de faroeste caboclo (desculpe, Renato Russo, tu chegaste tarde...), mas que na verdade é apenas uma base para um verdadeiro caleidoscópio de idéias e concepções. Confronta-se questões sociais com visões místicas, misturando macumba e materialismo dialético, enquanto tudo o que poderia de haver de linear e naturalista no roteiro vai se dissolvendo em simbolismos e numa montagem que fragmenta ao máximo a narrativa. Dessa forma, dizer que "O Dragão da Maldade Contra o Santo Guerreiro" é um filme de teor rebelde apenas pelo conteúdo da sua trama é uma verdadeira miopia. O que é subversivo no filme é muito mais que isso: o que transgride também é o seu aspecto formal, que em nenhum momento oferece sossego para os olhos do espectador, numa gama de citações, referências, sons e imagens que estabelecem um imaginário cinematográfico poderoso e inesquecível. Como não tirar da nossa memória a figura melancólica e assustadora de Antônio das Mortes, a perversão de música regional de Sérgio Ricardo, a fotografia que registra um sertão tão próximo e que ao mesmo parece ser de outra dimensão? Por mais que os detratores de Glauber possam acusar o seu cinema de ser superado, a realidade é que mesmo hoje em dia sua obra ainda revela traços inquietantes, além de apontar caminhos a serem explorados para buscar uma linguagem própria do cinema brasileiro. "O Dragão da Maldade Contra o Santo Guerreiro" é prova contundente disso.

O Menino da Porteira, de Jeremias Moreira *


Confesso que não vi o filme original de 1976. Assistindo a essa refilmagem de 2009, entretanto, não me animo nem um pouco a ver o mesmo... A versão recente de "O Menino da Porteira" é uma obra tão pouco inspirada e desinteressante que chega a ser desanimador tentar escrever um texto sobre o filme. Há algo de instigante na trama, que procura expor as fraturas sociais em decorrência das questões agrárias. Mas isso é algo que fica muito superficial e soterrado por uma densidade dramática rasa e digna de novela das seis. "O Menino da Porteira" tem uma fotografia bonita e correta, mas isso acaba sendo pouco diante da direção burocrática de Jeremias Moreira e um elenco de interpretações pouquíssimo inspiradas (acreditem, Daniel não é a pior a coisa nesse quesito no filme...).

Appaloosa - Uma Cidade Sem Lei, de Ed Harris ***1/2


É claro que fazer um faroeste em pleno século XXI é uma tarefa complicada. Afinal, usar aqueles moldes clássicos de tramas maniqueístas envolvendo mocinhos e bandidos, ou índios no lugar dos bandidos, pode fazer com que se caia em anacronismos. Boa parte do que se fez no gênero nos últimos anos teve uma visão mais revisionista, onde se questiona até mesmo alguns dos valores mais caros dos "bang-bang" de outrora. Vivemos em tempos que são um misto de cinismo com ideais mais humanistas. Obras como "Dança Com Lobos" (1990), "Os Imperdoáveis" (1992) e "O Assassinato de Jesse James Pelo Covarde Robert Ford" (2007), por exemplo, são reflexos dessa concepção contemporânea dos faroestes. "Appaloosa – Uma Cidade Sem Lei" (2008) também se encaixa nessa linha de produções. O cerne do roteiro é a luta de um xerife (Ed Harris) e seu assistente (Viggo Mortensen) em buscar a ordem civilizatória e de justiça na cidade de Appaloosa que se encontra acuada pelos desmandos e atos violentos de um brutal fazendeiro e pistoleiro (Jeremy Irons) e seus capangas. Opta-se no filme pela conciliação de uma abordagem que beira o mitológico, principalmente nas seqüências de duelos e tiroteios, e uma visão e estilo de filmar marcados por um teor naturalista, o que fica evidenciado na forma que se retrata a relação amorosa conturbada entre o protagonista e a sua noiva (Renée Zelveger), que parece variar as suas afeições de acordo com as circunstâncias. Dentro de todos esses conflitos, insere-se a busca de uma perspectiva que livre as situações e os personagens dos estereótipos fáceis, sendo que em vários momentos de "Appaloosa – Uma Cidade Sem Lei" o diretor Harris consegue atingir esse objetivo.

