quinta-feira, fevereiro 13, 2020

Jumanji, de Joe Johnson ***


Dos cineastas “afilhados” de Steven Spielberg, Joe Johnson provavelmente é um dos menos badalados. Observando sua filmografia, entretanto, pode-se dizer tranquilamente que é um dos mais constantes em termos de qualidade e quantidade. “Jumanji” (1995) é bem ilustrativo do seu padrão formal-temático – é um blockbuster na linha aventura familiar que tem boa parte dos clichês narrativos do gênero, mas com uma direção tão segura na condução da trama que todos os detalhes pueris do roteiro e os lugares comuns de seu formalismo passam batido. Está bem longe de ser um clássico, mas é diversão acima da média. Mesmo os anacronismos de alguns recursos estéticos típicos da época acabam ganhando um certo encanto nostálgico diante da fluência narrativa estabelecida por Johnson.

quarta-feira, fevereiro 12, 2020

Operação fronteira, de J.C. Chandor **


Confesso que a sinopse de “Operação fronteira” (2019) já não parecia muito promissora. A história de um grupo de ex-soldados envolvidos em uma última missão em que tudo dá errado me parecia tão batida que já me cansava antes mesmo de começar a assistir. Ocorre que o nome de J.C. Chandor na direção acabou me animando. Afinal, é o mesmo cineasta que fez o excelente “O ano mais violento” (2014). O resultado final, entretanto, acabou sendo mesmo aquilo que eu previa no início – uma sucessão de clichês narrativos dirigidos sem grandes arroubos criativos. Pelo jeito, Chandor estava precisando de uma grana.

terça-feira, fevereiro 11, 2020

Democracia em vertigem, de Petra Costa ***


É muito fácil reduzir “Democracia em vertigem” (2019) como a “versão petista” para fatos históricos recentes do Brasil. De certa forma, a própria diretora Petra Costa não faz tanta questão de desmentir esse reducionismo de análise de sua obra. Em vários momentos da narrativa, ela deixa bem clara a sua posição ideológica. Ocorre, entretanto, que essa visão mais rasteira por parte da crítica e público em relação ao documentário realizado por Petra esconde de maneira perversa ou equivocada (ou as duas coisas ao mesmo tempo) um fator contundente – a de que a grande maioria dos brasileiros assistiu a tais fatos históricos pela lenta distorcida de uma mídia “oficial”. Você já ficou sentado por algum tempo em uma sala de espera de médico, dentista, banco ou outro ambiente parecido? Na maioria das vezes não tinha no recinto uma televisão ligada? E quase sempre sintonizada na Globo? Ora, isso é bastante sintomático de como a emissora da família Marinho funciona como uma espécie de oráculo existencial para o modo de ser e pensar do brasileiro médio. Esse cidadão sempre foi bombardeado com a constatação de que o processo histórico do golpe parlamentar contra Dilma Roussef, a kafkaniana ação movida contra Lula e a ascensão e eleição para presidência da república da besta fera como situações legítimas e incontestáveis. Assim, “Democracia em vertigem” simplesmente funciona como outra versão para tais fatos históricos, estimulando, inclusive, uma efetiva reflexão sobre os rumos do país e os significados mais profundos de todos esses eventos.

Além disso, “Democracia em vertigem” está muito longe de ser mero produto panfletário, mostrando, inclusive, muita coerência com a própria trajetória artística de Petra Costa. Nesse sentido, a relação com “Elena” (2012), extraordinário filme anterior da cineasta, é extremamente contundente. Se na referida obra mais antiga havia um documentário de cunho intimista que trazia em seu subtexto um sutil viés sócio-político, em “Democracia em vertigem” o processo é inverso – por trás do amplo painel histórico da trama se evidencia um traço subjetivo na forma com que a diretora relaciona o tenebroso quadro histórico exposto com uma sensação de desilusão e mal-estar existencial. Mais do que a precisa reconstituição da História Brasileira, a função principal do filme em relação à sua autora é o extravasamento da raiva e frustração com a conjuntura produzida pela ação deletéria da extrema-direita no Brasil. É justamente nesse aspecto que a força criativa de Petra oferece transcendência artística para “Democracia em vertigem”, diferenciando-se de outros documentários que versaram sobre a mesma temática, como a austeridade estética e narrativa de “O processo” (2018) ou o perfil tragicômico de “Excelentíssimos” (2018).

