quinta-feira, dezembro 30, 2010

Top 25 Melhores da Década (2001 - 2009)



1) Kill Bill – Vol. 1, de Quentin Tarantino
2) Os Infiltrados, de Martin Scorsese
3) Old Boy, de Chan-Wook Park
4) Marcas da Violência, de David Cronenberg
5) Colateral, de Michael Mann
6) Rejeitados Pelo Diabo, de Rob Zombie
7) Cidade dos Sonhos, de David Lynch
8) Kill Bill – Vol. 2, de Quentin Tarantino
9) Miami Vice, de Michael Mann
10) Sangue Negro, de Paul Thomas Anderson
11) À Prova de Morte, de Quentin Tarantino
12) Munique, de Steven Spielberg
13) Sobre Meninos e Lobos, de Clint Eastwood
14) Império dos Sonhos, de David Lynch
15) O Homem Que Não Estava Lá, de Ethan e Joel Coen
16) Contra a Parede, de Fatih Akin
17) A Proposta, de John Hillcoat
18) Inimigo Público nº 1 – Risco de Morte, de Jean-François Richet
19) Star Wars – A Vingança dos Sith, de George Lucas
20) Amantes, de James Gray
21) O Nevoeiro, de Frank Darabont
22) E Sua Mãe Também, de Alfonso Cuarón
23) Eleições, de Johnny To
24) O Aviador, de Martin Scorsese
25) Brilho Eterno de Uma Mente Sem Lembranças, de Michel Gondry

Top 25 Melhores filmes de 2010



1) À Prova de Morte, de Quentin Tarantino
2) A Ilha do Medo, de Martin Scorsese
3) Vicio Frenético, de Werner Herzog
4) A Estrada, de John Hillcoat
5) Onde Vivem os Monstros, de Spike Jonze
6) Soul Kitchen, de Fatih Akin
7) O Escritor Fantasma, de Roman Polanski
8) Tropa de Elite 2 – O Inimigo é Outro, de José Padilha
9) O Profeta, de Jacques Audiard
10) Um Homem Sério, de Ethan e Joel Coen
11) A Rede Social, de David Fincher
12) Kick-Ass – Quebrando Tudo, de Matthew Vaughan
13) Guerra ao Terror, de Kathryn Bigelow
14) Vincere, de Marco Bellocchio
15) Atraídos Pelo Perigo, de Ben Affleck
16) Os Outros Caras, de Adam McCay
17) Sede de Sangue, de Chan-Wook Park
18) O Fantástico Senhor Raposo, de Wes Anderson
19) A Todo Volume, de Davis Guggenheim
20) A Fita Branca, de Michael Haneke
21) Coração Louco, de Scott Cooper
22) Você Conhecerá o Homem dos Seus Sonhos, de Woody Allen
23) Não Minha Filha, Você Não Irá Dançar, de Christophe Honoré
24) Aconteceu em Woodstock, de Ang Lee
25) A Origem, de Christophen Nolan

Enfim Viúva, de Isabelle Mergault *1/2


Partindo de uma estrutura formal convencional e pouco inspirada, era de se esperar que “Enfim, Viúva” (2008) apresentasse ao menos uma trama divertida, tendo em vista as premissas de seu roteiro. E justamente nesse ponto o filme termina por afundar de forma clamorosa ao deixar de explorar com mais ousadia elementos polêmicos ou difíceis que surgem no decorrer da narrativa como morte, adultério e relações familiares conturbados. A abordagem da diretora Isabelle Mergault é morna e reduz os conflitos do roteiro a meia dúzia de piadinhas amenas. Ou seja, “Enfim, Viúva” é a típica produção de falsa aparência “ousada”, mas que na verdade não quer ofender ninguém, além de trazer um suposto verniz “artístico” por ser falada em francês.

quarta-feira, dezembro 29, 2010

Vida Sobre Rodas, de Daniel Baccaro ***1/2


Fazer um documentário contando a história do skate no Brasil que não se dirija apenas a um público de iniciados do esporte e consiga manter o interesse de platéias diversas não é uma tarefa fácil. E é justamente o que o cineasta Daniel Baccaro conseguiu realizar em “Vida Sobre Rodas” (2010). Uma das grandes sacadas que ele teve para garantir a universalidade de seu filme foi relacionar a trajetória do skate com os momentos históricos do país. Assim, os primeiros passos do esporte em terras brasileiras (início da década de 80) correspondem também aos desejos de boa parte da sociedade nativa por novas manifestações culturais e comportamentais depois de anos de repressão e censura oriundas do regime ditatorial. As dificuldades dos skatistas em conseguir patrocinadores se relacionam com etapas de dificuldades econômicas para a nação. Uma divisão entre praticantes oriundos de classes sociais mais humildes e outros vindos de camadas de maior poder aquisitivo não deixam de refletir a própria divisão de classes no Brasil. Para compor esse mosaico histórico, Baccaro se valeu de depoimentos atuais e de uma ampla gama de imagens de arquivo, não só de redes de televisão como também de filmagens caseiras (muitas delas feitas por pais dos skatistas focados). Assim, alguns dos atuais multicampeões nacionais e internacionais do skate nacional têm apresentados os seus primeiros esforços no esporte (assim como seus primeiros tombos) e consequentes evoluções técnicas. Baccaro também focaliza com acerto o lado humano da questão, explorando tanto o lado irônico como o dramático da história pessoal dos maiores nomes do skate. E tudo isso embalado por uma trilha sonora cancioneira dos sonhos (boa parte da grana investida no filme deve ter sido para pagar direito autoral das músicas): Dead Kennedys, Sex Pistols, Agent Orange, Beastie Boys, Fugazi, New Order, Cure, Inocentes, Garotos Podres, entre outros.

terça-feira, dezembro 28, 2010

As Crônicas de Nárnia - A Viagem do Peregrino da Alvorada, de Michael Apted ***


O mais recente capítulo de “As Crônicas de Nárnia” representa um feito raro e notável no atual panorama cinematográfico no sentido de que deixa evidente que a cada filme da franquia há uma evidente evolução em termos artísticos. “A Viagem do Peregrino da Alvorada” (2010) traz elementos essenciais para uma obra de aventura: uma trama bem delineada com situações que levam ao desenrolar coerente de uma história, sem aquelas enrolações de fatos que parecem sempre preparativos para algo que está preste a ocorrer (mas que não se efetiva); concepção visual que oscila habilmente entre a simplicidade e a sofisticação, graças a um uso parcimonioso e eficiente de efeitos especiais; sequências de ação em que se consegue distinguir o que está acontecendo nas cenas. O veterano cineasta Michael Apted pode não ser especialmente criativo, mas sabe valorizar com competência as possibilidades formais oferecidas por um roteiro repleto de ação e sem muitos pontos mortos, não precisando apelar para aquelas ambientações pseudo-sombrias que apenas mascaram equívocos estéticos, como ocorreu recentemente nos frustrantes “Alice no País das Maravilhas” (de Tim Burton) e “Harry Potter e as Relíquias da Morte”.

segunda-feira, dezembro 27, 2010

A Sétima Alma, de Wes Craven *1/2


Wes Craven é aquele tipo de diretor que por mais que ele faça as suas bobagens sempre merecerá atenção. Afinal, é o cara que renovou, para o bem ou para o mal, o cenário do cinema de horror em pelo menos três momentos de sua carreira: “Feliz Aniversário Macabro” (1972), “A Hora do Pesadelo” (1984) e “Pânico” (1996). Assim, não há como não se decepcionar com “A Sétima Alma” (2010), sua produção mais recente. Não dá para dizer que é no mínimo uma obra polêmica, pois na realidade é apenas um requentado sem inspiração de ideias que já haviam sido melhores exploradas em outros filmes de Craven (principalmente em “A Hora do Pesadelo” e “Pânico”). Não há sequer uma nuance no roteiro que não resvale no formulaico mecânico, mas o pior mesmo é ver a incapacidade do diretor em criar alguma tensão para o espectador, mesmo trabalhando naquele já manjado truque de manter uma narrativa oscilando entre o real e o onírico (que falta faz um Freddy Krueger aqui...). Craven recorre também a uma modernosa edição estilo picotada, como se quisesse provar que está por dentro das atuais tendências do terror, mas o resultado é patético para quem costumava ditar as regras do gênero.

sexta-feira, dezembro 24, 2010

Tetro, de Francis Ford Coppola ***1/2


Tentar entender e apreciar “Tetro” (2009) pela consistência de seu roteiro representa deixar de se aventurar pelas verdadeiras qualidades do filme em questão (e são muitas). Para começar, o que Coppola faz em sua obra mais recente é cinema, e não literatura. A trama de “Tetro” parece composta de homenagens e referências a outras produções do próprio diretor. A essa altura do campeonato, e com tudo de bom que ele já fez pelo cinema, ele tem mais do que o direito de se auto-canibalizar. E ele faz isso com muita convicção e tesão. A fotografia preto-e-branco estilizada de forma magnífica, com direito a névoas que parecem ser quase palpáveis, traz à nossa mente o visual onírico sombrio de “O Selvagem da Motocicleta” (1983). Nos pequenos e fulgurantes trechos coloridos, que representam os momentos de flash back, parece que estamos vendo uma continuação do artificialismo esplendoroso de “O Fundo do Coração” (1982). A caracterização atemporal de bairros tradicionais de Buenos Aires reedita os cenários de puro imaginário de “Cotton Club” (1984) e novamente de “O Fundo do Coração” (o que mostra como esse último é uma obra chave para se entender as concepções barrocas de Coppola). Mas “Tetro” não se reduz a um manancial de citações estéreis. Tais aparentes reciclagem apenas reafirmam o estilo particular do diretor, além de receberem um tratamento voluptuoso na forma com que Coppola filma a sua saga familiar de tinturas quase novelescas. As cenas com os singelos jogos eróticos de Bennie (Alden Ehrenreich) e suas amigas, por exemplo, são uma tradução perfeita dessa natureza hedonista que emana do olhar da câmera do cineasta. E a cereja do bolo vem na interpretação de Vincent Gallo no papel-título, que dá uma dimensão épica e cheia de nuances para um personagem que a princípio teria apenas um fio de profundidade em seus conflitos.

quinta-feira, dezembro 23, 2010

Elza, de Izabel Jaguaribe e Ernesto Baldan ***


Fugindo das obviedades típicas de uma cinebiografia, “Elza” (2010) foca sua atenção sobre o significado da musicalidade da cantora Elza Soares, não revelando muito sobre dados históricos e pessoais da artista. Tal opção dos diretores Izabel Jaguaribe e Ernesto Baldan acaba tendo um resultado fascinante. Os vários depoimentos que são dados ao longo da produção fazem as tradicionais loas à figura da protagonista, mas também ressaltam com propriedade a importância dela para a música brasileira. A musicalidade mestiça de Elza, que faz com que não se possa rotular com facilidade a sua arte (será aquilo samba, bossa, jazz ou mais alguma coisa?), encontra ressonância pela abordagem do documentário na própria trajetória de hibridismo do samba que fez com que o mesmo sofresse o desdém estético durante muito tempo por boa parte da “elite cultural” nativa. De certa forma, é traçado um paralelo entre o preconceito social que Elza sofreu pela sua personalidade polêmica e libertária com as restrições que teve pela visão personalíssima que imprimiu em sua obra. Um emblemático exemplo dessa postura desafiadora da cantora contra os padrões de bom gosto cultural pode ser atestado na seqüência em que aparece a mesma cantando um funk carioca pesadão num baile do gênero.

