A intenção de Ettore Scola em “Que estranho chamar-se
Federico: Scola conta Fellini” (2012) não era de fazer uma cinebiografia
marcada pelo alto rigor histórico e formal. O que o veterano diretor italiano
tinha em mente era fazer mesmo uma simples e sincera homenagem ao seu mestre e
amigo. Assim, a produção tem um jeitão informal e bem humorado, como se Scola
tivesse recordado alguns episódios aleatórios numa mesa de bar. A obra mistura
sem cerimônia recriações dramáticas e cenas de arquivo para compor um mosaico
que beira o onírico, evocando o próprio estilo de criação do artista
homenageado (o que fica evidente até nos temas musicais que remetem a melodias
e arranjos clássicos de Nino Rota, o “trilheiro” favorito de Fellini) e que
para os neófitos provavelmente vai dar aquela vontade de conhecer melhor os
filmes cujos trechos são mostrados, além de oferecer lembranças agradáveis para
os velhos fãs do criador de obras primas como “A doce vida” (1960) e “Oito e
meio” (1963). Scola não esconde o forte caráter pessoal de sua visão, sendo que
por diversas vezes ele mesmo aparece como personagem importante no filme. Por
vezes, dá para dizer que a condução da narrativa dá uma impressão de um certo
desleixo, mas na realidade isso se mostra em sintonia existencial com a
atmosfera lúdica e bufona tanto do filme em questão quanto da filmografia de
Fellini.
Boa parte de amigos e conhecidos costuma dizer que as minhas recomendações para filmes funcionam ao contrário: quando eu digo que o filme é bom é porque na realidade ele é uma bomba, e vice-versa. Aí a explicação para o nome do blog... A minha intenção nesse espaço é falar sobre qualquer tipo de filme: bons e ruins, novos ou antigos, blockbusters ou obscuridades. Cotações: 0 a 4 estrelas.
segunda-feira, junho 30, 2014
sexta-feira, junho 27, 2014
Ela vai, de Emmanuelle Bercot **1/2
Catherine Deneuve se sobressaiu como mito cinematográfico
mais pela força da sua presença cênica do que pelos seus recursos dramáticos.
Assim, suas atuações mais marcantes sempre estiveram muito vinculadas à
genialidade de diretores como Truffaut (“O último metrô”), Roman Polanski (“Repulsa
ao sexo”) e Luis Buñuel (“A bela da tarde”) que souberam aproveitar a magnitude
de sua persona. Em “Ela vai” (2013), é bastante evidente que a diretora
Emmanuell Bercot, que está longe do brilhantismo formal e temático dos
cineastas mencionados, construiu uma narrativa que serve de suporte para o
carisma de Deneuve, com uma trama que alude ao dilema mais premente da carreira
da atriz (a da bela mulher que envelheceu e questiona o seu espaço na sociedade
perante a sua atual condição). O roteiro varia entre um drama de tons
naturalistas e a comédia de discretos toques irônicos, e por vezes até consegue
convencer na atmosfera crepuscular algo melancólica das desventuras da
protagonista Bettie (Deneuve). No terço final do filme, entretanto, tudo se
formata para moldes convencionais e de soluções fáceis, lembrando até as
conclusões bonitinhas de típicas comédias românticas norte-americanas. Ainda
assim, “Ela vai” ainda acaba valendo pela divertida e afetadíssima atuação do
garoto Nemo Schiffman e nas engraçadas cenas do almoço campestre nas suas
tomadas finais.
