terça-feira, março 27, 2007

Filmes da Semana (cotações de 0 a 4 estrelas)

Longe, de André Téchiné ***
Até Já, de Benoit Jacquot ***1/2
Dias de Glória, de Rachid Bouchareb ***
Deu a Louca em Hollywood, de Jason Friedberg e Aaron Seltzer *1/2
Viva Argélia, de Nadir Mokneche ***1/2
O Bom Pastor, de Robert De Niro ***
Número 23, de Joel Schumacher ***
Arthur e os Minimoys, de Luc Besson ***
Roma, de Federico Fellini ****
Fitzcarraldo, de Werner Herzog ****
Brinquedo Proibido, de René Clément ****
O Grito, de Michelangelo Antonioni ****
Yojimbo, de Akira Kurosawa ****
Mary Poppins, de Robert Stevenson ****
Meu Nome é Ninguém, de Tonino Valerii ****
Mais e Melhores Blues, de Spike Lee ***1/2
Tina, de Brian Gibson ***
O Mestre da Guilhotina Voadora, de Jimmy Wang Yu ***1/2
Operação Dragão, de Robert Clouse ****
A Grande Ilusão, de Steve Zailian ***

segunda-feira, março 19, 2007

Filmes da Semana (Cotações de 0 a 4 Estrelas)

O Mestre das Armas, de Ronny Yu ***1/2
Turistas, de John Stockwell *
Maria Antonieta, de Sofia Coppola **1/2
Cenas de um Casamento, de Ingmar Bergman ****

sexta-feira, março 16, 2007

Meu Amor de Verão, de Pawel Pawlikowski ****

Um dos melhores filmes ingleses dessa década, “Meu Amor de Verão” é uma obra que oscila brilhantemente entre dois lados distintos, estando em sintonia perfeita com a trajetória da protagonista Mona (Nathalie Press). Para focalizar a vida da garota em um vilarejo conservador, o diretor Pawel Pawlikowski opta por um estilo seco e de iluminação natural, realçando de forma precisa o ambiente sufocante em que Mona vive ao lado do irmão Phil (Paddy Considine), um ex-presidiário que se tornou um fanático religioso. Quando Mona conhece Tamsin (Emily Blunt), a bela e misteriosa filha de proprietários de uma sofisticada casa de campo das proximidades, a narrativa ganha uma abordagem diferente, beirando quase o delírio, com as garotas entrando numa “trip” cheia de erotismo, chapação e irreverência. O confronto entre a dura rotina no vilarejo e o mundo aparentemente mágico das duas garotas é fascinante, ficando ainda mais atraente quando faz com que Phil veja que no fundo, apesar de todas as suas aparentes certezas religiosas, os seus instintos violentos continuam fortemente latentes.

Pawlikowski, entretanto, descarta o caminho fácil da idealização hedonista, sendo que com o decorrer da trama Mona vai percebendo que Tamsin e o mundo que a rodeia estão bem longe da perfeição que se imaginava. Esse processo de desilusão e amadurecimento da personagem é mostrado de forma dura, fazendo de “Meu Amor de Verão” uma das mais significativas obras cinematográficas recentes a retratar o universo jovem, na tradição de clássicos como “Juventude Transviada” e “O Selvagem da Motocicleta”.

De se destacar ainda em “Meu Amor de Verão” a brilhante utilização de sua trilha sonora, na maioria composta por canções de Will Gregoy e Alison Goldfrapp, duo esse também conhecido simplesmente como Goldfrapp. A música faz o complemento perfeito para o clima etéreo e inebriante que ronda por boa parte do filme, sendo que o auge desse casamento feliz entre música e imagens é na fantástica seqüência em que Mona e Tamsin, completamente entorpecidas, começam a dançar em um baile no vilarejo ao som de uma careta bandinha local, mas na verdade está escutando em suas mentes a maravilhosa “Lovely Head” do próprio Goldfrapp, num trabalho engenhoso de edição.

quinta-feira, março 15, 2007

À Procura da Felicidade, de Gabriele Muccino ****

Tanto eu quanto alguns conhecidos meus tivemos uma reação parecida em relação ao filme “À Procura da Felicidade”. Ao ler a sinopse e assistir o trailler dessa produção de 2006, logo pensávamos em mais uma daquelas produções rotineiras da surrada temática “lute, acredite no sistema e você vencerá”. Mas ao assistir o mesmo, tem-se a grande surpresa de ver que o filme é bem mais do que isso.