Como se pode observar, o ponto temático central de “Elza” é evidenciar como a arte da cantora é um reflexo direto da natureza cultural brasileira no que ela tem de mais flexível e rica em possibilidades criativas, o que se estende até mesmo na nossa religiosidade sincrética. Não é à toa que um dos momentos cruciais do documentário está nas longas tomadas do diálogo musical entre Elza e Maria Bethânia em que ambas cantam “O Samba da Benção” de Vinicius de Moraes e Baden Powell, com elas evocando várias divindades católicas e de umbanda, entremeadas por cenas de imagens de entes e divindades. Em tempos de neo-obscurantismo evangélico em voga, tal exposição tão crua de crenças acaba tendo um caráter de ousadia admirável.

Esta proposta que beira a antropologia ao esmiuçar não só a musicalidade de Elza Soares mas também as próprias fundações estéticas do nosso cancioneiro encontra semelhanças em outro documentário que também se aprofundou numa viagem sensorial sobre o samba, o fundamental “Moro no Brasil” (2002) do finlandês Mika Kaurismaki.

quarta-feira, dezembro 22, 2010

Amor Por Acaso, de Márcio Garcia 1/2 (meia estrela)


A esta altura do campeonato, nem vale muito a pena enumerar as inúmeras tosquices que saltam aos olhos em “Amor Por Acaso” (2010) tamanha a quantidade de resenhas existentes que espezinharam a produção em questão. O que posso dizer de diferente é que tal filme me fez rever conceitos. Sabem aquelas comediazinhas insossas com a Katherine Heigl?? Pois é, elas me parecem agora até mais palatáveis depois de ver essa tranqueira dirigida por Márcio Garcia, que demonstra uma ostensiva falta de feeling para o gênero comédia-romântica. Na verdade, “Amor Por Acaso” chega a ser engraçado pelas vias tortas. O que é aquela expressão “que diabos estou fazendo aqui” de atores já calejados como John Savage e Eric Roberts? E será que não existiria uma forma minimamente mais sutil do diretor fazer o marketing da marca de shampoo patrocinadora do filme? Se “Amor Por Acaso” pode ser uma experiência audiovisual deprimente em termos artísticos, por outro lado, entretanto, não deixa ser ilustrativa dos mecanismos que podem levar uma película a ser um fracasso retumbante.

terça-feira, dezembro 21, 2010

Megamente 3D, de Tom McGrath ***


O fato de ser 3D, no fim das contas, pouco influencia na concepção de “Megamente” (2010). O efeito especial mencionado não é explorado de uma forma que realmente extravase as possibilidades criativas dessa animação (para falar a verdade, a maioria das produções que se utilizam tal tecnologia não aproveita tais possibilidades). Mesmo assim, é uma obra que traz um traço estilizado acima da média, numa bela combinação de dinâmica de ação e tom caricatural. Esse lado estético diferenciado do filme encontra uma contraparte ideal na ideia principal da trama, que apresenta uma gozação com os clichês do gênero dos super-heróis (em especial com a mitologia do Superman). “Megamente” ironiza vários dogmas dessa linha temática, mas sem esquecer de apresentar uma cativante narrativa de aventura, com direito até a algumas caracterizações de personagens bem assustadoras, o que aliado a algumas referências cinematográficas presentes ao longo do roteiro faz com que essa animação possa ser melhor apreciada por adultos do que o público infantil.

segunda-feira, dezembro 20, 2010

Harry Potter e as Relíquias da Morte - Parte 1, de David Yates **1/2


O grande problema do capítulo cinematográfico mais recente da saga do bruxo adolescente não está exatamente no que ele é, mas sim no que o mesmo poderia ter sido, tendo em vista o material humano e logístico envolvido na produção. Para começar, o elenco traz quase que um quem-é-quem dos grandes atores britânicos da atualidade: Ralph Fiennes, Alan Rickman, Helena Bonham Carter, Bill Nighy, Brendan Gleeson, David Thewlis, John Hurt. Com exceção de Fiennes, entretanto, todos se limitam a participações de poucos minutos (num filme com quase duas e meia de duração!!), como se importasse mais as suas presenças em cena como uma espécie de legitimação artística do que uma efetiva contribuição dramática para o filme. Esse tipo de aproveitamento se estende para os próprios efeitos visuais: inegavelmente competentes, mas ao mesmo tempo pouco impactantes no sentido de grudarem na memória do espectador. Assim, a real importância de “Harry Potter e as Relíquias da Morte – Parte 1” (2010) parece se concentrar na sua trama em si. E é aí que o negócio complica. Tem-se uma narrativa truncada, onde quase nada acontece, com os elementos do roteiro funcionando mais como escada para uma série de fatos que nunca ocorrem (talvez eles se concretizem na segunda parte...). Ou seja, a escolha de dividir o derradeiro livro da série em dois filmes foi mal delineada na hora de se transportar para a tela grande. Parte-se também de um princípio equivocado de que ambientar a trama sob uma ótica mais sombria tornaria o filme mais “sério e adulto”. Balela: de todos os filmes da franquia, este é o que pior desenvolve as situações e os personagens, além de trazer soluções narrativas pueris e chupações explicitas de “O Senhor dos Anéis” (o que dizer das cenas em que o trio de protagonista apresenta comportamento alterado por usarem um amuleto do vilão Voldmort?). No final das contas, pouca coisa em “As Relíquias da Morte – Parte 1” atinge o mesmo nível de concisão narrativa e apuro estético de “O Prisioneiro de Azkaban” (2004), o melhor filme da série.

sexta-feira, dezembro 17, 2010

O Garoto de Liverpool, de Sam Taylor Wood ***


A melhor forma de apreciar “O Garoto de Liverpool” (2009) é tentar não levar muito a sério possíveis elocubrações de como os fatos íntimos mostrados no filme podem ter influenciado a obra de John Lennon. Seria uma exercício muito pueril, afinal em termos temáticos a trama é detalhada de forma que beira o novelesco, naquele velho estilo exagerado de revelações e reviravoltas sobre podres domésticos e amorosos. Deixando de lado esses excessos melodramáticos, o forte desta produção britânica está mais na recriação temporal que faz do ambiente cultural inglês pré-Beatles. Uma Liverpool ensolarada é retratada de forma quase bucólica, como se um mundo imaginário de tranqüilidade estivesse próximo a se esfacelar perante a influência venenosa do rock e do rhythm and blues norte-americanos. Neste sentido, é fascinante observar como a música se insere dentro do mundo dos personagens, influenciando tanto seus temperamentos quanto o rumo de suas vidas. A trilha sonora de “O Garoto de Liverpool”, obviamente, tem papel fundamental em tal concepção, tanto na seleção das versões originais de canções emblemáticas da época quanto nas regravações dos temas que representavam os primeiros esforços das bandas embrionárias que deram origem aos Beatles. Para fãs ou não do quarteto mais famoso da história do rock, é uma obra que tem um certo caráter revelador no quesito musical.

quinta-feira, dezembro 16, 2010

A Rede Social, de David Fincher ****


Dentro do gênero dos filmes baseados em fatos reais, “A Rede Social” (2010) traz um aspecto peculiar, no sentido de que boa parte dos eventos mostrados nas obra não estão ainda conclusos no tempo: o Facebook continua se expandindo, as ações judiciais em torno dele não param de surgir, Mark Zuckerberg cresce em influência no universo econômico e tecnológico. E isso tudo faz parte de uma lógica fascinante e assustadora que permeia todo o filme de que a velocidade das mudanças tecnológicas e comportamentais é tão fulminante que jovens de pouco menos de 30 anos já são considerados anacrônicos e tecnologias de poucos anos de criação são taxadas de obsoletas. Há o paradoxo, entretanto, que David Fincher formata essa sensação de urgência em uma produção de acabamento estético que beira o clássico e de sereno ritmo narrativo.

