segunda-feira, março 26, 2012

Protegendo o inimigo, de Daniel Espinosa ***


Apesar de não o mesmo prestígio artístico de seu irmão Ridley, Tony Scott parece ter criado escola no gênero ação. Para o bem e para o mal... “Protegendo o inimigo” (2012) se mostra como um bom exemplar de tal linhagem. O diretor Daniel Espinosa recicla algumas das principais características do cinema de Tony Scott: a direção de fotografia de tons granulados, a ação vertiginosa, a montagem de bastantes cortes. Não incorpora, contudo, a tendência para o “clipeiro”, coisa que incomoda em algumas das obras de Scott. A trama de “Protegendo o inimigo” é aquela síntese básica de produções de espionagem: traições, conspirações, dissimulações. Espinosa sabe dosar os clichês e manter uma atmosfera razoável de tensão. Por mais que a edição seja frenética, consegue manter a clareza de sua encenação – pode-se ver todos os detalhes das lutas, perseguições e tiroteios. Até mesmo na direção de atores revela talento – há quanto tempo não se via uma atuação decente de Ryan Reynolds?? Nem sei se Espinosa admite alguma influência de Scott, mas o britânico ficaria orgulhoso do discípulo...

sexta-feira, março 23, 2012

Guerra é Guerra, de McG **1/2

O início de “Guerra é Guerra” (2012) é meio desanimador. O diretor McG parece se propor a fazer um pastiche de filmes de espionagem, reciclando vários clichês da franquia 007. O problema não estaria na intenção, mas sim na execução: a dupla de protagonistas (Tom Hardy e Chris Pine) parece mais disposta a fazer biquinho e dizer umas frases de efeito capengas, enquanto as cenas de ação são mal dirigidas (tudo muito rápido, mal se distingue o que está ocorrendo em cena). Com o desenrolar da trama, entretanto, o filme melhora. Sai aquela impressão de filme de espionagem de mentirinha, com o roteiro explorando umas tiradas interessantes da relação de obra de aventura e comédia romântica. Os mencionados personagens principais até ganham um relativo carisma. A própria ação fica melhor encenada – McG se permite até algumas tomadas interessantes de planos-sequência (como aquela em que a dupla de espiões invade ao mesmo tempo e de forma sorrateira o apartamento da mulher que disputam). Já o terço final do filme é aventura frenética incessante, de concepção um tanto derivativa, mas que redime McG da equivocada abertura do filme.

quinta-feira, março 22, 2012

Margin Call - O dia antes do fim, de J.C. Chandor ***


Se o documentário “Trabalho Interno” (2010) trazia uma versão mais técnica e detalhada sobre os motivos que levaram à crise econômica de 2008 nos Estados Unidos (e que se espalhou pelo resto do mundo e estende seus efeitos até hoje), “Margin Call – O dia antes do fim” (2011) é a versão dramatizada de tais fatos, mas se desenvolvendo no microcosmo do escritório de um grande banco. É claro que a pretensão da obra de J.C. Chandor não é ser didática sobre uma situação histórica tão importante, mas os eventos também não servem como mero pano de fundo para o drama dos personagens. E mesmo sendo uma obra ficcional em essência, por um lado ela é até se aprofunda mais no tema do que o próprio “Trabalho Interno” no sentido de não ser tão maniqueísta e por focar com mais eficácia no lado humano. Se o referido documentário e “Capitalismo – Uma história de amor” (2009), de Michael Moore, investem numa lógica de culpar quase que exclusivamente bancos, o governo e outros agentes financeiros como responsáveis pela crise, em “Margin Call” percebe-se que o furo é mais embaixo – a tragédia econômica também tem origem numa sociedade obcecada com consumo, status social e hedonismo. O filme parece relacionar a crise a um vazio existencial coletivo. Os bem delineados dilemas morais dos personagens do filme refletem com precisão tal visão temática.

