terça-feira, dezembro 31, 2013

MELHORES FILMES DE 2013



O critério primordial para os filmes que estão neste Top 25 é de que sejam produções que tenham estreado no circuito comercial de cinemas de Porto Alegre no ano de 2012.

1)      Azul é a cor mais quente, de Abdellatif Kechiche.
2)      Django livre, de Quentin Tarantino..
3)      Cesar deve morrer, de Paolo e Vittorio Taviani.
4)      Detona Ralph, de Rich Moore.
5)      Amor, de Michael Haneke..
6)      A hora mais escura, de Kathyn Bigelow.
7)      Killer Joe – Matador de aluguel, de William Friedkin.
8)      Antes da meia-noite, de Richard Linklater..
9)      Amor pleno, de Terrence Malick.
10)  O verão do Skylab, de Julie Delpy..
11)  Depois de maio, de Olivier Assayas
12)  O conselheiro do crime, de Ridley Scott
13)  O lugar onde tudo termina, de Derek Cianfrance
14)  Irmãs jamais, de Marco Bellocchio
15)  Elena, de Petra Costa
16)  Segredos de sangue, de Chan-wook Park
17)  Anna Karenina, de Joe Wright
18)  Um toque de pecado, de Jia Zhang Ke
19)  Hannah Arendt, de Margarethe Von Trotta
20)  Tabu, de Miguel Gomes
21)  Holy Motors, de Leos Carax
22)  O mestre, de Paul Thomas Anderson
23)  Amor bandido, de Jeff Nichols
24)  Vocês ainda não viram nada, de Alain Resnais
25)  O Hobbit – A desolação de Smaug, de Peter Jackson

Menções honrosas: filmes que vi nos cinemas no ano de 2013 e certamente estariam na lista acima, mas que foram vistos em festivais de cinema ou sessões especiais, ou seja, fora do circuito comercial das salas de Porto Alegre. Dentro de tal conceito, foram destaques as seguintes produções:

- Tigre Branco, de Karen Shakhnazarov (FANTASPOA)
- Leviathan, de Lucien Castaing-Taylor e Verena Parável (Sessão Plataforma)
- Mistérios de Lisboa, de Raúl Ruiz (exibido em sessões na Sala P.F. Gastal, mas não houve lançamento comercial efetivo nos cinemas brasileiros)

Um burguês muito pequeno, de Mario Monicelli ****


O diretor italiano Mario Monicelli foi um grande mestre da comédia, o que o torna ainda mais notável se pensarmos que a história do cinema do seu país de origem é marcada por grandes nomes do gênero. E Monicelli tinha um traço muito autoral, características bem próprias mesmos, na formatação de seus trabalhos cômicos. Suas produções traziam momentos de riso escancarado, mas também continham, de forma sutil, um tom amargo e desiludido com as mesquinharias do mundo contemporâneo. Nessa combinação entre o sarcástico e o dramático é que residia um enorme humanismo, qualidade sempre inerente em sua filmografia. “Um burguês muito pequeno” (1977) é um exemplar muito bem acabado das obsessões estéticas e temáticas de Monicelli, e também se apresenta como uma obra fortemente sintomática de sua obra. O cinema dos anos 1970 foi marcado pela consagração de um subgênero policial, em que os protagonistas eram indivíduos que se revoltavam com a violência de marginais e resolviam fazer justiça com as próprias mãos – nessa linha, é só pensar em clássicos da brutalidade como “Perseguidor implacável” (1971) e “Desejo de matar” (1974). O referido filme de Monicelli é uma espécie de resposta do cineasta a tais produções. Ao mostrar a trajetória acidentada e um tanto ridícula de um pequeno burocrata (Alberto Sordi) para vingar o filho morto numa ação terrorista, “Um burguês muito pequeno” acaba dando uma dimensão mais humana e profunda para a questão da vingança privada, além de oferecer um contundente retrato da alienação e falta de perspectivas do típico cidadão classe média da sociedade ocidental, e sem que o diretor abra mão de seqüências de pura ironia capazes de propiciar o riso, ainda que ela venha com uma porção venenosa de melancolia.

segunda-feira, dezembro 30, 2013

Leviathan, de Lucien Castaing-Taylor e Verena Parável ****


Num nível mais superficial e resumido, pode-se dizer que “Leviathan” (2012) é um documentário sobre a rotina de um barco pesqueiro em águas marinhas. Num sentido mais profundo, entretanto, trata-se de uma experiência sensorial bastante singular e perturbadora. As câmeras são posicionadas em pontos bastante inusitados, indo da cabeça de um dos pescadores até dentro dos mares, captando assim cenas surpreendentes e brutais. No tom casual em que tais tomadas são obtidas, aos poucos aquilo que poderia ser considerado a “trama” do filme vai se configurando e a conjunção de imagens e sons vai adquirindo um sentido instintivo e desconcertante. O que era para ser “cinema real” parece se converter num conto sombrio sobre o atribulado relacionamento entre a natureza e o ser humano. Tal significado vem daquilo que também é parte da essência do cinema – os registros audiovisuais que são colhidos de forma praticamente aleatória recebem um tratamento de edição que sintetiza com coerência e crueza absurdas a visão conceitual dos diretores Lucien Castaing-Taylor e Verena Parável.

sexta-feira, dezembro 27, 2013

Minha vida dava um filme, de Shari Springer e Robert Pulcini ***


A dupla de diretores Shari Springer e Robert Pulcini parece estar se especializando em fazer crônicas de deserdados e outsiders em geral. Enquanto “Anti-herói americano” (2003) era uma cinebiografia do roteirista de HQs underground Harvey Pekard e “Os acompanhantes” (2010) mostrava as desventuras de um gigolô envelhecido e um aspirante a escritor, nesse recente “Minha vida dava um filme” (2013) há a trama de uma dramaturga frustrada (Kristen Wiig) que perde o namorado rico e o emprego em Nova Iorque e é obrigada a morar novamente com sua família disfuncional e suburbana de Nova Jersey. O tom dessa comédia dramática é um meio termo entre o amargo e irônico. Por mais melancólica que seja essa abordagem temática, a caracterização caricatural de alguns dos personagens e de situações do roteiro impede que o filme caia em excessos depressivos. No final das contas, a formatação da produção acaba se direcionando para uma comédia romântica quase tradicional, ainda que um tanto azeda – por maiores que sejam os percalços e as desilusões da protagonista, há uma conclusão feliz e edificante que ameniza o clima “loser nerd” do filme (e que faz lembrar “Missão: Madrinha de casamento”, outro trabalho interessante também roteirizado por Wiig). Ainda que esse final tire um pouco do impacto dramático de “Minha vida dava um filme”, é inegável que dá um sabor nostálgico de “Sessão da tarde” setentista.