A primeira meia hora de “A Rede Social” é primorosa em termos de linguagem cinematográfica. Das cenas iniciais do fora que Zuckerberg leva da namorada até o desenvolvimento dos esboços de programação que levaram às idéias embrionárias do Facebook, há a intermediação com tomadas de uma festa regada a jogos de carta, sexo e drogas em uma tradicional fraternidade universitária. A contraposição entre os dois ambientes (um quarto cheio de nerds em volta de um computador e uma celebração hedonista) estabelecida pela montagem sintetiza com precisão o núcleo do conflito temático do filme, que envolve um misto de obsessão por poder e dinheiro, rancor, inveja, solidão e vazio existencial. No restante de “A Rede Social”, há a queda para uma estrutura mais convencional de drama de tribunal, mas mesmo assim num trabalho muito acima da média, com destaque para a sombria fotografia (que parece evocar o estilo de Gordon Willis na trilogia “O Poderoso Chefão”), a trilha sonora de discretas e climáticas texturas eletrônicas e o elenco de atores. Neste último campo, sobressaem-se Jesse Eisenberg (em composição dramática que combina o assustador e o patético na mesma moeda com naturalidade no papel principal) e Justin Timberlake exalando cinismo e simpatia cara-de-pau na pele de Sean Parker, o criador do Napster.

segunda-feira, dezembro 13, 2010

O Demônio, de John Erick Dowdle ***1/2


Por mais que repise em clichês e abuse dos truques baratos, é inegável o poder de tensão que emana de “O Demônio” (2010). A começar pela sua abertura, em que tomadas aéreas com a câmera invertida, auxiliadas por um impactante tema musical, criam uma sinistra ambientação para a produção. A partir de um fio de trama, o diretor John Erick Dowdle explora com precisão as possibilidades criativas da narrativa que se centra basicamente dentro de um elevador. Algumas subtramas valorizam a abordagem claustrofóbica da direção, enfatizando a sensação de impotência e perplexidade diante do sobrenatural. Os efeitos especiais são discretos, mas eficientes nos sustos que geram. Na realidade, o suspense é mais valorizado do que os momentos de violência e carnificina (apesar dos mesmos impressionarem pelo seu considerável nível gore). O detalhe, por exemplo, das panes de luz no elevador que anunciam os ataques do demônio é um recurso estético que pode soar batido, mas que no contexto do filme adquire um sentido mais que coerente. Mesmo que detalhes novelescos do roteiro e a conclusão estilo final feliz tirem um pouco do seu brilho, “O Demônio” é uma das melhores obras de horror a chegar aos nossos cinemas nesta temporada.

sexta-feira, dezembro 10, 2010

Os Outros Caras, de Adam McKay ****


As cenas iniciais de “Os Outros Caras” (2010) não são apenas uma homenagem/sacanagem aos clichês básicos ao gênero policia (com direito, inclusive, a uma dupla de tiras na linha “Máquina Mortífera”). O diretor Adam McKay chega ao ponto, inclusive, de satirizar os piores defeitos do cinema de ação moderno ao picotar a narrativa com edição estilo “video-clip” e câmera tremida. A ironia do filme não se restringe, entretanto, a simples paródia. Um de seus grandes méritos é justamente adequar o pique cômico alucinado dentro de uma trama policial quase clássica. Vários momentos do filmes são quase esquetes de piadas, mas formatados com coerência dentro de um roteiro bem delineado em termos de estrutura, estabelecendo ainda sofisticadas relações com a temática dos crimes financeiros tão típicos na sociedade americana deste século. Vale também mencionar que a porção “aventura” de “Os Outros Caras” é primorosa no sentido do domínio da ação por parte de McKay, com o diretor manipulando com destreza uma porção considerável de trucagens básicas e essenciais para produções desta linha, com destaque para câmera lenta com influência de Sam Peckinpah.

Os fãs de McKay e de seu comparsa Will Ferrell podem até estranhar o fato de que aquele estilo de comédia mais nonsense de obras como “O Âncora” (2004), “Ricky Bobby – A Toda Velocidade” (2006) e “Quase Irmãos” (2008) adquira um tom mais sereno e subordinado aos desdobramentos do roteiro. Mesmo assim, há sequências brilhantes no filme que trazem bastante daquele elemento de improvisação e espontaneidade tão caro na forma de Ferrell atuar. E Mark Walberg, mesmo não tendo o mesmo carisma colossal para comédia de John C. Reilly (parceiro de Ferrell em “Ricky Bobby” e “Quase Irmãos”), surpreende por conseguir entrar na sintonia siderada de seus companheiros.

quinta-feira, dezembro 09, 2010

Gente Grande, de Dennis Dugan ***


Nesta comédia dramática de 2010, a trama parte de uma premissa bastante manjada no cinema: a de amigos de infância que se reencontram adultos devido à morte de um conhecido em comum e assim acabam fazendo uma reavaliação de suas vidas. É claro que com os nomes envolvidos o filme não cai exatamente em uma reflexão mais aprofundada sobre a maturidade e amizade. Isso, entretanto, não é demérito para “Gente Grande”. O grande trunfo do filme está em sua fluidez narrativa, em que o roteiro vai se compondo de situações irônicas que parecem nascidas de um aparente e espontâneo improviso. Predomina uma leveza formal e temática que faz com que mesmos momentos mais propensos para o grotesco ou à escatologia adquiram até uma sutileza inesperada, o que acaba se refletindo também em interpretações mais contidas e sóbrias de atores associados geralmente a um estilo de humor mais histriônico (Adam Sandler, Chris Rock, Rob Schneider).

quarta-feira, dezembro 08, 2010

Você Conhecerá O Homem dos Seus Sonhos, de Woody Allen ***1/2


Tentar entender algum filme de Woody Allen dentro de um padrão evolutivo pode ser uma opção equivocada para entender os seus méritos. Afinal, o diretor nos últimos anos tem se dedicado a uma espécie de auto-reciclagem de ideias, obsessões temáticas, referências e escolhas estéticas. Em sua obra mais recente, “Você Conhecerá O Homem dos Seus Sonhos” (2010), por exemplo, ele chega ao ponto até de recuperar canções já utilizadas em outras de suas produções. O que vai fazer a diferença se um projeto dele será bem sucedido em termos artísticos, no final das contas, vai ser a inspiração que terá na manipulação de seus clichês particulares. Em alguns casos, a reelaboração de seus preceitos pode soar preguiçosa (como em “Igual a Tudo na Vida”), mas em outros momentos a velha reciclagem soa mais que convincente. Nesta última situação se enquadra “Você Conhecerá O Homem dos Seus Sonhos”. Dentro de uma narrativa fragmentada em vários conflitos, Allen orquestra com perversa coerência o destino de seus personagens em formato de conto moral, resgatando ainda a sua niilista e irônica visão sobre religião e misticismo (nessa linha, não há como não lembrar da obra-prima “Crimes e Pecados”). De se destacar também que a abordagem de Allen para a ciranda emocional de suas criaturas é desconcertante por estabelecer um limite tênue entre a comédia e o drama – por mais que determinadas situações possam soar trágicas, as mesmas parecem permeadas por um amargo sarcasmo. Esse sentimento ambivalente encontra sua síntese exata na interpretação de Naomi Watts, que condensa em suas expressões a gama complexa de emoções e sentimentos contraditórios que emanam de “Você Conhecerá O Homem dos Seus Sonhos”.

terça-feira, dezembro 07, 2010

Red - Aposentados e Perigosos, de Robert Schenwetke *


Baseado em uma minissérie em quadrinhos escrita por Warren Ellis e desenhada por Cully Hamner, “Red – Aposentados e Perigosos” (2010) é um filme que frustra não pelo simples fato de ser pouco fiel ao excelente “comics” original, mas sim por ser uma produção que falha em vários aspectos formais. Seu principal defeito está nas preguiçosas sequências de ação, itens fundamentais numa obra de aventura como essa: a utilização de poucos convincentes efeitos digitais dá a impressão de um longo vídeo game no qual pouco se interage. Além disso, o diretor Robert Schenwetke retira qualquer força de tensão dramática ao filme ao se aproximar de um formato de comédia romântica. Isso acaba resultando em um roteiro que é um primor de cretinice. Como explicar, por exemplo, a morte absurdamente anti-climática do personagem de Morgan Freeman? No meio de tantos equívocos, entretanto, sobressai-se o desempenho visceral de Karl Urban como um obcecado agente da CIA, que mesmo num papel coadjuvante consegue dar uma série de nuances que inexistem até nos protagonistas.

Vício Frenético, de Werner Herzog ****


O veterano e autoral cineasta alemão Werner Herzog realizando uma refilmagem de uma clássica obra policial obscura do também autor Abel Ferrara pode parecer algo meio esdrúxulo. O resultado final de “Vício Frenético” (2008), entretanto, mostra-se perfeitamente coerente com as particulares concepções estéticas de Herzog.

Inicialmente, cabe ressaltar que da obra original de 1992 preservou-se basicamente apenas a premissa inicial do roteiro: o tenente Terence McDonagh (Nicolas Cage), policial viciado e endividado, porém dotado de uma perturbadora ética católica, vê na investigação de um crime bárbaro uma possibilidade de redenção moral para os seus pecados. As situações presentes na trama e a conclusão da mesma na versão de Herzog são diferentes daquelas da produção de Ferrara.

Em boa parte dos filmes de Herzog (“Aguirre – A Cólera do Deuses”, “Nosferatus”, “Fitzcarraldo”, “O Homem-Urso”, “O Sobrevivente”) há uma obsessão temática na forma de retratar a natureza selvagem e em como esse ambiente se relaciona com os próprios personagens. A visão do cineasta germânico sobre essa natureza não é idealizada, contemplativa e edificante – pelo seu olhar, a mesma é misteriosa, impenetrável, ameaçadora e pronta para devorar a humanidade. Não à toa, ele situou “Vício Frenético” em uma Nova Orleans pós-Katrina, recém destruída pela fúria de um furacão. Assim, a cidade converte-se numa agressiva selva urbana, e é dentro desse inferno que Terence se arrasta numa tenebrosa, e por vezes hedonista, rotina de sexo, drogas, delírios e morte. A abordagem de Herzog para a trajetória do protagonista evita (ou perverte) os lugares comuns inerentes ao gênero policial, trazendo para a obra um estilo de filmar barroco, quase operístico, ao retratar a decadência moral e física de Terence. Movimentos de câmera e enquadramentos oferecem uma fascinante dimensão épica à jornada do tenente, indo de closes que captam com perfeição a variação do estado mental do tenente de acordo com suas expressões faciais até tomadas amplas de ruas e becos sórdidos.

