Pode parecer um contrasenso, mas a cinebiografia “Van Gogh”
(1991) adota uma abordagem seca e naturalista para focar a vida de um pintor
que tinha um estilo impressionista. Nesse sentido, o filme do diretor francês
Maurice Pialat não evoca em termos estéticos o estilo de Vincent Van Gogh em
sua plasticidade. O que prevalece em sua produção é uma concepção formal de
forte caráter realista, além de um roteiro que não tem como preocupação
principal mostrar o processo criativo do artista. Mas então qual seria o
objetivo existencial e artístico dessa obra? A intenção de Pialat é sutil e
precisa na sua ideia e execução. Ele foge de uma procura fácil e fugaz do belo
e se concentra nos tormentos psicológicos e pessoais de Van Gogh. Pouquíssimas
vezes se presencia o artista no ato de pintar. O que se vê basicamente é Van
Gogh dentro de suas interações sociais com amantes, amigos, familiares e
admiradores. E todas essas relações são conflituosas e complexas, num misto de
amor, raiva e indiferença. Não se trata, entretanto, de mera reciclagens de
fofocas a destrinchar os podres da figura biografada. Com discrição, o filme de
Pialat constrói um subtexto intrincado e fascinante, em que os dilemas
sentimentais e angústias sociais e econômicas de Van Gogh tanto interagem como
ilustram a própria natureza subjetiva de sua arte. E mais do que simplesmente
jogar fatos na tela, Pialat sabe criar uma atmosfera ambígua para a sua
narrativa, causando um efeito sensorial multifacetado, que varia com
naturalidade entre o perturbador e o cativante. É só observar que logo após uma
longa e tensa seqüência de uma ríspida discussão entre os irmãos Theo (Bernard Le
Coq) e Vincent (Jacques Dutronc) vem uma passagem que é de puro hedonismo
visual na orgia em um bordel em que os irmãos se encontram. É justamente nessa
integração entre os extremos e as contradições que reside a inquietante essência
de “Van Gogh”, em que a verdadeira dimensão da arte de seu protagonista não está
na simples exploração do belo, mas sim na exposição sem concessões das
atribulações de sua inquieta alma criativa.
Boa parte de amigos e conhecidos costuma dizer que as minhas recomendações para filmes funcionam ao contrário: quando eu digo que o filme é bom é porque na realidade ele é uma bomba, e vice-versa. Aí a explicação para o nome do blog... A minha intenção nesse espaço é falar sobre qualquer tipo de filme: bons e ruins, novos ou antigos, blockbusters ou obscuridades. Cotações: 0 a 4 estrelas.
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