Para começar, a opção estética do diretor Gabriele Muccino para a sua narrativa dá um frescor renovado para “À Procura da Felicidade”. Além de uma contundente abordagem que beira o naturalismo, o cineasta apresenta ótimas influências do cinema norte-americano dos anos 70, com um ótimo trabalho de edição que lembra o melhor de William Friedin, além dos belos tons de cores quase granuladas que permeia por todo o filme. A criativa revitalização do estilo setentista por parte de Muccino, acentuada ainda mais pela trilha sonora recheada de clássicos da black music da época, faz de “À Procura da Felicidade” uma espécie de gêmeo espiritual do brilhante “Em Busca de Um Sonho”.

Outro aspecto que me agradou muito também em “À Procura da Felicidade” é a perspectiva que Muccino oferece para a trama. O que motiva Chris Gardner (Will Smith) a sair de uma situação econômica desesperadora e buscar um novo rumo para a sua vida não é apenas uma idealizada crença no “american way of life”, mas principalmente uma desesperada luta pela sobrevivência e dignidade suas e de seu filho. Dessa forma, toda a angústia pela qual pai e filho passam ao longo do filme chega a ser tremendamente palpável tamanha a força humana com a qual Muccino focaliza as relações pessoais e profissionais, sem cair em sentimentalismos e pieguices fáceis.

Mas se formos pensar com mais cuidado, talvez não seja tão surpreendente assim o fato de “À Procura da Felicidade” ser uma das melhores produções cinematográficas a aparecer nos últimos meses. Afinal, Gabriele Muccino já havia demonstrado talento considerável em “O Último Beijo”, uma cáustica visão sobre a maturidade emocional dos “trintões”, e “Para Sempre Nas Nossas Vidas”, poética visão sobre a adolescência. “À Procura da Felicidade” confirma Muccino como uma das boas revelações a surgir nos últimos anos no cinema.

quarta-feira, março 14, 2007

Por Um Triz, de Carl Franklin ***

“Por Um Triz” é aquele tipo de filme policial com uma trama ultra previsível para o gênero que é aquela em que um pobre coitado é enganado por uma gostosona, acaba se metendo numa puta encrenca e daí tem de passar o resto do filme tentando arrumar um jeito para descobrir como foi enganado e de tentar consertar a burrada em que se meteu. Apesar disso, Carl Frankin é um diretor competente e consegue extrair alguns momentos de forte tensão para o filme. Mas a melhor coisa de “Por Um Triz” é realmente a atuação sensacional de Denzel Washington. O cara parece ter nascido para o eterno papel de negrão malandro que vive se metendo em escabrosas situações, ou seja, ele é uma espécie de herdeiro natural do Shaft original.

Apesar de “Por Um Triz” não ser sensacional como outros filmes recentes com Washington (“Dia de Treinamento”, “Chamas da Vingança”, “O Plano Perfeito” e “Deja Vu”), mesmo assim o ator consegue garantir o interesse do filme fazendo dele um interessante e divertido policial.

O Amor Não Tira Férias, de Nancy Meyers *1/2

Nancy Meyers parece ser uma cineasta que tenta colocar em seus filmes uma visão sobre a mulher moderna no mundo atual. Isso, entretanto, não quer dizer necessariamente que seja algo positivo. Tanto em “Alguém Tem de Ceder” como nesse mais recente “O Amor Não Tira Férias”, o universo de Meyers é bem delimitado: mulheres independentes e inteligentes têm a tendência de sofrer muito devido à maioria cruel dos homens que só sabem enganá-las e tirar proveito das mesmas, a não ser quando elas conseguem domesticar algum deles ou até mesmo encontram um príncipe cheio de boas intenções. Ou seja, uma mistura de feminismo estéril com romances água-com-açúcar estilo “Sabrina” ou “Júlia”.