Joga-se constantemente com a dicotomia degradação-prazer – Terence parece sofrer com o rumo vertiginoso que a sua vida toma, mas ao mesmo tempo deleita-se com os seus vícios e abusos de autoridade: achaca moral e sexualmente usuários de entorpecentes, intimida testemunhas, desvia para si mesmo drogas apreendidas, prende meliantes de quinta, namora uma luxuriante prostituta de luxo (Eva Mendes), pactua com traficantes de drogas. Herzog joga o espectador, por vezes, dentro da mente do tenente, partilhando-se de um olhar em que a realidade e a fantasia se mesclam, o que acaba proporcionando algumas das mais memoráveis seqüências de “Vício Frenético”, como aquela em que iguanas “comentam” o que está acontecendo nas telas ou quando Terence enxerga a alma de um bandido recém morto dando seus suspiros finais dançando hip hop!

Herzog desconcerta progressivamente o espectador ao se mostrar distanciado da lógica católica do seu protagonista, não partilhando da crença que as atitudes questionáveis do mesmo tenham de levá-lo a um fim trágico, assim como o ato inicial de Terence em sacrificar sua integridade física para salvar um presidiário prestes a se afogar na cela não garante uma recompensa moral para o primeiro (pelo contrário: ele lesiona as costas e ganha dores que o atormentarão por toda a sua vida). Mesmo quando atinge seu objetivo de prender os culpados do massacre de uma família, não há a tão sonhada redenção para ele. Herzog descarta soluções místicas ou religiosas para aliviar as culpas de Terence. Além do mais, o próprio cineasta parece não acreditar muito no conceito de “culpa” ao rechear de ironia cenas de brutalidade perturbadora e ao não apresentar um final moralizante para sua obra.

Diante de todo esse tratamento formal e temático inquietante, “Vicio Frenético”, provavelmente, é a mais bem sucedida obra de Herzog filmada nos Estados Unidos, justamente por preservar a sua integridade autoral dentro de um padrão tradicional de cinema comercial.

P.S.: curiosamente, o extraordinário “Olhos de Serpente”, filme de 1993 de Abel Ferrara, já trazia uma estranha participação de Herzog, em um trecho de depoimento em que o alemão dava uma contundente declaração de descontentamento com o ato de realizar filmes.

segunda-feira, dezembro 06, 2010

Senna, de Asif Kapadia ***1/2


Ao concentrar a sua narrativa primordialmente na trajetória do seu protagonista na Fórmula 1, “Senna” (2010) revela muito mais uma intenção de louvação à figura do piloto do que uma exposição objetiva dos fatos. É inegável, entretanto, que faz esse discurso laudatório com muita competência. O diretor Asif Kapadia teve acesso a uma gama considerável de registros audiovisuais - corridas, depoimentos, reuniões entre dirigentes de federações e grandes prêmios com os pilotos – e combinou todo esse material de forma engenhosa, fazendo de Ayrton Senna um piloto que se aparenta a figuras épicas e mitológicas. Há um tendencioso contraponto, por exemplo, entre as figuras de Senna e do francês Alain Proust, em que o primeiro seria um indivíduo crente em Deus sempre disposto a ganhar corridas de forma arrojada e o segundo um frio ateu mais propenso a acumular pontos para ser campeão. Tal diferenciação pode ser maniqueísta, mas em termos dramáticos para o documentário tem o “feeling” perfeito. A forma com que o documentarista expõe os momentos de conflitos entre Senna e seus adversários (pilotos, “cartolas”) também dá aquela impressão de herói solitário contra as injustiças do mundo automobilístico. É fascinante, todavia, que apesar dessa visão parcial que paira sobre “Senna”, há momentos em que um lado mais obscuro do piloto fica evidenciado, quase como um descuido, em que se pode observar um traço de obsessão calculada em vencer grandes prêmios e campeonatos e estabelecer recordes.

Também é mérito de Kapadia a construção de uma dinâmica narrativa em que mesmo aqueles que não são fãs das corridas (como este que vos escreve) acabam acompanhando com tensão o desdobramento das competições e entendam melhor a dimensão do significado da figura de Senna para o automobilismo mundial e para o próprio Brasil.

sexta-feira, dezembro 03, 2010

5x Favela - Agora Por Nós Mesmos **1/2


A origem de “5x Favela – Agora Por Nós Mesmos” (2010) extrapola os fins apenas artísticos. A produção nasceu de oficinas de cinema gratuitas coordenadas por alguns dos principais cineastas do país. Reduzir a importância do filme a um caráter meramente social ou assistencial, entretanto, seria injusto. Como toda obra composta de episódio, predomina uma certa irregularidade em termos de consistência formal. Os episódios “Fonte de Renda” e “Concerto Para Violino” se mostram competentes em termos de fotografia e montagem, mas suas respectivas narrativas são trôpegas ao apostarem em uma fórmula engessada no gênero policial dramática. Mais convincentes são “Arroz Com Feijão”, “Deixa Voar” e “Acenda Luz” que investem num tom quase de anedota ao retratar interessantes detalhes do quotidiano das favelas, sendo eficientes na sua capacidade de prender a atenção do espectador.

quinta-feira, dezembro 02, 2010

José & Pilar, de Miguel Gonçalves Alves ***


Pode-se perceber em “José & Pilar” (2010) uma certa intenção laudatória em relação à figura do escritor português José Saramago e de sua esposa espanhola Pilar. Basicamente, o documentário mostra os últimos anos de vida do autor, envolvido em inúmeras palestras e intermináveis sessões de autógrafos, além da elaboração do seu romance derradeiro (“Viagem do Elefante”) e a internação por problemas de saúde, e sempre assessorado/pajeado por Pilar. Ressalta-se o grande artista e o humanista bastante atuante, também o ateu racionalista questionador dos dogmas católicos (o que lhe arruma um boicote do povo e governo portugueses). Apesar desse tom que beira a louvação, entretanto, “José & Pilar” consegue extrair contradição e conflitos dentro de tal temática. É perturbador, por exemplo, o contraste entre o entre o brilhantismo intelectual e artístico de Saramago e a sua dependência afetiva e profissional de Pilar. A ostensiva evidência da fragilidade de sua saúde também faz refletir sobre a real necessidade do escritor em fazer constantes viagens de divulgação de sua obra e ideias: seria para divulgação de seus princípios éticos e culturais, pelo desejo de estar em constante movimento ou simplesmente para vender mais livros? O sentimento de ambiguidade também está presente na forma como os apreciadores de Saramago são retratados – se por um lado se sente uma real admiração pelo homem das letras por parte dos mesmos, por outro há uma ironia ao se retratar uma tietagem estéril (o que é aquele rapaz brasileiro pedindo para o escritor desenhar um hipopótamo na dedicatória?). E por mais que Pilar seja o anjo da guarda de seu marido, não há como se irritar com a sua postura petulante e "mala" em alguns momentos. No mais, o diretor Miguel Gonçalves Mendes oferece uma moldura formal elegante para “José & Pilar”, compilando essa gama considerável de registros audiovisuais diversos em uma montagem de ritmo contemplativo que raramente cai no enfadonho. De bônus, traz imagens marcantes das paisagens enevoadas de Lanzarote, local que parece a tradução telúrica perfeita para a escrita densa de Saramago.

quarta-feira, dezembro 01, 2010

Um Parto de Viagem, de Todd Philips ***


Com “Se Beber Não Case” (2009), Todd Philips entrou de vez no primeiro time dos melhores diretores norte-americanos de comédias da atualidade. Sua obra mais recente, “Um Parto de Viagem” (2010), não tem o mesmo grau de comicidade insana de “Se Beber...”. Mesmo assim, entretanto, consegue ter alguns momentos memoráveis. Em comparação com sua produção anterior, Philips optou por uma trama mais serena e menos rocambolesca, apostando muito mais num certo contraste entre o humor sutil e contido de Robert Downey Jr. e o tom histriônico excessivo de Zach Galifianakis, relembrando de certa forma o “duelo” entre Steve Martin e John Candy no clássico oitentista “Antes Só do Que Mal Acompanhado”. Num contexto geral, “Um Parto de Viagem” obedece a uma lógica mais moralizante, estilo “lição de vida edificante”, conseguindo atingir um brilho criativo acima média em sequências que utiliza de uma comicidade politicamente incorreta, com destaque para as cenas em que o personagem de Downey Jr. bate em um moleque mal-criado como se fosse um adulto (chegando a ameaçá-lo de morte, inclusive!!) ou quando leva uma surra de um deficiente físico (ponta hilária de Danny McBride) após tirar um sarro de veteranos da guerra do Golfo.

terça-feira, novembro 30, 2010

Jackass 3D, de Jeff Tremaine ***1/2


Assim como na série televisiva originária e nos dois longas que o precederam, “Jackass 3D” (2010) é um compêndio quase aleatório de esquetes envolvendo dublês em pegadinhas e cenas de perigo considerável que, geralmente, acabam com os rapazes machucados. É claro que tudo isso temperado com um grau de demência e escatologia que beira o surreal. Esta produção mais recente da franquia equaciona de forma ainda mais extrema o coeficiente delirante da trupe, contando ainda com um apuro técnico nas tomadas e montagem que evidencia com maior nitidez o grau de absurdo das “brincadeiras” dos caras. Há a utilização, por exemplo, de uma câmera chamada Phantom que ajuda a obter um efeito slow motion incrível, captando movimentos que parecem irreais (característica essa que é ampliada com o uso do 3D). Mas fundamentar o impacto sensorial que “Jackass 3D” tem sobre a platéia apenas pela sua tecnologia seria reducionismo. O ponto forte de empatia do filme está é na criatividade, disposição e loucura de seus protagonistas em se envolver em episódios marcados por brutalidade e humor absurdos, atualizando o espírito dos antigos freak shows de acordo com a ótica sarcástica e desencanada deste século.