segunda-feira, fevereiro 10, 2020

A vida invisível, de Karim Ainouz **


Duas perguntas me vieram à cabeça quando terminei de assistir a “A vida invisível” (2019): por que raios um diretor como Karim Aïnouz fez algo tão insosso quanto esse filme? E por que justamente escolheram logo esse filme para representar o Brasil na edição do Oscar desse ano, e logo em 2019 quando várias produções nacionais bem mais relevantes e interessantes estrearam nos cinemas? Até que para a segunda pergunta a resposta não é tão difícil, afinal os órgãos governamentais “competentes” de um Brasil dominado pela besta fera não poderiam escolher filmes contestadores e inquietantes como “Bacurau” ou “Inferninho”. Não é que “A vida invisível” seja ruim – o filme é até bem fotografado e conta com algumas interpretações convincentes. Mas sua narrativa amorfa e roteiro previsível fazem tudo parecer um grande e entediante novelão global (é claro que com alguns aspectos formais mais atraentes). Ou seja, muito pouco para o diretor que tem em seu currículo filmes tão impactantes quanto “Viajo porque preciso, volto porque te amo” (2009) ou “Praia do futuro” (2014).

sexta-feira, fevereiro 07, 2020

Parasita, de Bong Joon Ho ***1/2


Dentro da filmografia do diretor sul-coreano Bong Joon Ho, “Parasita” (2019) talvez seja o seu filme mais acessível e pop, no sentido de um subtexto que se expõe de maneira mais explícita. Pode ser que isso se explique pelo próprio contexto sócio-político-existencial em que o filme foi lançado – no meio da ascensão mundial de uma linha ideológica de extrema direita que sintetiza neoliberalismo econômico desumanizador, nacionalismo canalha e obscurantismo religioso, uma obra a versar de maneira tão ácida e contundente sobre conflito de classes acaba tendo tanto um efeito catártico para alguns quanto perturbador para outros. Ainda que não tenha a precisão narrativa e estética de obras anteriores magníficas do cineasta como “Memórias de um assassino” (2003) e “O hospedeiro” (2006), “Parasita” apresenta uma interessante conjunção entre a estrutura formal de um suspense psicológico agoniante e uma temática repleta de ramificações complexas em termos de relações humanas, o que também ajuda a explicar a forte empatia que tem com grande parte do público.

quinta-feira, fevereiro 06, 2020

Coringa, de Todd Phillips ***


Não deixa de ser irônico que justamente no período em que o diretor norte-americano Martin Scorsese entrou em conflito com fãs e profissionais da indústria cinematográfica por criticar a hegemonia comercial e cultural dos filmes de super-herói na atualidade apareça uma produção tendo como protagonista o principal rival do Batman e que se mostre bastante influenciada em termos temáticos e narrativos em dois célebres filmes do mesmo Scorsese, “Taxi driver” (1976) e “O rei da comédia” (1982). E ainda mais curioso é que tal obra se torne uma das mais comentadas do ano, seja um tremendo sucesso de bilheteria e ganhe importantes prêmios em festivais e votações da crítica especializada. Nesse contexto, talvez o grande mérito (ou sorte) de “Coringa” (2019) seja o fato dessa produção dirigida por Todd Phillips captar um certo zeitgeist contemporâneo, ainda que um tanto por vias tortas e também em alguns momentos reproduzindo uma ótica existencial-política simplória. Na realidade, a percepção de que haja personagens clássicos da DC na trama revela uma certa tendência a forçar a barra por parte dos roteiristas, tendo em vista que o roteiro mostra tendência para o comentário social e para a tensão psicológica-intimista que poderia retratar a vida de qualquer um de uma multidão de pobres coitados vítimas da opressão social e indiferença afetiva típicas da sociedade ocidental capitalista do mundo atual. É como se personagens como o Coringa e Thomas Wayne fossem jogados ali na trama de uma forma arbitrária apenas para dar uma satisfação para o público ávido por mais um filme de super-herói. Passando por essa impressão incômoda, entretanto, o filme de Phillips até é bem envolvente por vezes, principalmente pela dinâmica narrativa engendrada pelo cineasta e pela interpretação à flor-da-pele de Joaquin Phoenix. Dá até para perdoar um pouco a visão reacionária do filme ao reduzir a revolta e desejo de mudanças de boa parte da população por uma sociedade mais justa como simples combustível para revoltas caóticas e violentas.

