sexta-feira, fevereiro 27, 2015

Será que?, de Michael Dowse *


Parece o tipo de filme que é o sonho de todo jovem hipster: a soma da pretensa visão mais crua e adulta sobre relacionamentos amorosos de “500 dias com ela” (2009) com a linguagem formal moderna e as diversas referências à cultura pop de “Scott Pilgrim contra o mundo” (2010). O resultado final de tal equação em “Será que?” (2013), entretanto, é indigesto. O diretor Michael Dowse passa longe da mesma inspiração criativa dos filmes mencionados, fazendo uma comediazinha romântica bem qualquer. Dowse se limita a reunir de forma burocrática todos os clichês formais e temáticos possíveis das produções no estilo “boy meets girl”, procurando dar uma enganada com cansativos diálogos engraçadinhos bestas metidos à inteligente e um elenco mais desglamorizado na caracterização. Nada contra o gênero que o filme milita, afinal tanta coisa boa já se fez nessa linhagem de produções (é só lembrar alguns trabalhos clássicos de John Hughes nos anos 80). O problema de “Será que?” é que falta convicção e tensão na sua encenação. Não basta ter Daniel Radcliffe com um eterno ar aparvalhado e umas piadinhas “inteligentes” e achar que isso é um atestado de contemporaneidade e relevância.

quinta-feira, fevereiro 26, 2015

O último concerto, de Yaron Zilberman **


Há um conflito interessante dentro da trama de “O último concerto” (2012) – numa discussão entre o primeiro violinista Daniel (Mark Ivanir) e o segundo violinista Robert (Phillip Seymour Hoffman), este último questiona o procedimento de se fazer, por parte do quarteto de cordas ao qual pertencem, interpretações rígidas com base em partituras marcadas de uma determinada obra de Beethoven. Robert defende uma abordagem mais livre e espontânea na interpretação do quarteto ao invés de previsibilidade e assepsia confortáveis ao qual o grupo se acostumou. Tal conflito ganha um caráter simbólico diante das agruras que cada um dos membros do quarteto sofrem em suas vidas pessoais. Se essa premissa temática parece ambiciosa e promissora, o resultado final se revela bem distante de tais expectativas. A abordagem do diretor Yaron Zilberman se mostra mais em sintonia com aquilo que o personagem Daniel deseja para a sua arte, ou seja, eficiente no seu formalismo correto, mas sem grandes arroubos criativos e de uma estética fria e despersonalizada. Mesmo o aparente cerebralismo e elegância de sua condução narrativa e concepção visual na realidade escondem simplificações e soluções superficiais para os dilemas mais complexos do roteiro. Diante de tais equívocos, faz pensar que o próprio Zilberman não entendeu direito o sentido de algumas das sutilezas da trama de “O último concerto”.

quarta-feira, fevereiro 25, 2015

Sniper americano, de Clint Eastwood ****


Em uma das primeiras cenas de “Sniper americano” (2014), o protagonista Chris Kyle aparece em uma floresta ainda criança em sua primeira caçada ao lado do pai. Já mais para o final, o personagem, já adulto, surge na mesma floresta ensinando o seu filho a caçar. O contraponto entre tais momentos não é gratuito – esse recurso narrativo evidencia a sobriedade e sutileza de Clint Eastwood em sua abordagem de uma temática tão espinhosa e polêmica que é a história real do principal atirador de elite do exército norte-americano na última invasão ao Iraque (com maior enforque, é claro, no período em que Kyle participou do conflito). A narrativa parece se dividir em dois gêneros distintos: por um lado é um drama intimista ao expor os dilemas pessoais do protagonista diante da família e sociedade devido à natureza do seu trabalho; por outro, é um brutal filme de guerra, retratando com realismo e notável virtuosismo formal violentas e tensas sequências de ação. Um dos grandes méritos artísticos de Eastwood é saber conciliar com naturalidade e precisão essas faces diferentes do mesmo filme, fazendo com que a ligação entre elas seja intrínseca. Para isso, o diretor se vale de recursos estéticos eficientes e que fogem de obviedades banais, em que soluções fáceis como registro visual épico ou temas musicais grandiosos são dispensados em prol de um estilo conciso de filmar e editar. O resultado de tais opções tem um impacto mais perene e perturbador que a grande maioria do que se faz no gênero atualmente. A brutalidade sanguinolenta da guerra não é glorificada ou atenuada, tendo-se a impressão de que cada bala disparada traz uma conseqüência dolorosa. Isso tudo demonstra a grande maturidade artística de Eastwood, em que independente de escolher um lado ideológico, o que realmente parece importar é mostra a complexidade do contexto que envolve o protagonista. O moralista Kyle, em bela composição dramática de Bradley Cooper, é tomado por um patriotismo obtuso, que por vezes o deixa à beira do desumano. Ao mesmo tempo, entretanto, suas crenças pessoais são sinceras. Diante de tal dilema, a obra de Eastwood evita um julgamento moral definitivo sobre o personagem, formatando-se como um melancólico e contundente conto crepuscular sobre os tempos confusos que vivemos.