Também é mérito do diretor J.C. Chandor embalar essa mais complexa visão temática a uma concepção formal bastante sóbria. Fotografia e edição compõem uma atmosfera dualista, em que arroubos emocionais e frieza se digladiam com elegância, permitindo-se ainda a leves toques irônicos. Chandor também sabe extrair algumas performances dramáticas notáveis de atores como Kevin Spacey, Paul Bettany e Jeremy Irons.

quarta-feira, março 21, 2012

Projeto X - uma festa fora de controle", de Nima Nourizadeh ***1/2



Por tanto tempo eu fiquei queimando filmes que utilizavam o recurso da câmera subjetiva, aquela em que um personagem manipularia a câmera, que agora até fico surpreso com a qualidade expressiva de produções recentes que adotam tal estética. Depois dos ótimos “Atividade Paranormal 3” (2011) e “Poder Sem Limites” (2012), “Projeto X – uma festa fora de controle” (2012) é mais um exemplar de respeito desta escola. Só que dessa vez dentro do gênero comédia, o que representa até algo de insólito. O filme seria um suposto registro caseiro de uma festa de aniversário de um pacato adolescente que acaba atingindo proporções épicas e altamente destrutivas. Pode-se até enquadrar “Projeto X” naquela linha de obras sobre adolescentes norte-americanos em busca de sexo e envolvidos em escatologias e outros exageros (na linha das franquias “Porkys” e “American Pie”). Na verdade, entretanto, o filme se filia mais como uma espécie de herdeiro espiritual de “American Graffiti – Loucuras de Verão” (1973) ou “Clube dos Cafajestes” (1978), no sentido de ser uma produção emblemática da juventude de uma determinada época. Por mais que haja elementos tradicionais no roteiro como a busca pela perda da virgindade ou do desejo de aceitação pelos colegas de escola, permeia também em “Projeto X” um certo tom ambíguo na sua moral – há consumo desenfreado de álcool e drogas ilegais (praticamente sem conotação de culpa), vandalismo e violência. Os excessos e o hedonismo selvagem parecem quase um desafio perante um Estados Unidos cada vez mais carola (os dedos em riste do protagonista Thomas para um helicóptero da imprensa soam como um desafio a toda sociedade). E apesar da aparente precariedade do registro fílmico de um documentário “amador”, há no filme uma propensão para o grandioso em algumas determinadas seqüências. Quando Thomas sobe no telhado de sua casa e num olhar de 360º vê a dimensão assustadora que a sua pequena festa tomou, o impacto sensorial beira o arrepiante. São justamente essas contradições temáticas e formais de “Projeto X” que lhe dão uma atmosfera criativa tão inquietante.

terça-feira, março 20, 2012

Shame, de Steve Mcqueen ****



Talvez o tema polêmico de “Shame” (2011), a compulsão sexual, faça supor que a sua maior ousadia esteja na sua trama. Nesse sentido, até acho que a abordagem do filme sobre o assunto não seja algo tão provocador assim. É claro que há cenas fortes envolvendo sexo, mas há algo de moralista na visão do roteiro – as obsessões eróticas do protagonista Brandon Sullivan (Michael Fassbender) possuem um viés muito mais patológico do que sensual. De certa forma, pode-se até pensar numa conotação católica em tal visão, pois o personagem vive imerso num incômodo e constante sentimento de culpa por sua luxúria. E o paradoxismo entre culpa e prazer não chega a ser exatamente uma novidade, não só no cinema como em outras formas de expressões artísticas... O que faz “Shame” transcender como obra cinematográfica é a brilhante encenação concebida pelo diretor Steve McQueen. Enquadramentos e montagem compõem uma atmosfera fria e sufocante para o inferno moral de Brandon. Essa combinação entre distanciamento emocional e vigor narrativo gera seqüências impactantes, principalmente naquelas que envolvem as aventuras sexuais do protagonista – destituídos de qualquer grau de romantismo, tais momentos são perturbadores ao expor uma certa crueza do ato sexual. McQueen estende seus particulares fundamentos formais também para a direção de atores: Fassbender e Carey Mulligan (essa no papel da frágil irmã de Brandon) oferecem composições dramáticas viscerais para seus personagens, obtendo um notável equilíbrio entre a contenção e a explosão.