quinta-feira, dezembro 26, 2013

Capitão Phillips, de Paul Greengrass ***


O cineasta Paul Greengrass tem como característica mais marcante em sua cinematografia uma pegada com fortes influências documentais, apesar dele atuar na área ficcional. E isso se aplica tanto para produções da franquia Bourne quanto para obras com um cunho mais realista. “Capitão Phillips” (2013), seu trabalho mais recente, se enquadra nessa última categoria, tanto que seu roteiro se baseia em fatos verdadeiros. Apesar dessa tendência para um estilo “cinema verdade”, não é o caso aqui de termos câmeras tremendo ou simulações de filme amador – o registro de Greengrass é objetivo, mas preserva um esmero formal, o que se evidencia principalmente nas boas sequências de ação. Além disso, o cineasta consegue extrair expressivas atuações de seu elenco, tanto por parte de um superstar como Tom Hanks (no papel título) quanto do atores que compõem o núcleo africano do filme, em que o teor naturalista das interpretações impressiona por vezes pela sua crueza e veracidade. O que impede “Capitão Phillips” de se enquadrar num patamar artístico mais elevado é que o elemento tensão da obra se esvai pelo próprio conteúdo de sua trama – qual é o efetivo perigo que se pode sentir quando os paupérrimos e ingênuos piratas da Somália, vilões da história, tem como oponentes militares muito bem treinados dos Estados Unidos? Fica-se com aquela impressão de muito barulho por nada...

quarta-feira, dezembro 25, 2013

Amor bandido, de Jeff Nichols ***1/2

O cinema do diretor Jeff Nichols pertence a uma tradição que é recorrente na história da filmografia norte-americana: a de obras que se vinculam a gêneros clássicos e utilizam clichês bem definidos, sem necessariamente produzir alguma ruptura estética, mas que a partir desses elementos básicos criam um universo pleno de simbologias e sensorialismos marcantes. E esse é justamente o caso da produção mais recente dirigida por Nichols, “Amor bandido” (2012). Na sua estruturação narrativa, o filme se configura como um drama policial a se passar numa região pantanosa dos Estados Unidos. Em um nível mais profundo, entretanto, converte-se sutilmente numa crônica sobre a inocência perdida e no processo de amadurecimento de um adolescente. Boa parte do que se vê na tela vem pelo olhar de jovem Ellis (Tye Sheridan), o que faz com que a trama envolvendo crimes, sordidez e um caso de amor mal resolvido ganhe, por vezes, dimensões épicas e icônicas. O tratamento formal estabelecido por Nichols colabora para essa ambiguidade temática: a edição classuda e a fotografia luminosa a registrar a beleza bruta das paisagens fazem lembrar alguns faroestes memoráveis de John Ford. Vale ressaltar ainda que nessa vigorosa combinação de realismo e mitificação há composições dramáticas notáveis de atores como Matthew McConaughey, Sam Shepard e Michael Shannon, que se mostram em sintonia existencial e artística com as propostas formais e temáticas de Nichols.

terça-feira, dezembro 24, 2013

O mordomo da Casa Branca, de Lee Daniels **

Por mais que “Preciosa” (2009) tivesse os seus momentos lacrimosos, era inegável que o filme que revelou o diretor Lee Daniels para o mundo tivesse, por vezes, uma pegada crua e contundente que fazia com que fosse difícil ficar indiferente a tal obra. Nesse contexto, é por isso que há um certo quê de decepção em relação a “O mordomo da Casa Branca” (2013). Por mais que haja alguma competência no seu formalismo convencional, tudo no filme se ressente de um caráter mofado. A trama procura relacionar fatos históricos com as questões pessoais da vida do protagonista do título, mas sua investigação histórica mais parece um passeio burocrático por um grande museu de cera, e quando envereda pelo lado intimista acaba soando excessivamente melodramático, carecendo de uma abordagem mais humana. No final das contas, o filme faz imaginar o que um cineasta como Spike Lee, autor mais raivoso politicamente e de maior criatividade estética que Daniels, faria com um material desses em suas mãos.

segunda-feira, dezembro 23, 2013

Thor: O mundo sombrio, de Alan Taylor **

Há um inegável mérito dessa continuação cinematográfica das aventuras do deus asgardiano: é melhor que o filme anterior dirigido por Kenneth Branagh. Mas também há de se convir que para isso não precisava muito, pois aquela produção de 2011 é disparado o ponto mais baixo dentro dos filmes produzidos pela própria Marvel a explorar às suas vastas franquias nos quadrinhos. O que prejudica “Thor: O mundo sombrio” (2013) é a sua formatação equivocada: apesar da trama evocar mitologias diversas e conter os seus momentos de aventura, o que se tem em essência é uma comédia romântica, protagonizada pelo deus do trovão (Chris Hemsworth) e a mocinha cientista Jane Foster (Natalie Portman). Assim, dá-lhe cenas com piadinhas infames e Jane sendo salva de enrascadas pelo seu amado imortal. Se a Meg Ryan fosse mais novinha, aí está um papel que lhe cairia como uma luva. É claro que a obra apresenta os habituais competentes efeitos especiais e algumas sequências de ação movimentadas, mas sempre com um caráter bastante derivativo (algumas cenas, por exemplo, parecem chupadas diretamente da franquia “Star Wars”). Assim, o que resta é esperar a sequência de “Os vingadores” para ver o deus nórdico sendo melhor aproveitado.

sexta-feira, dezembro 20, 2013

O tempo e o vento, de Jayme Monjardim ½ (meia estrela)


A intenção de Jayme Monjardim nesta versão cinematográfica da obra literária clássica de Érico Veríssimo é clara: transformar a saga dos Terra e dos Cambará numa grande história de amor para que o apelo seja mais universal. O resultado final é equivocado e simplório – Veríssimo deve estar rolando na tumba ao ver o épico que levou tanto tempo escrevendo transformado em novela mexicana. Sim, porque nem novela brasileira atual tem uma formatação tão quadrada e ingênua quanto “O tempo e o vento” (2012). O roteiro quer condensar num filme de pouco mais de duas horas uma história que se desenvolveu em três livros, o que faz com que não haja uma personagem sequer que tenha uma caracterização dramática decente, além das situações do livro sejam recriadas de forma superficial. O tratamento formal proposto por Monjardim também não colabora: além do excesso de closes (nefasta herança televisiva), a maior noção estética do filme é a de inúmeros enquadramentos assépticos dos pampas, dando ao filme uma incômoda e constante sensação de “cinema cartão postal”. E para coroar a extensa lista de deméritos, colocar a inexpressiva Cléo Pires num papel chave como Ana Terra só evidencia que o filme está mais preocupado em cativar as platéias das telenovelas do que em entregar alguma contribuição artística.