quarta-feira, fevereiro 05, 2020

Ad Astra, de James Gray ***


A conjunção entre o diretor norte-americano James Gray e o gênero ficção-científica parecia bastante promissora, mas o resultado final de “Ad Astra” (2019) fica bem aquém de tais expectativas. Não chega a ser exatamente um mau filme. Pelo contrário – a segura condução da narrativa por parte da Gray até torna o filme uma aventura espacial agradável. Mas apenas essa correção acaba sendo frustrante diante do notável currículo do cineasta. Falta maior estofo para as sequências mais dramáticas/intimistas, enquanto as cenas de ação se limitam a serem meramente competentes. A impressão é de que Gray se deixa obscurecer para fazer de seu trabalho apenas um veículo para o estrelismo de Brad Pitt.

terça-feira, fevereiro 04, 2020

Era uma vez em... Hollywood, de Quentin Tarantino ****


Se “Bastardos inglórios” (2009) e “Django livre” (2012) marcavam a guinada de Quentin Tarantino para um padrão mais tradicional de narrativa cinematográfica enquanto “Os oito odiados” (2015) parecia representar a retomada mais purista de sua linguagem própria, “Era uma vez em... Hollywood” (2019) representa justamente a cristalização da junção orgânica do classicismo estético-formal da cinematografia clássica norte-americana com o habitual padrão autoral do diretor. E o resultado disso é o filme mais poético e melancólico de Tarantino. Nesse sentido, a opção por uma formatação de fábula, já indicada no título do filme, não é gratuita ou mera piada. Ao reimaginar os fatos reais que levaram ao bárbaro assassinato coletivo de Sharon Tate e seus amigos pelo grupo de fanáticos liderados por Charles Mason, momento chave na decretação do fim do sonho contracultural na década de 60, Tarantino não só realiza uma síntese perfeita entre a homenagem e a ironia sobre o cenário cultural e a indústria cinematográfica da época como também evoca com sutileza o caráter simbólico daquilo que aconteceu no passado na construção de um presente mais desumanizado e desesperançado. A minuciosa recriação estilizada da época, o caráter icônico das interpretações do elenco e a encenação entre o caricatural e o solene formam um todo artístico de desconcertante encanto sensorial não apenas por uma questão técnica-formal, mas também por ressaltarem com tremenda sensibilidade a proposta estética-existencial do filme. Tarantino sempre fez questão em sua trajetória artística em se assumir como um diretor-cinéfilo e quando aborda essa paixão pelo cinema como uma das temáticas mais prementes de “Era uma vez em... Hollywood” faz precisamente isso da forma menos óbvia possível – citações e referências a momentos clássicos da mitologia cinematografia norte-americana se inserem na narrativa com notáveis coerência e originalidade, ajudando a formar um amplo e lúcido painel da relação entre cinema, mitologia sessentista e comentário sócio-político-cultural.

segunda-feira, fevereiro 03, 2020

Top 25 Melhores filmes de 2019


1)      Era uma vez em Hollywood, de Quentin Tarantino
2)      Clímax, de Gaspar Noé
3)      Palavra e imagem, de Jean-Luc Godard
4)      Suspiria, de Lucas Guadagnino
5)      Bacurau, de Kleber Mendonça Filho e Juliano Dornelles
6)      Rolling Thunder Revue, de Martin Scorsese
7)      Inferninho, de Guto Parente e Pedro Diógens
8)      A cidade dos piratas, de Otto Guerra
9)      Elegia de um crime, de Cristiano Burlan
10)   Estou me guardando para quando o carnaval chegar, de Marcelo Gomes
11)   Temporada, de André Novais Oliveira
12)   Em trânsito, de Christian Petzold
13)   A sombra do pai, de Gabriela Amaral Almeida
14)   No coração do mundo, de Gabriel Martins e Maurilio Martins
15)   Anos 90, de Jonah Hill
16)   O irlandês, de Martin Scorsese
17)   3 faces, de Jafar Panahi
18)   Vidro, de M. Night Shyamalan
19)   As filhas do fogo, de Albertina Carri
20)   Homem-Aranha no Aranhaverso, de Peter Ramsey, Bob Persichetti e Rodney Rothman
21)   Parasita, de Bong Joon-ho
22)   Divino amor, de Gabriel Mascaro
23)   A casa de veraneio, de Valeria Bruni Tedeschi
24)   Vermelho sol, de Benjamin Naishtat
25)   Compra-me um revólver, de Julio Hernández Condón