“O Amor Não Tira Férias” é o tipo de filme que clama a todo o momento por um pouco de vida: tudo é tão esquemático e previsível que são poucas as cenas em que há algum traço de espontaneidade. Meyers transforma todos os seus personagens nos mais equivocados estereótipos. Amanda (Cameron Diaz) faz parecer que toda mulher bem sucedida não passa de uma patricinha histérica e egoísta, enquanto Íris (Kate Winslet) é o protótipo piorado da sofredora por amor. Além do fato de serem realmente muito bonitas, não se consegue entender no filme porque Graham (Jude Law) e Miles (Jack Black), respectivamente, se apaixonam por elas tamanha a caracterização rasa das mesmas. E por mais que Meyers tente colocar um pouco de auto-ironia para o filme, isso acaba sendo um recurso hipócrita diante do próprio roteiro excessivamente açucarado e simplório.

Mas o discurso da diretora não se restringe apenas às relações amorosas. Mais constrangedora ainda é a crítica que se faz ao cinema atual norte-americano que estaria dando mais atenção para explosões e efeitos especiais do que para roteiros que “contem boas histórias”. Ora, para mim, isso não passa de uma argumentação moralista e reacionária contra o próprio cinema. Afinal, essa é a manifestação artística que busca o seu impacto sensorial através das imagens e da edição das mesmas. O que Meyers quer com a sua argumentação moralista? Transformar o cinema em subliteratura? E o mais triste é ouvir toda essas bobagens da boca do veterano Eli Wallach, o inesquecível “feio” de “Três Homens em Conflito”, do mestre Sérgio Leone, uma das obras cinematográficas em que mais a imagem espetacular e épica se sobressai ao roteiro.

É claro que dizer que “O Amor Não Tira Férias” é um desastre completo seria um exagero. Afinal, Jude Law tem uma atuação realmente muito boa e os momentos cômicos com Jack Black são tremendamente divertidos. Mas que o filme certamente pode estar no rol dos piores do anos isso dá para dizer sem a menor sombra de dúvida.

terça-feira, março 13, 2007

Crime Delicado, de Beto Brant ***1/2

Ao contrário de suas produções anteriores, dramas com tintas policiais (“Os Matadores”, “Ação Entre Amigos” e “O Invasor”), o diretor Beto Brant opta em “Crime Delicado” por uma trama em que os tiroteios estão ausentes, mas nem por isso sua narrativa deixa de impressionar ao retratar a violência nas relações humanas.

Brant é ambicioso na concepção de “Crime Delicado”. Sua pretensão é fazer o cinema dialogar com outras manifestações artísticas, como se buscasse pontos em comum ou até mesmo de ruptura entre diversas expressões culturais. A começar pela trilha sonora, repleta de temas clássicos e eruditos e passando pelas seqüências em que são exibidos trechos de peças teatrais. Nesse último ponto, Brant obtém um resultado fortemente original: o que vemos não é puro teatro filmado, mas sim enquadramentos inusitados para os atos filmados. É difícil precisar se o que estamos vendo é cinema ou teatro, é como se fosse um terceiro caminho.

O ponto alto, entretanto, de “Crime Delicado” nessa busca de comunicação entre gêneros artísticos é a longa, detalhada e crua seqüência em que o pintor José Torres Campana (Felipe Ehrenberg) trabalha num quadro de sua musa Inês (Lílian Taulib), indo desde os primeiros esboços até o resultado final. Brant filma todo esse processo com uma precisão e ousadia fantásticas, em que artista e musa se integram de uma forma quase obsessiva.

A partir dessa visão sobre o universo artístico, Brant mostra também o impacto que uma obra pode ter sobre o indivíduo através da figura do crítico teatral Antônio (Marcos Ricca). Em seus textos, Antônio procura racionalizar tudo que assiste, enquadrando sobre uma ótica reducionista uma atividade que é extremamente vinculada à sensibilidade e criatividade. Quando Antônio conhece Inês e se defronta com o “modus operandi” de Campana, as teorias restritas do crítico se abalam, revelando que o mesmo, pretenso analista cultural, está tão imerso em preconceitos e tacanhices quanto qualquer simples mortal que adora assistir novelas ou Big Brother.

É claro que as ousadias de Brant em “Crime Delicado” nem sempre atingem o alvo certo, sendo que o filme está longe de ser perfeito. Mesmo assim, é uma obra de peso dentro do cinema brasileiro, sendo que a sua busca de sintonia entre o cinema e outras formas de arte representa um saudável inconformismo, coisa rara de se encontrar atualmente na cinematografia nacional.