terça-feira, fevereiro 24, 2015

Miss Violence, de Alexandro Avranas ***


É quase natural relacionar a produção grega “Miss Violence” (2013) com a atual conjuntura conturbada social-econômica de seu país de origem. A temática que aborda uma família disfuncional em meio a episódios de incesto e prostituição e a estética baseada em um misto de realismo e violência gráfica berrante colaboram para essa analogia existencial. Com o desenrolar da narrativa, entretanto, essa relação vai se mostrando cada vez mais rarefeita. Isso porque a abordagem artística do diretor Alexandro Avranas vai abandonando maiores traços de sutileza e tensão psicológica e envereda para uma estética exagerada típica de um filme de horror. Boa parte dos personagens masculinos é mostrada de forma abjeta e animalesca, o sexo sempre é encenado em um contexto de degradação, situações envolvendo tabus morais se desenvolvem sob uma ótica que resvala no humor negro – nesse conjunto, acaba lembrando o polêmico “A serbian film” (2010). Esse gosto pelo excessivo por parte de Avranas pode retirar parte considerável da densidade dramática de “Miss Violence”, mas também é inegável que faz com que permeie no filme uma certa atmosfera entre o gótico e o barroco e que acaba remendo a produção em questão para um universo insólito que beira o fantástico.

segunda-feira, fevereiro 23, 2015

Caminhos da floresta, de Rob Marshall **1/2


Confesso que é quase irresistível escrever sobre “Caminhos da floresta” (2014) e mencionar “Sweeney Todd – O Barbeiro demoníaco da Rua Fleet” (2007), outra produção que também adaptava um musical do Broadway de autoria de Stephen Sondheim para o cinema. No filme de Tim Burton, havia a preocupação em manter a fidelidade com os temas musicais e o roteiro original da produção teatral, mas sem que com isso se sacrificasse a dinâmica e a linguagem cinematográficas, preservando ainda a marca autoral inerente ao diretor. O resultado foi um dos melhores filmes de Burton. Já nessa obra mais recente, a transposição não se opera sobre uma equação tão precisa. Os temas musicais são marcantes e dá para perceber que o subtexto do roteiro tem contundência dramática e simbologia notáveis no caráter transgressivo com que revê os clichês básicos dos clássicos contos de fada. Esses aspectos positivos não encontram ressonância, entretanto, no formalismo convencional do diretor Rob Marshall. O ritmo narrativo se mostra por vezes truncado e enfadonho e a encenação é um tanto afetada e sem vigor, fruto provável da dificuldade em formatar a dramaturgia original dentro de uma linguagem cinematográfica.

sexta-feira, fevereiro 20, 2015

Paz, amor e muito mais, de Bruce Beresford 1/2 (meia estrela)


