sexta-feira, fevereiro 26, 2010

Percy Jackson e o Ladrão de Raios, de Chris Columbus *


É claro que Chris Columbus nunca foi um gênio cinematográfico. É inegável, entretanto, que tinha talento, eventualmente, para conceber algumas pérolas como “Uma Noite de Aventuras” (1987) e “Esqueceram de Mim 2” (1992). Mesmo os dois primeiros filmes da trilogia de Harry Potter são agradavelmente divertidos. Toda a competência e a experiência de Columbus em conduzir aventuras juvenis parecem ter descido para o ralo em “Percy Jackson e o Ladrão de Raios” (2010). Na ânsia de gerar um novo “Harry Potter”, o diretor esqueceu de conceber uma produção de fantasia minimamente decente. A ação no filme é sempre truncada e burocrática, a caracterização dos personagens é ridícula de tão estereotipada e o roteiro é um primor de cretinice na sua mistura de mitologia grega com drama adolescente na linha “Malhação”. O ápice do constrangimento são as seqüências no refúgio onde os filhos bastardos dos deuses treinam: uma mistura tosca da Sala de Perigo dos X-Men com a escola onde Harry Potter estuda que beira o trash.

quinta-feira, fevereiro 25, 2010

O Homem Que Engarrafava Nuvens, de Lírio Ferreira ***


A ambição de Lírio Ferreira em “O Homem Que Engarrafava Nuvens” não foi pouca. Em apenas um documentário de pouco mais de hora e meia ele quis concentrar a cinebiografia de Humberto Teixeira (letrista e parceiro de Luiz Gonzaga), a história do gênero musical baião e o acerto de contas com o passado de Denise Dumont, produtora do filme e filha de Teixeira. Há um excesso de informações e imagens que acaba truncando um pouco a narrativa da obra. Em alguns momentos, as três “tramas” (Humberto-baião-Denise) não estão bem equacionadas entre si – há trechos em que entrevistados discorrem longamente sobre o baião, sendo que quase esquecemos do próprio Humberto Teixeira. O que fica mais destoante, entretanto, é o encaixe das seqüências em que Dumont faz desabafos intimistas sobre seu relacionamento instável com o pai e o abandono da mãe que partiu para os Estados Unidos. A lavação de roupa suja parece intrusiva demais em uma película que, em essência, está mais preocupada em fazer uma celebração da obra artística de um homem e de um estilo musical eminentemente brasileiro.

Os maiores acertos de Ferreira estão nas conexões que estabelece entre o baião e as demais ramificações da música brasileira, tanto em depoimentos esclarecedores de músicos até preciosas imagens de arquivo de variados instantes antológicos da história do nosso cancioneiro. Capta-se tanto números de artistas de rua nordestino como nomes consagrados da MPB dando suas interpretações para composições de Teixeira. Involuntariamente ou não, nessas apresentações Ferreira faz um contraponto das versões rústicas e espontâneas dos músicos mambembes com as adaptações lapidadas e padronizadas dentro de um padrão de bom gosto perpetradas por alguns de nossos medalhões (Maria Bethânia, Gilberto Gil, Lenine, Fagner). No meio dessas duas vertentes, sobressai-se a musicalidade mestiça e desprendida do Cordel do Fogo Encantado e de David Byrne.

Junto com “Olha Que Coisa Mais Linda” (2005), “Moro no Brasil” (2006) e “Brasileirinho” (2007), que versam, respectivamente, sobre a bossa nova, o samba e o choro, “O Homem Que Engarrafava Nunes” ajuda a compor um quadro cinematográfico sobre a evolução da música brasileira em várias de suas vertentes, combinando com eficiência o didático e o prazeroso.

quarta-feira, fevereiro 24, 2010

Aconteceu em Woodstock, de Ang Lee ***1/2


Há em “Aconteceu em Woodstock” (2009) um engenhoso artifício narrativo por parte de Ang Lee. Aparentemente, ele formata o filme como uma doce comédia dramática familiar, centralizando a trama no jovem Elliot Tiber (Demetri Martin) e seus pais (Imelda Stauton e Henry Goodman), rústicos imigrantes ucranianos, responsáveis pelas tratativas que possibilitaram a realização do Festival de Woodstock na conservadora e caipira cidadezinha de Catskills. A evolução do festival, dos acertos iniciais até a concretização dos concertos, corresponde também a uma reavaliação das relações dentro do próprio clã Tiber, com a conseqüente saída de casa de Elliot. O processo de amadurecimento do protagonista durante o filme, obviamente, vem da influência que sofre por parte do próprio festival.