quinta-feira, maio 21, 2009

Violência Gratuita, de Michael Haneke ****


Em um primeiro momento, fica até difícil fazer uma comparação entre o primeiro “Funny Games – Violência Gratuita” (1997) e esta refilmagem realizada pelo próprio diretor da primeira versão. Afinal, o roteiro é o mesmo e a recriação é feita quase que quadro a quadro. Mas mesmo que o gosto da novidade tenha se esvanecido um pouco, a verdade é que o primeiro filme já era brilhante e nessa nova versão as principais qualidades do original permanecem. O rigor estético asfixiante de planos geralmente estáticos, a fotografia privilegiando tons claros quase assépticos, a ausência de trilha sonora e a abordagem narrativa fria e distante acentuam ainda mais a tensão que emana naturalmente do roteiro. Haneke promove uma estranha combinação entre o thriller de tensão e uma visão irônica e cruel sobre o próprio gênero cinematográfico em questão, o que fica evidente nas intervenções de metalinguagem do assassino Paul (Michael Pitt, numa caracterização assustadora). E é justamente nesse último aspecto que fica caracterizada a grande diferença dessa refilmagem para o filme original. Ver um filme de visão tão crítica sobre a questão da banalização da violência com um verniz de produção norte-americana e alguns grandes nomes de Hollywood (Pitt, Naomi Watts, Tim Roth) acentua ainda mais a lucidez e o sarcasmo da concepção brilhante de “Violência Gratuita.

Olho de Boi, de Hermano Penna **1/2


Se em “Sargento Getúlio” o diretor Hermano Penna conseguia imprimir um ambiente alucinatório com uma narrativa coesa e bem focada, em “Olho de Boi”, sua obra mais recente, ele parece ter perdido a mão. Apesar da bela fotografia, a sua narrativa é truncada demais, principalmente devido ao texto marcado por diálogos pouco fluentes e uma linha de interpretação excessivamente empostada dos atores, o que faz com que a produção fique marcada por um tom teatral incômodo. Por mais que o roteiro traga interessantes elementos de tragédia grega e até mesmo influências shakesperianas, a realidade é que nem tudo que funciona bem em literatura ou em teatro funciona adequadamente no cinema.

sábado, maio 16, 2009

Sargento Getúlio, de Germano Penna ***1/2


À princípio, a sinopse de “Sargento Getúlio” (1983) pode fazer supor que o filme se trata de um road movie de aventura pelo sertão nordestino. A obra tem os seus momentos de tiroteios eletrizantes, mas os seus caminhos são outros. A viagem e a aventura vividas pelo personagem título não são apenas físicas, mas, principalmente, sensoriais e simbólicas. As áridas paisagens que compõem a fotografia e a montagem quase febril fazem da jornada do protagonista uma descida aos infernos de uma agreste e soturna alma brasileira. Getúlio (Lima Duarte) vive em permanente conflito contra forças que ele nem mesmo entende direito, apegando-se apenas em suas próprias convicções, num misto de obscurantismo e filosofia quase mística. Levar o prisioneiro até o seu destino final não é apenas cumprir a missão inicial, mas também uma forma desesperada de se apegar a um passado que já está transformado.

O Papel de Sua Vida, de François Fravat ***


Essa produção francesa de 2004 lembra bastante alguns filmes de Eric Rhomer, principalmente por um certo tom de parábola moral. Mesmo não tendo a mesma precisão formal e rigor emocional de Rohmer, o diretor François Fravat consegue obter um resultado bem interessante ao buscar uma trama que não se utiliza de arroubos emocionais, com uma narrativa fluida e serena ao retratar a relação entre uma exuberante atriz e a sua apagada e devota secretária, como se fosse uma versão menos melodramática e mais contida de “A Malvada” (1950), clássico filme de Joseph Mankiewicz.

Em Paris, de Christophe Honoré ****


A influência da Nouvelle Vague presente no filme “Em Paris” não se limita a uma branda influência estética. O que o cineasta francês Christophe Honoré busca no referido movimento cinematográfico é uma liberdade criativa típica de boa parte das produções daquela época (anos 50 e 60), na procura de uma linguagem artística que fuja das amarras de simplesmente “contar uma boa história”. “Em Paris” traz uma série de elementos que podem ser interpretados como homenagens a filmes clássicos, mas que também representam detalhes ousados na sua particular concepção: a trilha sonora jazzística remete a música cool de Miles Davis em “Ascensor ao Cadafalso”, a seqüência de diálogos musicados entre Paul (Romain Duris) e Anna (Joana Preiss) nos traz a mente “Os Guardas-Chuva do Amor”, os toques de metalinguagem na narrativa e a interpretação antinaturalista de Louis Garrel evocam Godard, a crueza no retratar as relações humanas revelam a presença de Truffaut pairando sobre o filme. A junção desses elementos, entretanto, não é gratuita e nem forçada. Honoré combina com brilhantismo todos esses detalhes e forja um estilo único e pessoal. “Em Paris” apresenta uma dinâmica narrativa e uma pungência emocional impressionantes, fazendo de Christophe Honoré um dos nomes mais destacados da atual cinematografia francesa.