Para falar a verdade, “Paz, amor e muito mais” (2011) é tão ruim que nem dá vontade de enumerar as razões para a obra em questão ser um equívoco tão grande. Afinal, produções desastrosas sempre fizeram parte da história do cinema em qualquer época. O que desperta realmente curiosidade ao se comentar uma obra como essa é tentar entender o que leva uma atriz com o histórico e importância de Jane Fonda a participar de um abacaxi de tal naipe. Afinal, estamos falando de uma atriz que ganhou dois Oscars e, mais importante, teve participações expressivas em produções de relevância como “Klute – Seu passado a condena” (1971), “Julia” (1977) e “Amargo regresso” (1978), obras essas que revelavam um considerável grau de inconformidade artística na Hollywood dos anos 70. Dessa forma, como ela pode se contentar com um trabalho tão raso e pueril quanto “Paz, amor e muito mais”? Ou aguentar ficar em cena com nulidades dramáticas como Jeffrey Dean Morgan ou Elizabeth Olsen? Ou apresentar uma interpretação tão caricatural? Uma improvável falta de grana (afinal, é a mulher que foi casada com o milionário Ted Turner)? Caduquice? Faltas de papéis femininos decentes? E já que se está nesse embalo de tantas perguntas, caberia até entrar em pauta o próprio diretor Bruce Beresford, um cara que tem no seu currículo alguns trabalhos marcantes como “Crimes do coração” (1986) e “Conduzindo Miss Daisy” (1989). Sejam quais forem as respostas para tais questionamentos, talvez a única certeza é que “Paz, amor e muito mais” é algo a se esquecer para Fonda e Beresford.

quinta-feira, fevereiro 19, 2015

Corações de ferro, de David Ayer **1/2


Em linhas gerais, o roteiro de “Corações de ferro” (2014) é o supra-sumo da reunião de clichês de aventuras situadas na 2ª Guerra Mundial: um sargento durão (mas, no fundo, com bom coração) comanda um regimento “variado” de tipos, indo de um religioso de bom senso, passando por um latino engraçadinho e chegando num cara feioso, sujo e toscão (e, assim como o referido sargento, com um lado sentimental e bonzinho). Recém chegado a esse grupo tem um soldado cheio de ideais pacifistas e de forte natureza contestatória, mas que com o tempo aprende a respeitar seus companheiros e se torna tão eficiente quanto eles na tarefa de matar nazistas. Depois de passarem por alguns difíceis percalços em batalhas sangrentas, encontrarão a redenção num conflito final suicida contra uma tropa gigantesca de alemães, numa carnificina incessante com direito a lições de honradez e patriotismo e alguns auto-sacrifícios sangrentos. É claro que o único sobrevivente é o tal do noviço, que por fim reconhece na totalidade o heroísmo de seus colegas. Sim, isso já foi visto incessantemente em obras do gênero, mas não é isso que torna o filme do diretor David Ayer tão frustrante. O problema é que todos esses lugares comuns são formatados sob uma ótica burocrática e sem inspiração. As situações se sucedem de forma protocolar e esquemática, com uma encenação que se limita ao competente. Não há aquele virtuosismo brutal e alucinado de “O resgate do soldado Ryan” (1998) ou a atmosfera de doentia tensão de “Bastardos inglórios” (2009). As interpretações canastronas do elenco em geral (com “destaque” para um Brad Pitt no auge da inexpressividade) são reflexos das concepções nada ousadas de “Corações de ferro”.

quarta-feira, fevereiro 18, 2015

Birdman ou (A inesperada virtude da ignorância), de Alejandro González Iñarritu ***