segunda-feira, novembro 29, 2010

Jogos Mortais - O Final, de Kevin Greutert *1/2


Por mais apelativa e derivativa que pudesse ser, a franquia “Jogos Mortais” conseguiu se destacar em alguns episódios (principalmente no terceiro e quarto) por mostrar certo teor barroco na caracterização visual de algumas das brincadeiras violentas de Jigsaw e também por manter uma atmosfera sórdida e sombria em parte de determinadas passagens. Ainda que se revelasse um pouco de criatividade que seus criadores pudessem ter, entretanto, a verdade é que os filmes da série se tornaram cada vez mais repetitivos e burocráticos em termos criativos. “Jogos Mortais – O Final” (2010) parece sinalizar que tal constatação não passou despercebida pelos produtores, sendo que o capítulo final procura amarrar todas as pontas soltas e arrumar uma solução convincente como conclusão. O resultado, todavia, é frustrante por trazer um roteiro que fecha os principais conflitos de forma abrupta e forçada. A trama é tão pouco natural que se acaba ficando com a impressão que daqui alguns meses teremos mais uma continuação para dar seguimento à saga de mutilações. Mesmo as seqüências de armadilhas sangrentas já trazem muitos traços de requintes e elaborações como em outras da série. No final das contas, “Jogos Mortais – O Final” acaba soando mais como uma reciclagem preguiçosa de elementos de uma obra original que no seu princípio já retrabalhava com cara-de-pau elementos da obra-prima “Seven” (1995). E convenhamos: os tão comentados efeitos 3D estão entre os mais toscos e mal aproveitados desta onda recente de uso (e abuso) desse tipo de trucagem.

sexta-feira, novembro 26, 2010

A Suprema Felicidade, de Arnaldo Jabor ***1/2


Confesso que nunca fui grande apreciador de Arnaldo Jabor como cronista. Ele sempre me pareceu um sub-Nelson Rodrigues (justo ele, o melhor tradutor do universo nelsonrodrigueano para o cinema). E isso era uma decepção para mim, pois como cineasta Jabor era um artista bastante inquietante. Sua volta para trás das câmeras em “A Suprema Felicidade” (2010), depois de mais de 25 anos sem filmar, revela uma forte coerência formal e temática com sua filmografia. O naturalismo nunca foi o foco principal no estilo de Jabor – ele sempre pendeu mais para narrativas carregadas de simbologias e exageros formais. Nesta sua obra mais recente, as características mencionadas se chocam com uma trama memorialista com tintas autobiográficas. A trama não obedece a uma ordem linear de fatos – há idas e vindas constantes nos planos temporais, o que junto a uma certa caracterização grotesca de situações e personagens, faz de “A Suprema Felicidade” uma obra meio delirante. Essas opções de Jabor, por mais incômodas que pareçam ao olhar do espectador, acabam se mostrando acertadas por estarem em sintonia com a situação de que estamos vendo os fatos pela ótica de uma criança/adolescente/jovem, visão essa que sempre traz uma dose de fantasia, o que possibilita a Jabor uma série de ousados voos estéticos que extrapolam no barroco, com destaque para a sequência em que o protagonista Paulo visita um bordel que parece vindo direto de um sonho (ou pesadelo). Mesmo a reconstituição de época obedece muito mais a uma lógica advinda de impressões do imaginário infantil/juvenil do que a uma suposta fidelidade histórica.

Perturba também em “A Suprema Felicidade” que a viagem memorialista de Jabor não caia em lugares comuns nostálgicos ou saudosistas. Pelo contrário – predomina no filme um tom que varia entre o pessimista/amargo e a serenidade/resignação, conflito esse de sentimentos ambíguos que encontra a síntese exata na figura do avô de Paulo (Marcos Nanini, em notável atuação dramática distante dos seus habituais papéis cômicos). Jabor começa “A Suprema Felicidade” com fugazes momentos de contentamento para seus personagens (sexo, celebrações, união familiar). Ao longo da trama, entretanto, disseca as ilusões de suas criaturas e joga o espectador num mar de frustrações e desencantos. Assim, a ironia do título filme acaba encontrando respaldo nas palavras do mencionado personagem vivido por Nanini, que diferencia alegria e felicidade e constata que apenas por alguns breves minutos foi feliz em sua vida. Tal momento resume com fidelidade a beleza melancólica e desajeitada de “A Suprema Felicidade”.

Deixa Ela Entrar, de Thomas Alfredson ****


O diretor Tomas Alfredson não apresenta grandes inovações ou invencionices em “Deixa Ela Entrar” (2008). Opta-se por um estilo clássico na concepção formal, mas sempre com classe e sensibilidade raras. O ritmo lento da narrativa é hipnótico e nunca cai no enfadonho, pois tudo o que se mostra na tela é relevante, o que faz com que não se consiga desgrudar os olhos da mesma. A câmera faz travellings insinuantes e reveladores, o que acentua ainda mais o clima de tensão que paira permanentemente. A seqüência em que a vampira Eli se apresenta pela primeira vez ao menino Oskar no fantasmagórico playground do prédio em que moram é um exemplo sensacional dessa concepção formal, com a câmera fazendo um movimento que corresponde ao olhar do garoto que paira no final exatamente na figura de Eli que surge no meio dos brinquedos como se tivesse saído repentinamente do meio das sombras. Aliás, esse é outro ponto forte da direção de fotografia de “Deixa Ela Entrar”: o cuidado com a iluminação aproveita de forma sensacional a ambientação gélida das tomadas externas no meio da neve. Essa construção de uma ambientação sombria e mórbida também recebe a contribuição de uma sóbria edição de poucos cortes. Alfredson faz também um uso econômico, mas tremendamente eficaz, da violência e de efeitos especiais, em que se valoriza ao extremo a atmosfera de suspense até ao ponto que quando finalmente a brutalidade e o sangue irrompem isso se dá de forma impactante.

A estrutura formal de “Deixa Ela Entrar” oferece um molde exato para o estranho conto de amor e morte representado na sua trama. Não há uma preocupação com explicações e justificativas para situações e personagens: Alfredson apenas tem a intenção de fazer do mistério o mote principal e constante do filme. Também não há a ação de evidenciar qualquer espécie de moral que salve ou castigue. Eli mata as suas vítimas, mas não se regojiza ou se culpa por isso: na sua lógica, sugar o sangue das pessoas representa apenas a sua sobrevivência. Assim, o fato de criarmos simpatia ou não por determinados personagens, mesmo que eles sejam tão críveis e bem construídos (o que é o caso deles em “Deixa Ela Entrar”), não representa um fator que evite que eles sejam abatidos pela menina, mas também não impede sequências imersas em poesia melancólica como aquela da morte do pai de Eli. E se outros personagens eventualmente possam merecer uma morte sangrenta e impiedosa (como na seqüência no ginásio das piscinas em que os garotos do grupo que atormentava Oskar são implacavelmente destroçados), pior para eles...

“Deixa Ela Entrar”, na sua estrutura de conto de fadas amoral, resgata a essência do gênero horror naquilo que ele tem de mais primordial: a extrapolação da realidade, a perpetuação do mistério e o medo do desconhecido. Assim como em “O Nevoeiro” (2007) e “Arrasta-me Para o Inferno” (2009), demonstra ainda a capacidade do universo do fantástico em fascinar e amendrontar o imaginário das platéias.

quinta-feira, novembro 25, 2010

Solo, de Ugo Giorgetti ***1/2


Lendo no papel o tipo de estrutura narrativa proposta por Ugo Giorgetti em “Solo” (2009), pode-se pensar em uma certa preguiça criativa por parte do veterano cineasta paulista. Afinal, o cerne do filme seria o registro de um longo monólogo por parte do personagem interpretado por Antônio Abujamra. O resultado final fático da obra, entretanto, está muito longe do enfadonho, burocrático e previsível. No meio das tomadas com os depoimentos de Abumjara, Gioergetti insere fundos de imagens que variam de cores de forma constante, além de trechos de fotos, animações e registros visuais diversos, estabelecendo uma dinâmica de montagem que magnetiza o espectador e que se relaciona de forma insólita, mas coerente, com o texto contundente proferido pelo protagonista.

E por falar no texto de “Solo”, ao refletir sobre o roteiro do filme acabei lembrando de uma experiência própria relacionada à temática em questão. Tenho 37 anos, e alguns poucos anos atrás estava em uma loja de vinis quando uma mãe entrou com seu filho no local. A criança tinha uns 4 ou 5 anos e olhava espantada para as paredes tomadas de LPs. Ao perguntar para mãe do que se tratava aquilo tudo, a mão respondeu: “Meu filho, antigamente as pessoas escutavam música assim...”. Devo confessar que naquele momento me senti um anacronismo ambulante. Agora se eu, um cara na faixa dos trintas anos, tive tal sensação, imagine pensar o que um senhor ao redor dos 60 ou 70 deve pensar dos padrões culturais, sociais e tecnológicos dos tempos atuais. Pois o personagem solitário de “Solo” é um retrato desse indivíduo atônito com os tempos modernos. Nas suas falas, prevalece uma gama de sentimentos diversos como espanto, melancolia, raiva, sarcasmo, não resvalando, todavia, para a caricatura. A criatura vivida por Abujamra pode se mostrar fragilizada e desconcertada, mas aos poucos adquire uma grandeza quase épica no seu descontentamento com as facilidades vazias da sociedade contemporânea. Renega o rótulo de velhinho excêntrico e auto-indulgente ao jogar na cara do espectador a sua revolta e sagacidade. Em termos metafóricos, parece refletir a posição de Giorgetti em relação à anemia criativa de boa parte das recentes manifestações artísticas brasileiras.