No mais, “Shame” se mostra em sintonia com o filme anterior de McQueen, “Fome” (2008), outra produção de evidente inquietação artística, o que já sugere uma espécie de unidade autoral na curta e expressiva filmografia do cineasta.

segunda-feira, março 19, 2012

As Mulheres do 6º Andar, de Phillippe Le Guay **



O diretor Phillippe Le Guay diz que “As Mulheres do 6º Andar” (2010) é um projeto pessoal, no sentido que sua trama remete a fatos que ocorreram na infância do cineasta. O resultado final do filme, entretanto, nada contra a corrente de tal informação. Afinal, trata-se de uma obra conduzida de forma tão burocrática e previsível que nem parece guardar alguma força de conotação mais autoral. A forma com que Le Guay conduz a narrativa é preguiçosa. Sua encenação e enquadramentos parecem apesar seguir uma ordem de registro de situações – não há um interesse em fazer com que enquadramentos e edição guardem algum sentido simbólico ou simplesmente produzir alguma tomada de impacto sensorial. Há apenas uma preocupação em “contar” uma história anódina e esquemática. O roteiro insinua alguns dilemas interessantes, mas as resoluções dos conflitos e dilemas são superficiais e apressadas – praticamente em uma única cena, por exemplo, o protagonista Jean-Louis Joubert (Fabrice Luchini), um corretor alienado, toma consciência das dificuldades das domésticas que vivem no 6º andar de seu prédio e resolve se tornar seu benfeitor. No geral, é justamente essa a idéia que permeia de forma constante “As Mulheres do 6º Andar”: elementos dramáticos promissores que são mal aproveitados, inclusive o elenco, que traz nomes de peso Luchini, Sandrine Kiberlain e Carmen Maura como em atuações mal delineadas e pouco expressivas.

sexta-feira, março 16, 2012

W.E. - O Romance do Século, de Madonna ***



Resgatando o próprio histórico musical de Madonna, não chega a ser tão estranho assim o fato dela se aventurar no cinema como diretora. Ícone cultural dos anos 80, década em que o visual de um artista se tornou definitivamente fundamental para o seu sucesso, ela sempre se notabilizou pelos clips de sua música. Tais vídeos com o tempo se converteram em uma espécie de inventário da moda e do comportamento de toda uma geração. Mesmo suas apresentações ao vivo adquiriram os contornos de legítimos herdeiros de shows da Broadway. Em “W.E. – O Romance do Século” (2011), toda essa herança artística da cantora parece influenciar nas suas concepções formais como diretora. Madonna revela uma tendência forte para a estilização da imagem e mesmo do conteúdo do roteiro. A forma com que a história real do romance entre o príncipe britânico Edward VIII com a plebéia Wallis Simpson é exposta tem muito mais a ver com a forma que o fato se cristalizou no imaginário mundial do que com uma revelação da “verdade”. O filme passa uma fascinação com os elementos físicos e sensoriais que envolviam o caso de amor em questão: a elegância dos figurinos, a atmosfera hedonista, o refinado gosto na decoração dos castelos, as conversas espirituosas. Mesmo os momentos de tensão dramática, com destaque para aqueles que dizem respeito à renúncia da coroa por parte de Edward, mantém uma aura de certo distanciamento emocional justamente para não comprometer a ambientação “chique” da produção. De certa forma, tal abordagem de “W.E.” lembra um pouco a orientação de Martin Scorsese em “O Aviador” (2004). A obra de Madonna, contudo, peca por alguns recursos manjados do roteiro e pela narrativa se mostrar um tanto arrastada e truncada na alternação que se estabelece entre presente e passado. Mesmo assim, “W.E.” mostra Madonna como uma diretora em busca de um estilo, ainda que não original, mas pelo menos visível.