quinta-feira, dezembro 19, 2013

Serra Pelada - A lenda da montanha de ouro, de Victor Lopes ***


Muito mais do que didático no campo da História, “Serra Pelada – A lenda da montanha de ouro” (2013) é também a radiografia de uma geração e também da alma brasileira. É claro que o foco maior está na corrida do ouro que se deflagrou naquela região, cujo auge da febre foi nos primeiros anos da década de 1980. Em torno de tal fato, entretanto, circulam uma ciranda de outras questões e também de pequenos dramas humanos, o que acaba compondo um amplo e complexo panorama social e político. Contando-se a história de Serra Pelada, conta-se também parte da trajetória da ditadura militar no Brasil (indo desde a repressão à guerrilha do Araguaia, que ficava perto da região, até as políticas econômicas do governo ditatorial). O filme avança sobre os anos seguintes da democracia (que corresponde ao escasseamento do ouro em Serra Pelada), refletindo alguns dos principais dilemas do Brasil contemporâneo como as desigualdades sociais e a falta de uma política agrária decente (tanto que no famigerado massacre de Carajás, havia a presença entre os mortos e feridos de ex-garimpeiros). O diretor Victor Lopes faz uma eficiente combinação na abordagem, mostrando tanto alguns expressivos dramas pessoais como uma visão mais universal das medidas governamentais adotadas para a região, fazendo com que o conteúdo intimista mantenha uma relação intrínseca com a abordagem social dos fatos. O resultado dessa união de diferentes perspectivas (individual e coletiva) é uma obra contundente na forma sem concessões com que registra um período conturbado e pleno de nuances na História nacional.

quarta-feira, dezembro 18, 2013

Jardim Atlântico, de Jura Capela **



É normal que possa haver expectativa em relação a “Jardim Atlântico” (2012). Afinal, nos últimos anos têm aparecido muitas produções notáveis realizadas em Pernambuco, estado onde o filme foi produzido. Mesmo suas concepções artísticas são bastante promissoras – uma mistura de drama delirante com musical. Aliás, no quesito de música, a produção também chama atenção por contar com alguns talentos expressivos da cena contemporânea brasileira como Céu, Guizado, Pupilo e Lirinha. Em algumas cenas isoladas, essas promessas até se cumprem, principalmente pela combinação de delírio, barroquismo, hedonismo e música. Como narrativa, entretanto, “Jardim Atlântico” acaba se perdendo. Há um excesso de referências e idéias que faz com que o ritmo do filme seja pouco orgânico. Mesmo que haja um cuidado estético na simbologia da trama, a condução trôpega da direção de Jura Capela leva ao aborrecimento.

terça-feira, dezembro 17, 2013

Nove crônicas para um coração aos berros, de Gustavo Falcão **


Dá para perceber as boas ideias e intenções do diretor Gustavo Falcão em “Nove crônicas para um coração aos berros” (2012). No meio de uma narrativa mosaico, o filme utiliza tanto a narrativa seca e realista a retratar um cotidiano cinzento quanto uma abordagem delirante que reflete o desejo de fuga dos personagens de uma rotina que os sufocas. A temática e a estética propostas por Falcão buscam uma visceralidade e também são reflexos de um inconformismo artístico com os pressupostos dos vigentes comercialismo e assepsia de boa parte do cinema brasileiro contemporâneo. O resultado final, entretanto, passa longe de tal pretensão. Há aridez criativa na sua encenação, na fotografia e na edição – tudo é realizado com competência, mas em nenhum momento arrebata. A produção, em sua obsessão de fazer um registro do tédio e da falta de perspectivas na sociedade, acaba aborrecendo por não saber transcender no seu formalismo estéril.

segunda-feira, dezembro 16, 2013

O último magnata, de Elia Kazan ****



O diretor Elia Kazan não tinha apenas boa mão para o cinema. Era também homem de teatro, com experiência e talento para extrair de forma minuciosa boa parte das nuances dos textos de dramaturgos e escritores. Assim, não é surpresa que essa sua versão cinematográfica para “O último magnata” (1976) capte com rara fidelidade a atmosfera cínica e desiludida inerente à obra de F. Scott Fitzgerald. O registro de tom seco e sóbrio e a abordagem de distanciamento emocional compõem uma narrativa crepuscular, perfeitamente adequada para retratar a fogueira de vaidades e ilusões perdidas da década de 1930. Tudo nas escolhas estéticas de Kazan revelam precisão formal e contenção dramática, mais ainda até em que outras de suas produções de décadas anteriores. De certa forma, é como se a liberdade e ousadia criativas que marcaram o cinema da década de 1970 o tivessem influenciado na depuração do seu estilo. Até mesmo o elenco é um reflexo dessa confluência geracional: veteranos como Robert Mitchun e Tony Curtis convivem com astros então em ascensão como Robert De Niro e Jack Nicholson.

sexta-feira, dezembro 13, 2013

Precauções diante de uma prostituta santa, de Rainer Werner Fassbinder ****


O gênero do “filme dentro do filme” tem vários exemplares dentro da história do cinema. Geralmente, tais obras enveredam pelo caminho de ser uma declaração de amor ao ator de fazer um filme. Nas mãos perversas do diretor alemão Rainer Werner Fassbinder, entretanto, a visão sobre a realização de uma obra cinematográfica ganha contornos mais perturbadores e imprevisíveis. “Precauções diante de uma prostituta santa” (1971) é uma produção ficcional que tem como trama os conturbados bastidores de uma filmagem. É muito provável que Fassbinder tenha se baseado em suas experiências pessoais na área, pois estão lá vários elementos que compõem o imaginário sobre o universo do cineasta em questão: um diretor temperamental e megalomaníaco, um elenco de atores repleto de instabilidades e inseguranças. Como é típico na sua filmografia, Fassbinder carrega numa atmosfera seca e de distanciamento emocional, além da carga antinaturalista das atuações. O fato de “Precauções...” versar sobre o cinema como temática principal faz com que seja um dos filmes de Fassbinder em que a estilização e o virtuosismo cinematográfico mais se evidenciem – há planos-sequência de execução milimétrica e de função narrativa notável, além de um senso de composição de cena fenomenal. O senso de contradição entre forma e conteúdo é espetacular: se na trama prevalece o caos no ambiente de filmagem, na formatação de “Precauções...” Fassbinder conduz a narrativa com extremos precisão e rigor.

quinta-feira, dezembro 12, 2013

O batuque dos astros, de Julio Bressane ***



Tentar definir “O batuque dos astros” (2012) como um “documentário sobre Fernando Pessoa” pode aparentemente facilitar a tarefa de analisar o filme ou até mesmo fazer uma sinopse, mas acaba sendo também muito impreciso. É claro que a obra nasce como um tributo do diretor Julio Bressane ao poeta português. Ao longo da narrativa, entretanto, o cineasta envereda por um caminho mais amplo. É como se ele procurasse traduzir o imaginário que envolve o poeta em forma de imagens e sons. Ou seja, formata-se aquilo que é texto num cinema quase que puramente sensorial. Bressane quer deixar claro para o espectador que o que está em foco é a sua visão particular sobre Pessoa, e dessa forma coloca na tela elementos pessoais, fazendo com que a produção se apresente como um universo paralelo, em que os mundos do cineasta e o de seu homenageado se encontram e formam uma síntese desconcertante e com alguns estranhos encantos.

