terça-feira, fevereiro 28, 2012

A Invenção de Hugo Cabret, de Martin Scorsese ***1/2



O uso da tecnologia 3D em “A Invenção de Hugo Cabret” (2011) encontra uma ressonância na própria trama do filme. Afinal, ao abordar a figura de George Méliès, o diretor Martin Scorsese faz uma profissão de fé do referido recurso técnico como uma evolução natural para o cinema, no sentido de que esse é um meio de expressão visual em sua essência. Para os detratores do 3D, aqueles que dizem que o que importa é “uma boa história”, tal posição de Scorsese pode parecer heresia. Em um dos momentos mais expressivos de “Hugo Cabret”, enfatiza-se o detalhismo de Méliès na elaboração das trucagens de suas produções. O esmero na encenação por parte de um dos mais célebres pioneiros do cinema era mais que natural para alguém que havia se notabilizado inicialmente como hábil ilusionista. E no final das contas, não seria o cinema uma espécie de arte da ilusão? E não seria o 3D mais uma etapa na elaboração de tal ilusão?

Mas deixando um pouco de lado as digressões e teorias, “A Invenção de Hugo Cabret” é um dos filmes recentes que melhor exploram as possibilidades do 3D. A tecnologia em questão enfatiza com brilho as nuances dos efeitos especiais, configurando o ponto alto da obra que é a arrebatadora beleza plástica de algumas cenas. Mas se o efeito imagético é o forte do filme, é na sua narrativa que se encontra o seu ponto fraco. O uso dos flashbacks e o tom didático de alguns momentos (principalmente naqueles em que se pretende “ensinar” o público sobre os primórdios do cinema) acabam quebrando um pouco a fluidez da narrativa, funcionando, às vezes, quase como entidades separadas da trama principal. Talvez a trama de tom convencional e de ares um tanto edificantes causem também um estranhamento para aqueles que estão acostumados com o tom pouco sentimental de outras obras dirigidas por Scorsese. Mesmo fugindo desse padrão, entretanto, o roteiro traz elementos fascinantes, principalmente por focalizar algumas sutilezas temáticas e históricas. Uma delas, por exemplo, são as citações literárias que a personagem Isabelle (Chloë Grace Moretz) faz, pois tais referências relacionam o cinema como uma conseqüência natural de outros meios de expressão como a própria literatura.

Mesmo não tendo a mesma concisão narrativa de outras obras de Scorsese, “A Invenção de Hugo Cabret” fascina por todas essas interpretações e visões que suscita, evidenciando a capacidade do veterano diretor norte-americano de ainda surpreender as platéias.

A Dama de Ferro, de Phyllida Lloyd **



Pode-se perceber na construção dramática de “A Dama de Ferro” (2011) que a intenção era criar um retrato ambíguo da ex-Primeira Ministra do Reino Unido Margaret Thatcher, no sentido de expor seus méritos e contradições, tanto na sua trajetória como estadista como nas questões intimistas. O resultado final, entretanto, passa longe de tal objetivo. Por vários momentos, a narrativa adota um tom rasteiro edificante, com direito a música incidental melosa para seqüências em que a protagonista discursa, recurso esse que destoa de uma figura tão controversa e complexa como foi Thatcher. A encenação da diretora Phyllida Lloyd também é pouco convincente na equação em que faz entre recriações dramáticas apressadas e cenas documentais – nesse sentido, “A Dama de Ferro” passa a impressão de uma obra realizada às pressas, que tanto em termos de reconstituição quanto de caracterização de personagens e situações privilegia um tom resumo superficial. Mesmo a atuação de Meryl Streep adota um tom rígido e pouco fluido, o que fica ainda mais prejudicada pela pesada maquiagem. No seu todo, talvez o filme possa funcionar como uma espécie de prévia para tentar entender determinados fatos históricos, mas como experiência cinematográfica é frustrante na sua engessada estrutura formal e temática.

sexta-feira, fevereiro 24, 2012

O Artista, de Michel Hazanavicius ***1/2



O grande barato de “O Artista” (2011) é o seu lado estético. Além de homenagem aos fundamentos do cinema mundo (com direito até a entre-títulos), o filme do diretor francês Michel Hazanavicius mostra que as técnicas da época do início do cinema não estariam tão defasadas assim, sendo capazes até de se mostrarem atraentes para o público contemporâneo. Para isso, a obra se vale de uma direção de fotografia bastante requintada – são sensacionais, por exemplo, os contrastes de imagem que se faz das produções fictícias que se desenrolam nos cinemas com aquilo que seria o supostamente real. Outro destaque formal é a forma com que o som se insere na narrativa, muitas vezes como uma espécie de intruso indesejado ou até mesmo como, literalmente, um pesadelo. Essa série de elementos de estilização sugere que é como se “O Artista” visse a Hollywood da época como uma cidade imaginária, pouco diferente daquilo que se via nas telas. Em sua essência, o filme tem como personagem principal, na realidade, o próprio cinema. O roteiro também evidencia isso ao adotar um certo tom de parábola moral mostrando justamente o período em que Hollywood se converteu para o cinema falado (é impossível não lembrar, nesse contexto, do clássico “Cantando na Chuva”). E é na sua trama, em que a mistura de drama e comédia às vezes não se mostra fluida como narrativa, que “O Artista” encontra seu ponto fraco. Mas tal pecado acaba se convertendo em mero detalhe diante da riqueza visual da obra.

