sexta-feira, junho 28, 2013

Reality - A grande ilusão, de Matteo Garrone ***1/2


Se em “Gomorra” (2008) enveredava por um viés formal de estilo seco e realista, beirando o documental, em “Realiy – A grande ilusão” (2012) o diretor italiano Matteo Garrone apresenta uma estética mais abrangente, mas igualmente contundente. Ao abordar o fascínio popular pelo artificialismo e frivolidade dos reality shows, o cineasta utiliza um registro que tanto se vale de alguns preceitos típicos do neo-realismo quanto de uma caracterização exagerada e grotesca de comédias clássicas como “Feios, sujos e malvados” (1976). O resultado é uma obra que consegue se equilibrar de forma notável entre o drama de caráter quase fabular e a ironia amarga. A direção de fotografia consegue obter contrastes desconcertantes – nas cenas externas na região humilde onde vive o protagonista Luciano (Aniello Arena) por vezes os enquadramentos apresentam soluções visuais belíssimas, que valorizam com sensibilidade a beleza rústica do ambiente de prédios antigos, mas quando a trama se desenvolve nas locações mais “luxuosas” (festas de casamentos, estúdios televisivos) o estilo visual adota um tom algo delirante nas decorações e figurinos de gosto duvidoso. E a própria conclusão de “Reality” acentua esse inquietante misto de atração e repulsa que é a tônica da produção, o que torna a visão crítica de Garrone sobre a sociedade moderna ainda mais aguda.

quinta-feira, junho 27, 2013

Muito além do peso, de Estela Renner **1/2


Depois de assistir recentemente a uma obra singular como “Elena” (2012), que se propõe a desconstruir o próprio gênero ao qual pertence, ver um documentário de formatação mais tradicional como “Muito além do peso” (2012) pode gerar comparações injustas. Mas se a produção de Estela Renner não apresentar novidades no campo formal, obedecendo à clássica estrutura de entrevistas e imagens de arquivo, é de se convir que o filme é bastante convincente no seu discurso temático. Ao retratar o problema contemporâneo da obesidade infantil, não poupa o espectador de imagens e histórias fortes. Sua contundência também se expande para uma visão ampla das possíveis causas e das preocupantes conseqüências do crescimento do número de crianças e adolescentes com excesso de peso. Assim, a obra questiona até valores caros da sociedade capitalista e consumista, em que comer alimentos de alta carga calórica pode ser um sinal de status social e em que um número cada vez maior de crianças com doenças como diabetes e colesterol alto também representa maiores lucros para a indústria de alimentos e para as agências publicitárias. Nesse contexto, percebe-se que a intenção principal de “Muito além do peso” não está necessariamente em se tornar um marco estético do gênero documentário, mas sim na conscientização social, sendo que nesse último quesito é inegável que o filme atinge seu objetivo. Eu mesmo nunca mais conseguirei tomar uma lata de Coca Cola sem me vir à mente algumas imagens terríveis do filme...

quarta-feira, junho 26, 2013

Depois da Terra, de M. Night Shyamalan **1/2


Confesso que nunca compreendi muito bem todo o oba oba que se costumava fazer em torno do diretor M. Night Shyamaln. Ele até ocasionalmente conseguiu fazer alguns ótimos filmes (“A dama do lago”, “Fim dos tempos”), mas na maior parte da sua filmografia dá para dizer no máximo que ele é um artesão competente, sem conseguir demonstrar um traço autoral em termos formais e temáticos. Tal impressão se confirma em “Depois da Terra” (2013). Não que o filme seja ruim. Dá para sentir algumas boas ideias e conceitos interessantes que de vez em quando aparecem na produção, além das cenas de ação serem bem feitas. Mas nada que vá muito além disso. Inexiste no filme um elemento efetivo de tensão dramática ou alguma sequência que fuja do trivial. Do jeito que ficou, Shyamalan se mostra cada vez mais nivelado aos tarefeiros de plantão de Hollywood.