quarta-feira, dezembro 11, 2013

Diana, de Oliver Hirschbiegel *


O diretor alemão Oliver Hirschbiegel parece ter um gosto especial para filmes de caráter histórico. Se em “A queda – As últimas horas de Hitler” (2004) ele enveredava por um marcante registro objetivo e seco, em “Diana” (2013) utiliza uma abordagem sentimental e exagerada e acaba caindo numa comicidade involuntária. Sua encenação é artificiosa e sem convicção, fazendo o filme parecer um verdadeiro novelão mexicano, assim como a sutileza parece ter passado longe da produção (sério, mas cada vez que Diana aparece todos os que estão em cena ficam com a cara aparvalhada, como se estivessem vendo uma aparição). Por mais que o roteiro seja baseado em fatos reais, a caracterização de situações e personagens é caricatural. O drama da protagonista é mostrado como um melancólico conto de fadas, em que Diana (Naomi Watts) é a pobre e boa mocinha plebéia que foi enredada nas intrigas de um mundo insensível, não havendo espaço para se explorar as contradições da figura da princesa. E a essa altura do campeonato não dá para levar a sério uma obra cujo mote principal da trama é tratar de uma história de amor “impossível” em pleno século XX cuja motivação chega a ser risível: o amado da protagonista é um médico paquistanês (Naveen Andrews) culto, bem sucedido e cosmopolita que não pode namorá-la porque a família dele não consente na união. E tudo isso embalado por um tratamento formal estilo “cartão postal”. É claro que essa abordagem pode garantir a simpatia e as lágrimas de algumas respeitáveis senhoras, mas também torna “Diana” uma produção medíocre como arte e equivocada e simplória como registro humano e histórico de sua personagem principal.

terça-feira, dezembro 10, 2013

Uma primavera com minha mãe, de Stéphane Brizé ***


O diretor francês parece ter uma queda pelo gênero melodrama. Depois de “Mademoiselle Chambon” (2009), obra que tinha por trama o inviável amor entre um rude homem casado e a professora de seu filho, ele agora envereda em “Uma primavera com minha mãe” (2012) pela história da difícil convivência entre um taciturno e temperamental ex-presidiário (Vincent Lindon) e sua mãe (Helène Vincent), uma doente terminal. É claro que com uma história como essa, é previsível que haverá as inevitáveis brigas, sentimentos de culpa, redenção e reconciliação. O grande diferencial do filme, entretanto, assim como em “Mademoiselle Chambon”, está no tratamento sóbrio de sua encenação. Brizé não cai nos clichês inerentes ao gênero, não havendo aqui música ostensiva melosa ou outros truques manipuladores. O cineasta prefere realçar mais os silêncios, a dureza emocional dos personagens, o tom seco da narrativa, permitindo-se ainda tratar com sutileza e contundência o tema espinhoso da eutanásia. Dessa forma, há uma economia nos momentos “chorosos”, mas quando eles aparecem é com forte impacto. Para sublinhar esse estilo de poucas concessões de Brizé, há uma trilha sonora de belos tons melancólicos, cortesia da afiada dupla Nick Cave e Warren Ellis (que cada vez mais se mostra especialista nessa arte, conforme esse e outros brilhantes trabalhos como “O assassinato de Jesse James pelo covarde Robert Ford” e “Os infratores”).

segunda-feira, dezembro 09, 2013

À procura do destino, de Robert Mulligan ***


Em seus melhores filmes, como “O sol é para todos” (1962) e “O verão de 42” (1971), o diretor Robert Mulligan atingia um equilíbrio notável entre o sentimentalismo e a sobriedade narrativa. Ou seja, o cineasta não dispensava a emoção, mas também resguardava uma certa aspereza, fazendo com que as referidas produções tivessem um marcante tom acre-doce (de certa forma, lembra muito o cinema que Hal Ashby praticou nos anos 70). “À procurado de destino” (1965) mantém essa pegada, ainda que não tenha uma narrativa tão precisa quanto as obras mencionadas anteriormente. Ao narrar a trajetória de ascensão, apogeu e queda de uma rude atriz/cantora (Natalie Wood) na Hollywood dos anos 30, Mulligan pretende estabelecer um panorama crítico das ambições e insensibilidade dos grandes estúdios e produtores da época. Esse retrato, entretanto, acaba esmaecido por vezes pelo excessivo traço melodramático do roteiro e mesmo em algumas exageradas composições dramáticas das interpretações de parte do elenco (nesse sentido, um Robert Redford em início de carreira acaba se destacando por uma atuação mais contida). Apesar de tais equívocos, “À procura do destino” é um trabalho memorável de Mulligan por apresentar a sua habitual elegância formal e no retrato humano e amargo que faz do star system da primeira metade do século XX.

quinta-feira, dezembro 05, 2013

Os suspeitos, de Denis Vileneuve ***


A indecisão de abordagem do diretor Denis Vileneuve em “Os suspeitos” (2013) faz com que a produção pareça se dividir em dois filmes distintos. Na primeira metade da trama, a narrativa tem uma ambiguidade perturbadora. O tom da narrativa é seco e sóbrio, fruto de uma edição clássica e de uma fotografia sombria que captura com notável precisão a melancolia dos cenários. A trama se centra no desaparecimento de duas meninas numa cidade do interior dos Estados Unidos, com o roteiro se concentrando mais nos efeitos psicológicos que o fato desencadeia em suas famílias e na comunidade do que propriamente nas causas do sumiço delas. Vileneuve constrói uma atmosfera inquietante, em que as atitudes justiceiras do pai de uma das garotas (Hugh Jackman) carregam o peso da dúvida – será que o que ele está fazendo é certo? Será que o estranho rapaz que ele captura e tortura (Paul Dano) é realmente o culpado? É como se Vileneuve dissesse que mais importante que as razões do desaparecimento das garotas seriam as consequências de tal fato. Nesse sentido, “Os suspeitos” faz lembrar obras notáveis que adotaram esse tipo de proposta temática e estética, como “Memórias de um assassino” (2003) e “Zodíaco” (2007). Ocorre, entretanto, que na segunda metade do filme o direcionamento muda radicalmente. Dá a impressão que alguém notou que o estilo adotado estava sendo pouco comercial e acessível para as grandes platéias e daí se resolvesse fazer um filme de suspense nos padrões mais convencionais do gênero. O roteiro lança explicações muito fuleiras e previsíveis para os mistérios da trama, e toda aquela instigante aura de ambigüidade de “Os suspeitos” se esvanece. Vileneuve ainda consegue preservar uma certa classe formal, mas a conclusão decepciona pelo seu tom derivativo e por colocar por terra tudo aquilo que havia de promissor na sua primeira parte.