quinta-feira, março 15, 2012

O Pacto, de Roger Donaldson ***



O diretor neozelandês Roger Donaldson (atualmente radicado nos Estados Unidos) não tem grife de cineasta autoral e seus filmes não costumam ganhar prêmios em festivais. Boa parte da crítica e do público o considera apenas um competente “artesão” do cinema. Dentro desta seara, entretanto, muita coisa boa pode ser feita, e Donaldson teve momentos de grande brilho artísticos em filmes como “Sem Saída” (1987) e “Efeito Dominó” (2008). “O Pacto” (2012), sua produção mais recente, pode não se encontrar entre o melhor de sua produção, mas ainda sim mostra que Donaldson tem as suas manhas para a encenação cinematográfica. Sua pegada de ação é na linha daquele estilo brutal oitentista, época em que as coreografias de tiroteios, brigas e perseguições eram feitas no braço, sem recorrer a efeitos digitais ou câmeras chacoalhantes. Mas Donaldson não fica apenas concentrado na correria – “O Pacto” consegue manter tensão e dramaticidade expressivas, ainda que no terço final o roteiro repleto de soluções fáceis e incoerências retire parte da consistência do suspense. No mais, o cineasta tem o mérito de tirar Nicolas Cage de uma leva de filmes toscos nos quais o ator andava se afundando.

quarta-feira, março 14, 2012

Cada um tem a gêmea que merece, de Dennis Dugan **1/2



É provável que a profusão de grosserias e escatologias em “Cada um tem a gêmea que merece” faça com que o filme ganhe o desdém de boa parte da crítica e até de uma parcela do público (o número elevado de indicações no famigerado “Framboesas de Ouro” é um bom indicativo de tal tendência...). Afinal, não é de bom tom apreciar uma comédia cuja piada mais recorrente tenha a ver com flatulências e diarréias. Mas é esse mesmo tom de excessos da produção mais recente da parceria entre o diretor Dennis Dugan e o ator Adam Sandler que possibilita os seus mais possíveis e expressivos elementos de alguma transcendência. Há uma certa leitura simbólica que se possa fazer no conflito entre os gêmeos Jack e Jill. O primeiro, judeu que cresceu no Bronx e que se tornou profissional bem sucedido em Los Angeles, representa aquele tipo de personagem que com o passar do tempo perdeu algo de sua essência. Já Jill permaneceu no bairro novaiorquino e seu temperamento explosivo e desagradável representa algo de transgressão para o processo de assepsia de Jack. É claro que a simbologia tem o seu lado simplório, mas acaba fazendo sentido diante de algumas sequências que exageram no escracho e no pastelão. As cenas na festa dos mexicanos, por exemplo, rendem momentos efetivamente engraçados, principalmente quando entra em cena uma estranha senhora desdentada e viciada em pimenta crua. Também é interessante que a esdrúxula participação de Al Pacino (interpretando a si mesmo!) entra em sintonia com o subtexto do filme de resgate de raízes e afins.

terça-feira, março 13, 2012

Anjos da Noite 4: O Despertar, de Mans Marlind e Bjorn Stein **



É claro que não dá para reduzir “Anjos da Noite 4: O Despertar” (2012) ao nível de algum exemplar da série “Crepúsculo” no quesito “filme de guerra entre vampiros e lobisomens”, até porque a franquia de “Anjos...” já existia antes do primeiro filme dos vampiros que não gostam de sangue. Ainda assim, o filme é frustrante por não aproveitar as possibilidades criativas que o tema poderia oferecer. A sangueira até corre solta em algumas competentes cenas de ação, mas na maior parte do tempo a produção passa a impressão de uma espécie de comercial de moda com vampiros estilosos (ainda que de gosto duvidoso em termos estéticos). A predominância de uma fotografia de tons escuros também prejudica a concepção visual da obra no sentido de atrapalhar a caracterização de ambientes e personagens, não se podendo perceber as nuances dos efeitos especiais.

