Excessos tomam conta de “Bacurau” (2019). Mas são aqueles
excessos típicos de quem assistiu muito filme bom na vida e quer colocar o
máximo disso num filme só (além de deixar evidente algumas convicções
existenciais/políticas). O grande mérito dos diretores Kleber Mendonça Filho e
Juliano Dornelles é justamente fazer com que referências e citações não se
amontoem como se fossem uma mera colcha de retalhos estética, realizando uma
obra que tem uma unidade artística coerente e impressionante. O lírico
sensorialismo de algumas sequências e o misto desconcertante de poesia e prosa
de determinados diálogos remetem ao melhor do que o Cinema Novo e o Cinema
Marginal brasileiros produziram em seus respectivos auges, assim como a
encenação da violência tem algo do barroquismo brutal de mestres do faroeste
como Peckimpah e Leone e mesmo do horror operístico de Fulci e Argento. E no
meio desses arroubos formais e narrativos, preserva-se um senso humanista
lúcido e comovente. Nesse conjunto artístico, cristaliza-se um trabalho
emblemático para o cinema brasileiro, tanto em seus antológicos detalhes
cênicos como na capacidade de captar um perturbador zeitgeist.
Nenhum comentário:
Postar um comentário