Um olhar apressado sobre o que é descrito acima pode dizer que Ang Lee ofereceu uma visão reducionista sobre o significado de Woodstock ao enquadrar o mesmo como pretexto para lições de vida edificantes. Tal olhar, entretanto, seria equivocado. O que Lee evidencia em “Aconteceu em Woodstock” é uma perspectiva que transita entre o idealizado e o imaginário não só sobre o evento em si, mas como também sobre o ideário libertário da geração flower power dos anos 60. A abordagem do diretor privilegia a empatia e um tom nostálgico ao focalizar vários temas caros à época: a liberação sexual, o uso de drogas lisérgicas, o pacifismo, o questionamento dos valores materialistas. Nesse olhar fascinado e de exaltação, parece não haver espaço na busca de contradições.

“Aconteceu em Woodstock”, na sua visão ensolarada sobre os anos 60, dialoga com outra obra importante na cinematografia de Lee, o soturno “Tempestade de Gelo” (1997). Nessa última produção, o cineasta trazia uma história que refletia os anos 70 como uma época em que as altas expectativas culturais e sociais geradas na década anterior convertiam-se em decepção e corrupção dos seus valores. Assim, o amor livre, celebrado como forma de contestação das relações amorosas convencionais, transformava-se em swings para distrair casais burgueses entediados.

Ainda nesse campo de comparações com obras anteriores de Lee, “Aconteceu em Woodstock” evoca “Cerimônia de Casamento” (1993) e “O Segredo de Brokeback Mountain” (2005) ao mostrar situações tabu (homossexualismo, ménage à trois, nudez frontal) com naturalidade. Tal encenação mostra-se em perfeita sintonia, inclusive, com o próprio espírito da época retratado na película.

Até mesmo o documentário que trazia registros antológicos de Woodstock, lançado em 1970, é homenageado nessa obra mais recente. Em vários momentos, Lee adota um estilo objetivo de imagem granulada e câmera na mão que remete diretamente ao documentário, além de fazer aquelas divisões de tela focando ações diferentes que eram marca registrada da referida produção. Até a canção “On The Road Again”, do Canned Heat, utilizada em umas das seqüências mais emblemáticas de “Woodstock”, é revivida em um trecho de “Aconteceu em Woodstock”.

Em termos estéticos, Lee também impressiona ao retratar as viagens psicodélicas de Elliot ao usar LSD pela primeira vez. Por mais previsível que as alucinações possam parecer com as tradicionais imagens distorcidas e coloridas, o impacto visual das mesmas é extraordinário pela manipulação dos efeitos e pela sua beleza, principalmente quando os campos de Woodstock e as pessoas se fundem e formam um oceano cósmico. E o diretor teve ainda a extraordinária sacada de colocar como tema musical dessa seqüência a linda “The Red Telephone” do grupo Love, uma das melhores canções psicodélicas já compostas e gravadas. Se um dia o LSD não for mais ilegal, Lee será um ótimo propagandista...

terça-feira, fevereiro 23, 2010

Um Olhar do Paraíso, de Peter Jackson **1/2


É difícil de aceitar que o mesmo cineasta que transitou com febril criatividade por diferentes gêneros como a sátira de horror (“Fome Animal”), a ácida comédia de humor negro (“Meet The Fuckers”), o drama delirante baseado em fatos reais (“Almas Gêmeas”) e alucinadas aventuras escapistas (“O Senhor dos Anéis”, “King Kong”) possa ter se contentado em realizar uma obra tão insossa como “Um Olhar do Paraíso” (2009). Combinando uma rasteira trama espírita com visual new age, Jackson erra a mão na narrativa truncada e arrastada. A caracterização do limbo e do paraíso propiciada pelas trucagens digitais é burocrática e previsível como um asséptico comercial de sabonete. Já a trama da garota que é estuprada e morta e fica com a alma vagando no limbo com saudades da família e desejo de vingança é apresentada em um formato que combina misticismo, lições de vida edificantes e viés maniqueísta, tendo a mesma densidade dramática que alguma novela da Globo que verse sobre espiritismo. Para completar o equívoco, o elenco inteiro da produção oferece interpretações preguiçosas e pouco cativantes.