segunda-feira, março 12, 2012

Drive, de Nicolas Winding Refn ****



Acho engraçado quando alguém, tanto crítica quanto público, dividi um filme entre um lado “técnico” (referente a sua concepção formal) e outro “emocional” (que diz respeito a sua temática e roteiro). Fica-se com aquela impressão que detalhes como fotografia, edição, som dissessem pouco a respeito do impacto sensorial que uma obra possa causar. Sorte que de vez em quando aparece alguma obra-prima como “Drive” (2011) para mostrar que o “artesanato” de um filme é o que dá sentido para que uma trama cause alguma espécie de emoção para o espectador. Toda a sequência de abertura desta produção mais recente do cineasta dinamarquês Nicolas Winding Refn é exemplar na constatação que técnica e emoção não são dissociadas – em termos de texto, os elementos e as variações são mínimos, consistindo basicamente num pequeno assalto e numa conseqüente perseguição automobilística envolvendo polícia e ladrões (esses tendo como motorista o protagonista conhecido apenas como “Motorista”!). Toda a atmosfera de forte tensão vem do uso sutil de recursos como a elevação da trilha sonora em momentos decisivos, na edição do som (a aproximação de um helicóptero da polícia é percebido quase que apenas pelo seu barulho), na iluminação no rosto do “driver”, na edição elegante das imagens.

Em suas vigorosas obras anteriores, como “Bronson” (2008) e “Guerreiro Silencioso” (2009), Refn chamou atenção por suas idiossincrasias formais e por roteiros repletos de simbologias. Em “Drive”, seu estilo particular se mostra mais descarnado, buscando uma aproximação de uma certa estética clássica do cinema norte-americano. Isso não quer dizer, entretanto, uma aproximação do convencional. Refn continua ousado e a depuração de sua arte torna o resultado final ainda mais surpreendente. Esse classicismo insólito do diretor fica evidente no próprio roteiro de “Drive”, que emula em determinadas passagens alguns elementos do antológico faroeste “Os Brutos Também Amam” (1953). Lá estão o misterioso e nobre protagonista de passado obscuro (e do qual nunca saberemos nada), sua aproximação com uma família em dificuldades com bandidos, seu sacrifício em busca de uma involuntária redenção, a indefinição do seu destino final. Os vilões de “Drive” também trazem algo do homem de negro encarnado por Jack Palance, naquela estranha combinação de frieza, repulsa e carisma.

A exemplo da aludida sequência inicial, toda a ação em “Drive” é construída com sutileza e de forma progressiva. Refn define situações e personagens com rápidas e precisas pinceladas para depois jogá-los num vórtice de violência e destruição. A brutalidade, contudo, nunca é gratuita e caricatural. Ela irrompe de forma econômica, mas contundente, com direito a belas tomadas em câmera lenta em algumas cenas (aqui revelando a influência de outra fonte icônica do cinema, o “poeta da violência” Sam Peckimpah) – impossível não mencionar como ilustração a seqüência do elevador, que começa de forma suave e romântica no beijo entre o motorista e Irene (Carey Mulligan) e termina num sangrento espancamento de um assassino. Aliás, uma cena de valor simbólico notável – é quando o próprio “driver” constata a impossibilidade de uma vida normal para si.

Ainda sobre a elaboração da ação cinematográfica, Refn se mostra obcecado em esmiuçar as formas com que esta ação pode ser encenada. Se em algumas cenas há sangue jorrando de forma explícita e cabeças explodindo, em outros o diretor se interessa em focar a ação de longe ou até mesmo filmar apenas as sombras dos personagens. É de impressionar também quando ele funde dois momentos distintos de uma ação dentro da mesma seqüência, numa extraordinária manipulação dos tempos narrativos.