quarta-feira, dezembro 04, 2013

Kick-Ass 2, de Jeff Wadlow **


As expectativas, pelo menos as minhas, eram bastante altas para “Kick-Ass 2” (2013). O primeiro filme é extraordinário, além do fato de que os quadrinhos originais nas quais essa continuação se baseou (a minissérie homônima e “Hit-Girl”) serem excelentes. O resultado final, entretanto, é bastante frustrante. Talvez o que tenha mais pesado para que isso ocorresse foi a troca de diretor: Jeff Wadlow não chega aos pés de Matthew Vaughan. O filme não é muito fiel aos quadrinhos, sendo que há muitas simplificações no roteiro, além da conclusão destoar bastante da essência das HQs originais – isso sem falar que o fato dos atores terem envelhecido tira um pouco do encanto doentio da produção (afinal, não se trata mais de adolescentes com cara de anjo bancando psicopatas e sociopatas). Mas o que incomoda mesmo no filme é a incapacidade de Wadlow em dar uma ambiência mais alucinada e irônica típica dos comics nos quais se baseou, além da sua encenação ser pouca criativa e ousada. Sai aquele insólito tom cartunesco e fica uma obra de ação burocrática. Não dá nem muita vontade de ver uma terceira parte e confirma que 2013 não está sendo um bom ano para as adaptações de quadrinhos (vide também o horroroso “O homem de aço” e os inócuos “Homem de Ferro 3” e “Thor 2”).

terça-feira, dezembro 03, 2013

Serra Pelada, de Heitor Dhalia **1/2


O recurso utilizado pelo diretor Heitor Dhalia para formatar a narrativa em “Serra Pelada” (2012) até que é uma boa sacada, a princípio. A partir de uma trama ficcional, o filme combina referências históricas com uma estrutura dramática que remete a gêneros clássicos como faroeste e policial – nesse último caso, aos moldes de filmes de gângsteres. Essa opção reflete o desejo de tornar a obra mais universal na sua aceitação em detrimento da produção enveredar por caminhos mais políticos ou de questionamentos sociais. Assim, a história da trajetória fulminante do garimpeiro Juliano (Juliano Cazarré) lembra bastante a narrativa de ascensão, apogeu e queda do bandido Tony Montana (Al Pacino) em “Scarface” (1983), obra-prima de Brian De Palma. O filme até envolve em determinados momentos, gerando alguma tensão (ao contrário do trabalho anterior de Dhalia, o pretensioso e sonolento “À deriva”). Seu problema, entretanto, é que a sua formatação acaba sendo uma camisa-de-força criativa, fazendo com que no final das contas o filme soe mecânico e superficial demais. Isso sem contar que Dhalia está muito longe de ter o mesmo senso estético de De Palma e nem Cazarré chega perto dos recursos dramáticos de Pacino.

segunda-feira, dezembro 02, 2013

The rep, de Morgan White **1/2


A trama base do documentário “The rep” (2012) se refere à história de três amigos geeks e ingênuos que passam a administrar uma sala de cinema “de repertório” em Toronto – trata-se daqueles espaços dedicados a exibir filmes de acordo com determinadas temáticas, num caráter mais cultural e educativo, na contramão do circuito comercial normal. A falta de experiência deles e o desinteresse dos espectadores em geral fazem com que o cinema em questão feche as portas em pouco mais de um ano de atividades. Ao mesmo tempo, o diretor Morgan White traça a situação decadente desses tipos de sala no Canadá e nos Estados Unidos. Por um lado, o documentário é interessante por mostrar como essa situação reflete a atual conjuntura da própria indústria do cinema diante das mais recentes tecnologias e mudanças comportamentais (pirataria, Internet, DVD), evidenciando que a alteração da perspectiva sobre um cinema de conteúdo mais cultural e artístico na realidade também entra em conflito com os próprios valores da sociedade contemporânea. “The rep”, entretanto, peca por sua condução formal pouco imaginativa, o que acaba gerando uma narrativa cansativa em alguns momentos. E mesmo a temática, que seria o seu grande atrativo, por vezes cai no enfadonho pelo tom melancólico e excessivamente nostálgico. Há vários depoimentos lamentosos que basicamente dizem a mesma coisa, sendo que poucas vezes se discute cinema em termos estéticos e de conteúdo – faz parecer que esse tipo de cinema fora do convencional é coisa de nerds auto-indulgentes e solitários. Mas talvez o sentimentalismo em demasia da produção seja um reflexo dos motivos que levaram ao fechamento boa parte dessas salas “de repertório”.

sexta-feira, novembro 29, 2013

Lost in La Mancha, de Keith Fulton e Louis Pepe ***1/2


Raras obras foram tão reveladoras dos bastidores da indústria cinematográfica quanto “Lost in La Mancha” (2012). E também da própria paixão pelo cinema. A intenção dos diretores Keith Fulton e Louis Pepe era fazer o registro das filmagens da versão para as telas do clássico literário “Dom Quixote” pela ótica muito particular do cineasta Terry Gillian. Acabaram, entretanto, documentando as etapas que levaram a produção em questão ao fracasso de não se realizar. Apesar do conteúdo melancólico de sua história, “Lost in La Mancha” empolga pela dimensão épica e trágica do calvário de Gillian para colocar em ação aquilo que habitava o seu imaginário. Por vezes, pode-se ver o que o filme poderia ter sido caso tivesse se efetivado, principalmente nas seqüências em que Gillian utiliza alguns nativos da região onde filma como gigantes. E isso acentua ainda mais a frustração tanto do diretor quanto dos apreciadores de cinema. Os empecilhos que surgem são de natureza diversa: uma tempestade que destrói um set de filmagens, atrasos na chegada de membros do elenco, falta de dinheiro, logística que se mostra insuficiente, o ator principal que acaba ficando doente gravemente. Aqueles que acham que fazer um filme se limita a inspiração e questões artísticas terão uma dura desilusão, pois “Lost in la mancha” evidencia que questões administrativas se mostram tão vitais para uma obra cinematográfica quanto a criatividade de um diretor.

quinta-feira, novembro 28, 2013

O planeta dos vampiros, de Mario Bava ***


É inegável que “O planeta dos vampiros” (1965) pareça bastante datado para os dias de hoje. É uma obra que transita entre o horror e a ficção científica, mas que se mostra incapaz de gerar tensão ou medo para as platéias contemporâneas, ao contrário de outros trabalhos do diretor italiano que até hoje mantém o poder perturbador e inquietante como “Kill, Baby, Kill” (1966) e “Lisa e o demônio” (1973). O que mantém o interesse de “O planeta dos vampiros” é a sua construção visual. A partir de recursos típicos de filmes B, a produção é marcante pelas atmosferas góticas e pela fotografia de tons pictóricos, que geram um estranho encanto estético, e que faz até pensar se Ridley Scott não utilizou a obra em questão como referência formal na concepção do extraordinário “Prometheus” (2012).