Como aspecto positivo, destaca-se em “Um Olhar do Paraíso” a expressiva trilha sonora, que junta serenos temas melancólicos compostos por Brian Eno a etéreas canções de Cocteau Twins e This Mortal Coil.

segunda-feira, fevereiro 22, 2010

O Lobisomem, de Joe Johnston ***


Não há em “O Lobisomem” (2010) uma pretensão de estabelecer novos parâmetros para o gênero da licantropia cinematográfica como foi feito em clássicos como “Um Lobisomem Americano em Londres” e “Gritos de Horror” (ambos de 1981). O que o diretor Joe Johnston realizou foi uma releitura/homenagem ao filme homônimo de 1941. E nesse sentido, “O Lobisomem” é eficiente na sua proposta. Apesar de alguns efeitos digitais, Johnston optou por uma caracterização clássica da direção de arte e do próprio monstro (que realmente lembra muito a criatura original da obra quase setentona). A narrativa apresenta uma tendência preponderante para a estilização. A Inglaterra interiorana do final de século XIX que é pano de fundo para a produção é um lugar ligado muito mais a um imaginário de velhas películas de horror do que a uma rigorosa recriação histórica realista. Vale mencionar também que a própria transformação do protagonista Larry Talbot (Benicio Del Toro) em um lobo humano não é explicitada em todos os seus passos, valendo-se de uma dose de sugestão. Complementando a opção estética de Johnston, as interpretações de Del Toro e Anthony Hopskin valem-se mais de trejeitos canastrões e exagerados do que de sutilezas dramáticas, enquanto Emily Blunt compõe uma mocinha apaixonada e indefesa com considerável competência.

sexta-feira, fevereiro 19, 2010

O Último dos Loucos, de Laurent Achard ***1/2


Essa produção francesa de 2006 combina crônica familiar amarga com toques de suspense. É claro que dentro desse último elemento há uma abordagem típica das películas daquele país, lembrando muito o cinema de Claude Chabrol: ambientação seca, planos longos, trilha musical quase inexistente. O resultado é uma atmosfera tensa, quase claustrofóbica, que permeia a história da dissolução moral e psicológica de uma família interiorana vista pelos olhos de uma criança. O cineasta Laurent Achard constrói um clima constante de que algo está muito errado e de que a tragédia é iminente. Quando a mesma vem, ainda que previsível, aparece com violência impactante e coerente.

quinta-feira, fevereiro 18, 2010

Assim Era a Atlântida, de Carlos Manga ***

Diferentes dos documentários nacionais mais recentes, “Assim Era a Atlântida” (1974) não tem preocupações didáticas ou de procurar verdades factuais. Sua intenção é pura e simplesmente fazer uma homenagem aos filmes e aos artistas representantes da era de ouro da Atlântida, estúdio cinematográfico brasileiro que da década de 40 até a de 60 gerou vários sucessos populares. O tom da narrativa é solene e nostálgico – há depoimentos emocionados e repletos de recordações de alguns dos principais membros da Atlântida (Grande Otelo, Cyll Farney, Norma Bengell, Odete Lara, entre outros) que se entrelaçam com trechos de películas do estúdio. O que mais predomina nas entrevistas é um questionamento quase perplexo em saber por que aquele período glorioso findou, restando apenas o ostracismo. Assistindo aos aludidos pedaços dos filmes que estão no documentário, pode-se entender um pouco sobre os motivos desse esquecimento: tais produções não envelheceram tão bem, sendo que a ingenuidade do roteiro e a estruturação enfadonha dos filmes não resistiram à corrosão do tempo. Mesmo assim, é inegável que algumas dessas seqüências são bem engraçadas, fazendo de “Assim Era a Atlântida” um passatempo curioso e esclarecedor.

sexta-feira, fevereiro 12, 2010

Nocturnos, de Ariel Medina, Maximiliano Ricciardi e Leandro Vitullo 1/2 (meia estrela)


O problema de “Nocturnos”, produção argentina de 2008, não está no fato de ser uma produção de poucos recursos materiais. O que incomoda mesmo é fato dos seus diretores não conseguirem estabelecer uma narrativa decente. Eles fazem do filme um cozido de Tarantino, Robert Rodriguez e outras obras nos gêneros policial e horror, mas não dão uma unidade à película – “Nocturnos” parece uma compilação de seqüências pretensamente climáticas, mas que no final revelam uma esterilidade criativa desoladora. E a pretensão “artística” de seus realizadores é tamanha que no final das contas essa tosqueira não consegue ao menos ser engraçada, mas apenas aborrecida.