Sweetie, de Jane Campion ***1/2


Assim como “Um Anjo em Minha Mesa” (1990), obra imediatamente posterior da diretora Jane Campion, “Sweetie” apresenta uma narrativa recheada de figuras desajustadas em meio a situações ora patéticas ora irônicas. Campion adota um registro frio e distante, o que acentua ainda mais o clima de esquisitice da trama, chegando até mesmo a lembrar um pouco David Lynch, sendo que conflitos, reconciliações e mortes desfilam pela tela de forma seca e indistinta. Confrontando duas irmãs de temperamentos aparentemente opostos, a metódica e aborrecida Kay e a tresloucada Sweetie, a diretora apresenta uma visão pouco amistosa e nem um pouco condescendente da condição humana. Em obras posteriores como “Um Anjo em Minha Mesa” e “O Piano” (1993), ela daria continuidade a essa linha temática e formal, mas pendendo em alguns momentos para uma abordagem mais poética.

Quem Quer Ser Um Milionário, de Danny Boyle ***1/2


Opiniões mais afoitas estão colocando “Quem Quer Ser Um Milionário?” como uma espécie de versão indiana do brasileiro “Cidade de Deus”. Na realidade, o que há são algumas semelhanças como o ritmo frenético da edição em algumas seqüências e no fato de boa parte da trama ser focalizada em zonas miseráveis da Índia. A estética e a narrativa cinematográfica da obra em questão são características do estilo de Danny Boyle filmar e editar os seus filmes, sendo que em produções anteriores dele (“Trainspotting”, “Cova Rasa”, “Extermínio”) já haviam sido delineadas muitas das qualidades marcantes de “Quem Quer Ser Um Milionário?”. Aliás, o grande atrativo do filme é justamente a particular concepção formal oferecida por Boyle. A trama é uma fábula que beira o simplório, mas que acaba adquirindo interesse pela impactante combinação entre a coloridas e exuberantes imagens com a exótica e dançante trilha sonora. Só aquela seqüência ao som da magnífica canção “Paper Planes” de M.I.A., com direito a um assalto pelo teto de um trem em movimento, já valeria o ingresso.

sábado, maio 09, 2009

Watchmen, de Zack Snyder **


Sem querer parecer exagerado, mas considero a minissérie “Watchmen” a melhor história em quadrinho que já li. O fato de não ter gostado de sua adaptação para os cinemas, entretanto, não tem relação com uma possível birra de um fã. O que me incomoda no filme são os seus defeitos como cinema, e não por um simples fato de não ter sido respeitoso à obra original. Para começar, as seqüências de ação padecem dos mesmos problemas de “300” (2007), o filme anterior de Zack Snyder: há um abuso de planos estáticos e câmeras lentas que dão a impressão de estarmos assistindo a um longo comercial de sabonete. Houve também equívocos no roteiro que simplificou ou resumiu as várias subtramas que compõem o texto original, o que faz com que o filme fique incompreensível para o espectador que não tenha lido anteriormente ao gibi. Não por acaso, muitas pessoas saíam no meio da sessão quando fui assistir ao filme. Além disso, focou-se em demasia detalhes supérfluos como lutas de coreografias mal ajambradas de artes marciais que se estendem em demasia (no gibi, elas se resumem a um ou dois quadros).

Assistir a “Watchmen”, porém, não chega a ser uma experiência tão tormentosa assim, mesmo com todos esses problemas. Mesmo com todas as reduções no texto original, a trama preserva algo do encanto do gibi, com aquela linha de narrativa combinando ironia e amor ao gênero dos quadrinhos de super-heróis, além da relação genial entre ficção e realidade. Vale mencionar ainda que algumas caracterizações dos personagens ficaram bem interessantes, principalmente a do violento vigilante Rorschach.

Na verdade, a minha decepção com “Watchmen” nem foi tão grande assim, pois o currículo de Snyder não me fez criar muitas expectativas positivas. Até acho que o filme saiu melhor do que o esperado...

Força Policial, de Gavin O'Connor ***


Todos os clichês possíveis de filmes policiais estão em “Força Policial” (2008): corrupção, violência, conflitos familiares, dilemas morais, personagens durões. Mas quem disse que originalidade é condição indispensável para se fazer um bom policial? No final das contas, o que importa é se há competência para combinar todos esses lugares comuns e realizar uma produção capaz de manter o interesse do espectador, e nesse quesito o diretor Gavin O´Connor até que se dá bem. Na surrada trama de uma família em que a maioria dos homens trabalha na polícia e descobre que há um corrupto entre eles, o diretor conduz a narrativa de forma vertiginosa e sombria, além de contar com um elenco mais do que eficiente. Mesmo distante da excelência artística de clássicos do gênero como “Colateral” ou “Viver e Morrer em Los Angeles”, “Força Policial” é uma obra de respeito para quem gosta de tiros e tensão.