1972, de José Emílio Rondeau **

Até pouco tempo atrás, quando se falava em rock brasileiro, mencionava-se Cely Campelo nos anos 50, a Jovem Guarda, a Tropicália e os Mutantes nos anos 60 e se pulava direto para os anos 80 e daí por diante até os dias de hoje. Ou seja, em termos roqueiros, os anos 70 eram uma espécie de vácuo para a maioria das pessoas. Mais recentemente, com essa onda de nostalgia recheada de almanaques históricos, recomeçou-se a falar novamente em bandas antes quase esquecidas como a Bolha, Spectrum e Módulo 1000. Isso sem falar que os discos das mesmas se tornaram extremamente valiosos para colecionadores de vinil, surgindo reedições dos mesmos até mesmo no exterior. Dessa forma, foi redescoberto o universo psicodélico e até mesmo ingênuo de uma das fases mais criativas da música brasileira.

“1972”, produção brasileira de 2006, tem a pretensão de resgatar para as telas esse universo, além de fazer um retrato do país em pleno auge da ditadura militar. Aparentemente, o diretor José Emílio Rondeau e a roteirista Ana Maria Bahiana seriam os nomes ideais para uma empreitada como essa. Afinal, ambos têm uma experiência vasta dentro do jornalismo cultural e conhecimento de causa suficiente sobre a temática abordada em “1972”. A abertura do filme colabora ainda mais para essa expectativa, com um belo trabalho de grafismos típicos da época. Todos esses indícios promissores, entretanto, acabaram não resultando num trabalho realmente satisfatório. Os anos 70 representam um período altamente turbulento e contraditório da história recente brasileira, onde as influências da geração flower power (drogas, amor livre e ideais libertários) batiam de frente contra a repressão autoritária. O problema de “1972” é que o filme não consegue captar esta tensão, acabando por resultar numa visão esquemática e sem tesão de uma época tão fascinante quanto a abrangida pela obra, sendo que tal período termina utilizado apenas como pano de fundo para uma comédia romântica. E mesmo o mote principal, o relacionamento entre o jovem músico Snoopy (Rafael Rocha) e a jornalista Júlia (Dandara Guerra), é desenvolvido de forma tão insípida e artificial que em poucos momentos conseguimos sentir alguma empatia pelo casal.

Apesar disso tudo, “1972” vale uma conferida pela sua parte musical, tanto pela sua trilha sonora repleta de pérolas da época como pelas apresentações das bandas durante shows, além da caracterização fiel Cláudio Gabriel como o alucinado DJ Big Boy, que conseguem dar uma certa vitalidade para o filme.

segunda-feira, março 12, 2007

Filmes da Semana (Cotações de 0 a 4 estrelas)

Letra e Música, de Marc Lawrence ***1/2
Inacreditável – A Batalha dos Aflitos, de Beto Souza **1/2
C.R.A.Z.Y. – Loucos de Amor, de Jean-Marc Vallée ***1/2
Pro Dia Nascer Feliz, de João Jardim ***
Como Se Fosse a Primeira Vez, de Peter Segal ***
Shaolin Invencível, de Cheh Chang ****
O Vôo do Dragão, de Bruce Lee ***
A Fúria do Dragão, de Lo Wei ***1/2
Estranhos Prazeres, de Kathryn Bigelow ***1/2
2000 Maníacos, de Herschell Gordon Lewis ***1/2
Se Você Fosse Eu, de Jae-eun Jeong, Chan-Wook Park, Jin-pyo Park, Kwang-su Park, Kyun-dong Yeo e Soonrye Yim ***1/2
Violent Cop, de Takeshi Kitano ****

sexta-feira, março 09, 2007

Premonição, de James Wong **

A premissa inicial de “Premonição” é interessante: um grupo de jovens, devido aos dons premonitórios de um deles, acaba deixando de embarcar para um vôo trágico, sendo que a Morte, sentindo-se enganada, resolve corrigir tal “erro” fazendo com que cada um deles tenha um fim pavoroso. O problema do filme, entretanto, é que o cineasta James Wong acaba não fazendo jus ao argumento promissor. Sua direção é burocrática e sem maiores ousadias visuais, dando mesmo para as seqüências que deveriam ser mais aterrorizantes um estilo excessivamente “clean”. Ou seja, um filme de horror realizado por um cineasta que provavelmente não é muito fã do gênero. É de se imaginar o que mestres como Dario Argento e George Romero fariam com uma produção dessas...