quinta-feira, junho 26, 2014
X-Men: Dias de um futuro esquecido, de Bryan Singer ***1/2
Dentro da mitologia nos quadrinhos dos X-Men, a saga “Dias
de um futuro esquecido” foi fundamental e marcante por diversas razões. Além de
ter sido a última história em conjunto da parceria Chris Claremont e John Byrne
(a mais importante equipe criativa que já passou pelas revistas dos heróis
mutantes), tal obra sintetizou de forma brilhante boa parte dos principais
dilemas dramáticos que marcaram as tramas dos personagens e também delineou
também algumas das temáticas que se tornaram bastante recorrentes não só para
os X-Men, mas também para todo o Universo Marvel, principalmente no que diz
respeito à questão das viagens no tempo. Dessa forma, acaba sendo uma surpresa
bastante agradável assistir ao filme “X-Men: Dias de um futuro esquecido”
(2014) e constatar a forma notável como o diretor Bryan Singer conseguiu
preservar os elementos mais essenciais da trama original e concebeu uma obra de
alcance universal, capaz de satisfazer tanto aos velhos admiradores dos gibis
quanto aos neófitos que não conhecem os meandros infindáveis da cronologia dos
quadrinhos. Para isso, Singer contou com um roteiro enxuto, em que não há um número
excessivo de personagens em cena, o que permite desenvolver melhor a psicologia
de cada um deles, e uma trama muito bem definida e que não se expande para
muitas histórias paralelas. E não dá para deixar de creditar a tremenda bola
dentro do roteiro com a sua solução final: o que poderia soar forçado e
oportunista num primeiro momento acaba se revelando uma tremenda sacada que
resolve algumas escolhas equivocadas de “X-Men 3: O confronto final” (2006). O
cineasta também consegue conciliar com eficiência os tempos narrativos
(presente e passado), além de estabelecer uma constante e perturbadora
atmosfera sombria, fundamental na caracterização de um planeta à beira do
apocalipse. E o que poderia parecer uma opção arriscada de investir numa
narrativa que se concentra mais na interação dos personagens do que nas cenas
de ação e nos efeitos especiais acaba se revelando mais do que acertada, dando
uma dimensão dramática ainda maior ao filme. Isso fica evidente, por exemplo,
no belo diálogo final entre as versões veteranas do Professor X (Patrick
Stewart) e Magneto (Ian McKellen), um belo texto que resume com sensibilidade
os conflitos existenciais que marcaram os X-Men desde a sua criação no início
dos anos 60.
quarta-feira, junho 25, 2014
Old Boy - Dias de vingança, de Spike Lee ***
Não considero que grandes filmes sejam obras sagradas que não
possam de forma alguma receber uma nova versão. Se um diretor pode oferecer uma
visão diferenciada numa adaptação, não há por que ficar bancando o fã xiita. No
mais, cinema também é indústria e é quase inevitável se um produto deu certo
num mercado que ele vá ser lançado em outra freguesia com uma nova roupagem. Assim,
diante dessa breve argumentação, fico à vontade para dizer que eu guardava uma
boa expectativa para a revisão norte-americana do sul-coreano “Old Boy” (2003).
Primeiro porque a produção original é uma obra-prima, e segundo porque o
diretor envolvido nessa versão seria Spike Lee. Além disso, mesmo o primeiro
filme já era uma adaptação de uma HQ, sendo que dessa forma se poderia encarar
a nova versão como mais uma visão sobre a mesma obra. O resultado final,
entretanto, ficou abaixo do esperado. Não que “Old Boy - Dias de vingança” (2013) seja ruim. Longe
disso. Dá até para dizer que por vezes o filme fique acima da média no que se
faz atualmente no gênero ação nos Estados Unidos. Spike Lee tem ótima mão para
as cenas de ação e não economiza nem um pouco na violência. O que incomoda
nessa versão é a falta de uma efetiva tensão dramática. A narrativa pende muito
para o exagero cartunesco, culpa de uma direção excessivamente operística de
Lee – o virtuosismo exagerado do diretor em alguns momentos acaba jogando
contra o filme, retirando muito das peculiares nuances dramáticas da produção
coreana. E em se tratando de um filme de Lee, surpreende de forma negativa como
o seu elenco no geral apresenta atuações tão canastronas (com exceção de Josh
Brolin, que mesmo numa interpretação over mostra porque é um dos atores
norte-americanos mais cativantes da atualidade).