quarta-feira, novembro 27, 2013

Gravidade, de Alfonso Cuarón ***1/2


Boa parte dos comentários que foram feitos em relação à “Gravidade” (2013) faz supor que o filme representa para a ficção científica deste século o que “2011 – Uma odisséia no espaço” (1968) representou para o gênero no século passado. É claro que se trata de um grande exagero. As propostas de tais produções são bem diferentes entre si. A referida obra dirigida por Stanley Kubrick era um drama espacial de cunho existencial e filosófico, enquanto o filme concebido pelo diretor mexicano Alfonso Cuarón se enquadra, em essência, entre a ficção científica e a aventura, com toques de melodrama. A propensão para o escapismo, entretanto, não constitui demérito para “Gravidade”. No campo sensorial, trata-se realmente de um trabalho de peso: a beleza gráfica da criativa direção de fotografia (que varia com elegância e ousadia entre movimentos “gravidade zero” e momentos de pura contemplação) e dos efeitos especiais parecem jogar o espectador no meio do espaço sideral, representando um novo estágio técnico e artístico para o gênero e mostrando que realismo e diversão podem conviver sem problemas. Por outro lado, a narrativa emperra em alguns momentos, pois a trama pedia uma abordagem mais naturalista e por vezes as coisas caem para um misto de intimismo lacrimoso e épico excessivo. Numa trama que se baseia em uma astronauta que se encontra à deriva no espaço, há diálogos e música demais. Faz imaginar que o estilo mais seco e objetivo de um Herzog seria mais adequado. Mesmo com essas ressalvas, “Gravidade” é uma obra memorável e que traz de bônus o indiscutível mérito de Cuarón em ter extraído uma interpretação bastante expressiva de Sandra Bullock.

terça-feira, novembro 26, 2013

O capital, de Costa-Gavras ***1/2


Os admiradores mais radicais do diretor grego Costa-Gavras podem considerar sua obra mais recente, “O capital” (2012), um tanto convencional. Na verdade, desde os anos 80 os filmes do cineasta passam por uma espécie de suavização. Isso, claro, se compararmos tais obras com aquelas produções clássicas setentistas que ele dirigiu como “Z”, “Estado de sítio” e “Sessão especial de justiça”, em que combinava temática política com um formalismo seco, beirando o estilo documental. Mas mesmo dentro de uma abordagem mais tradicional Costa-Gavras consegue se mostrar acima da média. “O capital” se formata como um thriller de suspense tendo como trama intrigas no mundo corporativo dos grandes bancos mundiais. O assunto do roteiro, assim, é bastante oportuno, afinal se relaciona com um dos grandes temas contemporâneos, a crise econômica mundial que predomina desde 2080 até os dias de hoje. Não há a pretensão de se fazer explicações sobre as causas de tal crise, com a história tendo mais uma função simbólica sobre os valores e interesses de uma sociedade marcada pela ganância e ascensão econômica. Costa-Gavras trabalha com boa parte dos clichês do gênero thriller, com direito a viradas inesperadas na trama (que na realidade nem são tão surpreendentes assim), trabalhando tais obviedades, entretanto, com ironia e precisão estética. Assim, mesmo dentro de uma confortável maturidade artística, o cineasta mostra que ainda tem lenha para queimar.

segunda-feira, novembro 25, 2013

Por que você partiu?, de Eric Belhassen **1/2


A proposta artística do documentário “Por que você partiu?” (2012) é interessante e tem algo de original – a trama trata das trajetórias pessoais e profissionais de sete chefs de cozinha franceses que se estabeleceram no Brasil, servindo tanto quanto um panorama social sobre a atividade de profissional culinário estrangeiro num país como o nosso quanto o retrato intimista desses seres “exilados”. A partir disso, o próprio diretor Eric Belhassen, um francês radicado em terras brasileiras, faz uma espécie de acerto de contas sentimental com a família e o passado para tentar entender o motivo pelo qual deixou o seu país e se estabeleceu por aqui. O tratamento formal da produção não tem muita criatividade formal, estando distante do interesse que a originalidade de sua temática desperta, mas o documentário não deixa de ser uma obra curiosa e com alguns momentos memoráveis. As figuras dos cozinheiros são marcantes e cada um deles apresenta peculiaridades comportamentais e históricos pessoais diferenciados, o que ajuda a compor um mosaico amplo. E por mais que a função do cinema não seja a de ser meramente informativo, não deixa de ser uma qualidade do filme o seu caráter didático no sentido de mostrar como funciona pelo menos parte dos mecanismos de ascensão da alta culinária no Brasil.

sexta-feira, novembro 22, 2013

Rebobine isso!, de Josh Joshson **1/2


A temática de “Rebobine isso!” (2013) é bastante curiosa: a trajetória histórica do VHS. Em meio a tantas notícias atuais envolvendo novas tecnologias para ver filme, tal assunto, em um primeiro momento, pode beirar o anacronismo. Isso sem contar que em termos formais o documentário em questão deixa a desejar: não há praticamente ousadias estéticas e por vezes a produção se perde como narrativa, enfatizando longos depoimentos de alguns entrevistados que beiram o desinteressante. A obra, entretanto, acaba gerando empatia por alguns detalhes bastante particulares. Primeiramente por uma questão nostálgica: vários cinéfilos na faixa dos 30 a 40 anos (inclusive este que vos escreve) desenvolveram o seu gosto por filmes através de várias sessões com fitas VSH na sua juventude. Tal formato também se vinculou a determinados gêneros de filmes, como produções baratas e/ou obscuras de ficção científica, horror, fantasia, ação e até artes marciais. Assim, é inegável que uma certa aura de magia envolva as recordações sobre o período em que as fitas estiveram no auge de uso e popularidade. Nesse sentido, “Rebobine isso!” consegue estabelecer um interessante painel de fãs e profissionais do cinema que tiveram uma ligação muito forte com o mercado dos VHS. Além disso, o documentário extrapola o mero interesse sentimental sobre o assunto, conseguindo contextualizar a importância da tecnologia junto à própria indústria do cinema da época, bem como estabelece a comparação entre a decadência e fim inexoráveis do VHS com os atuais preceitos comerciais e administrativos da referida indústria. No final das contas, ao falar sobre um passado nem tão distante, “Robobine isso!” se torna bastante emblemático dos tempos atuais.

quinta-feira, novembro 21, 2013

É o fim, de Seth Rogen e Evan Goldberg ***1/2


Seth Rogen é um cara esperto. Com freqüência, ele é acusado de sempre interpretar o mesmo tipo de papel, e de que os seus roteiros têm um conteúdo auto-referencial e machista. E daí o que ele decide fazer em sua estréia como diretor? Ora, ele simplesmente trabalha em cima de uma trama em que ele e seus melhores amigos-atores interpretam a si mesmo, fazendo com que tudo aquilo do qual lhe acusavam como defeito seja encarado como legítima matéria-prima para o seu filme. O resultado, entretanto, está longe do mero exercício de narcisismo. “É o fim” (2013) é uma explosiva mistura de metalinguagem e tiração de sarro. Em meio a um pastiche de roteiro de temática apocalíptica, Rogen, ao lado do codiretor Evan Goldberg, ironiza de forma ácida o meio artístico em que vive, pleno de hedonismo, megalomania e vazio existencial, mas fazendo questão de deixar claro que também brinca com o imaginário da platéia (afinal, quem nunca quis ter a vida de astro de Hollywood?). A caracterização do elenco que interpreta a si mesmo é caricatural, exagerada: Rogen e sua turma trabalham mais com a idéia a qual o público e imprensa fazem deles como pessoa do que com algum conceito da realidade de como eles são efetivamente em suas vidas particulares. Nessa onda, as citações e referências a outros filmes que eles tenham participado podem soar nerd ou geek, mas na realidade também dão à obra uma espécie de aura de crônica comportamental a refletir uma época específica. Além disso, Rogen e Goldberg encontram soluções formais inquietantes, em que o tom de filmagem caseira bem feita de algumas sequências se mostre em sintonia admirável com a ambientação de horror apocalípticos de outras cenas. Todos esses aspectos estéticos e temáticos dão a “É o fim” um caráter delirante, mas sem que o filme perca a sua noção de comédia popular. Tanto que a conclusão do filme, com os Backstreet Boys caracterizados como anjos e promovendo um tremendo baile no paraíso, reflete com precisão essa natureza híbrida, esquisita e divertida da obra.

