segunda-feira, janeiro 21, 2008

Filmes da Semana (cotações de 0 a 4 estrelas)



A Vida dos Outros, de Florian Henckel Von Donnersmarck ***
O Reino, de Peter Berg ***1/2
O Caçador de Pipas, de Marc Forster *
Pode Crer!, de Arthur Fontes **1/2
Zona de Risco, de Chan-wook Park ***1/2
Encurralado, de Steven Spielberg ****
Uma Escola de Arte Muito Louca, de Terry Zwigoff ****
Armadilha do Destino, de Roman Polanski ****
A Primeira Página, de Billy Wilder ****

O Império dos Sonhos, de David Lynch ****


O que mais tenho ouvido falar sobre “O Império dos Sonhos”, obra mais recente de David Lynch, é que o espectador não deveria se preocupar em encontrar lógica no filme, pois o mesmo seria propositadamente desprovido de sentido, estando ele vinculado a preceitos oníricos. É claro que um filme é passível de receber as mais variadas interpretações, mas reduzir essa genial trabalho de Lynch simplesmente a um devaneio originado de sonhos seria um equívoco. É claro que o cineasta, ao longo da trama, por vários momentos rompe com estruturas narrativas lineares e apresenta os fatos de forma desconexa e desvinculados da “realidade” normal das coisas. Um olhar mais atento, entretanto, faz com que se perceba que no desenrolar da história Lynch vai jogando na tela situações, personagens e pistas que se agrupam aos poucos difusamente. É claro que não dá para dizer que no final o espectador irá entender tudo que viu/ouviu/sentiu, mas ao mesmo tempo há a noção de uma espécie de quebra-cabeças cuja intenção é nunca se completar.

Acredito também que assistir apenas uma vez a “O Império dos Sonhos” é insuficiente. Não digo isso no sentido de que seriam necessárias revisões para entender o “sentido” do filme, mas sim por questões de poder apreciar o mesmo melhor. Pode ocorrer do espectador ficar simplesmente seduzido pelas imagens de beleza perturbadora e se deixar levar pelas mesmas, não dando muita bola para quantidade gigantesca de referências que surgem sucessivamente na tela. E pode acontecer também que “O Império dos Sonhos” faça com que se pense em várias teorias e conceitos ao mesmo tempo, tamanha a gama de informações e estranhas simbologias que abundam ao longo do filme. Lynch parece brincar com metalinguagem, experiências xamânicas e noções sobre a flexibilidade do tempo e espaço como se fossem as coisas mais normais do mundo. E revela também uma série de referências cinematográficas nada óbvias: a fúria surreal de Luis Buñuel, a simbologia sem concessões de Alejandro Jodorowsk, o horror climático e fortemente estilizado de Mario Bava, a violência sensorial de Dario Argento.

Essenciais também na realização de “O Império dos Sonhos” são as colaborações preciosas de Angelo Badalamenti e Laura Dern. Badalamenti providencia aqueles já conhecidos, mas sempre perfeitos, temas musicais cheios de climas sombrios e delirantes que casam à perfeição com as imagens transtornadas concebidas por Lynch. Vale destacar que na trilha sonora do filme há também a presença de insólitas canções obscuras que se combinam sinuosamente com a trilha composta por Badalamenti, indo de uma canção melancólica do sempre inquieto Beck até músicas latinas com percussões enlouquecidas, como aquela que serve de tema para a brilhante seqüência de créditos finais. Já Laura Dern apresenta umas das mais estonteantes atuações dramáticas femininas dos últimos anos, compondo uma personagem que se fragmenta em outras personalidades, mas que no final se recompõe de forma extraordinária.

É impossível assistir “O Império dos Sonhos” e não pensar na trajetória de Lynch como cineasta. Se em “Veludo Azul” (1986), “Coração Selvagem” (1990) e “Twin Peaks – Os Últimos Dias de Laura Palmer” (1992) podiam ser vislumbradas narrativas quase moldadas em modelos clássicos entremeadas de seqüências de pura esquisitice, a partir de “A Estrada Perdida” (1997) o cineasta começa a partir para uma radicalização formal que se acentua e aperfeiçoa em “Cidade dos Sonhos” (2001) e atinge o ponto de ruptura total em “O Império dos Sonhos”. Lynch já não encara mais o cinema simplesmente como uma arte de “contar uma boa história”, sendo que vê na arte cinematográfica uma forma de experiência sensorial de possibilidades quase infinitas. “O Império dos Sonhos” é uma tempestade de sons e imagens, em que a “boa história” é apenas mais um elemento, e não a essência. E para embarcar nessa viagem, é apenas necessário um pouco de disposição para contemplação...