Milk, de Gus Van Sant ****


Vindo de três filmes de postura pouco comercial (“Elefante”, “The Last Days” e “Paranoid Park”), o cineasta Gus Van Sant pode fazer o espectador mais desavisado pensar que “Milk” é a sua volta para um cinema mais acessível. A verdade é que realmente “Milk” apresenta alguns elementos mais digeríveis para o grande público, principalmente pela trilha sonora sentimental e um roteiro permeado de discursos politicamente corretos, mas o seu resultado final preserva muito do forte tom autoral típico de boa parte da cinematografia de Van Sant. O diretor casa magistralmente a recriação dramática da trajetória de Harvey Milk com imagens de arquivo da época (anos 70, essencialmente), fundindo esses planos narrativos de forma tão coesa que chega a um ponto que é até difícil em algumas seqüências distinguir os mesmos. A recriação da atmosfera da época também é primorosa, tanto pelo trabalho de direção de arte quanto pelo conteúdo da trama, não havendo concessões ou maniqueísmos para refletir o forte espírito hedonista e libertário da San Francisco setentista. Também nesse sentido de evitar simplificações ingênuas, é muito bem trabalhada a caracterização dos fatos e personagens, com Van Sant evitando polarizar a trama em mocinhos (gays) e bandidos (homofóbicos). O que se tem muito presente no roteiro é uma história que envolve questões mais complexas como jogos políticos, ressentimentos e relacionamentos mal resolvidos. Contribuiu consideravelmente para o sucesso dessa narrativa bem estruturada o trabalho do elenco de atores, principalmente por parte de Sean Penn, que tira o protagonista da simples vitimização ao dar para o mesmo uma interpretação cheia de nuances dramáticas, e também de John Brolin que faz do homicida Dan White um pobre coitado patético e ao mesmo tempo assustador.

O Segredo do Grão, de Abdel Kechiche ****


Poucos meses atrás, tive uma grata surpresa ao assistir “A Esquiva” (2004), do diretor tunisiano Abdel Kechiche. Tendo como cenário um subúrbio francês e tendo como personagens jovens descendentes de emigrantes árabes, a obra tinha uma dinâmica extraordinária, conciliando de maneira admirável uma temática de forte cunho social com um senso de humor fantástico. Em “O Segredo do Grão” (2007), obra mais recente de Kechiche, o diretor retoma basicamente o mesmo cenário e o mesmo tratamento narrativo, obtendo um resultado de impacto ainda maior. Tanto a fotografia quanto a montagem oferecem uma fluidez impressionante para a trama chegando ao ponto de se ter a impressão de assistir a um documentário de cenas do quotidiano tamanho o naturalidade com que os fatos vão se sucedendo. Nada parece ensaiado, os atores parecem não interpretar, apenas agem, os diálogos parecem brotar do momento, o que faz com que as palavras sejam proferidas com intensidade e veracidade raras de ver nas telas. Nesse contexto, é até injusto tentar destacar seqüências específicas do filme, tendo em vista a unidade e a coerência formais que permeiam “O Segredo do Grão”. Mas é provável que uma boa parte dos apreciadores de cinema leve para sempre na memória de momentos antológicos cinematográficos a majestosa seqüência final em que dois planos narrativos se alternam e se complementam: a corrida desesperada e melancólica até o esgotamento físico (ou vital?) do protagonista Slimane Beiji em busca da sua motocicleta roubada e a luxuriosa dança do ventre executada pela enteada de Slimane, Rym (em caracterização possessa da jovem Hafsia Herzi), numa estranha e bela dicotomia entre sexo e morte.

Rebobine, Por Favor, de Michel Gondry ***1/2


O cineasta francês Michel Gondry já havia demonstrado um talento extraordinário no sensacional “Brilho Eterno de Uma Mente Sem Lembranças” (2004) na combinação de elementos insólitos e esquisitos num filme sem cair para os excessos experimentais. Em “Rebobine, Por Favor” (2008), ele volta a mostrar as mesmas qualidades em uma obra que beira o surreal. A fotografia granulada, os enquadramentos falsamente amadores, a trama que envereda seguidamente pelo absurdo, a narrativa que vai fluindo quase que por improviso e um elenco que se utiliza de caracterizações impressionistas e exageradas formam um conjunto instigante e encantador. A idéia de fazer dois amigos avoados (Mos Def e Jack Black) recriarem em condições precárias, mas com muita paixão, uma série de filmes famosos não necessariamente clássicos pode inicialmente parecer uma mera paródia, mas com o tempo vai se revelando uma pungente declaração de amor ao cinema. No terço final, “Rebobine, Por Favor” até apresenta uma certa queda para o convencional e chega a ter uma conclusão que raspa no edificante. Isso não o invalida, entretanto, como uma das produções mais marcantes que passaram pelos cinemas em 2009.