E não bastasse todas as qualidades já mencionadas, Refn revela um notável trabalho na direção de seu elenco. Ryan Gosling faz uma composição dramática cheia de nuances – vai do taciturno até lampejos de esperanças no olhar para concluir em um registro pleno de melancolia e fúria. Já Albert Brooks e Ron Perlman interpretam “homens maus” devidamente cínicos e assustadores e que definem com precisão sua personalidades ora em pequenos gestos irônicos, ora em descargas imprevisíveis de ferocidade física.

sexta-feira, março 09, 2012

Poder Sem Limites, de Josh Trank ***1/2



Talvez uma das constatações que eu mais levanto neste blog é a profusão de filmes de câmera subjetiva (ou seja, aquela que é manejada por um personagem do filme, geralmente um amador) que desovam com frequências nos nossos cinemas. Como já disse antes, grande parte de tais produções mais serve como desculpa para diretores incompetentes do que gera alguma contribuição artística relevante. “Poder Sem Limites” (2012) é uma das louváveis exceções. A concepção formal aparentemente “amadora” do filme acaba até sendo uma moldura estética adequada para a trama dos três garotos que ganham superpoderes após serem expostos a matéria alienígena. A forma com que descobrem a extensão de suas habilidades e os questionamentos sobre o uso delas oferecem uma dimensão mais complexa e humana para a trama. Essa atmosfera de relativo realismo se evidencia nos próprios efeitos especiais, simples e um tanto desajeitados, mas que tem um resultado visual muito expressivo. As tomadas aéreas, por exemplo, evocam algumas cenas do “Superman” clássico de Richard Donner. “Poder Sem Limites” também surpreende por alguns detalhes dramáticos insólitos. Em uma obra que envolve jovens que adquirem poderes especiais, é de se pressupor que teremos como protagonista algum super-herói. Pois não é o que acontece na obra em questão: o personagem principal é Andrew (Dane DeHaan), um garoto de família desestruturada que costuma ser agredido pelo pai e receber bulling dos colegas de escola. Ao ganhar seus novos dons, sua fragilidade psicológica o leva ao descontrole emocional. Ou seja, “Poder Sem Limites” acaba revelando como tema principal a gênese de um supervilão!! E de maneira muito convincente, diga-se de passagem, mostrando-se mais em sintonia com o espírito dos quadrinhos do gênero super-herói do que muitas produções recentes cinematográficas que adaptam personagens clássicos dos gibis.

quinta-feira, março 08, 2012

Tão Forte e Tão Perto, de Stephen Daldry **1/2



O que incomoda nos filmes de Stephen Daldry é o tom pseudo-solene deles. A todo instante se fica com a impressão de que alguém revelará alguma grande verdade da vida, que virá um relevante ensinamento. Os personagens sempre sofrem durante o seu processo de “aprendizado”, são amargos devido aos percalços da vida. Dá até para imaginar que conversar com Daldry deve ser um exercício penoso. Afinal, o cara deve achar que faz cinema para salvar o mundo... O brabo é que tem gente que adora esse pedantismo pseudo-existencialista e confunde com grande arte. Não é à toa que praticamente todos os seus filmes sempre rendem algumas indicações ao Oscar. “Tão Forte e Tão Perto” (2011) não foge muito à regra do “estilo” consagrado de Daldry, com direito a seqüências com personagens olhando para o horizonte com o olhar pensativo (e uma musiquinha melosa de fundo para realçar todas essas reflexões intermináveis). Mesmo assim, é uma produção que é bem melhor que o penúltimo filme de Daldry e a coroação suprema da sua estética duvidosa, o ultra-brega “O Leitor” (2008). Em “Tão Forte e Tão Perto”, Daldry obtém algumas passagens interessantes, principalmente quando focas as ruas de Nova Iorque e as retrata por um olhar um tanto distorcido do protagonista Oskar Schell (Thomas Horn). Em tais momentos, o filme até ganha uma certa conotação de aventura insólita. Outro mérito inquestionável de Daldry: pela primeira vez na vida, Sandra Bullock tem uma interpretação dramática decente. Pena que o diretor não se contenta com isso e encha a paciência do espectador com quebras na narrativa para inserir trechos de discussões e choradeiras incessantes. No geral, “Tão Forte e Tão Perto” tem um acabamento formal competente, mas sua vontade de ser “atual” e “importante” o condena ao descartável.

