A relação entre cinema e literatura atinge um estágio
bastante singular na versão para as telas concebida pelo diretor francês
Jacques Rivette para “A religiosa” (1966), baseada no texto original de Denis
Diderot. O cineasta não envereda por uma direção tão precisa – o filme tanto
preserva e ressalta uma linguagem muito próxima da literária, mas também traz
uma estrutura narrativa cujo sentido é bastante próprio de um meio de expressão
particularmente cinematográfico. O que pode parecer, então, uma certa
esquizofrenia formal se revela como uma estética ousada e envolvente. Rivette
preserva aquilo que a trama teria de mais básico e extrai a essência daquilo
que eterniza a escrita de Diderot: a combinação intrínseca entre dramatismo e
ironia, o distanciamento emocional que se aproxima do sarcasmo, a crítica ácida
das instituições religiosas. É como se o livro fosse descarnado, reduzido a um
sentido primordial, e nesse processo o próprio cinema de Rivette adquirisse uma
contundente concisão. Dessa forma, prevalece um rigor que se estende pelos
principais pilares de “A religiosa”. A direção de arte é espartana, as composições
dramáticas do elenco são concentradas em definições exageradas em detrimento de
psicologismos detalhados, montagem e roteiro se relacionam numa narrativa elíptica
(é como se um livro fosse lido com algumas páginas arrancadas). E nessa adaptação
que se esgueira entre a fidelidade e a transgressão, Rivette parece
desconstruir sutilmente alguns cânones até do gênero dos filmes de época.
Assim, a produção acaba soando perturbadora tanto para carolas pelo seu forte
teor anticlerical quanto para aqueles apreciadores de um cinema mais comportado.
Queria muito ter visto esse na mostra que teve na Usina.
ResponderExcluir