quinta-feira, fevereiro 11, 2010

A Lira do Delírio, de Walter Lima Jr. ****


Na sua divulgação midiática, o Carnaval costuma ser visto como manifestação do espírito alegre do brasileiro. O significado mais próximo dessa festa popular, entretanto, está em obras como “A Lira do Delírio”. Nessa produção brasileira de 1978 dirigida por Walter Lima Jr., o Carnaval apresenta-se com uma tremenda gama de simbologias, refletindo com lucidez o espírito do próprio Brasil – hedonista, generoso, selvagem, corrupto, violento. Todos esses elementos são convertidos na força motriz que alimenta “A Lira do Delírio”. Lima Jr. recicla aspectos caros ao cinema underground brasileiro, em uma narrativa que combina uma trama ficcional de leve teor policial, improvisos, citações referenciais e toques documentais. Por mais que o diretor brinque com a questão do tempo linear, há um rigor que faz com que o filme não caia na mera gratuidade experimental. A montagem também é um grande trunfo de “A Lira do Delírio” ao dar uma ordem lógica, ainda que estranha, para uma série de seqüências que em mãos menos preparadas poderiam se tornar desconexas. Ainda sobre a edição, a forma com que música e imagens se conjugam nas tomadas de festas nas ruas é extraordinária ao conseguir transpor para a tela a alma alucinada e dionisíaca do Carnaval.

quarta-feira, fevereiro 10, 2010

Onde Vivem os Monstros, de Spike Jonze ****


Assim como em “O Incrível Sr. Raposo” (2009), “Onde Vivem os Monstros” (2009) enquadra uma fábula infantil e moral sob uma perspectiva pessoal e adulta. No filme de Spike Jonze, entretanto, busca-se uma visão mais psicológica e metafórica do comportamento infantil. Os monstros do título representam facetas, tanto óbvias como obscuras, de atitudes de crianças e adultos, refletindo a visão do protagonista mirim Max (Max Records) sobre o mundo que o rodeia. Dessa forma, a coerência de personagens e situações na trama de “Onde Vivem os Monstros” condiciona-se à inconstante imaginação do nosso herói. Os monstros são imprevisíveis nas variações dos seus temperamentos, o desenrolar dos conflitos são abruptos e nem sempre lógicos.

Jonze tem a consciência de que o racional e a moral não são tão primordiais na mente de uma criança. Assim, a caracterização de suas criaturas é ambígua. Max é um ser humano infantil em estado bruto: pode ser encantador e meigo em alguns momentos, mas na maioria das oportunidades é impulsivo, violento e cruel. Os monstros também são instáveis em sua essência – atraem pelo seu humor melancólicos e causam temor por sua natureza inerentemente agressiva e instável. Em um instante brincam e se divertem em jogos com Max, em outro estão prontos para devorá-lo.

Na fronteira entre o real e o imaginário, Jonze não faz distinções. Não deixa claro se as aventuras de Max na ilha dos monstros são realmente apenas delírios do garoto. Até na sua forma de filmar, o diretor não faz a separação entre os planos de existência. No filme, sempre predomina uma fotografia de tons um pouco esmaecidos e de registro seco e objetivo, como se Jonze estivesse fazendo um documentário dentro de um sonho. Os enquadramentos, feitos em alguns momentos com câmera de mão, dão uma estranha impressão de filme caseiro. O efeito geral desses recursos é perturbador ao mostrar um universo difuso, em que dimensões que deveriam estar separadas mostram-se em sintonia natural.

Há detalhes em “Onde Vivem os Monstros” que ampliam ainda mais o seu impacto sensorial. Um deles é o extraordinário trabalho de dublagem dos monstros. As vozes escolhidas trazem uma grama intensa e variada de emoções, partindo de inflexões serenas e chegando a tons ameaçadores e rugidos, com destaque para James Gandolfini (o eterno Tony Soprano) que apenas com a voz dá uma fascinante dimensão trágica para Carol, o líder dos grotescos seres. Outro aspecto essencial da produção é a trilha sonora de Karen O, repleta de temas acústicos e cantigas que acentuam fortemente a conotação onírica de várias seqüências da película.

A exemplo de “Coraline”, outra produção cinematográfica de 2009 supostamente dirigida à garotada, “Onde Vivem os Monstros” representa muito mais uma assustadora jornada aos nossos medos e desejos interiores do que uma inocente diversão escapista. Na realidade, resgatam a verdadeira essência dos contos de fada: pequenas sagas de brutalidade, culpa e redenção.