terça-feira, junho 24, 2014
O lobo atrás da porta, de Fernando Coimbra ****
Num determinado debate, não lembro precisamente a data,
tendo como tema crimes bárbaros que recebiam grande atenção da mídia
sensacionalista, o jornalista Paulo Francis, diante de uma suposta perplexidade
da sociedade perante a brutalidade e gratuidade de tais atos violentos, apenas
respondia que todas as respostas para essas indagações já estavam presentes nas
tragédias gregas escritas há centenas de anos. Isso me veio à mente quando
assisti a “O lobo atrás da porta” (2013). Nessa produção nacional, o diretor
Fernando Coimbra pega um caso real do seqüestro e assassinato de uma criança
nos subúrbios de Rio de Janeiro e formata a narrativa como se fosse justamente
uma espécie de tragédia grega. A trama não se desenvolver numa linha tão linear
– há uma alternância freqüente entre presente e passado, mas o ritmo da
narrativa é objetivo e nada confuso. Além disso, Coimbra coloca os fatos do
roteiro expostos a partir das diferentes percepções do trio de personagens principais
– a amante infanticida (Leandra Leal), o marido adúltero (Milhem Cortaz) e a
esposa traída e mãe desesperada (Fabíula Nascimento) – fazendo lembrar o clássico
“Rashmoon” (1950) de Akira Kurosawa. O fato da história se desenvolver em
locais da capital carioca fora do padrão “turístico” torna a atmosfera da obra
ainda mais insólita e sufocante. Mas o que faz de “O lobo atrás da porta” uma
obra tão desconcertante é a sutil e desafiadora simbologia que Coimbra imprime
em cada ato de seus personagens: ao invés de um mero caráter atônito ou
distante perante a tragédia que se desenrola de forma inexorável ao longo do
filme, o cineasta revela uma visão implacável e arguta sobre o machismo e o
preconceito na sociedade patriarcal ocidental, em que a defesa da moral e da
honra esconde um universo de sociopatia e opressão.
segunda-feira, junho 23, 2014
Godzilla, de Gareth Edwards **1/2
E não foi dessa vez que o monstro mais famoso da
cinematografia japonesa recebeu uma versão decente por um estúdio
norte-americano. Por melhor que sejam as condições de produção de “Godzilla”
(2014), falta ao filme uma pegada mais contundente, com mais porradaria e uma
atmosfera mais tenebrosa. O diretor Gareth Edward se preocupou mais em explorar
os insípidos dramas pessoais de seus personagens “humanos” do que se concentrar
na destruição de cidades e nas batalhas de monstros, o que acabou resultando
numa produção genérica. Pode-se perceber que a obra se perde ao querer
conciliar o gênero “monster movie” típico nipônico com aquela linha de
aventuras militares patrióticas norte-americanas, caracterizando assim um
trabalho destituído de personalidade e vigor. A caracterização visual de
Godzilla e seus oponentes até impressiona, além dos efeitos especiais trazerem
algumas boas sacadas visuais. Ainda assim, é muito pouco perto do que permitiam
as possibilidades criativas envolvendo o tradicional personagem.