quarta-feira, janeiro 16, 2008

Torrente, O Braço Errada da Lei, de Santiago Segura ****


Santiago Segura é um dos colaboradores mais constantes do excêntrico cineasta espanhol Alex de La Iglesias. Em “Torrente, O Braço Errado da Lei”, primeiro trabalho de Segura como diretor, dá para sacar que o cara aprendeu as lições direitinho com o seu mestre Iglesias nos quesitos de esculhambação e ironia. “Torrente” é uma comédia cujo humor negro é levado aos extremos, com várias antológicas seqüências tremendamente escatológicas e politicamente incorretas. O personagem título, interpretado genialmente pelo próprio Segura, é um primor cômico em termos de canalhice e cara-de-pau, chegando ao cúmulo de oferecer para o próprio pai uma papinha composta basicamente por restos de comida de restaurantes e baganas de cigarro.

A grande sacada de Segura em “Torrente”, entretanto, é conciliar essa série de momentos que beiram o pastelão e o absurdo com uma trama policial excelentemente elaborada, numa bem sucedida espécie de homenagem/sacanagem ao gênero policial. Além disso, é de se destacar o ótimo time de coadjuvantes, principalmente o apalermado açougueiro aprendiz de detetive Rafi (Javier Câmara) e o já citado pai moribundo de Torrente (Tony Leblanc).

No mais, “Torrente, O Braço Errado da Lei” é um expressivo exemplo de que o atual cinema espanhol não se limita aos dramas bem comportados de Pedro Almodóvar.

terça-feira, janeiro 15, 2008

Filmes das últimas duas semanas (cotações de 0 a 4 estrelas)


Império dos Sonhos, de David Lynch ****
Across The Universe, de Julie Taymor ***1/2
Coisas Que Perdemos Pelo Caminho, de Susanne Bier **1/2
O Amor nos Tempos de Cólera, de Mike Newell *1/2
Antes Só Do Que Mal Casado, de Peter e Bobby Farrelly ***1/2
A Noiva Perfeita, de Eric Lartigau **
A Maldição da Flor Dourada, de Zhang Yimou ***1/2
Desejo e Reparação, de Joe Whight ***1/2
Meu Nome Não é Johnny, de Mauro Lima ***
O Enigma de Outro Mundo, de John Carpenter ****
O Pequeno Ajudante de Satã, de Jeff Lieberman *
Alta Tensão, de Alexandre Aja ****
De Olhos Bem Fechado, de Stanley Kubrick ****
Cega Obsessão, de Yasuzo Masumura ****
El Topo, de Alejandro Jodorowsky ****
O Gosto da Vingança, de Ji-woon Kim ****
Uma Passagem Para a Vida, de Patrice Leconte **1/2

quarta-feira, janeiro 02, 2008

Mentiras Sinceras, de Julian Fellowes ***1/2


Aparentemente, “Mentiras Sinceras” seria apenas mais um suspense com uma visão moralista sobre o adultério. Com o desenrolar da sua trama, entretanto, o filme vai surpreendendo cada vez mais o espectador. Isso porque o mistério e o suspense são dispensados logo depois da meia hora inicial do filme, com o diretor Julian Fellowes se concentrando muito mais numa visão crua e arguta sobre os relacionamentos humanos. O interesse maior do cineasta está muito mais em mostrar a incapacidade do protagonista James Manning (Tom Wilkinson), um advogado bem sucedido profissionalmente, em entender as razões que levaram sua esposa (Emily Watson) a traí-lo com um playboy aristocrata (Rupert Everett, numa caracterização interessantemente sebosa). A narrativa de Fellowes oferece ao filme uma atmosfera cada vez mais sufocante, à medida que a incapacidade emocional de Manning para lidar com a situação vai ficando progressivamente mais evidente. Aliado isso, há em “Mentiras Sinceras” uma elegância no filmar notável, em que os campos interioranos ingleses são mostrados em toda a sua plácida beleza, contrastando de forma precisa com o verdadeiro turbilhão emocional que é a vida dos personagens.