“Premonição” também gerou mais duas seqüências que são bem superiores ao primeiro filme justamente pelo fato de não economizarem no sangue e na violência, resultando em produções de terror bem mais satisfatórias e menos bunda mole.

quarta-feira, março 07, 2007

Apocalypto, de Mel Gibson ****

“Apocalypto”, até o presente momento, é o grande ponto alto da carreira de Mel Gibson como cineasta. Ele consegue oferecer uma das visões mais originais sobre os povos americanos pré-colonização e ao mesmo tempo realiza uma dos melhores filmes de aventura dos últimos anos.

Os primeiros 15 minutos de “Apocalypto” são quase idílicos. Acompanha-se a calma e doce rotina de uma tribo indígena que vive em harmonia com a natureza e consigo mesma. Ao mesmo tempo, entretanto, sente-se que algo de errado está para acontecer a qualquer momento, como se aquela aparente felicidade estivesse alicerçada em bases frágeis, quase etéreas. Tais previsões acabam se concretizando, sendo que repentinamente caçadores maias atacam a tribo, dizimam boa parte da população e levam o restante da mesma como prisioneiros visando transformá-los em vítimas de sacrifício para os seus deuses. A partir desse momento, “Apocalypto” muda radicalmente de perspectiva, transformando-se numa saga de luta desesperada pela sobrevivência por parte de Pata de Jaguar (Rudy Youngblood) para que possa voltar para sua tribo e salvar sua família que está presa num buraco.

Para narrar a busca pela liberdade de Pata de Jaguar, Gibson não abre concessões. “Apocalypto” é frenético, violento e assustador, com alguns momentos que beiram o sobrenatural. A seqüência em que os Maias e seus prisioneiros encontram uma menina sobrevivente de uma aldeia dizimada pela peste, por exemplo, é puro cinema de horror, com a criança amaldiçoando os mesmos com as mais tétricas profecias e com uma voz absurdamente macabra. Mais assombrosas ainda, entretanto, são as impressionantes cenas de sacrifícios humanos no tempo maia, em que a reação quase de gozo da população maia diante às execuções é tão aterrorizante quanto os corações arrancados e as cabeças decepadas no altar do templo. E é claro que não dá para esquecer do momento em que Pata de Jaguar corre e tropeça por diversas vezes em um campo repleto de cadáveres em avançado estado de decomposição.

Mas o grande auge cinematográfico de “Apocalypto” é toda a empolgante seqüência de perseguição final na floresta. Por mais que se possa ficar deslumbrado com a beleza natural da selva, Gibson dá também uma dimensão misteriosa e mortal para a mesma, como se a cada metro pudesse haver surpresas nada agradáveis. Esse paradoxo entre o belo e o fatal no ambiente selvagem torna ainda mais tenso e alucinado o combate entre Pata de Jaguar e os seus perseguidores maias. A criatividade e o virtuosismo de Gibson em algumas cenas dessa seqüência chegam a lembrar alguns dos melhores momentos de “O Último dos Moicanos”, magnífica obra-prima de aventura de Michael Mann.

O fato de “Apocalypto” ser um épico repleto de violência e crueldade não representa uma opção estética gratuita por parte de Gibson. Na verdade, é o complemento perfeito para a leitura do filme sobre o contexto histórico em questão. Na visão de Gibson, tanto as tribos indígenas como os próprios maias viviam num estado de plena desintegração dessas sociedades, marcados pela apatia e por absurdos fanatismos religiosos que os impediam de enfrentar os seus graves problemas sociais e econômicos. O posterior massacre desses povos pelos colonizadores espanhóis seriam apenas conseqüência dessa decadência. Por mais preconceituosa que possa parecer tal visão, não deixa de ser admirável a contundência e honestidade de Mel Gibson no expor a mesma no seu devastador “Apocalypto”.