terça-feira, junho 25, 2013

O grande Gatsby, de Baz Luhrmann **


Na obra original literária, “O grande Gatsby” é uma tradução exemplar das obsessões temáticas de seu autor Scott Fitzgerald. Sua trama refletia como o hedonismo de festa, sexo e álcool típico dos anos 20 escondia um tremendo vazio existencial daquela geração. Assim, num primeiro momento, o fato da versão cinematográfica de “O grande Gatsby” (2013) trazer como diretor o australiano Baz Luhrmann faria um certo sentido. Afinal, a cinematografia do cineasta é marcada por obras visualmente opulentas, beirando o barroco, o que estaria em sintonia com as grandiosas festas dadas pelo protagonista Jay Gatsby (Leonardo DiCaprio). O resultado final dessa união entre os universos artísticos de Fitzgerald e Luhumann, entretanto, acabou sendo indigesto. Os exageros estéticos do diretor podem passar uma certa impressão de ousadia formal, mas na realidade estão mais para uma fórmula equivocada que por vezes é levada à exaustão (além de eliminar um dos prazeres mais apreciáveis do livro que é a sutileza emocional). A encenação histérica, a fotografia de tons coloridos ostensivos e a edição frenética da primeira metade do filme fazem com que tudo pareça um grande vídeo clip (ainda que a trilha sonora misturando música de época com rap e rock seja uma bela sacada). Essa confusão estilística deve ter cansado até o próprio Luhrmann, pois na metade final o filme ganha uma narrativa mais convencional e amorfa, o que torna a produção bastante descompassada. Mais do que uma versão cinematográfica inferior ao seu original literário, “O grande Gatsby” é um filme que incomoda pelos seus equívocos e irregularidades como cinema propriamente dito.

segunda-feira, junho 24, 2013

Siba - Nos balés da tormenta, de Caio Jobim e Pablo Francischelli ***


Para mim, talvez seja fácil gostar de “Siba – Nos balés da tormenta” (2012). Afinal, o documentário tem como protagonista um músico que gosto muito, o que por si só já faria o filme ganhar vários pontos comigo. Mas acredito que haja ainda um pingo de isenção em mim, sendo que assim consigo ver os méritos próprios da obra. Para começar, há a grande sacada da produção se focar de forma primordial sobre a arte de Siba. É claro que se menciona algo sobre a vida do artista, mas relacionando sempre os fatos pessoais com a sua formação musical. Além disso, os diretores Caio Jobim e Pablo Francischelli mostram argúcia narrativa e temática ao focalizar como o ambiente rural e de festas tradicionais do interior de Pernambuco foram influências capitais nas concepções artísticas de Siba. Não só isso: no roteiro do documentário, consegue-se captar com sensibilidade muito da essência estética de Siba – a complementação entre as raízes tradicionalistas com o senso universal propiciado pelo lado roqueiro do músico (e que foi também um dos grandes pontos criativos do Mangue Beat). O documentário não é tão tradicional na sua formatação, pois não apresenta a evolução do músico de forma cronológica. Ainda sim, pode-se conhecer quase todos os passos das mutações do músico, principalmente nas suas colaborações antológicas com o grupos Mestre Ambrósio e Fuloresta, na parceria com o violonista Roberto Corrêa e o recente trabalho solo, “Avante”. E o filme foge do óbvio ao trazer vários momentos em que Siba e seus colaboradores discutem e ensaiam arranjos, harmonia e melodia e buscam até o timbre exato dos instrumentos para cada canção. Ou seja, ao invés da celebração do arrivismo mercenário de “Os dois filhos de Francisco” (2005), há aqui uma verdadeira homenagem à música e ao ato de compor.

sexta-feira, junho 21, 2013

Velozes e furiosos 6, de Justin Lin ***


É até admirável a tremenda cara de pau do diretor Justin Lin e roteiristas e produtores de “Velozes e furiosos 6” (2013): o filme é escancaradamente descerebrado, sexista, preconceituoso, ufanista, mal atuado. Só que tudo é tão exagerado e caricatural que a obra beira o surreal. As cenas de ação, por exemplo, não só desafiam as leis da física como no faz imaginar Dominic Toretto (Vin Diesel) e seus asseclas são superdotados – afinal, as coreografias de violência e ação em que se envolvem exigiriam uma rapidez de pensamento excepcional para poder calcular saltos e demais acrobacias. Convenhamos: exigir coerência, originalidade, sensibilidade e inteligência da franquia é meio exagerado. O negócio aqui é ação desenfreada, explosões e perseguições automobilísticas com super carrões e nisso Lin caprichou. Dos filmes da franquia, esse é o exemplar que mais extrapola a verossimilhança, chegando ao limite do cartunesco tamanho o absurdo das encenações de Lin, tanto que os carros competem até com tanques de guerra e aviões em algumas sequências. É entretenimento brutal e escapista, mas efetivamente divertido.