O segundo título de “Birdman ou (A inesperada virtude da ignorância)” (2014) representa aquele que é o grande ponto fraco do filme em questão: a vontade de em vários momentos explicar para o espectador o sentido do seu subtexto. Nesse sentido, há um outro exemplo latente dessa tendência da obra do diretor mexicano Alejandro González Inarritu que é a personagem Sam (Emma Stone) – em momentos cruciais da trama, as falas dela querem sintetizar as razões existenciais dos conflitos e dilemas do protagonista Riggan Thomson (Michael Keaton), não deixando muita margem para interpretações de quem assiste ao filme. É claro que daria para dizer que Sam representa uma espécie de consciência não só de Riggan como da própria obra, mas tal consciência também retira parte considerável da inquietação e sensação de incômodo da atmosfera de delírio que é a tônica da produção. Se tais equívocos tornam a fluência narrativa de “Birdman” um tanto irregular, também não dá para dizer que o trabalho de Iñarritu seja um fracasso. A encenação proposta pelo cineasta, no seu registro misto de fantasia e realismo, traz uma desenvoltura vigorosa, em que o encadeamento alucinado de planos-sequência, combinado com a trilha sonora insólita a base de solos jazzísticos de bateria, dá aquela impressão vertiginosa de alguém que entra num vórtice de medo, tensão e esquisitas alucinações que sugerem uma iminente ruptura mental e criativa. O uso dos efeitos especiais é perfeitamente funcional com o espírito do filme, apresentando em determinadas seqüências um forte encanto imagético.

“Amores brutos” (200) continua sendo a obra mais expressiva de Iñarritu, mas as inquietações formais de “Birdman” mostram que o diretor se recuperou dos auto-indulgentes “21 gramas” (2003) e “Babel” (2006) e ainda é um nome que merece alguma consideração no panorama cinematográfico atual.

sexta-feira, fevereiro 13, 2015

Blackfish, de Gabriela Cowperthwaite ***1/2


O que diferencia “Blackfish” (2013) dos inúmeros documentários televisivos sobre animais e natureza é a sua contundente concepção artística e existencial. Ao invés de fazer um simples libelo ecológico, o filme da diretora Gabriela Cowperthwaite apresenta uma visão sombria e pessimista sobre a própria natureza do comportamento humano, pois o que horroriza a quem assiste à produção em questão, na realidade, não são os episódios violentos em que as orcas “amestradas” de parques aquáticos mutilam ou matam seus treinadores. A verdadeira crueldade exposta na obra está no doloroso processo de captura e treinamento dos animais. O descaso e a ganância dos “proprietários” das orcas levam a um gradual e irreversível avanço de danos mentais aos animais, resultando em bichos transtornados e imprevisíveis em seus acessos de fúria. Cowperthwaite traça uma narrativa tensa, detalhista e repleta de um sutil subtexto crítico aos valores morais da sociedade ocidental. Em um dos momentos mais devastadores de “Blackfish”, cientistas explicam aspectos peculiares da psique das orcas, demonstrando que a estrutura de seus cérebros as tornam socialmente mais sensíveis que os próprios seres humanos e fazendo, por conseqüência, que os relacionamentos entre elas sejam mais complexos em termos de estruturas afetivas e familiares. Em contraponto desconcertante, o documentário também apresenta homens e mulheres, em sua maioria, bestificados por dinheiro, entretenimento fácil e alienação conveniente. Nessa oposição se encontra talvez o ponto de maior transcendência do trabalho de Cowperthwaite. Nem a aparente conclusão conciliatória e esperançosa de “Blackfish” consegue apagar essa incômoda impressão.

quinta-feira, fevereiro 12, 2015

O ataque dos vermes malditos, de Ron Underwood ***


Boa parte do que se produz na atualidade no gênero da aventura fantástica é marcada por dois pontos básicos: efeitos especiais digitais empenhados em fazer tudo parecer “real” e roteiro com forte propensão ao dramático e que se levam a sério demais. Os exemplos são vários: as franquias “Harry Potter” e “Harry Potter”, qualquer coisa baseada nos quadrinhos da Marvel e DC (com a exceção, é claro, do bem humorado “Os guardiões da Galáxia”). Assim, assistir a uma produção como “O ataque dos vermes malditos” (1990) acaba tendo de forma inevitável um caráter nostálgico. O filme dirigido por Ron Underwood pode ser considerado uma bobagem datada pelos mais ranhetas. De certa forma, dá até para concordar com eles. É inegável, entretanto, que se trata também de uma boa diversão escapista. Underwood, provavelmente, não estava tentando realizar nenhuma grande obra de arte – queria fazer apenas uma revitalização competente dos filmes de monstro que grassavam aos montes nas salas de cinema entre os anos 50 e 70. E o cara conseguiu seu objetivo, pois seu filme é uma combinação bem azeitada de ação e tiração de sarro, em que os momentos de tensão e humor conseguem interagir de forma convincente, com direito, inclusive, a tiradas irônicas em relação à paranóia nuclear e ao medo de uma invasão comunista. Além disso, as trucagens podem até parecer toscas perto do que se faz hoje em tempos de constantes inovações tecnológicas, mas, ainda sim, trazem um certo encanto visual na sua mistura de fuleiragem e criatividade. As interpretações canastronas do elenco também demonstram uma eficiente sintonia com o espírito de sacanagem/homenagem da produção.