sexta-feira, junho 20, 2014
Praia do futuro, de Karin Aïnouz ***1/2
Depois do claudicante “O abismo prateado” (2011), é animador
ver o diretor Karin Aïnouz retomando em “Praia do futuro” (2014) a pegada
vigorosa de obras como “Madama Satã” (2001) e “O céu de Suely” (2006). Nesse
seu filme mais recente, o cineasta constrói uma obra de atmosfera rarefeita,
algo como se fosse um épico existencial. As ações de suas criaturas são
nebulosas, indecisas, mas sempre de impacto emocional contundente. Aïnouz não
parece interessado em explicar a psicologia dos personagens – a caracterização
pessoal deles está lá, meio escondida, e o que os torna fascinantes é
justamente a imprecisão de suas motivações. Mas se a abordagem intimista é
marcada por esse tom de indefinição, o formalismo de “Praia do futuro” é tomado
por um senso de virtuosismo cinematográfico admirável, a começar pela antológica
abertura de uma alucinada corrida de motos no meio de dunas nordestinas ao som
do rock anfetamínico “Ghost Rider” do Suicide. Tanto a direção de fotografia
quanto a edição privilegiam um olhar sensorial – poucas vezes tomadas aquáticas
passaram uma gama tão variada de sentimentos e sensações (angústia, paz,
erotismo, morte). As fortes cenas de sexo também fogem bastante daquele trivial
que se convencionou no cinema contemporâneo – a intensidade do enlace dos
corpos de Donato (Wagner Moura) e Konrad (Clemens Schick) representa o embate
de sentimentos contraditórios entre os amantes. Essa ambiguidade nos confrontos
pessoais é a síntese virulenta de “A praia do futuro” dessa conjunção de estética
a flor-da-pele com um conteúdo temático de forte teor humanista.
quarta-feira, junho 18, 2014
O palácio francês, de Bertrand Tavernier ***
O ato de escrever carrega por
vezes um caráter ambíguo – ao mesmo tempo que é uma necessidade para aquele que
redige o texto, também apresenta um certo sofrimento, no sentido de saber
escolher a palavra certa, de conseguir atingir o sentido exato por escrito daquilo
que se pensa. Essa relação conflitiva fica evidente na trama, baseada em fatos
reais, de “O palácio francês” (2012), em que um jovem diplomata se torna
responsável pela elaboração dos discursos de um ministro das relações
exteriores da França. As discussões sobre conteúdo e estética entre os dois
personagens são saborosas pelo grau de ironia e cultura que exalam. Além disso,
os debates sobre filosofia, política e estilização também se mostram como
reflexos dos próprios dilemas sociais, econômicos e políticos que envolvem a
rotina do gabinete do ministro. Assim, a obra de Bertrand Tavernier se mostra
um trabalho bastante interessante tanto na forma com que a conjugação entre o
textual/literário e a encenação cinematográfica se efetiva como no retrato das
relações sócio-políticas no mundo contemporâneo. O filme frustra por vezes pela
narrativa superficial, típica de comédia ligeira, ao tratar de questões
complexas, mas mesmo assim é uma produção que evidencia ainda muito da elegância
no filmar de um cineasta tarimbado como Tavernier.
segunda-feira, junho 16, 2014
O mestre das ilusões, de Clive Barker **1/2
Quando lançou “Hellraiser” (1987), o escritor e cineasta
Clive Barker formatou algo de diferente no gênero horror, combinando um grafismo
exagerado de muito sangue e vísceras com uma estranha atmosfera baseada na
dicotomia prazer e dor. Ninguém conseguiu fazer algo semelhante, nem mesmo o próprio
Barker nas inevitáveis continuações da franquia. “O mestre das ilusões” (1995)
representa mais uma das tentativas de Barker em fazer algo de relevante no âmbito
do terror cinematográfico. Ele insere no roteiro algumas referências a cinema
noir, com um detetive de passado obscuro e conturbado, na linha de um John
Constantine menos cool e mais apalermado, que investiga um estranho caso
envolvendo a morte de um mágico e uma seita de adoradores de demônios. A
diversidade de elementos, entretanto, não faz com que a narrativa fuja de
alguns clichês incômodos e burocráticos – há algumas boas soluções estéticas,
mas no geral a obra se conduz por uma concepção tão formulaica que pouco lembra
aqueles climas de sexualidade distorcida e escatologias de “Hellraiser”. Por
vezes até consegue ser divertido, mas nada que seja especialmente memorável
para os apreciadores do gênero.
sexta-feira, junho 13, 2014
Gerontophilia, de Bruce LaBruce ***
A temática de “Gerontophilia” (2013) pode sugerir que se
trata de algum exploitation: um rapaz homossexual com taras por homens idosos
vai trabalhar como servente em um asilo e lá tem um caso com um dos pacientes.