quinta-feira, junho 20, 2013

Elena, de Petra Costa ****


Na designação de gênero cinematográfico, “Elena” (2012) estaria enquadrado como documentário. Afinal, a premissa de sua trama consiste no relato de um fato real: a trajetória pessoal de uma atriz e bailarina que se suicidou aos 20 anos. Ocorre que a realizadora do filme é a própria irmã da figura título, e assim sua concepção foge da simples exposição da “realidade”. O viés de Petra é bastante pessoal e autoral – para ela, interessa muito mais a sua impressão personalista, a forma com que as situações da vida de Elena influenciaram sua vida. Nesse contexto, há momentos em que a produção expande as fronteiras do documentário, convertendo-se numa narrativa que beira o delírio e carregada de um simbolismo desconcertante. Em tal viés, a vida de Elena vai sendo exposta em diferentes camadas. Num nível mais intimista, há um lado de evidente admiração no olhar de Petra em relação à irmã, em que Elena é vista quase como uma força da natureza no seu conjunto de beleza, talento e sensibilidade. Mas o filme avança o mero olhar de pura admiração. Aos poucos, uma atmosfera um tanto mórbida e doentia toma conta, onde a depressão de Elena entra em cena de forma devastadora. O filme adquire o aspecto de uma pequena saga familiar, em que o mal psíquico de Elena não só a leva à morte como desperta também os demônios interiores da irmã, fazendo lembrar episódios nebulosos da adolescência da mãe das duas e levando à inquietante dúvida se Petra também não estaria destinada a um destino semelhante. Há ainda um outro lado na forma com que o roteiro pode ser visto, em que o político e o intimo se entrelaçam. Concebida durante a ditadura militar, Elena era filha de perseguidos pelo regime, nascendo na clandestinidade. Quando vai para Nova Iorque, em 1990, aos vintes anos, a procura de novos horizontes para sua carreira artística, coincide com a ascensão de Collor ao poder, e com o isso fim da Embrafilme e, por conseqüência, do cinema brasileiro. É como se os percalços pessoais de Elena fossem a manifestação existencial das agruras do Brasil.

Esse volume impressionante de ideias, referências e impressões recebe um brilhante tratamento formal por parte de Petra Costa (e que lembra bastante o fantástico documentário norte-americano “Tarnation”). Sua base inicial são gravações audiovisuais caseiras, e nisso a diretora foi agraciada pelo fato surpreendente da qualidade de tais registros (alguns deles feitos pela própria Elena) – há belíssimas cenas de danças, depoimentos reveladores da biografada, cenas de brincadeiras, pequenas peças. Petra manipula esse farto material de arquivo numa montagem criativa e de dinâmica extraordinária, casando com uma trilha sonora arrebatadora. A estética de “Elena” é reflexo do já aludido viés pessoal da obra, em que os limites da fantasia e do real por vezes se misturam. Há seqüências em que Petra emula recriações dramáticas da trajetória de Elena, realiza coreografias de danças, até faz filmagens aquáticas. Todo esse subjetivismo da diretora gera uma mutação antológica, em que aquilo que era um drama familiar de alcance aparentemente restrito acabe ganhando uma dimensão épica e se torne referencial.

quarta-feira, junho 19, 2013

Nota de rodapé, de Joseph Cedar ***1/2


A combinação cinema e literatura atinge uma insólita síntese na produção israelense “Nota de rodapé”. O filme não é uma adaptação de um livro. A relação entre as referidas mídias ocorre devido à temática do filme, cujos protagonistas, pai e filho de difícil relacionamento, são pesquisadores acadêmicos que lidam com a palavra escrita. A obsessão com tal objeto de trabalho acaba se estendendo para as suas vidas. E é aí que o diretor Joseph Cedar estabelece uma tensa narrativa que se divide com naturalidade entre o humor amargo e o drama contido. Cedar obtém um registro de tons kafkanianos – várias seqüências do filme se desenvolvem em ambientes fechados, escuros e algo sufocantes. A prolixidade dos diálogos em determinadas cenas contrasta de forma contundente com momentos em que predomina um silêncio inquietante. Com precisão, são inseridas trucagens visuais em que as palavras de livros se embaralham com a encenação naturalista. Toda essa concepção estética embala uma engenhosa trama que critica com sutileza e ironia a fogueira das vaidades da vida acadêmica, sem esquecer de ressaltar em pequenas nuances o clima de paranóia e opressão que a sociedade israelense vive na atualidade. As acertadas escolhas temáticas e formais de Cedar acabam coroadas com a bela conclusão do filme, em que os dotes de filólogo de um dos personagens principais ganham um uso desconcertante e fundamental no sentido existencial de “Nota de rodapé”.