quarta-feira, fevereiro 11, 2015

Grandes olhos, de Tim Burton **1/2


Em alguns de seus filmes mais recentes como “Frankenweenie” e “Sombras da noite”, ambos de 2012, Tim Burton foi acusado por boa parte do público e crítica de estar se repetindo. Mas o que alguns podem entender como mera reciclagem preguiçosa, na visão de outros, como este que vos escreve, pode se tratar apenas de depuração de um estilo muito pessoal de fazer cinema. No caso de Burton, sua habitual equação artística é ao mesmo tempo simples e indelével: concepção visual entre o barroco e o onírico, narrativa de tom fabular, elementos temáticos bizarros e senso de humor ácido em relação às idiossincrasias da sociedade dita “normal”. O melhor de sua cinematografia sempre girou em torno disso e sua identificação como cineasta autoral está na conjunção de tais características. Assim, “Grandes olhos” (2014) pode até representar algo “diferente” para aquilo com o qual se está acostumado em relação ao diretor norte-americano. É uma cinebiografia vinculada a um estilo mais realista de filmar, dirigida até com competência e razoável fluência. Em poucos momentos, entretanto, dá para sentir algum toque mais pessoal e criativo de Burton. A produção é rigorosamente previsível e acadêmica na sua narrativa e estética. Enfim, a mudança no direcionamento do cineasta não implica em criatividade ou ousadia da sua parte, mas numa simples adequação a ditames artísticos derivativos. E nem dá para culpar o gênero no qual Burton se aventurou, pois ele já havia tido resultados bem superiores com a obra-prima “Ed Wood” (1994), no qual ele recriava fatos reais sob uma ótica singular e delirante.

terça-feira, fevereiro 10, 2015

O homem mais procurado, de Anton Corbjin **


No plano teórico, “O homem mais procurado” (2014) tinha tudo para ser um ótimo filme: direção de Anton Corbijn (que já tinha se dado muito bem no gênero “thriller de suspense” com o extraordinário “Um homem misterioso”), uma trama baseada em romance de John Le Carré (escritor que teve algumas ótimas adaptações de seus livros para o cinema como “O alfaiate do Panamá” e “O espião que sabia demais”), Phillip Seymour Hoffman atuando como protagonista. Tal conjunção de elementos promissores, entretanto, não resultou em um produto final memorável. A encenação concebida por Corbijn é tediosa e previsível, não trazendo aquela particular atmosfera densa e sombria de seus filmes anteriores. Personagens e situações se desenvolvem de forma mecânica e pouco natural – parece que a preocupação do diretor ficou apenas em emular os clichês mais básicos dos filmes de espionagem sem grandes convicções. E o próprio roteiro não ajuda no quesito tensão, não causando aquelas sensações de empatia e expectativa necessárias para esse tipo de produção. Há detalhes novelescos que revelam um grau de superficialidade e inverossimilhança incômodas: o que dizer da mocinha advogada que se apaixona pelo suspeito de terrorismo? Ou o veterano chefe de um grupo de espiões que se deixa enganar das formas mais ingênuas possíveis? Coroando todos esses equívocos, há a atuação estilo “piloto automático” de Hoffman que já dá alguns indícios que as coisas realmente não iam muito bem com ele. Mas não é nele que está o grande ponto negativo do elenco: Rachel McAdams é uma atriz bonita e simpática que até funciona em comédias românticas e afins; em obras de maior densidade dramática, ela simplesmente se torna inexpressiva.