O tratamento formal proposto pelo diretor Bruce LaBruce, entretanto, dá ao
filme um caráter crepuscular e poético, tanto na direção de fotografia de tons
esmaecidos quanto na edição de talhe clássico. No debate do qual participou após
a exibição da produção no FANTASPOA o cineasta colocou que suas principais
referências estéticas na realização da obra foi o cinema norte-americano dos
anos 70, e isso fica bem evidente em cada fotograma de “Gerontophilia”. A plácida
morbidez e a atmosfera de estranha sensualidade remetem diretamente à
obra-prima “Ensina-me a viver” (1971) de Hal Ashby. Incomoda no filme de
LaBruce que a sua busca por uma certa limpidez na condução da narrativa acabe
gerando por vezes uma certa assepsia formal, assim como o lado perverso dos
desejos do protagonista acabem se resolvendo para a convencional direção de uma
love story. Mesmo assim, “Gerontophilia” merece uma conferida pelo inusitado de
sua temática e para elegância no filmar de LaBruce.
quinta-feira, junho 12, 2014
Um terror de equipe, de Lloyd Kaufman ***
Assim como é capaz de perpetrar alguns constrangedores
abacaxis cinematográficos, o diretor norte-americano também entrega por vezes algumas
esquisitas pérolas. Neste último caso, dá para enquadrar “Um terror de equipe” (1999);
obra que traz uma trama que usa até um mote bem conhecido, o do assassino
misterioso infiltrado nas filmagens de uma produção que mata os seus integrantes,
mas que surpreende pela carga metafórica que apresenta – a de uma verdadeira
declaração de amor ao fazer cinematográfico, mais especificamente ao cinema
independente de gênero. A encenação de Lloyd Kaufman aparenta um tom
esculhambado, mas a narrativa tem um estranho encanto no seu misto de sordidez
e anarquia. Os habituais exageros sanguinolentos e escatológicos da Troma estão
todos lá, e se mostram fundamentais na configuração de uma atmosfera delirante
para o filme. Kaufman sempre trafegou em sua carreira dentro de uma concepção
ambígua, em que suas produções são formatadas como comédias, mas com toques de
horror e sexualidade distorcida, causando um efeito perturbador ao espectador.
Em “Um terror de equipe”, essa concepção particular de cinema se aflora com notável
fluidez, fazendo do filme uma interessante excentricidade a ser descoberta.
quarta-feira, junho 11, 2014
Troma's War, de Lloyd Kaufman e Michael Herz 1/2 (meia estrela)
A intenção de “Troma’s War” (1988) é bem evidente logo nos
seus primeiros minutos: fazer uma tiração de sarro com os filmes de guerra
oitentistas na linha “Rambo”. Por mais que o filme abuse das piadas grotescas e
dos personagens caricatos, entretanto, a overdose de violência e subtramas “dramáticas”
acabam dando a impressão de que o filme realmente se leva a sério, com o que
era para ser uma paródia tosca acabe se tornando uma emulação patética de todos
os clichês inerentes ao gênero, com direito até a climáticas e heróicas cenas
de morte de alguns dos principais personagens da trama. Essa indefinição entre
ser irônico ou se assumir efetivamente como filme de guerra acaba fazendo de “Troma’s
War” uma das produções mais equivocadas dirigidas por Lloyd Kaufman.
terça-feira, junho 10, 2014
Return to Nuke'em High, de Lloyd Kaufman *
Continuação de um clássico
underground da produtora Troma, “Return to Nuke’em High” (2013) é um reflexo do
verdadeiro fio da navalha que representa a filmografia do diretor Lloyd
Kaufman. As produções de tal cineasta trafegam dentro de um universo particular
e reverente a tradição de filmes B e independentes associados ao cinema de gênero.