terça-feira, junho 18, 2013

Doméstica, de Gabriel Mascaro **


A formatação de “Doméstica” (2012) representa outra tendência que tem se mostrado recorrente no gênero documentário - aquela em que o diretor da obra usaria como matéria-prima imagens gravadas por terceiros, geralmente de caráter caseiro ou amador. A unidade desse material seria dada pela montagem. No caso do filme em questão da Gabriel Mascaro, quem fez tais registros foram filhos de “patrões” a filmarem o cotidiano e impressões pessoais de suas respectivas domésticas. É claro que uma certa unidade conceitual na obra: a de que todas essas pessoas trazem em suas histórias íntimas uma carga expressiva de sofrimentos e desilusões, fruto de uma série de privações materiais e emocionais. Nesse sentido, é inegável que “Doméstica” tenha forte relevância como registro sociológico e humano. Ocorre que como cinema a produção fica devendo. A falta de uma marca mais pessoal na direção de Mascaro faz com que não haja uma coerência formal na maneira com que essas diversas crônicas de rotinas se interligam, o que acaba tornando a narrativa trôpega, irregular. A empatia com o público vem muito mais dos dramas (e eventuais comicidades) em estado bruto de seus protagonistas do que dos méritos artísticos da obra.

segunda-feira, junho 17, 2013

Sibila, de Teresa Arredondo ***


Na maioria das vezes, o gênero documentário foi visto como a forma mais objetiva e realista do cinema se manifestar. Por mais que trouxesse uma visão própria de seus autores, essas produções teriam fatos como essência, como matéria-prima. Além disso, seus diretores e roteiristas são vistos como terceiros que guardam alguma distância emocional com a temática focada. Nos últimos anos, entretanto, tal concepção vem sendo posta em cheque por obras documentais que trazem um forte enfoque subjetivo e intimista, em que a impressão pessoal do realizador acaba sendo mais importante que a objetividade dos fatos. Por vezes, os autores de tais filmes até apresentam ligação estreita com os seus protagonistas, acentuando ainda mais esse aspecto de pessoalidade. “Sibila” (2012) é um exemplar expressivo dessa tendência. Tão importante quanto mostrar os motivos que levaram Sybila Arredondo a se juntar ao grupo terrorista Sendero Luminoso e, consequentemente, ser presa é mostrar o impacto que isso teve na vida na diretora Teresa, sobrinha de Sybila, e como a cineasta compreende a situação de sua parenta. Apesar dessa origem temática, o filme está longe de ser apenas um acerto de contas doméstico. “Sibila” não apresenta soluções fáceis para o espectador. Teresa acaba enveredando por um caminho inquietante – em mais da metade inicial do filme, ela capta as impressões de parentes, amigos e conhecidos sobre Sybila, onde cada um dos depoentes tenta encontrar uma explicação para o que ocorreu. Nos momentos finais da produção, foca-se numa longa entrevista com a protagonista. Suas respostas são incisivas, desafiadoras, fundamentadas com uma coerência muito própria. Esse confronto das opiniões de “terceiros” com as ideias de Sybila produzem um contraste desconcertante, que mais instiga do que responde as dúvidas da diretora e da plateia. E o grande mérito de “Sibila” está em justamente enfatizar as complexidades da natureza humana, ao invés do convencionalismo de impor preceitos moralistas e simplificadores. Teressa Arredondo pode não ter conseguido as respostas que queria, mas conseguiu construir uma obra de fôlego peculiar e marcante.