segunda-feira, fevereiro 09, 2015

Amor, plástico e barulho, de Renata Pinheiro ***


A diretora Renata Pinheiro foi colaboradora em alguns dos principais filmes do recente cinema pernambucano, como “A erva do rato” (2011) e “Tatuagem” (2013). Essa experiência prévia fica evidente em seu longa de estréia, “Amor, plástico e barulho” (2013) – tal obra se mostra em sintonia existencial e artística com os trabalhos citados. E no que consiste essa relação? Em termos estéticos, é o uso de um formalismo audacioso e sem medo de afrontar os limites do bom gosto, enquanto a parte temática versa sobre o questionamento da moral pequeno burguesa e a valorização de elementos culturais populares. Na produção dirigida por Renata, essa conjunção fica patente em alguns elementos fascinantes: a direção de arte criativa e esfuziante que gera um sensorialismo atordoante e por vezes encantador, a constante atmosfera hedonista que varia entre o sórdido e o ingênuo, o senso imagético marcante em algumas cenas (com destaque para a ambientação lânguida e perversa na sequência de abertura, o melancólico número musical do ensaio de uma apresentação e a passagem onírica dentro de um ônibus), a marcante trilha sonora misturando bagaceirismo e modernidade. Por outro lado, Pinheiro não tem a mesma classe de Cláudio Assis e Hilton Lacerda para manter uma narrativa equilibrada e fluente. Ainda sim, “Amor, plástico e barulho” honra a tradição recente cinematográfica de Pernambuco ao se configurar como uma obra incômoda, ousada e vivaz.

sexta-feira, fevereiro 06, 2015

The Rover, de David Michôd ****


O diretor australiano David Michôd conseguiu uma proeza notável em “The Rover” (2014): combinar ficção científica futurista apocalíptica estilo “Mad Max” com ambientação de faroeste moderno na linha “Rejeitados pelo diabo” (2005) e “A proposta” (2005), sem soar forçado ou ridículo. Pelo contrário, pois o filme tem uma fluência narrativa impressionante e um senso de encenação muito afiado, além de Michôd saber extrair ao máximo as possibilidades visuais criativas de seus cenários, tanto nas paisagens desoladas dos desertos australianos quanto nas locações de casas e vilarejos em ruínas, criando um universo particular, mas que também se apresenta próximo da nossa realidade de forma perturbadora. Michôd concilia ainda com bastante naturalidade dois aspectos latentes da produção. Por um lado, há um rigor na criação de seqüências valorizando um ritmo mais reflexivo e atmosférico, enfatizando silêncios e gestuais expressivos, principalmente em cenas com o protagonista Eric (Guy Pearce). Ao mesmo tempo, o filme tem momentos em que a ação brutal se manifesta de forma abrupta e impactante, com uma riqueza imagética exemplar no seu grafismo violento e na desenvoltura da coreografia de tiroteios e porradaria, fazendo lembrar os bons tempos das produções de aventura casca-grossa dos anos 80. Coroando esse filmaço, não há como não registrar um fenomenal trabalho na direção de atores, com belas composições dramática de Pearce, assustador na sua síntese entre o lacônico e o atormentado, e Robert Pattinson, surpreendente como bandido caipira apalermado.