quarta-feira, novembro 20, 2013

Mato sem cachorro, de Pedro Amorim **1/2

Enquadrado no gênero das comédias românticas, “Mato sem cachorro” (2013) por vezes envereda pelos equívocos comuns de tal tipo de filme. Por outro lado, é inegável que a produção traz uma tensão criativa ausente na grande maioria das obras cômicas brasileiras que tem aparecido nos cinemas, principalmente naquelas oriundas da Globo Filmes (por sinal, o filme em questão também tem essa origem). No meio dos quiproquós habituais, dá para sentir um olhar um pouco mais agudo sobre os relacionamentos amorosos. Os motivos que levam o casal Zoé (Leandra Leal) e Deco (Bruno Gagliasso) a se separar são bem humanos e pertinentes aos nossos tempos. Afinal, fala-se muito em comodismo, no desgaste natural do tempo, o que faz com que a obra ganhe uma empatia maior. Além disso, em algumas cenas, o diretor Pedro Amorim consegue integrar essa temática mais crua com a formatação cômica com alguma naturalidade. Também colabora o elenco: Gagliasso e Gabriela Duarte fogem daqueles registros insossos habituais da televisão e oferecem certa visceralidade em seus papéis, enquanto Leandra Leal mostra que é capaz de dar consistência e encanto para qualquer papel – sua presença cênica é simplesmente magnética.

terça-feira, novembro 19, 2013

A bela que dorme, de Marco Bellochio ***1/2


Depois do barroquismo arrojado de “Vincere” (2009) e da simplicidade tocante de “Irmãs jamais” (2010), o diretor italiano Marco Bellochio enveredou por caminhos mais tradicionais em “A bela que dorme” (2010). Dentro desse aparente convencionalismo, o cineasta engedra uma narrativa sóbria e elegante, que por vezes até resvala num tom de melodrama, e acaba criando um panorama bastante crítico da atual sociedade italiana. A eutanásia é o mote central da trama e a partir de tal assunto o filme se equilibra entre o intimismo e questionamentos sociais e políticos, sem soar necessariamente panfletário. Para Bellochio não interessa agitar uma bandeira, mas sim enfocar as contradições e dilemas de um país dividido por crenças religiosas e jogadas políticas. Se o filme não traz as ousadias formais de outras obras do diretor, por outro lado se torna memorável pela serena contundência de sua abordagem.

segunda-feira, novembro 18, 2013

O verão do Skylab, de Julie Delpy ****


As relações que se estabelecem entre “O verão do Skylab” (2011) com outras produções que estrearam em Porto Alegre em 2013 tanto podem parecer coincidências como também podem sugerir conseqüências naturais. No primeiro caso, não há como não lembrar do extraordinário “Depois de maio” (2012), que fazia um retrato poético e amargo dos primeiros anos após o conturbado maio de 1968 na França, enquanto o filme de Julie Delpy focaliza um dia na virada entre 1979 e 1980 e mostra ainda, através do microcosmo de uma reunião familiar, uma sociedade dividida entre aqueles impregnados por um ideário libertário e outros bastante críticos e conservadores sobre tais ideais. Já “Antes da meia-noite” (2013) mostrou muito da capacidade autoral de Julie Delpy, que além de atuar também colaborou de forma decisiva no roteiro. Tais referências enriquecem ainda mais a apreciação de “O verão do Skylab”, mas tal obra pode ser apreciada perfeitamente prescindindo de tais comparações. Trata-se de uma produção de admirável maturidade em sua concepção. Delpy se vale de uma premissa já utilizada várias vezes (a reunião familiar que oscila entre a diversão, a nostalgia e a ironia) e ainda assim entrega um filme vigoroso e arejado. O filme é divertido ao extremo mostrando as brincadeiras, piadas e brigas típicas nesse tipo de reunião, assim como traz a dose de certa de melancolia ao focalizar as ilusões perdidas de alguns personagens. E nesse conjunto de um drama familiar, apresenta com sutileza um subtexto de forte conteúdo político e social ao radiografar os valores e contradições da sociedade francesa. E é claro que não daria para esquecer o fenomenal trabalho de direção de elenco, com um destaque especial para a ala infanto-juvenil – Delpy se coloca com honras numa tradição do cinema francês de cineasta que retratam com doçura e contundência o universo de crianças e adolescente, vide obras como “Zero de comportamento” (1933), “Os incompreendidos” (1959) e “Ponette” (1996).

quinta-feira, novembro 14, 2013

Uma viagem com Martin Scorsese pelo cinema americano, de Martin Scorsese e Michael Henry Wilson ****

É claro que para muitos (inclusive esse que vos escreve) “Uma viagem com Martin Scorsese pelo cinema americano” (1995) cumpre uma espécie de função didática. Afinal, o documentário consegue ser bastante abrangente e aprofundado sobre a fascinante temática que aborda. Além disso, Scorsese e o co-diretor Michael Henry Wilson conseguem dar uma dinâmica diferenciada para a produção em termos de roteiro e edição. Colabora também a paixão e o conhecimento de causa que o genial cineasta norte-americano coloca em cada palavra nos seus depoimentos. Mas ainda mais interessante do que encarar o documentário como uma aula sobre a história do cinema norte-americano e ver como se ele se relaciona com a própria filmografia de Scorsese e a sua história pessoal. É como se em cada um dos filmes que ali são analisados pudéssemos ver fragmentos das inspirações e obsessões temáticas e formais que posteriormente compuseram alguns clássicos do cinema como “Caminhos perigosos” (1973), “O touro indomável” (1980), “A época da inocência” (1993) e “Os infiltrados” (2006). No final das contas, não deixa de ser uma viagem pela mente criativa de um dos maiores criadores da cinematografia contemporânea.