sexta-feira, junho 14, 2013

Up!, de Russ Meyer ****


Retrato emblemático das obsessões artísticas do diretor norte-americano Russ Meyer, “Up!” (1976) extrapola a simples curiosidade por filmes bizarros. Por trás de uma estrutura típica de uma obra exploitation, revela-se um filme bastante inquietante em termos estéticos. Meyer revela um ideário confuso e alucinado, que beira o surreal, onde cabe uma sátira política (evidente na figura de um clone de Hitler que aprecia a sodomia), uma vasta coleção de perversões sexuais e estrutura de tragédia clássica (não é gratuita a presença de uma gostosona pelada que comenta as cenas no estilo coro grego). Essa coleção de esquisitices temáticas recebe tratamento formal de criatividade intensa e peculiar. O notável senso de composição cênica, os enquadramentos de tons grandiosos, a frenética montagem e a constante atmosfera de sordidez compõem um todo estético de grande impacto sensorial, milhas adiante da equivocada alcunha de trash, comprovando que poucos diretores tiveram uma assinatura cinematográfica tão personalíssima quanto Meyer.

quinta-feira, junho 13, 2013

Sem proteção, de Robert Redford ***


Mesmo não estando no mesmo nível artístico de alguns dos melhores filmes do Robert Redford como diretor (“Gente como a gente”, “Nada é para sempre”, “Quiz Show”), “Sem proteção” (2012) é uma obra que se revela em sintonia com a carreira e a própria persona do cineasta. Redford sempre foi um clássico liberal – tanto nas produções em que dirigiu quanto nos seus posicionamentos pessoais, mostrou uma postura crítica em relação à política dos Estados Unidos, mas sem defender ideais muito radicais. Ou seja, é o rebelde que a família norte-americana (ou até mesmo no resto do Ocidente) gosta. “Sem proteção” é o reflexo claro disso. O filme tem por temática as conseqüências de atos contra a ordem praticados por grupos terroristas nativos durante os anos 60. Apesar do filme ter uma certa postura questionadora de valores, o que fica realmente evidente é uma certa postura desiludida em relação a medidas mais extremas envolvendo violência e morte por parte de alguns membros desses grupos dissidentes, vistas pelo protagonista Jim Grant (Redford interpretando um alter ego) como uma espécie de corrupção e distorção dos princípios de igualdade e fraternidade tão valorizados nos anos 60 pelos movimentos de contracultura. Redford é convencional na formatação de “Sem proteção” ao estruturá-lo como um thriller, mas executa tal concepção com elegância narrativa. É curioso observar ainda que Redford deve permanecer com o crédito alto entre seus pares, pois é impressionante a quantidade de atores e atrizes de renome que aceitaram atuarem em minúsculos papéis de coadjuvantes.

quarta-feira, junho 12, 2013

Se beber, não case 3, de Todd Phillips **


Obedecer a uma determinada fórmula narrativa não significa necessariamente algo ruim. Se tal fórmula representar uma premissa interessante e ela for bem trabalhada, o resultado pode ser satisfatório. No caso de “Se beber, não case 3” (2013), ocorre que Todd Phillips procurou fugir da estrutura de roteiro dos dois primeiros filmes da franquia. Essa decisão, entretanto, acaba jogando contra a sua obra, pois retira justamente aquilo que expandia as possibilidades criativas das produções anteriores. Nesse novo capítulo, Phillips usa uma trama que se foca muito mais no gênero policial aventura do que propriamente na comédia, o que acaba descaracterizando muito da essência da série. Aquela combinação personalíssima de humor negro, pastelão e escatologia é jogada de lado em nome da ação desenfreada e genérica com eventuais toques cômicos (na maioria das vezes na pele do insosso Zach Galifianakis). Na realidade, o filme dá uma ideia de cansaço criativo, tanto por parte de Phillips quanto no seu elenco (por vezes, se tem a impressão de desânimo nas atuações de Bradley Cooper e Ed Helms). O engraçado é que a ótima seqüência que aparece depois dos créditos finais dá a impressão de que poderia ser utilizada na realidade como abertura do filme e dali poderia se desenvolver um roteiro interessante e nos moldes das produções anteriores. Poderia ser previsível, mas certamente seria bem mais engraçado.