500 Dias Com Ela, de Marc Webb ***

Existem filmes que conseguem ser fortemente sintomáticos em relação à época em que foram realizados, independentes de serem obras primas ou não. Esse é o caso de “500 Dias Com Ela” (2009). Nessa obra de estréia do diretor Marc Webb, conta-se, de forma não linear, a história de do relacionamento amoroso entre Tom (Joseph Gordon-Levitt) e Summer (Zooey Deschanel), dos flertes iniciais até o fim definitivo das esperanças de reatamento. A visão sobre os fatos é pretensamente não idealizada, procurando um viés realista e irônico sobre os envolvimentos amorosos, tanto que o roteiro é inspirado em fatos reais vividos pelo seu autor (como deixa clara a hilária explicação escrita no início do filme). Nesse sentido, “500 Dias Com Ela” apresenta momentos de grande força dramática pela crueza com que expõe sentimentos e sensações. As sequências que mostram o progressivo distanciamento do casal são dolorosas, alguns diálogos entre os dois são dilacerantes pelas amargas conclusões a que chegam. Além disso, o filme evidencia que fatores como estabilidade emocional e vida profissional são fundamentais na consolidação do “amor”, desacreditando que esse último possa ser incondicional. Uma grande sacada de Webb também é fazer com que o espectador veja as situações pelo olhar de Tom. Assim, vê-se Summer sempre sobre uma perspectiva de dúvida, pois não se tem muita idéia do que ela está pensando. A imprevisibilidade e o seu olhar distante só aumentam a insegurança e a perplexidade de Tom, e quem assiste a “500 Dias Com Ela” consegue entender perfeitamente o porquê. Assim, não há como não criar uma identificação com o rapaz e, por conseqüência, com o próprio filme.

Todas essas características perturbadoras parecem ter assustado o próprio Webb, o que fez com que ele oferecesse um tom cômico em boa parte do filme para evitar cair em excessos depressivos. Na realidade, dá até para dizer que Webb faz uma certa gozação metalinguística com a tristeza que emana durante várias oportunidades em “500 Dias Com Ela”. Há um narrador que frequentemente explica o que os protagonistas sentem e as lições que eles podem estar tirando dos fatos, uma menina de cerca de 12 anos que é a conselheira sentimental de Tom, pequenos números musicais e truques visuais que trazem um toque de fantasia para a produção. Tais detalhes revelam as próprias origens de Webb, um prestigiado diretor de vídeo-clips musicais, mas também concentram os pontos fracos do filme. Por que um narrador explicitando coisas que já estariam suficientemente claras apenas com imagens? E por mais que algumas das constatações da mini-conselheira de Tom sejam de uma lucidez cortante, o fato delas serem proferidas por uma figura tão insólita acaba tirando muito do impacto que poderiam ter. É justamente nesses equívocos que reside o motivo de “500 Dias Com Ela” ser um filme sintomático do seu tempo: o desejo de ser pop, cult e referencial, quesitos básicos do atual cinema com pretensões pós-modernas. Isso fica claro nesta tendência de em alguns momentos Webb mastigar o sentido das cenas para quem assiste, não deixando espaço para interpretações. Em tais seqüências, não se permite a leitura de um sub-texto a partir do roteiro, pois tal sub-texto já está ostensivamente delimitado. E se em algumas oportunidades a identificação do público com as desventuras de Tom vem ao natural, em outras Webb força essa aproximação por meio de referências como músicas e filmes, recurso que acaba soando muito formulaico, derivado do estilo Nick Hornby (o escritor de “Alta Fidelidade”, a bíblia dos adoradores de referências pop). Detalhes como música, vestuário, livros, etc, são acessórios, mas não efetivamente definidores de espírito de personagens. Podem soar divertido em alguns momentos, mas no final jogam esses mesmos personagens para um nível caricatural ou de estereótipo (o que acaba acontecendo com Tom). Buscar sempre a aproximação com a realidade imediata do espectador não significa necessariamente uma legitimidade artística.

Mas talvez essa discussão seja filosófica ou antropológica demais para uma simples resenha cinematográfica. Mesmo estando longe da perfeição, “500 Dias Com Ela” é um debut promissor e faz despertar curiosidades sobre o que o Mark Webb possa realizar nas suas próximas produções. Afinal, seus equívocos revelam muito mais a vontade de experimentar com a linguagem do cinema do que um sinal de acomodação.

quarta-feira, novembro 24, 2010

Ondine, de Neil Jordan ***


Mesmo não tendo a contundência formal é temática de obras como “Michael Collins” (1996), “Nó na Garganta” (1997) e “Fim de Caso” (1999), “Ondine” (2009), produção recente de Neil Jordan, ainda consegue mostrar bastante do estilo particular de seu realizador. Ao longo de boa parte de sua trama, a narrativa se mostra sinuosa, trafegando com certa sutileza e ambiguidade entre a fantasia e a realidade. A forma com que Jordan retrata personagens e situações acentua ainda mais tal aspecto dúbio, com uma fotografia que explora enevoadas paisagens marítimas quase como se as mesmas fizessem parte de universo mágico ou paralelo, assim como a enigmática Ondine (Alicja Bachleda) recebe uma caracterização difusa entre o etéreo e o carnal. É fascinante ainda a aura de atemporalidade que permeia o filme, em que velhas lendas regionais convivem de forma harmoniosa com referências de modernidade. Assim, por exemplo, o mito do canto da sereia pode ser relacionar com o rock climático e abissal da banda islandesa Sigur Rós. No geral, o cineasta sugere que o elemento fantástico está muito mais no olhar do que numa definição conceitual. “Ondine”, entretanto, perde bastante do impacto no seu terço final, justamente quando procura uma explicação “coerente” para os mistérios que rondam sua trama, com a atmosfera de ambivalentes planos de realidade se esvanecendo.

Amantes, de James Gray ****


Numa das entrevistas que concedeu para divulgar o magnífico “A Época da Inocência” (1993), Martin Scorsese, ao ser questionado sobre o fato de estar fazendo um filme de época depois de tantas obras sobre a máfia, colocou que aquele era um filme de época feito sob a lógica de um filme de gângsteres. Essa história me veio à mente ao assistir a “Amantes” (2008): apesar de aparentemente pertencer ao gênero drama romântico, o filme é desenvolvido pelo diretor James Gray, mais afeito ao universo das produções policiais (vide o extraordinário “Os Donos da Noite”, de 2007), como se fosse um tenso e seco thriller, algo como um “O Poderoso Chefão” de tons intimistas.

A trama de “Amantes”, na sua superfície, é simples e quase banal: Leonard (Joaquin Phoenix), rapaz perturbado e com tendências suicidas, apaixona-se por Michelle (Gwyneth Paltrow), sua transtornada vizinha, ao mesmo tempo que começa namorar Sandra (Vinessa Shaw), a pacata e centrada filha do futuro sócio do seu pai. A simplicidade dessa premissa, entretanto, é ilusória. “Amantes” caminha por uma trilha bem mais tortuosa. A polarização que se faz entre as duas mulheres não é entre a maniqueísta divisão de quem é a malvada e quem é a boazinha. Michelle, amante de um poderoso e casado advogado (Elias Koteas), pouco oferece a Leonard: não o ama, mas constantemente o procura como apoio moral. O que atrai Leonard para o caótico mundo de Michelle não é apenas beleza ou sexo: numa sociedade que lhe exige adequação e que tome os seus remédios, ele vê na vizinha uma alma gêmea igualmente confusa. Já Sandra é carinhosa e compreensiva em relação ao passado conturbado do namorado. Sua figura tem um forte elemento simbólico ao se apresentar como praticamente uma extensão da pessoa da mãe (Isabela Rossellini) do rapaz (uma das cenas finais na praia, em que o par de luvas caídas na água traz a Leonard a lembrança de Sandra, é a síntese magnífica dessa simbologia). Uma afirmação mais de uma vez é proferida em relação à Sandra: vários rapazes correm atrás dela desejando namoro... Ela representa segurança emocional, afetiva e até mesmo financeira. Mas o que deveria ser um alento acaba sendo apenas mais um tormento a sufocar Leonard.

O filme não oferece concessões a Leonard e nem ao espectador. Temos a sensação de saber desde o começo da história que o envolvimento do protagonista com Michelle é pura encrenca para ele. Gray disseca o que poderia haver de romântico e nos joga a carcaça da realidade. O que nos comove na sequência em que Leonard se declara para Michelle não é uma improvável redenção pelo amor romântico, mas sim o desnudamento emocional do rapaz, mostrando-se em toda a sua fragilidade e confusão psicológicas.

James Gray oferece para esse pequeno épico de desilusão amorosa um estilo formal de talhe clássico. A edição oscila de forma admirável entre a serenidade quase contemplativa e o dinamismo objetivo e vibrante, como se fosse uma metáfora para o comportamento bipolar de Leonard. As sequências envolvendo o passeio noturno dele, Michelle e suas amigas são exemplares nesse sentido, das divertidas brincadeiras entre os personagens durante o trajeto no carro até a sensual e febril festa numa boate, evocando a memorável abertura de “Os Donos da Noite”. Igualmente representativas dessa precisa arquitetura narrativa da montagem de “Amantes” são as cenas em que Leonard e Michelle se comunicam dos seus apartamentos tanto pelos seus celulares quanto gritando pelas janelas (ou, às vezes, simplesmente se olhando).

A fotografia também é um capítulo à parte. Tanto as tomadas externas quanto as internas são banhadas por tons escuros e atmosféricos, como se sublinhassem os sentimentos de desconforto e angústia de Leonard e também o comportamento errático e imprevisível de Michelle. O breu de certas seqüências é um elemento dramático que dá um sentido fundamental para algumas das principais passagens de “Amantes”. O ápice dessa inspirada utilização sombria das cores é a cena em que aos poucos Michelle sai das sombras e o seu rosto vai revelando a intenção de não ficar mais com Leonard.

E não há como esquecer também das fantásticas sequências realizadas no telhado do prédio onde moram Michelle e Leonard: geralmente filmadas sob a iluminação cinzenta dos finais de tarde e com enquadramentos altamente expressivos, tais momentos guardam alguns dos instantes mais cruciais e sombriamente belos do filme, tanto pelo impacto das imagens quanto pelos diálogos reveladores dos personagens.