Assim, o que mais interessa para Kaufman é a reciclagem constante de uma
atmosfera que varia aos trancos e barrancos entre a comédia grotesca e o sórdido.
Se por vezes ele consegue obter alguns resultados antológicos dentro desse
formato, em outras oportunidades tudo dá errado e acabam surgindo obras
bastante equivocadas, o que é o caso do filme em questão. Na concepção, até que
as ideias do roteiro sugerem possibilidades criativas interessantes – clichês de
comédias estudantis, gozações com paranóia nuclear, trucagens mambembes,
sexualidade ostensiva. O problema é que na hora de combinar todos esses
elementos dentro de uma narrativa as coisas degringolam. Com exceção de algumas
seqüências de sexo lésbico, a encenação de Kaufman é artrítica, sem fluidez.
Por mais que eventualmente o show de escatologias da trama possa ser engraçado,
os exageros gráficos de Kaufman soam repetitivos e cansados, mais induzindo ao
tédio do que ao riso.
segunda-feira, junho 09, 2014
Eu, mamãe e os meninos, de Guilaume Gallienne **1/2
A produção francesa “Eu, mamãe e os meninos” (2013) representa
uma trip pessoal em todos os sentidos para Guilaume Gallienne – dirigido,
roteirizado e protagonizado por ele, o filme se baseia numa peça teatral também
concebida por Gallienne, trabalho esse que tinha como linha narrativa elementos
biográficos do próprio artista. A temática se concentra primordialmente sobre a
questão da identidade sexual de seu personagem principal, homem que na
juventude acreditava ser uma menina. O inusitado de tal trama mais se acentua
pelo próprio tratamento formal e textual oferecido pelo cineasta, que envereda
bastante pelo lado de um tipo de comédia que oscila entre a sutileza e o
escracho. A encenação proposta por Gallienne também tem algo de atípico, pois não
se liga a um viés puramente realista – há um certo tom exagerado na
caracterização de situações e personagens, por vezes beirando o caricatural,
com o próprio Gallienne (um ator já maduro) se interpretando na adolescência,
além de assumir também o papel da mãe dominadora. O filme, em alguns momentos,
tem um estranho encanto pela estética e temática propostas por Gallienne, até
porque a questão da homossexualidade recebe uma visão de ironia desconcertante.
No geral, entretanto, o tom de comédia ligeira assim como a frouxidão no encadeamento
dos episódios do roteiro dão a “Eu, mamãe e os meninos” um impacto superficial e
descartável – pode-se até se divertir com algumas seqüências do filme, mas nada
que seja especialmente memorável para o espectador.
sexta-feira, junho 06, 2014
Amante a domicílio, de John Turturro **1/2
A presença de Woody Allen
no elenco de “Amante a domicílio” (2013) pode até fazer supor que esse filme
dirigido e protagonizado por John Turturro seja algo assemelhado às comédias ou
dramas típicos de Allen, repletos das suas obsessões existenciais. Mas é apenas
impressão inicial, pois a obra em questão se enquadra muito mais numa vertente
de comédia romântica, ainda que com algumas nuances mais perversas
(provavelmente inspiradas na presença de Allen). O roteiro até pretende uma
certa ousadia ao abordar com ironia questões como a sexualidade na maturidade,
prostituição e dilemas filosóficos e morais. A resolução dos dilemas da trama,
entretanto, acabam se acomodando em convencionalismos temáticos que tiram muito
da força do discurso comportamental inicial do filme. Mesmo preso nessas
amarras de previsibilidade, não dá para ignorar o tom sereno e elegante da
direção de Turturro, cujo maior mérito está na sóbria condução dramática de seu
elenco, com o detalhe insólito de se ver o próprio Turturro num papel bastante
atípico em relação a sua trajetória como ator, já que o espectador se habituou
a vê-lo interpretando tipos esquisitões, sendo que em “Amante a domicílio” ele
se mostra bastante convincente na pele de um galã garanhão.
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