terça-feira, março 06, 2007

Um Lobisomem na Amazônia, de Ivan Cardoso ***

“Um Lobisomem na Amazônia” é uma produção que beira o amadorismo: fotografia e edição mal chegam no razoável, os atores estão no cúmulo da canastrice, os diálogos são risíveis e o roteiro é um primor da cretinice. Mas quer saber?? O filme é imensamente divertido. Assim como no documentário “A Marca do Terrir”, o cineasta Ivan Cardoso mostra que a força do seu cinema está muito mais no seu amor pelo exagero e pelo “camp” do que propriamente na técnica. Tal paixão pode ser comprovada na própria reação da platéia durante a exibição de “Um Lobisomem na Amazônia”: dos risos desenfreados até consagradores aplausos para as cenas mais picantes. Aliás, fazia tempo que não passava nas telas um filme brasileiro que trouxesse tanto do espírito debochado das antigas chanchadas da Atlântida. Vale mencionar ainda a ótima sacada de Cardoso de colocar no papel do protagonista Dr. Moreau o veterano de filmes de horror Paul Naschy.

No meio de tantas produções ditas “sérias” e preocupadas em ganhar prêmios em festivais, é extremamente salutar que haja cineastas como Ivan Cardoso mais preocupados com o cinema e a diversão do que com falsos intelectualismos. E faz a gente ficar ainda mais curioso com as reações que “A Encarnação do Demônio”, a mais nova obra de Zé do Caixão, vai despertar no público em geral.

Babel, de Alejandro González Iñarritu **

Fazia tempo que eu não saía tão irritado de uma sala de cinema quanto na oportunidade em que assisti “Babel”. Não que o filme seja um primor de ruindade. Não é. É apenas medíocre. O que me deixou realmente incomodado com essa produção é o fato dela ser uma baita empulhação. É muita pretensão para muito pouco cinema.

O diretor mexicano Alejandro González Iñarritu já havia se utilizado em obras anteriores (o sensacional “Amores Brutos e o bom “21 Gramas) do recurso de desenvolver tramas paralelas que no desenrolar da narrativa vão se confluindo. Em tais filmes, tal opção foi muito bem trabalhada, com uma edição que conseguia conciliar as tramas sem deixar o roteiro muito confuso e ao mesmo tempo dando uma dinâmica diferenciada à narrativa. Em “Babel”, essa característica do cinema de Inãrritu parece ter se transformado em uma fórmula gasta e sem graça. A forma com que as tramas se interligam é tão óbvia e forçada que chega a parecer primária. Não há o mesmo vigor narrativo das obras anteriores de Iñarritu, sendo que depois de meia hora de filme eu ficava me perguntando quando o mesmo iria realmente começar.

A parte temática de “Babel” é outro dos seus pontos fracos. A impressão que se tem é que parece que se está assistindo à continuação do infame “Crash”. É tudo tão politicamente correto e sem alma que se fica com a impressão que Iñarritu estava mais disposto a dar “lições de vida” ao espectador do que em oferecer um bom filme. “Babel” tem uma pretensão de sutileza ao mostrar as relações humanas, mas o efeito é completamente diverso. Afinal, todo o subtexto do roteiro está tão na cara que não oferece para quem assiste ao filme um espaço para refletir sobre aquilo que está vendo. Tudo já vem tão mastigado que se tem a impressão de Iñarritu não confia muito na inteligência do espectador.

É claro que “Babel” não é um desastre completo. As seqüências da festa de casamento no México têm uma estranha beleza contemplativa. A trama que se desenrola no Japão também tem momentos interessantes e que até justificariam um filme único para a mesma. Mas no geral, é muito pouco para um cineasta como Iñarritu que têm títulos tão expressivos na sua filmografia.

segunda-feira, março 05, 2007

Bom Dia, de Yasujiro Ozu ****

Yasujiro Ozu sempre teve uma “fórmula” bem simples para os seus filmes: temática familiar, situações quotidianas no seu roteiro, uma câmera que pouco se move e sempre no nível do chão. O que parece um simples comodismo na verdade revela um artista de visão altamente original. No início das tramas de suas produções, tudo parece corriqueiro, quase banal mesmo. À medida, entretanto, que a narrativa vai se desenvolvendo, vamos ficando cada vez mais envolvidos, efetivamente interessados com o destino dos seus personagens. Por mais estranho que pareça, é como se os tais fatos banais adquirissem até mesmo uma certa proporção épica.