Muito tem se destacado nas matérias sobre “Amantes” a antológica interpretação de Joaquin Phoenix, sendo que realmente não há como se impressionar. Sua atuação é tão cheia de intensidade e sutilezas que fazem de Leonard alguém incrivelmente crível e humano. Mas seria injusto não destacar também o ótimo trabalho de Gwyneth Paltrow. Confesso que nunca fui muito entusiasta da atriz, mas aqui ela consegue sair daquelas gastas e cansadas caracterizações unidimensionais de loirinhas frágeis e adoráveis, fazendo de Michelle uma criatura que tanto vai do apaixonante quanto ao irritante.

terça-feira, novembro 23, 2010

Capitalismo: Uma História de Amor, de Michael Moore ***


Em um primeiro momento, a intenção de Michael Moore em “Capitalismo: Uma História do Amor” (2009) é expor as razões que levaram à crise econômica norte-americana que estourou em 2008 e se estendeu pelo resto do mundo. Ao longo do documentário, entretanto, tais motivos vão ficando cada vez mais nebulosos, inclusive para o próprio diretor! Moore parece refletir o espanto do espectador ao se ver perdido em conceitos complexos e tecnicismos do mercado de ações e demais especulações. Isso não quer dizer que ele não permite deixar evidente seu ponto de vista sobre o assunto, adotando uma postura crítica ostensiva sobre as políticas econômicas e sociais adotadas pelos governos norte-americanos, tanto republicanos quanto democratas, nos últimos 30 anos, formando um amplo painel sobre a trajetória dos Estados Unidos no mencionado período. É claro que a visão do diretor traz uma certa carga ideológica, além de tentar encontrar explicações em razões um tanto simplistas e superficiais. É inegável o talento de Moore, todavia, em emoldurar suas concepções pessoais em um formato acessível e bem humorado. As sequências que mostram famílias sendo despejadas pelos bancos em virtude de hipotecas não pagas, por exemplo, são contundentes ao tornar factíveis as conseqüências da farra especulativa dos banqueiros e agentes governamentais irresponsáveis. O cineasta combina depoimentos e trechos diversos de filmes de ficção e documentais aliado a sua habitual interação com os personagens e situações do seu filme, obtendo como resultado final uma obra que beira a tragicomédia tamanha a ironia ácida e amarga que transpira. Mesmo que seus pretensos fins didáticos acabem não sendo correspondidos na sua totalidade, Moore consegue em “Capitalismo: Uma História de Amor” oferecer um registro emblemático e acessível de uma era e suas complexidades.

Abraços Partidos, de Pedro Almodovar ***1/2


Em linhas gerais, a carreira do cineasta espanhol Pedro Almodóvar se divide em três fases. Na primeira, que começa em “Pepi, Luci, Bom y otras chicas del montón” (1980) e vai até “Kika” (1993), o que fica em primeiro plano é o tom anárquico, com o diretor satirizando impiedosamente vários aspectos da sociedade espanhola, principalmente aqueles herdados da era franquista: o conservadorismo, a religiosidade obscurantista, a repressão sexual. Os roteiros dos filmes eram rocambolescos e exagerados, mas traziam uma estranha combinação de humor escrachado e dramaticidade. Além disso, sua narrativa cinematográfica foi sendo aprimorada a cada produção. Na segunda fase, Almodóvar enveredou para uma criativa recriação do gênero clássico de melodramas, sempre permeada por sutis e amargos toques cômicos. Nessa linha, gerou três obras memoráveis – “A Flor do Meu Segredo” (1995), “Carne Trêmula” (1997) e “Tudo Sobre Minha Mãe” (1999). Por fim, a terceira fase, que se inicia em “Fale Com Ela” (2002) e se desdobra até hoje, buscou uma espécie de síntese das fases anteriores, além de estabelecer o gosto por uma linguagem cada vez mais referencial e tomando o próprio cinema como tema em si. E é justamente aí que se enquadra “Abraços Partidos” (2009).

Nessa produção mais recente, fica ainda mais escancarada a tendência do cineasta em focar o cinema quase como personagem. Ao tomar como protagonista o diretor e roteirista Mateo Blanco (Lluís Homar), Almodóvar tem a premissa ideal para fazer uma série de citações e homenagens cinéfilas de forma ampla, indo desde daquilo que é considerado como parte do topo do cinema como arte (o clássico italiano “Viagem à Itália” de Roberto Rossellini) até a um gênero menosprezado como o terror (é antológico o diálogo entre Mateo e o seu assistente em que eles criam uma estapafúrdia trama envolvendo vampiros que se aproveitam de doadores de sangue). Por esse viés, passa também a figura de Lena (Penélope Cruz), que na sua caracterização traz evocações a divas como Marilyn Monroe, Audrey Hepburn, Sophia Loren e Catherine Deneuve – essa última em cenas que remetem à obra-prima de Buñuel, “A Bela da Tarde” (1967). Almodóvar aproveita, inclusive, para fazer uma auto-homenagem no “filme dentro do filme” que há em “Abraços Partidos”, uma espécie de releitura de “Mulheres À Beira de Um Ataque de Nervos” (1988).

Almodóvar condensa habilmente esse mar de citações e seqüências de metalinguagem em uma trama que remete a dois gêneros clássicos – o policial noir e o melodrama típico das produções da Hollywood dos anos 40 e 50. Nesse sentido, lembra bastante o que ele já havia feito no excelente “Má Educação” (2004). Em “Abraços Partidos”, a narrativa em vários momentos adota uma linha investigativa, em que passado e presente se alternam intensamente, visando descortinar os mistérios que rondam os personagens. É uma trama, entretanto, que não é para ser levada muito a sério – é nesse ponto que se revela a veia cômica do cineasta. Não há maiores sutilezas nessa recriação do noir e do melodrama. Almódovar faz a sua reciclagem escolhendo as vias do exagerado e do paródico, desconcertando o espectador com essa falsa dramaticidade. O que é uma virtude do cineasta se revela, entretanto, como ponto fraco de “Abraços Partidos” em algumas oportunidades – há seqüências em que Almodóvar parece ele mesmo acreditar na seriedade das situações que criou. Nesse sentido, o momento em que Blanca (Judit Garcia) faz as “revelações finais” para Mateo é particularmente enfadonho, digno de algumas rasteiras novelas televisivas.

“Abraços Partidos” consolida um momento na carreira de Almodóvar em que ele não está mais disposto a se mostrar como inovador ou iconoclasta. Assim como Tarantino, está mais interessado na constituição de um universo personalista, em que seus filmes sempre traduzirão as suas obsessões estéticas e temáticas, mesmo que possa a vir se repetir, eventualmente (o que não é necessariamente um defeito). No mundo cinematográfico de hoje, poucos têm o talento suficiente para poder se dar a esse luxo.

segunda-feira, novembro 22, 2010

Atividade Paranormal 2, de Tod Williams **1/2


Mesmo dentro de uma concepção normal que beira a fuleiragem, parece que “Atividade Paranormal” vai se estabelecer como mais uma lucrativa franquia no gênero horror (as notícias de que uma terceira parte já está em fase de pré-produção só confirma tal tendência). Como em outros exemplares de filmes em série, a preocupação principal está em oferecer mais do mesmo em detrimento de trazer alguma inovação. Assim, esta primeira seqüência (2010) de “Atividade Paranormal” repete os truques estéticos e temáticos da obra que a precedeu. Basicamente, são vários minutos em que pouca coisa acontece, com a edição combinando filmagens caseiras e tomadas de câmeras de vigilância mostrando cenas de quotidiano, buscando-se o efeito de um falso documentário. Quando a narrativa ameaça enveredar para o marasmo, o roteiro trata de inserir alguns sustos para lembrar o espectador que ele está vendo um filme de horror. Tal fórmula pode ser manjada, mas na produção em questão acaba manipulada até com razoável eficiência, com o diretor Tod Williams mantendo a tensão em meio a tomadas que em sua essência retratam cenas quotidianas. Por mais que essa orientação possa ser anti-climática, acaba cativando o espectador justamente por tornar o terror tão próximo da realidade deste último.

sexta-feira, novembro 19, 2010

Atração Perigosa, de Ben Affleck ****


Este é o tipo de filme que teria tudo para afastar os apreciadores de cinema em geral. Para começar, o horrível título genérico escolhido para o mercado brasileiro. Além disso, o fato de ter o habitual canastrão Ben Affleck como diretor não seria a melhor das credenciais. O negócio, entretanto, é deixar os preconceitos de lado e encarar “Atração Perigosa” (2010), uma das grandes surpresas cinematográficas do ano. O motivo para tal entusiasmo não está no fato de Affleck traga inovações para o gênero policial. Ao contrário: tudo na produção se remete a um estilo clássico de realização – roteiro de situações e conflitos previsíveis (mas sempre marcantes), fotografia desprovida de efeitos ou invencionices, edição que alterna longos planos contemplativos e tomadas repletas de cortes precisos, elenco de atuações sóbrias. Esse conjunto de elementos já foi visto em várias produções, mas é inegável que Affleck domina o mesmo com notável habilidade. Seu domínio da ação é extraordinário – sabe criar a tensão necessária nas seqüências de diálogos e de ritmo narrativo mais lento e ao mesmo tempo cria momentos de aventura eletrizantes (as cenas de roubos a bancos e perseguições automobilísticas humilham Paul Greengrass, Zack Snyder e afins). Cabe ainda ressaltar alguns achados visuais notáveis, como o detalhe das máscaras usadas pelos assaltantes. E é provável que olhar mais detalhista de Affleck como cineasta tenha influenciado até mesmo o seu lado de intérprete dramático, pois em “Atração Perigosa” ele oferece a sua atuação mais sanguínea e repleta de nuances. Ou seja: para quem achava que o cinema policial norte-americano andava em decadência, “Atração Perigosa” é um desmentido bastante enfático.

quinta-feira, novembro 18, 2010

O Solteirão, de Brian Koppelman e David Levien ***


Para começar, cabe logo um esclarecimento: a escolha do título deste filme para o mercado brasileiro foi infeliz em qualquer sentido que se possa imaginar. Por um lado, pode afugentar aquela parte do público que não se sente atraída por comédias ligeiras (coisa que o filme não é). E sob outra perspectiva, ainda mais importante, não tem sintonia com o espírito da obra (no caso, a produção originalmente se chama “Homem Solitário”).