terça-feira, junho 11, 2013

Holy Motors, de Leos Carax ****


A multiplicidade de personagens interpretadas por um protagonista misterioso (Denis Lavant) é reflexo de um dos aspectos mais intrigantes de “Holy Motors” (2012), que é o fato do seu roteiro compilar mais de um gênero – drama, comédia, ficção científica, fantasia, suspense, horror. O insólito dessa proposta não representa mera aleatoriedade. No meio desse aparente caos temático, o diretor Leos Carax estabelece uma lógica própria e de encanto perturbador. A diversidade de gêneros propicia que Carax se aventure por abordagens formais diferentes que tanto podem se complementar quanto entrarem em choque. É como se o espectador entrasse numa montanha russa sensorial. Se por vezes as situações da trama e a concepção estética enveredam por um visual delirante e pela narrativa de caráter simbólico, em outros momentos a linguagem beira o naturalismo. Assim, a criatividade textual e estilística da Carax é intensa em “Holy Motors”, fazendo com que até mesmo Paris se torne um personagem próprio, com a cidade variando do retrô até uma ambientação onírica e/ou futurista. A desconcertante conclusão da obra, de viés fabular, mais levanta dúvidas do que esclarece a loucura narrativa apresentada. Tal desfecho, entretanto, é coerente com o perfil artístico de “Holy Motors” e acentua ainda mais a visão inquietante do mundo pelos olhos de Carax.

segunda-feira, junho 10, 2013

Terapia de risco, de Steven Soderberth ***1/2


Nos seus filmes mais recentes, Steven Soderbergh tem seguido por uma abordagem bem definida. Trabalhando em gêneros delimitados (drama, ação, filmes catástrofes) e usando por base roteiros de tópicos clássicos, o que interessa para o diretor é fazer um exercício estético baseado na concisão narrativa e numa abordagem emocional distanciada. O efeito sensorial é estranho, no sentido de que Soderbergh parece querer desconstruir e esmiuçar os mecanismos de todos esses gêneros em que se aventura. Isso fica evidente também em “Terapia de risco” (2013), obra em que o diretor tem como arquétipo a estrutura do suspense. A trama é bastante engenhosa em seu desenvolvimento –as viradas dramáticas realmente conseguem surpreender. Mas é em determinadas nuances estilísticas que a produção se mostra efetiva em sua transcendência artística – a direção de fotografia repleta de sutilezas de iluminações e enquadramentos, a montagem de encadeamento fluido, os elegantes temas da trilha sonora, a variação de composições dramáticas de seu elenco (é notável como Soderbergh consegue tirar Channing Tatum de forma convincente do seu perfil de galã canastrão).

sexta-feira, junho 07, 2013

A visitante francesa, de Hong Sang-soo ***1/2


Há uma sofisticação narrativa na produção sul-coreana “A visitante francesa” (2012) que se esconde atrás da sua enganosa aparência de “amadorismo” formal e ingenuidade temática. Os “zooms” repentinos de enquadramentos e os tons esmaecidos de fotografia na verdade compõem uma obra de dinâmica fluida e de naturalidade admirável. Por vezes, até lembra aquele estilo casual do francês Eric Rohmer, de abordagem de certo distanciamento emocional, que no final das contas mais acentua uma insuspeita ironia. O estranhamento desse formalismo diferenciado encontra ressonância num roteiro que combina habilmente uma encenação naturalista com eventuais passagens de humor quase anedótico e até de um inesperado teor onírico. Essas concepções artísticas personalíssimas do diretor Hong Sang-soo se mostram em sintonia com a extraordinária atuação de Isabelle Huppert, que varia com sutileza entre a contenção dramática e a comicidade discreta.

quinta-feira, junho 06, 2013

O abismo prateado, de Karim Aïnouz ***


Em seus dois terços iniciais, pode-se dizer que “Abismo prateado” (2011) apresenta uma concepção formal em sintonias com outras obras anteriores do diretor Karim Aïnouz. Privilegia-se uma narrativa de tons sensoriais – o foco está concentrado muito mais nas reações e expressões da personagem Violeta (Alessandra Negrini, em atuação visceral) do que na explicação dos motivos de suas angústias. Essa opção faz com que haja uma atmosfera tensa e perturbadora para o filme. Aos poucos, as explicações vão surgindo, em pequenos e sutis detalhes do roteiro. Aïnouz revela uma expressiva engenhosidade temática: ao expor as entranhas do intimismo de uma relação amorosa, também evidenciando uma série de questionamentos a valores pequeno-burgueses de suas criaturas. No terço final, a produção toma um direcionamento diverso, quando Violeta conhece uma menina e seu pai, família de origem humilde, o que faz com que ela questione as suas motivações. Tal recurso da trama parece sugerir um desejo de Aïnouz em se aproximar daquele cinema mais sentimental e de valorização do “Brasil profundo” típico das produções de Walter Salles e afilhados. Faz pensar ainda na busca de uma maior acessibilidade em busca da ampliação de seu público. Esse direcionamento acaba tirando muito do impacto de “Abismo prateado”, fazendo temer uma possível diluição do traço autoral de Aïnouz.