quarta-feira, novembro 13, 2013

Tá chovendo hamburguer 2, de Cody Cameron e Kris Pearn **1/2

Pode ser que para alguns o mote de “Ta chovendo hambúrguer 2” (2013), assim como na primeira parte, possa parecer um tanto cretino. Mas pense nessa premissa: numa ilha, alimentos ganham vida, tanto podendo ser novos tipos de vegetais quanto os mais esquisitos animais. Dependendo das cabeças criativas envolvidas, daria para criar um verdadeiro épico surrealista, algo na linha da versão genial da Disney para “Alice no país das maravilhas” (1951). O problema é que não era exatamente isso que os diretores Cody Cameron e Kris Pean pensaram para a animação em questão... A produção até encanta eventualmente pela sua beleza gráfica, por uma certa estilização que foge por vezes dos padrões habituais contemporâneos do gênero. Mas o que predomina é um convencionalismo incômodo. Por mais que as boas ideias apareçam aqui e ali, tudo acaba tendo se formatar para os limites restritivos típicos de uma obra infanto-juvenil vinda de um grande estúdio. E se até a outrora criativa Pixar vem padecendo de tais limitações, o que dirão os outros estúdios – claro que há as honrosas exceções, como demonstra o extraordinário “Detona Ralph” (2012).

terça-feira, novembro 12, 2013

Eu, Anna, de Barnaby Southcombe ***

Em termos de roteiro e narrativa, dá para dizer que o diretor Barnaby Southcombe navega em mares tranquilos e previsíveis em “Eu, Anna” (2011). É evidente também, entretanto, que faz isso com considerável elegância. Um dos pontos fortes do filme está na construção de atmosfera – por mais que se saiba que o mistério que envolve a figura da protagonista nem seja tão surpreendente assim, a tensão climática que envolve a trama chega a ser perturbadora na sua combinação de sensualidade, sordidez, culpa e expiação. Southcombe sabe alternar suspense sóbrio com momentos de violência gráfica impactante. O outro trunfo da produção está no seu par de atores principais, Charlotte Rampling e Gabriel Byrne, que com atuações calculadamente contidas se mostram em perfeita sintonia com a natural sutileza da obra.

quinta-feira, novembro 07, 2013

Cinemania, de Angela Christlieb e Stephen Kijak ****

O título desse documentário, sua sinopse e mesmo os primeiros momentos do filme podem fazer supor que se verá uma espécie de declaração de amor ao cinema, ou quem sabe haverá discussões e comentários interessantes sobre clássicas produções ou pérolas obscuras. Pois bem, “Cinemania” (2002) até tem um pouco disso tudo, mas na essência é algo como uma sombria e irônica crônica sobre desajustados e perturbados. Como o documentário se passa em Nova Iorque, dá para dizer que se trata do outro lado do american way of life. Em algumas oportunidades os cinéfilos focados são bem articulados em suas considerações, em outras nem tanto, mas o que fica em evidência na maioria das cenas é uma relação compulsiva com o ato de ver filmes. Quando eles falam sobre isso, pode-se perceber que raramente há uma efetiva reflexão sobre o que assistem nas telas, com os cinéfilos apenas enumerando produções, contando causos excêntricos sobre suas relações obsessivas com cinema. O que predomina no documentário são criaturas solitárias, tristes, por vezes engraçadas, em outras até assustadoras. E os diretores Angela Christlieb e Stephen Kijak não se limitam a apenas colher depoimentos reveladores – eles têm senso cinematográfico notável nos registros ambientais que fazem, tanto das residências sujas e repletas de quinquilharias dos seus protagonistas como deles se movendo em seu “habitat natural” (no caso, salas de cinema). 

quarta-feira, novembro 06, 2013

CQ, de Roman Coppola ***

Tanto atuando roteirista como cineasta, Roman Coppola pauta sua carreira cinematográfica pela ironia, por um certo distanciamento emocional e pelo culto a estilização formal. “CQ” (2001) é um exemplar bem acabado dessas suas obsessões artísticas. Tendo por trama as desventuras de um norte-americano que vive na mítica Paris de 1969 e pretende ser um cineasta autoral reconhecido, Roman encontra o pretexto ideal para homenagear algumas de suas fontes inspiradoras: o existencialismo, a estética pop art de “Barbarella”, a Nouvelle Vague. Enfim, um culto tanto a ver filmes como a fazer filmes. Às vezes pode parecer meio superficial e sem densidade dramática, mas é inegável que em outras oportunidades essa viagem nostálgica de Roman gera sequências de forte encanto visual. 

terça-feira, novembro 05, 2013

Vivendo no abandono, de Tom DiCillo ***

Na história do cinema, há filmes que por seus méritos artísticos não chamam tanto a atenção, mas que com o tempo acabam ganhando um status diferente por serem emblemáticos de uma época. “Vivendo no abandono” (1995) é um bom exemplo desse tipo de produção, pois acaba sendo um retrato bastante fiel de uma época muito fervilhante para o cinema independente norte-americano (no presente caso, a década de 90). Tanto que a trama ficcional da obra versa justamente sobre a conturbada realização de um filme de baixo orçamento. O roteiro traz até citações e referências a nomes expressivos da cinematografia dos EUA na época, indo de piadas sobre Quentin Tarantino e chegando numa formatação narrativa que evoca algo do surrealismo particular de David Lynch (aliás, tem até uma tiração de sarro explícita com a célebre sequência de sonho com um anão de “Twin Peaks”). Isso sem contar que encabeça o elenco um ator que foi chave para esse tipo de cinema praticado na época, o excelente Steve Buscemi. Cabe ressaltar, entretanto, que “Vivendo no abandono” não se limita apenas a citações e piadinhas. O diretor Tom DiCillo consegue dar unidade para esse mar de referências, tendo como resultado final uma obra que se mostra uma sardônica e singular declaração de amor às agruras e delícias de se fazer um filme.

segunda-feira, novembro 04, 2013

R.I.P.D. - Agentes do além, de Robert Schwentke *1/2

É claro que não dá para condenar um filme simplesmente por ele ser genérico. Há várias obras que abusam dos clichês e mesmo assim impactam positivamente pela competência e vigor da sua realização. Bem, esse não é o caso de “R.I.P.D. – Agentes do além” (2013). O filme é uma colcha de retalho mal-costurada de lugares comuns e chupações descaradas. Dá para dizer que basicamente se trata de uma mistura indigesta entre “Homens de preto” (1997) e “Ghost – Do outro lado da vida” (1990). Mas o negócio não vinga não por uma falta de originalidade, mas sim pela flagrante incapacidade do diretor Robert Schwentke em criar uma narrativa envolvente ou pelo menos algumas sequências de efetiva tensão, predominando uma encenação desprovida de qualquer vigor. O filme tem alguns efeitos especiais interessantes, além de contar no elenco com os carismáticos Jeff Bridges e Kevin Bacon (apesar do espectador se indagar de forma constante por que eles se meteram nessa presepada), mas é muito pouco para compensar os vários equívocos que apresenta. Pelo menos, serve para confirmar que Schwentke é um cineasta que não tem salvação mesmo – afinal, é o mesmo cara que concebeu outros abacaxis como “Plano de vôo” (2004) e “Red – Aposentados e perigosos” (2013).