terça-feira, fevereiro 09, 2010

O Fantástico Sr. Raposo, de Wes Anderson ****


É claro que mesmo no território da animação o cineasta Wes Anderson não deixaria de colocar sua marca pessoal. E é justamente o que acontece em “O Fantástico Sr. Raposo” (2009). É fascinante a forma com que as obsessões temáticas e formais de Anderson conseguem se encaixar dentro do formato de uma obra de cunho originalmente infantil. Assim como nos filmes anteriores do diretor, a produção traz dualidades inquietantes: a trama tem um viés emocional, mas permeada por uma abordagem distanciada e irônica; a técnica stop-motion oscila entre o imperfeito e o sofisticado; a caracterização dos personagens opõe comportamentos psicologicamente complexos a atitudes instintivas e selvagens. No mais, não há como não destacar também a hilária homenagem ao universo dos spaghetti westerns no confronto final entre animais e fazendeiros, com direito aos belos enquadramentos típicos dos melhores filmes de Sergio Leone e ao tema musical que evoca Ennio Morricone. Aliás, a trilha sonora, como em outras películas de Anderson, é um capítulo à parte na bela prospecção de clássicas canções pop dos anos 60 e 70, com especial destaque para as luminosas canções dos Beach Boys que permeiam seqüências memoráveis de “O Fantástico Sr. Raposo”.

segunda-feira, fevereiro 08, 2010

Nine, de Rob Marshall *1/2


Fica até difícil saber por onde começar para tentar explicar como “Nine” (2009), obra mais recente de Rob Marshall, é um tremendo equívoco, pois o filme é um desastre em variados aspectos. Para começar, como musical, ele falha ao se mostrar engessado dentro de uma fórmula gasta e medíocre. A progressão dos números musicais obedece a uma ordem burocrática: o protagonista Guido (Daniel Day-Lewis) e cada uma das mulheres de sua vida ganham seqüências próprias, como se fosse um cartão de visita de suas respectivas e estereotipadas personalidades, com direito a uma constrangedora seqüência inicial em que todos eles se apresentam quase como se um desfile de misses. Além disso, tais números musicais sempre são apresentados como uma espécie de delírio da mente de Guido, sem nunca realmente entrelaçar com a “realidade” da trama. Esse recurso já foi usado com bastante criatividade em “O Show Deve Continuar” (1979) de Bob Fosse e até mesmo “Chicago” (2002) do próprio Marshall. Em “Nine”, entretanto, essa maneira de caracterizar o elemento musical da produção é anti-climático, no sentido que revela o temor de se desvincular de um naturalismo óbvio e acabar perdendo um público não afeito ao gênero musical. Marshall também não obtém uma formatação cinematográfica satisfatória ao transpor a peça original da Broadway para as telas. Em vários momentos do filme, temos a sensação estarmos assistindo a teatro filmado ou até mesmo a um vídeo clip (a seqüência com Kate Hudson parece Britney Spears!). No mais, pelo roteiro em si e a qualidade das canções apresentadas, dá para supor que a própria peça já não era grande coisa.

Pelo lado de encararmos “Nine” como uma refilmagem, homenagem ou coisa que o valha para “8½” (1963) de Fellini, o filme chega ainda ser mais vergonhoso. A dificuldade com as mulheres que o cineasta em crise criativa tinha na produção original expressava uma particular visão de Fellini sobre o machismo e as relações humanas, sem conotações maniqueístas e com uma perspectiva libertária. Em “Nine”, Marshall reduz essa concepção a um simples conflito maniqueísta do protagonista com pendores para Casanova que se arrepende de seus adultérios e quer reconquistar a mulher. Essa solução temática cai em um moralismo simplório que inexistia em “8½ “ e faz desconfiar se Marshall realmente viu o filme do Fellini.

Por mais que figurinos, direção de arte, fotografia e edição de “Nine” sejam competentes, não disfarçam, todavia, uma narrativa amorfa e desprovida de vida. Rob Marshall queimou muito sua credibilidade, e faz com que o expectador interrogue se o oscarizado “Chicago” realmente era tão bom assim.

sexta-feira, fevereiro 05, 2010

A Selva, de William Berke *


Essa produção norte-americana/indiana de 1952 é uma legítima tranqueira que beira o “trash”. O grande mote de sua trama é a presença de mamutes que aterrorizam tribos indianas. O expectador passa todo o filme na expectativa de ver os tais bichos pré-históricos, e quando no final os mesmos aparecem chega a ser ridícula a sua caracterização: elefantes domesticados e vagarosos cobertos por mantas que simulam pelos ou algo parecido. Mas esse ainda não é o cúmulo da picaretagem do diretor William Berke em “A Selva”. Ao longo da narrativa, ele insere trechos de documentários de animais brigando na selva, sendo que o descompasso entre tais trechos e as seqüências filmadas por Berke é evidente de forma constrangedora. Mesmo com todas essas tosquices, entretanto, assistir a “A Selva” é uma experiência peculiar, principalmente pelo tom ingênuo e o humor involuntário que permeiam a obra, típicos de uma época cinematográfica que se perdeu com o tempo.