terça-feira, março 06, 2012

Hotxuá, de Letícia Sabatella e Gringo Cardia **1/2



O chamariz para que Letícia Sabatella e Gringo Cardia se aventurassem na direção para registrar os costumes de uma tribo em “Hotxuá” (2009) foi o curioso costume de tal grupo em incentivar piadas e brincadeiras entre seus membros, visando que eles fiquem constantemente rindo. Por vezes, o documentário até ganha uma certa conotação sentimental, mas também é inegável que em alguns momentos os cineastas novatos apresentam um registro visual bastante inquietante na forma crua com que evidenciam os costumes dos indígenas focados, bem como na ambientação da selva onde a tribo se concentra. Sabatella e Cardia não se preocupam apenas em optar pelo tom de deslumbre com as belezas naturais – por vezes, o ambiente ganha uma dimensão que realça com virulência a sua atmosfera selvagem e quase agressiva, lembrado até alguma das melhores obras de Herzog. Claro que os cineastas em questão não apresentam a mesma classe narrativa do diretor alemão (o que fica visível em alguns trechos arrastados), mas mesmo assim conseguem colar na memória do espectador algumas expressivas sequências visuais.

segunda-feira, março 05, 2012

Hiroshima - Um Musical Silencioso, de Pablo Stoll **1/2



A trama de “Hiroshima – Um Musical Silencioso” (2009) é até simples e típica de produções independentes, mostrando basicamente 24 horas da vida de um jovem de classe média desempregado, mais preocupado em ficar vagando sem rumo por Montevidéu e fumar maconha. O registro do diretor Pablo Stoll parte de um tom distanciado, com algumas doses de discreto humor. O que torna esta produção uruguaia uma curiosidade cinematográfica é que a sua parte formal se apropria de alguns recursos característicos do cinema mudo, principalmente pelo fato dos diálogos não se efetivarem sonoramente, mas sim por entretítulos. Tal concepção revela algo desconcertante no sentido de que o gênero do filme não é geralmente associado a este tipo de abordagem estética. O interessante é que essa discrepância acaba rendendo os melhores momentos do filme, pois o insólito faz com que atos banais ou quotidianos acabem ganhando uma dimensão cômica inesperada. Com o desenrolar da narrativa, entretanto, o uso contínuo da conjunção entre cinema mudo e o existencialismo do roteiro acaba se tornando cansativo em algumas seqüências. No mais, vale destacar ainda a boa trilha sonora, repleta de canções de bandas underground uruguaias, que por vezes acaba criando atmosfera entre o reflexivo e até mesmo o épico