Tudo isso que mencionei acima está também em “Bom Dia”, uma das melhores produções da carreira de Ozu. A ingênua luta dos dois irmãos para convencerem o seu pai a comprar uma televisão é conduzida com uma leveza admirável, ao mesmo tempo que podemos sentir que para os garotos tal questão tem uma dimensão grandiosa para as suas vidas. Nesse sentido, “Bom Dia” se revela como uma das transposições mais verdadeiras para as telas do que é o universo infantil. Além disso, também é fascinante como a partir de uma premissa tão simples Ozu consiga desvelar muito da cultura e dos conflitos da sociedade japonesa, principalmente no que diz respeito ao apego às tradições e os preconceitos morais da mesma.

Para quem não conhece a obra de Yasujiro Ozu, “Bom Dia” é uma das melhores formar a ter contato com o universo desse cineasta, tanto pelas suas qualidades cinematográficas quanto pela sua acessibilidade temática e estilística.

Os Infiltrados, de Martin Scorsese ****

Uma das coisas que mais me irrita entre críticos e cinéfilos em geral é uma visão sectária e estanque do próprio cinema que boa parte dessa gente tem. Seguido ouço comentários do tipo “os filmes de antigamente são melhores que os de hoje” ou “fulano já teve a sua época de ouro”. Na minha opinião, isso tudo representa uma visão comodista e equivocada. Afinal, é muito mais fácil dizer que o cinema atual é uma merda do que procurar uma nova obra-prima.

Mas por que essas considerações antes de falar de “Os Infiltrados”? Ora, a maioria dos textos e comentários que observei nesses últimos meses sobre o filme em questão e Martin Scorsese dizem que o apogeu criativo do cineasta já passou a alguns anos, sendo que esses Oscars que o mesmo recebeu por “Os Infiltrados” seriam na realidade uma homenagem ao conjunto de sua carreira. Sei que críticas são subjetivas na sua essência, mas discordo radicalmente dessa visão sobre Scorsese. Para começar, pelo menos nesses últimos quinze anos ele é responsável por algumas das mais expressivas e brilhantes obras do cinema mundial como “Cabo de Medo”, “A Idade da Inocência”, “Cassino”, “Vivendo no Limite” e “O Aviador”. Isso sem contar os dois monumentais documentários feitos para televisão “Feel Like Going Home” e “Bob Dylan: No Direction Home”. E, por fim, sem querer desmerecer produções geniais como “Caminhos Perigosos”, “Touro Indomável”, “Taxi Driver”, “O Último Concerto de Rock” e “Os Bons Companheiros”, mas “Os Infiltrados” é o grande apogeu artístico da carreira de Scorsese.

Da primeira a última cena, “Os Infiltrados” é uma verdadeira aula de cinema. A abertura já é antológica. Cenas documentais de conflitos em um bairro negro são logo seguidas da narração de Frank Costello (Jack Nicholson) dissecando a sua cínica e violenta filosofia de vida. Nesses primeiros momentos, Scorsese teve a sacada genial de deixar a fisionomia de Costello envoltas em sutis sombras, numa bela homenagem do diretor ao universo noir o qual ele tanto admira. Quando finalmente o rosto de Costello aparece claramente, o impacto da sua figura é impressionante.

Admirável também nessa obra mais recente de Scorsese é o casamento perfeito do roteiro preciso com um trabalho de edição fenomenal. O ritmo narrativo de “Os Infiltrados” é incansável: todas as suas seqüências giram quase que exclusivamente em torno dos malabarismos de Billy Costigan (Leonardo DiCaprio), policial que age como espião dentro da quadrilha de Costello, e Collin Sullivan (Matt Damon), homem de confiança do mesmo Costello que trabalha no departamento de polícia, para que não sejam descobertos nas suas respectivas farsas. Essa objetividade de Scorsese no dimensionar o foco da sua trama oferece a “Os Infiltrados” um clima de crescente tensão que fica cada vez mais angustiante com o desenrolar dos fatos.