quinta-feira, fevereiro 04, 2010

Mundo Proibido, de Jack Hill e John Lamb ***1/2


Os anos 60 foram pródigos em produções cinematográficas que oscilavam em uma linha tênue entre o experimental e o comercial, abordando, geralmente, temas tabus. Boa parte desses filmes vinculava-se ao gênero “exploitation”, que, apesar de menosprezado por uma ala da crítica, seguidamente apresentava obras que traziam ousadias tanto formais como temáticas. “Mundo Proibido” (1966) está inserido dentro desse contexto histórico e estético. Focalizando a rotina de um bem sucedido comerciante de pornografia, e que nas horas vagas age como estuprador, há uma profusão de seqüências que envolvem sexo e drogas, embaladas em uma narrativa instigante que abarca trejeitos de documentário e cenas de puro e difuso delírio visual. Desavisados podem erroneamente pensar em “trash” ou coisa que o valha, mas “Mundo Proibido” revela em sua essência um estilo cinematográfico inquietante e muito bem delineado.

quarta-feira, fevereiro 03, 2010

O Fim da Escuridão, de Martin Campbell ***


As minhas expectativas para o “O Fim da Escuridão” (2009) eram muito altas. Para começar, Martin Campbell dirigiu “Cassino Royale” (2006), um dos três melhores filmes da série 007 já feitos e também uma das grandes obras do cinema de ação da primeira metade deste século. E completando os indícios promissores, Mel Gibson seria o protagonista que tem a filha assassinada e sai à busca de vingança. O resultado final da produção, entretanto, é frustrante. O roteiro cai naquela desgastada linha de uma história obscura que aos poucos vai revelando uma escabrosa conspiração envolvendo megacorporações e o governo dos Estados Unidos. Dessa forma, trunca-se a narrativa com mil e uma explicações sobre os desdobres da trama, o que na realidade é apenas conversa fiada e óbvia para mastigar respostas que já eram evidentes lá pela metade do filme. Acaba não restando muito tempo para aquilo que se queria realmente ver: “Mad” Mel mandando ver nos vilões. O que salva “O Fim da Escuridão” é a boa direção de Martin Campbell nas poucas, boas e violentas seqüências de ação, além das atuações expressivas de Gibson, Ray Winstone e Danny Huston.

terça-feira, fevereiro 02, 2010

Bons Costumes, de Stephan Elliot ***1/2


O cineasta Stephan Elliot conquista uma interessante proeza em “Bons Costumes” (2008) ao resolver uma equação complicada: enquadra uma clássica peça de Noel Coward dentro de uma concepção cinematográfica estilizada, tendo um resultado semelhante àquele que Joe Wright obteve na adaptação de “Orgulho e Preconceito” (2005). O texto original de Coward é primoroso ao misturar drama e comédia em uma história que ironiza o preconceito e a fleuma britânicos, além de contar com trechos musicados em que canções complementam brilhantemente os diálogos. Elliot não cai na armadilha do “teatro filmado”, elaborando uma narrativa que oscila entre o naturalismo e o irreal com fluidez espantosa. Na abertura, a estética do cinema mudo e preto e branco do início do século XX é recriada de forma mais que convincente, e logo depois emenda em uma seqüência de animação de grafismo típico da década de 20. Ao longo da obra, destacam-se momentos em que melodias irrompem naturalmente em meio a conversas entre os personagens. Fotografia e edição também contribuem para o ritmo dinâmico de “Bons Costumes”, indo de enquadramentos virtuosos, passando por sofisticados jogos de fusões de imagens (o flashback que se passa na lente de um óculos escuro é um truque antológico) e chegando nas bem orquestradas e empolgantes seqüências da caça à raposa e do baile final. A direção de arte tem um fundamental papel na construção dramática da produção, principalmente na caracterização visual exuberante da protagonista Larita (Jessica Biel), personagem que parece concentrar em si todo o espírito de uma série de divas do cinema da época.

O Corvo, de Henri-Georges Clouzot ****


Um dos grandes diretores franceses do gênero do suspense, Henri-Georges Clouzot faz de “O Corvo” (1943) outra das provas de seu talento. O filme tem pouca ação física, concentrando-se no mistério e na dúvida provocados por uma série de fofocas e boatos espalhados em uma pequena cidade conservadora do interior da França. As maledicências são espalhadas em cartas anônimas que têm como remetente a figura auto-intitulada “O Corvo”. Mesmo usando um mote tão prosaico, a narrativa oferecida por Clouzot é dinâmica e tensa, além de conter um subtexto sutil e ácido sobre as hipocrisias da sociedade contemporânea. A condução da trama pelo cineasta não é pelo viés da aventura frenética, com o mesmo adotando uma linguagem cinematográfica elegante, de poucos cortes e fotografia discreta. Essa estética simples utilizada por Clouzot foi, posteriormente, deixada de lado em prol de um cinema mais bombástico, como aquele mostrado nas obras-primas “O Salário do Medo” (1953) e “As Diabólicas” (1954).