sexta-feira, março 02, 2012

A Mulher de Preto, de James Watkins ***



Além da presença do ‘Harry Potter’ Daniel Radcliffe, “A Mulher de Preto” (2012) também tem chamado atenção pelo fato de marcar o retorno à ativa da lendária produtora de horror Hammer. Em termos estéticos, o filme apresenta uma certa fleuma típica das obras sessentistas da produtora – trama envolvendo fantasmas, caracterização visual repleta de névoas, além de efeitos especiais que não apelam com tanta frequência para o digital. É claro que estamos não só numa década como num novo século. Assim, não há aquela charmosa aura “camp” que envolviam algumas das produções mais emblemáticas da Hammer. Fica-se com aquela impressão de um terror “sério”... De certa forma, “A Mulher de Preto” se mostra mais em sintonia com influências contemporâneas no gênero fantástico, principalmente em relação ao cinema oriental de horror. Isso fica evidente no roteiro – aquela virada da trama de tentar entender o que as assombrações desejam é um recurso característico da tal escola. A própria caracterização da personagem título (quase sempre de cabeça baixa e eventualmente dando gritos) lembra diversas figuras de obras como “O Chamado” (1998), “O Grito” (2003) e “Espíritos – A Morte Anda ao Seu Lado” (2004). O diretor James Watkins consegue conciliar com eficiência todas essas influências variadas sem fazer com que o filme pareça uma colcha de retalhos sem personalidade. Mesmo que boa parte dos sustos seja previsível, ele estabelece uma atmosfera de tensão e mistério razoavelmente palpável. No cômputo geral, é melhor que 90% daqueles filmes de terror recentes que tanto adoram câmeras subjetivas e tremidas...

P.S.: em determinada cena, em que um grupo de crianças fica mirando o personagem de Daniel Radcliffe com olhares esbugalhados, tive a clara impressão que elas estavam prontas para dizer “olha lá o Harry Potter!!”.

quinta-feira, março 01, 2012

Motoqueiro Fantasma 2 - O Espírito da Vingança, de Brian Taylor e Mark Neveldine **1/2



Se havia uma coisa que desagradava no primeiro “Motoqueiro Fantasma” (2007) era sua absoluta e total falta de estilo. Aliado a um roteiro qualquer nota, aquela produção beirava a assepsia na sua ausência de violência e de qualquer impacto visual, o que era mais frustrante se pensarmos que o personagem e sua respectiva história traziam uma expressiva trajetória na mídia na qual originalmente surgiram – no caso, os quadrinhos. Nesse novo capítulo da série cinematográfica, a troca de diretores causa uma sensível melhora. O trabalho da dupla Brian Taylor e Mark Neveldine, a mesma equipe do alucinado “Adrenalina” (2006), pode com alguma frequência pecar pelos excessos, mas eles também sabem criar uma ambientação mais densa e sardônica para as aventuras do “caveiroso”, o que se mostra mais em sintonia com o personagem. Os exageros formais em “Motoqueiro Fantasma 2 – O Espírito da Vingança” (2012) rendem alguns momentos memoráveis pela sua brutalidade e ironia, sabendo aproveitar detalhes como as angustiantes transformações de Johnny Blaze (Nicolas Cage) no personagem título, além do roteiro trazer situações e personagens melhores construídos.

A Última Estação, de Michael Hoffman **1/2



É inegável que “A Última Estação” (2009) tem os seus atrativos: fotografia bonita, elenco carismático, uma temática (os últimos dias do escritor russo Leon Tolstoi) capaz de despertar curiosidade em boa parte do público, razoável teor emocional. Assim, no seu conjunto, produz um resultado até comovente em alguns momentos e agradável de ver, mas também bem fácil de esquecer logo após a saída do cinema. O problema do filme é justamente a sua concepção formal “certinha” e uma tendência a simplificar os conflitos complexos que o roteiro apenas insinua. A narrativa se desenvolve obedecendo a uma fórmula rígida e bem definida – os dilemas e a visão filosófica e ética sobre a vida que dominam o conturbado cotidiano de Tolstoi acabam servindo como uma espécie de lição de vida para o jovem escritor aprender a aproveitar a vida e conhecer o amor. Assim, pouco se vê realmente daquela forte carga humanista típica da obra de Tolstoi. Pode ser que alguém até se anime a conhecer a obra do escritor após ver o filme, mas a sensação final que a obra passa é a de uma história fascinante que merecia uma abordagem menos óbvia e conformista.