Tirando esse aspecto do título, “O Solteirão” (2009) é uma obra surpreendente. Mesmo dentro de uma concepção formal que quase nunca foge do convencional, acaba adquirindo uma força inesperada pelo roteiro bem construído e pelas eficientes composições dramáticas de seu elenco. A trama do filme consegue manter um tom constante de incerteza e perplexidade com o comportamento errático do protagonista Ben (Michael Douglas). O personagem se afunda de forma progressiva em um inferno pessoal, mas parece quase se divertir com isso em alguns momentos. Douglas acha com naturalidade o tom de sua interpretação, variando com sutileza a gama de emoções que emanam de Ben (indiferença, melancolia, bom humor afiado). “O Solteirão” mantém sem maiores concessões a sua coerência temática, não procurando muitas explicações para o comportamento de seu personagem, aspecto esse que se cristaliza na bela conclusão em aberto do filme.

quarta-feira, novembro 17, 2010

Cronicamente Inviável, de Sérgio Bianchi ***1/2


A revolta que exala de “Cronicamente Inviável” (2000) contra os costumes pequeno-burgueses da sociedade brasileira não se configura apenas em termos temáticos. Para destilar seu veneno ideológico, o diretor Sérgio Bianchi utiliza uma estética inquietante, como que mostrando que a realidade complexa que aborda não pudesse ser abarcada apenas com uma narrativa linear e naturalista. O cineasta faz colidir elementos diversos como registros falsamente documentais, caracterizações estilizadas e exageradas de situações e personagens, interpretações dramáticas de empostações quase teatrais. Tais detalhes formais compõem uma moldura adequada para o roteiro que faz uma espécie de tratado sociológico-científico das mazelas sociais no formato de pequenas histórias que tem como mote exploração econômica, preconceitos raciais e de classe e vazio existencial. Bianchi, contudo, não envereda por análises acadêmicas ou didáticas. No final das contas, “Cronicamente Inviável” é muito mais o seu manifesto de inconformismo contra a realidade que o cerca do que uma hipócrita visão “isenta” dos fatos.

terça-feira, novembro 16, 2010

Piranha 3D, de Alexandre Aja ***1/2


Em “Alta Tensão” (2003) e “Viagem Maldita” (2006), o cineasta francês Alexandre Aja já havia empreendido uma revisão radical dos truques e clichês mais emblemáticos do cinema gore norte-americano. Nesta revisão da produção original de Joe Dante lançado em 1978, Aja se aprofunda na referida opção estética. A impressão que se tem assistindo a “Piranha 3D” (2010) é que alguém passou muito tempo de sua vida vendo obras repletas de sangue, mutilação, mulher pelada e erotismo barato e resolveu regurgitar tudo isso de forma extrema em único filme. Tudo em “Piranha 3D” é exagerado e caricatural, mas sempre é filtrado por uma estilização insólita. De forma muito particular, Aja declara seu amor a um gênero cinematográfico normalmente desprezado, mas que na verdade sempre guardou consideráveis possibilidades criativas, e que aqui são muito bem aproveitadas por Aja. Mesmo com o oportunista efeito 3D, pode-se perceber que a trucagem é realizada com categoria pouco usual. Em algumas sequências, o efeito torna as imagens confusas, principalmente nas tomadas aquáticas envolvendo os simpáticos bichinhos (a mistura de sangue, tripas e peixes velozes e vorazes parecem se fundir num tom vermelho único). Por outro lado, o 3D traz um impacto visual notável em outros momentos, com destaque para o bagaceiro balé aquático entre duas mocinhas nuas e siliconadas.

sexta-feira, novembro 12, 2010

Coco Chanel & Igor Stravinsky, de Jan Kounen ***1/2


Confesso que o meu primeiro contato com a música de Stravinsky foi de maneira enviesada. Em “Israel”, faixa de abertura do álbum ao vivo “Nocturne” (1983) da banda gótico-punk Siouxsie and The Banshees, havia um trecho da “Sagração da Primavera” que servia quase como uma breve vinheta. Mesmo que de duração rápida, aqueles arranjo e melodia épicos e sinistros nunca saíram da minha mente.

Algumas das primeiras tomadas de “Coco Chanel & Igor Stravinsky” (2009) já revelam logo de cara que não estamos diante de uma mera cinebiografia: uma câmera inquieta voa no meio da primeira apresentação da “Sagração da Primavera” em Paris, flagrando vários detalhes – a evolução do tema musical de acordo com a entrada e participação de cada instrumento, o registro do balé coreografado por Nijinsky e as reações exaltadas e contrastantes na platéia. No meio dessa confusão, pode-se perceber Coco Chanel (Anna Mouglalis) de seu camarote, envolta em sombras (o tom sombrio da fotografia lembra bastante o extraordinário trabalho de Gordon Willis em “O Poderoso Chefão 3”). Tal abertura revela desde o início que “Coco Chanel & Igor Stravinsky” envereda muito mais por uma realidade idealizada, em que os truques estéticos realçam o aspecto de pessoas e fatos relevantes que compõem um imaginário coletivo em detrimento daquilo que é factual. De certa, a mesma abordagem pela qual Martin Scorsese enveredou na obra-prima “O Aviador” (2004).

Mesmo que se formate dentro de um esquema de melodrama e com alguns dados efetivamente históricos, “Coco Chanel & Igor Stravinsky” nunca abandona o tom da verdade que é pervertida pela fantasia. Até porque não houve uma definitiva conclusão de que os protagonistas tenham tido um relacionamento amoroso na vida real. Mesmo que se trate de ficção e se aprofunde em estilizações, entretanto, o filme acaba sendo fiel no sentido de dar uma ideia muito aproximada da dimensão da importância e influência de Chanel e Stravinsky para a cultura e o comportamento ocidentais do início do século XX até os dias de hoje.

A ousadia do tipo de narrativa adotado pelo cineasta Jan Kounen em “Coco Chanel & Igor Stravinsky” se cristaliza na seqüência final da produção, quando a já consagrada “Sagração da Primavera” recebe uma nova apresentação em Paris. Nestas cenas derradeiras, Kounen encadeia uma série de tomadas que evocam uma estranha mistura entre o onírico e o delírio, em que passado, presente e futuro vão se intercalando de forma desconcertante, numa conclusão de raro impacto sensorial que parece absorver um pouco da atmosfera difusa da filmografia de David Lynch.

quinta-feira, novembro 11, 2010

Tropa de Elite 2 - O Inimigo Agora é Outro, de José Padilha ****


A comparação pode soar óbvia, mas “Tropa de Elite 2 – O Inimigo Agora é Outro” (2010) lembra muito a segunda parte de “O Poderoso Chefão”, no sentido que ambas possuem tramas auto-contidas e independentes das obras que o precedem, mas que também servem como uma forma de complementar o sentido dos filmes iniciais. Se na obra original de 2007 o diretor José Padilha determinava um ritmo narrativo vertiginoso para mostrar a trajetória obsessiva do Capitão Nascimento (Wagner Moura) em encontrar um substituto para si além de prender ou matar os marginais que apareciam pelo caminho, nesta continuação ele opta por uma linha mais reflexiva e cerebral, intercalando com econômicas, mas precisas, sequências de ação. Mesmo com uma trama que se desenvolve muito mais em diálogos e nos ambientes fechados de gabinetes, a tensão é sempre constante. Tal opção formal e temática não é gratuita, tornando “Tropa de Elite 2” uma obra bastante diversa daquela que a precedeu. Se nesta enxergávamos quase que somente a violência de marginais reprimida sem concessões pelo BOPE, na continuação são expostas as possíveis causas da violência mencionada.

Por mais que a visão sobre a brutalidade do conflito entre a polícia e a marginalidade seja crítica, entretanto, é inegável que José Padilha se revela um exímio coreógrafo da violência cinematográfica. O cineasta faz questão de que o espectador não perca sequer um detalhe da ação. Perseguições, tiroteios e golpes são registrados com fotografia e montagem que privilegiam a clareza visual, ainda que em certos momentos assumam uma estética que beira o documental. É extraordinária, por exemplo, a tomada em que o enfurecido Capitão Matias (André Ramiro) interroga, com requintes de crueldade, um traficante: o enquadramento mostra os rostos dos personagens em posições contrastantes, ressaltando de forma assustadora a posição de fragilidade do marginal perante o policial.

Aliás, é de se destacar o trabalho de caracterização dos personagens, um dos grandes trunfos artísticos de “Tropa de Elite 2”. O já citado Capitão Matias, mais contido na primeira parte, ganha uma dimensão quase de possessão por se revelar uma extensão ainda mais furiosa do Capitão Nascimento. Já o Comandante Fábio (Milhem Cortaz) é a face de uma malandragem que oscila entre a ingenuidade e o puro cinismo, enquanto o miliciano Russo (Sandro Rocha) é um vilão antológico pela aura insidiosa que o cerca. Mas no campo da interpretação, nenhum deles consegue superar a gama de emoções que extravasa de Wagner Moura ao oferecer um Nascimento que flui com naturalidade entre a raiva e a frustração represadas e visíveis apenas no olhar até momentos de explosões temperamentais devastadoras.

Em meio a tantas qualidades que “Tropa de Elite 2” contém, há um detalhe que, em um primeiro momento, aparece como ponto negativo: a narração em off de Nascimento acaba se excedendo em contar detalhes da trama que já estariam suficientemente claras pelas próprias imagens expostas no filme. Essa mesma narração, entretanto, traz um dos aspectos mais desconcertantes da produção. É que na verdade ela revela uma visão subjetiva do personagem sobre os fatos e pessoas que o cercam, o que faz com que o espectador seja simpático à ideologia pragmática do mesmo. Mas tal visão não representa a posição de Padilha (e consequentemente do filme) sobre o que é mostrado na tela. Assim, ao longo da trama muitas das concepções de Nascimento se evidenciam como equivocadas e as aparentes certezas iniciais acabam demolidas. Ou seja, Padilha “induz ao erro” a platéia, fazendo com que ela deixe aflorar seus instintos e preconceitos, para depois questioná-la com veemência. A sutileza de tal abordagem qualifica ainda mais “Tropa de Elite 2” como uma das melhores obras cinematográficas de 2010.