Transformers: A Vingança dos Derrotados, de Michael Bay ***


Chamava a atenção no primeiro filme dos Transformers (2007) a continuação de uma tendência do diretor Michael Bay, evidenciada anteriormente no ótimo “A Ilha” (2005), em dosar ação barulhenta e constante de seus filmes anteriores. Mesmo com todos os robôs gigantes, batalhas, tiros, explosões e violência, Bay conseguiu naquela produção buscar um equilíbrio na narrativa que permitia enxergar um roteiro até bem consistente que absorvia boas influências da antiga animação dos personagens –título. Na continuação “Transformers: A Vingança dos Derrotados” (2009), tem-se a impressão que o velho Bay resolveu voltar ao seu cinema de adrenalina sem fim. O diretor não oferece pausa ao expectador, emendando seqüências pirotécnicas em profusão. Mesmo inferior à primeira, entretanto, não dá para dizer que é um mau filme, principalmente pelo pique de história em quadrinhos em alguns momentos.

Cidadão Boilesen, de Chaim Litewski ***


“Cidadão Boilesen” (2009) não foge do padrão consagrado em documentários brasileiros recentes ao fazer a combinação de imagens de arquivo e depoimentos recentes para focalizar o seu tema objeto (na presente obra, a vida de Henning Boilesen, próspero empresário dinamarquês naturalizado brasileiro que colaborou com a ditadura militar e acabou assassinado pela guerrilha). O seu diferencial está na ágil dinâmica cinematográfica que o diretor Chaim Litewski oferece para o seu filme. Vários dos fatos narrados pelos entrevistados são “dramatizados” através de trechos de produções sobre os nossos anos de chumbo (“Lamarca”, “Batismo de Sangue”, “Pra Frente Brasil”, entre outros) e de uma peça teatral sobre o tema, mostrando um criativo trabalho de edição que faz com que “Cidadão Boilesen” não caia no simples didatismo. Aliás, outro dos méritos de Litewski é usar uma abordagem irônica sobre a sua temática, não se limitando a um caráter meramente informativo. Pelos depoimentos iniciais, Boilesen seria um cidadão modelo e inatacável. Com a evolução da narrativa, entretanto, o lado escuro do protagonista se sobressai de forma constante, evidenciando-se um contraste fascinante na personalidade do empresário. E se em alguns dos depoimentos predomina o monótono e rançoso tom de “declarações oficiais”, em outros temos momentos de sinceridade desconcertantes.

Destoa no filme apenas a trilha sonora de tons cômicos que parece querer acentuar ainda mais o já aludido teor irônico do filme. Para esse fim, a música é óbvia e desnecessária, tendo em vista que imagens e diálogos em “Cidadão Boilesen” já trazem dentro de si, sutilmente, essa visão sarcástica.

Amor Sem Escalas, de Jason Reitman **1/2


Jason Reitman teve um início de carreira como cineasta bastante promissor. “Obrigado Por Fumar” (2005) era uma comédia dramática que tirava um belo sarro com o politicamente incorreto, e ao mesmo tempo revelava que o seu diretor parecia ter herdado do seu pai, o também diretor Ivan Reitman, o talento na condução de narrativas leves e irônicas. “Juno” (2007), entretanto, foi um balde de água fria nessas boas expectativas – produção correta e sem maiores novidades, mas que causava uma certa simpatia pelo ar “indie” (principalmente pela ótima trilha sonora e por alguns personagens carismáticos – Jason Bateman como um “viúvo” do grunge era um achado). “Amor Sem Escalas” (2009), obra mais recente de Jason, é a confirmação da decepção com “Juno”. O filme mantém aquela aura de “alternativo” (novamente devido a trilha sonora), mas é convencional até à medula. Na primeira meia hora, Reitman até engana com uma edição cheia de cortes rápidos e simétricos, além do tom cínico que impregna a narração em off do protagonista Ryan Bingham (George Clooney), profissional que tem como profissão comunicar pessoas de que as mesmas estão demitidas e que passa boa parte do seu tempo viajando. O interessante clima ambíguo inicial se desfaz progressivamente e se transforma em conto moral previsível quando Ryan começa a trabalhar com uma novata ambiciosa e, simultaneamente, apaixona-se por uma executiva que também viaja constantemente.