quinta-feira, fevereiro 05, 2015

Nascidos em bordéis, de Ross Kauffman e Zana Briski **1/2


Dentro do gênero “documentário sociológico”, “Nascidos em bordéis” (2004) não chega a ser exatamente um grande marco estético. A abordagem formal dos diretores Ross Kauffman e Zana Briski é apenas correta, não apresentando grandes ousadias em sua estrutura narrativa. Por outro lado, é provável que a intenção principal dos realizadores não estivesse concentrada no campo artístico – afinal, a própria Briski é uma “personagem” constante em cena, tendo uma relação emocional direta com as crianças e adolescentes indianos que são os protagonistas do filme. A real preocupação dela está na denúncia das condições degradantes em que aqueles indivíduos se encontram e também na procura de alguma solução para tal problema. Nesse sentido, o estilo de filmar presente no documentário acaba sendo um complemento adequado para tais intenções – o registro da obra por vezes é seco e contundente aos expor cenários, situações e pessoas de um ambiente miserável e sem perspectivas, o que acaba causando um certo impacto emocional para o espectador e que é necessário para as intenções sociais de Briski. Se algumas escolhas dos realizadores soam sentimentais em excesso, também é de se convir que elas são inerentes à própria natureza da obra em questão.

quarta-feira, fevereiro 04, 2015

Foxcatcher, de Bennett Miller **1/2


Por toda a duração de “Foxcatcher” (2014) dá para perceber com clareza os mecanismos de sua proposta artística: ao mesmo tempo que o roteiro explicita as pretensas ambições cívicas e morais do milionário John Du Pont (Steve Carell) em discursos e depoimentos pomposos, com direito a temas épicos musicais de fundo, também há a contraposição com as reais atitudes mesquinhas e psicóticas do mesmo personagem. Nesse sentido, dá até para dizer que as intenções do diretor Bennett Miller são ousadas na desconstrução do patriotismo e moralismo obtusos da sociedade norte-americana contemporânea. A abordagem formal de “Foxcatcher”, entretanto, não consegue acompanhar tal ousadia. A mão do cineasta pesa demais no ritmo narrativo da produção, fazendo com que sobre o filme paire de forma constante uma atmosfera solene e desprovida de sutileza e vivacidade. Falta na direção de Miller uma malícia, um senso de ironia, que daria ao seu trabalho uma efetiva dimensão universal. Do jeito que ficou, parece uma reciclagem um pouco mais sofisticada daqueles documentários televisivos que recriam crimes escabrosos. A própria atuação afetada e artificiosa de Carell é um reflexo de uma concepção que se leva a sério em excesso. Nas poucas vezes que Vanessa Redgrave entra em cena, em uma composição que é só de sedutoras nuances dramáticas, e nas vigorosas tomadas de combates de luta olímpica “Foxcatcher” ganha alguma fluência em termos de encenação. Tais momentos sugerem o que a obra de Miller poderia ter sido.

terça-feira, fevereiro 03, 2015

O enigma chinês, de Cédric Klaspich **


O objetivo do diretor francês Cédric Klaspich na trilogia “O albergue espanhol” (2002), “Bonecas russas” (2004) e “O enigma chinês” (2013) era ao mesmo tempo simples e ambicioso: traçar a trajetória pessoal de um punhado de personagens, mostrando questões como amadurecimento e busca por estabilidade emocional entre jovens adultos europeus de classe média, com foco principal no protagonista Xavier (Romain Duris), um aspirante a escritor sempre enrolado em questões sentimentais. Ocorre, entretanto, que ao observar a obra que dá conclusão a esse projeto, fica-se com a impressão de que as boas intenções artísticas do realizador ficaram somente no plano das ideias mesmo. O grande problema do filme de Klaspich é que sua estrutura narrativa se baseia em uma abordagem um tanto superficial e banal, que apenas tangencia de forma ligeira o cerne de situações complexas. Ao invés de optar por uma visão contundente e lúcida sobre os assuntos centrais de sua temática, o que implicaria numa estética mais apurada, o cineasta se contenta em formatar tudo como uma comédia romântica derivativa. É claro que por vezes “O enigma chinês” cativa o espectador pela comicidade de algumas sequências, além do carisma natural de seu elenco principal. No geral, entretanto, a trama se desenrola sem o menor traço de tensão dramática, em que todos os dilemas de seus personagens se resolvem com facilidade incômoda. O cândido final feliz reservado para Xavier é uma síntese das escolhas pouco ousadas da produção e da própria trilogia.