A narrativa em “Belos sonhos” (2016) gira em torno de uma
ideia de trama aparentemente até bem simples: a maneira como a precoce morte da
mãe do protagonista Massimo (Valerio Mastandrea), quando ele ainda era criança,
marcou o restante de sua vida. Só que com o velho mestre italiano Marco
Bellocchio as coisas nunca são tão simples, com o cineasta convertendo tal
história numa espécie de parábola moral de subtexto político-existencial
fascinante. O fluxo temporal da trama corresponde a uma espécie de linha de
memória marcada por traumas e esquecimentos. A sutil desconstrução da
linearidade cronológica acentua a complexidade dos sentimentos e sensações que
afloram com crueza e mesmo alguma ironia ao longo da narrativa. O passar dos
anos para Massimo não corresponde exatamente a um amadurecimento do personagem,
e nesse conceito perpassa uma síntese entre o sentimental e o intelectual a
retratar tanto os aspectos intimistas quanto o caráter sócio-cultural do modelo
do macho ocidental – nesse sentido, é brilhante a forma com que Bellocchio
disseca na trajetória pessoal e profissional de Massimo seu envolvimento com o futebol,
a política e o poder econômico, em que tais símbolos de masculinidade e
prestígio social acabam não conseguindo esconder uma fragilidade inerente ao
personagem. O registro estético para tal saga pessoal oscila com discrição
entre a ambientação levemente estilizada do passado e a atmosfera de melodrama
clássico do presente, em que as convenções do gênero são adulteradas com uma
doce ironia perversa. Bellocchio “engana” com brilhante engenhosidade o
espectador em seus truques formais-temáticos – em determinados momentos, ele
insinua que a narrativa cairá em uma espécie de dramalhão novelesco edificante
para logo depois revelar uma verve cáustica de encenação e texto. Dentro desse
particular universo artístico, Bellocchio evidencia a sua indelével marca
autoral e de lambuja faz um contundente e emotivo retrato psico-político da
sociedade ocidental das últimas décadas.
Boa parte de amigos e conhecidos costuma dizer que as minhas recomendações para filmes funcionam ao contrário: quando eu digo que o filme é bom é porque na realidade ele é uma bomba, e vice-versa. Aí a explicação para o nome do blog... A minha intenção nesse espaço é falar sobre qualquer tipo de filme: bons e ruins, novos ou antigos, blockbusters ou obscuridades. Cotações: 0 a 4 estrelas.
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