“Amor Sem Escalas” parece uma obra feita com um manual debaixo do braço: narrativa sem sobressaltos, cujas viradas no roteiro podem ser adivinhadas com meia hora de antecedência. Os questionamentos que propõe são resolvidos de forma rasa e dogmática, além de seu padrão formal não apresentar maiores traços de ousadia ou inspiração. Por mais que prêmios como Oscar ou Globo de Ouro não representarem exatamente o que há de melhor na produção cinematográfica, chega a soar como um disparate incompreensível tentar equivaler “Amor Sem Escalas” com filmes bem mais instigantes como “Avatar” e “Bastardos Inglórios”.

Lula - O Filho do Brasil, de Fábio Barreto *1/2


A relação de Lula com o cinema brasileiro não é recente. O atual presidente da república brasileiro já havia tido participações importantes nos documentários “Linha de Montagem” (1982), “O ABC da Greve” (1990), “Peões” (2004) e “Entreatos” (2004), obras que focalizam Luis Inácio em diferentes momentos da sua vida. Em qualquer um deles, pode-se ver alguns fragmentos relevantes da vida e da própria personalidade de Lula, tanto pelos seus valores positivos quanto por interessantes contradições. Dessa forma, tais produções oferecem parte da dimensão humana daquele que é uma das figuras públicas nacionais mais relevantes das últimas décadas.

O principal pecado de “Lula – O Filho do Brasil” (2009) está justamente no fato de não conseguir mostrar nas telas um Lula que pareça verdadeiro, além de não conseguir transformar a vida de um homem com uma biografia tão rica em uma narrativa consistente. O diretor Fábio Barreto preferiu adotar o caminho fácil de transformar os 35 primeiros anos da existência de seu personagem título em um grande e superficial resumo que se desenrola de forma mecânica e pouco fluida. Fatos fundamentais e complexos são simplificados em momentos de puro dramalhão mexicano que chegam às raias do risível, os diálogos não têm um pingo de naturalidade e a caracterização dos personagens é reduzida a estereótipos patéticos (qualquer fala proferida por Glória Pires, por exemplo, é alguma lição de vida edificante).

Trabalhar com lugares comuns e dispensar densidades psicológicas na recriação da História não chega a ser um defeito em termos de cinema. Para ilustrar isso, é só pensar no clássico “A Batalha de Argel” (1966), em que Gillo Pontecorvo oferece uma visão ostensivamente maniqueísta e panfletária para fatos históricos, além de não fazer muitas individualizações dramáticas de seus personagens. O diretor italiano, entretanto, obteve uma dinâmica narrativa espetacular para sua obra, transformando aquela massa de protagonistas, coadjuvantes e até mesmo figurantes em um único e expressivo personagem que se move com precisão de acordo com a vontade rigorosa de Pontecorvo. Barreto, por sua vez, não tem nada que possa lembrar desse tipo de domínio de ritmo cinematográfico. Ele apenas reproduz os eventos ordenados no roteiro com a assepsia e a carência de ousadia típicas das produções televisivas globais mais rasteiras. Além disso, evidencia-se em “Lula – O Filho do Brasil” a desagradável impressão de uma produção feita a toque de caixa. Como explicar, nesse sentido, as variações do registro de voz de Rui Ricardo Dias (o Lula na fase adulta) que começa num tom natural e lá pelo terço final do filme embarca sem cerimônia naquele estilo roufenho típico do presidente brasileiro?

Mesmo com todas essas limitações, entretanto, “Lula – O Filho do Brasil” é uma obra que pode funcionar como um forte material de propaganda em uma campanha eleitoral. Não tanto pelos seus questionáveis méritos artísticos, mas sim pela contundente história pessoal de Lula, capaz de provocar aqueles sentimentos empáticos de compaixão e admiração em boa parte do povo da nação brasileira.

É Proibido Fumar, de Anna Muylaert **1/2


Assim como em “Durval Discos” (2002), seu longa de estréia, a diretora Anna Muylaert consegue obter um interessante tom de crônica de costumes em algumas seqüências de “É Proibido Fumar” (2008) ao retratar o cotidiano modorrento e acomodado de Baby (Glória Pires), professora de violão solteirona e fumante inveterada. A caracterização de personagens e situações é bem delineada, tendo até uma certa profundidade, apesar do acabamento formal convencional do filme não permitir vôos criativos mais altos. Muylaert perde bastante o controle da narrativa quando converte a mesma numa trama de suspense que se resolve de maneira muito fácil e conciliadora. O forçado final feliz retira muito do impacto do que poderia ser uma visão mais crua da solidão humana e das dificuldades de relacionamentos.