Ao mesmo tempo que Scorsese consegue desenvolver suspense de forma impressionante, é de se tirar o chapéu também para as fantásticas cenas de ação que o diretor conseguiu obter para o seu filme. Seqüências como a que Costigan persegue Sullivan no bairro chinês e o apoteótico tiroteio final entre a polícia e a gangue de Costello revelam a maestria da direção de Scorsese, estando no mesmo nível de obras policiais clássicas de William Friedkin como “Operação França” e “Viver e Morrer em Los Angeles”. De se destacar ainda que as seqüências de ação de “Os Infiltrados” demonstram também influências do cinema oriental policial. Dessa forma, o fato do filme ser uma adaptação de uma produção chinesa chamada “Conflitos Internos” não se restringiu apenas a uma simples transposição da trama, mas também na incorporação por parte de Scorsese de novos caminhos para o seu já clássico estilo de filmar. Interessante mencionar que esse encontro entre Ocidente e Oriente se reflete ainda em outro dos momentos mais luminosos de “Os Infiltrados” que é aquele em que a quadrilha de Costello se encontra com um grupo de criminosos chineses em um depósito de caís de porto para uma transação escusa, ao mesmo tempo em que estão sendo monitorados pela polícia. A alternância entre as duas ações ocorre numa dinâmica precisa e que se torna cada vez mais tensa a cada segundo.

Outro ponto alto em “Os Infiltrados” é a forma como a música é inserida dentro da narrativa. Todo apreciador de cinema se recorda da relação apaixonada de Scorsese com as trilhas sonoras do seu filme, principalmente em termos de seleção de canções. As mesmas nunca são utilizadas de forma gratuita, fornecendo sempre a paisagem sonora perfeita para as situações e personagens do universo de Scorsese. Nesse campo, talvez apenas Quentin Tarantino tenha sensibilidade comparável. Em “Os Infiltrados”, essa capacidade de Scorsese é elevada à enésima potência. A começar pela mencionada cena de abertura, em que a poderosa e épica “Gimme Shelter” dos Rolling Stones acompanham de forma grandiosa os “ensinamentos” de Costello. Já “Confortably Numb” do Pink Floyd, mas na versão arrepiante com Van Morrison nos vocais, é apresentada num contexto ainda mais ousado: começa de forma plácida numa reunião entre a quadrilha de Costello num armazém e acompanha Costigan na caminhada em direção ao apartamento de Madolyn (Vera Farmiga), explodindo no seu refrão justamente quando os dois começam a transar, num trabalho de edição primoroso e clássico. E é claro que não dá para esquecer da folk punk “I’m Shipping Up To Boston”, dos Dropkick Murphys, presente em duas seqüências cruciais de “Os Infiltrados” e que representam com fidelidade o espírito do filme.

Contribui ainda para o excepcional resultado final de “Os Infiltrados” um elenco de atores em estado de graça. DiCaprio faz de William Costigan um indivíduo que é pura tensão, enquanto Matt Damon oferece o contraponto exato: Sullivan tem a dose certa da inexpressividade maliciosa mais que adequada para o papel. Já Mark Wahlberg é um dínamo de fúria como o durão Sargento Dignam. E nunca as caretas e olhares de maníaco de Jack Nicholson fizeram tanto sentido em um filme quanto em “Os Infiltrados”, fazendo do violento e carismático Frank Costello um indivíduo que oscila fantasticamente entre o engraçado ao francamente assustador.

Eu poderia escrever mais algumas linhas sobre “Os Infiltrados” e mesmo assim eu não conseguiria dar a dimensão exata da grandeza dessa obra prima de Scorsese. Esse é o tipo de filme que só assistindo várias vezes conseguimos captar uma boa parte de suas nuances. Ou seja, o tipo de obra que já nasce clássica e que certamente está ao lado de outras produções cinematográfica fundamentais como “Meu Ódio Será Tua Herança” e “O Poderoso Chefão”.

Filmes da Semana (cotações de 0 a 4 estrelas)

Letra e Música, de Marc Lawrence ***1/2
Rocky Balboa, de Sylvester Stallone ***1/2
Motoqueiro Fantasma, de Mark Steven Johnson **
Notas Sobre Um Escândalo, de Richard Eyre ***
Vizinhos Vigilantes, de Edward F. Cline e Buster Keaton ****
Sete Amores, de Buster Keaton ****
Aurora, de F.W. Murnau ****
Rattle And Hum, de Phil Joanou **1/2