quarta-feira, junho 05, 2013

Depois de maio, de Olivier Assayas ****


A trilha sonora de “Depois de maio” (2012) é bastante emblemática em relação à própria abordagem temática e estética do filme. Entre tais temas melódicos, prevalece um cancioneiro roqueiro situado entre final dos anos 60 e início dos 70, com enfoque maior para um amálgama de músicas que se situam entre o folk pastoril, o psicodélico e o progressivo. Pois o que se vê na tela é justamente a tradução visual dessa ambiência sonora. Olivier Assayas concebe uma narrativa que se situa num universo quase à parte – as situações de conflitos típicos da época (início dos anos 70, na ressaca do célebre maio de 1968) e os dilemas dos personagens são encenados com uma leveza desconcertante (a trágica morte de Maria, por exemplo, beira o poético). O roteiro tem tintas autobiográficas inspiradas na vida de Assayas, mas há uma ambiguidade intrigante na forma com que a trama se desenrola, pois por vezes o filme beira o fetichismo através de um registro audiovisual que privilegia a idealização, cuja direção de fotografia valoriza o tipo físico jovem e belo de seu elenco principal e também rústicas paisagens interioranas, ao mesmo tempo que a história traz um forte conceito de desilusão com certos ideais políticos e comportamentais. Assim, o olhar de Assayas é marcado pela complexidade e pela ausência de maniqueísmos. A atmosfera nostálgica de uma época em que jovens se metiam efetivamente em conflitos políticos e sociais, buscavam alternativas de vida no campo das relações amorosas e tinham uma vivência mais intensa com atividades culturais se choca com algumas das amargas conseqüências dessa vivência. E é na força dessa dualidade de “Depois de maio” que reside o seu forte impacto sensorial, em que o imaginário do espectador é jogado para dentro do dissoluto espírito de uma época.

terça-feira, junho 04, 2013

A face, de Ruggero Deodato ***


Mesmo lançado numa época em que o cinema de horror italiano começava a dar os seus primeiros sinais de decadência, “A face” (1988) ainda conserva alguma das boas qualidades características daquela corrente cinematográfica. O tema pode ser um tanto batido e a abordagem formal não apresenta qualquer novidade, mas o diretor Ruggero Deodato consegue por vezes impressionar ao elaborar uma perturbadora atmosfera de sordidez e violência na sua narrativa. O filme é um curioso pastiche de determinadas vertentes do terror italiano, revelando principalmente influências das obras giallo de Dario Argento e dos climas macabros e góticos das produções mais expressivas de Mario Bava. O gosto de Deodato por um certo barroquismo exagerado encontra ressonância nos ostensivos temas da trilha sonora concebida por Pino Donoggio e na composição dramática de Michael York no papel do protagonista – por mais que o ator em alguns momentos revele tendências para o canastrão, é inegável que sua atuação over realça os aspectos grotescos de seu personagem.

segunda-feira, junho 03, 2013

O último concerto, de Luigi Cozzi **


Num primeiro momento, dá até para pensar que “O último concerto” (1976) representa uma inesperada fuga do diretor italiano Luigi Cozzi do universo dos filmes de gênero. Afinal, não é uma obra de horror, suspense ou ficção científica. Um olhar mais minucioso e a compreensão do momento histórico de sua realização, entretanto, faz com que se perceba que se trata de uma produção de gênero, só que na linha dos melodramas. Afinal, a década de 70 também foi marcada pelo enorme sucesso e influência de “Love Story” (1970). Cozzi mimetiza de forma sincera e desajeitada boa parte dos truques estéticos e emocionais de sua fonte inspiradora: tema musical meloso onipresente, roteiro esquemático (inclusive com direito a um dos principais personagens com uma doença incurável) e sentimentalismo açucarado em doses industriais. O resultado final por vezes é constrangedor no seu teor derivativo e nos golpes sentimentais grotescos. Por seus méritos formais, o filme nunca ultrapassa além do meramente descartável, mas acaba valendo uma conferida por se tratar de uma curiosidade histórica emblemática de uma era.