quinta-feira, fevereiro 16, 2012

O Garoto da Bicicleta, de Jean-Pierre e Luc Dardenne ****



As leituras sobre “O Garoto da Bicicleta” (2011) podem ser várias. Em relação à própria carreira dos irmãos Dardenne, o filme representa um aperfeiçoamento do seu rigor estético desconcertante, em que a emoção emana a partir de uma abordagem formal seca e de um aparente distanciamento – ao contrário, por exemplo, de “Histórias Cruzadas”, não há uma música incidental avisando para a platéia os momentos de lições ou sentimentais. Tudo se sucede de forma quase prosaica, às vezes emulando o documental. De uma forma insólita, a trama de conteúdo social/intimista recebe um tratamento que remete ao gênero suspense, principalmente no que se refere a intenções dissimuladas ou mal explicadas de determinados personagens, o que fica ainda mais acentuado pelo fato da obra ter um sutil olhar subjetivo – a platéia, de certa forma, vê o que se desenrola pelo olhar do garoto abandonado pelo pai. Por outro lado, “O Garoto da Bicicleta”, produção franco-belga, também dá a impressão de buscar uma conexão com a tradição que o cinema francês tem em retratar a infância de uma forma mais crua e questionadora. Aquele longo plano-seqüência em que o protagonista corre com a sua bicicleta à noite dialoga com o inesquecível plano final de “Os Incomprendidos” (1959), aquele em que Antoine Doinel (Jean-Pierre Léaud) corre à beira da praia. Tais cenas representam um brado tácito e inconsciente de indignação infato-juvenil perante a hipocrisia e intolerância do mundo adulto. E ainda nesse sentido, “O Garoto da Bicicleta” acaba obtendo uma dimensão temática fascinante. Sua estrutura narrativa ganha uma dimensão de parábola dos valores do mundo contemporâneo ao expor dilemas e contradições que impregnam a sociedade – a importância do Estado diante dos conflitos particulares, a falta de sensibilidade dos “cidadãos” com os deserdados sociais, a tendência da sociedade pela vingança particular como punição para os crimes. Diante dessa multiplicidade de interpretações, mais admirável ainda é o poder de síntese dos irmãos Dardenne em concentrar todas essas visões dentro de uma produção de pouco menos de uma e meia de duração.

quarta-feira, fevereiro 15, 2012

Histórias Cruzadas, de Tate Taylor **1/2



Não é necessário um grande treino no olhar para sacar alguns dos principais mecanismos formais de “Histórias Cruzadas” (2011). O diretor Tate Taylor abusa de truques emocionais certeiros para comover as platéias, dando ainda ao filme um verniz de seriedade ao abordar a questão do racismo nos Estados Unidos nos emblemáticos anos 60. Está tudo lá: a personagem branca que desafia as convenções, a outra personagem branca que representa o estereótipo racista da época, as personagens negras altivas que dão lições de dignidade, a música sentimental e ostensiva que irrompe nos auges dramáticos, a direção de fotografia límpida e luminosa. Assim, Taylor segue uma cartilha bem comportada de como fazer um drama de consciência social nos moldes adequados para o público norte-americano médio (e – por quê não? – ocidental) – mesmo que critique o racismo, não deixa de lado o tom paternalista (afinal, é uma branca que determina a mudança central da trama), o que faz pensar como seria “Histórias Cruzadas” nas mãos, por exemplo, de Spike Lee. A produção carece de sutileza na sua suposta contestação, principalmente pela atuação caricatural (e que se leva a sério) de Brice Dallas Howard. O que salva “Histórias Cruzadas” de cair na plena assepsia estética e temática são as interpretações vigorosas de Viola Davis e Octavia Spencer, que dão ao filme doses efetivas de raiva, ironia e até de cinismo, dando uma dimensão dramática maior à obra.

terça-feira, fevereiro 14, 2012

A Separação, de Asghar Farhadi ***1/2



É provável que essa multiplicidade de prêmios e indicações diversas que “A Separação” (2011) vem colecionando mundialmente possa fazer com que as expectativas em torno de tal filme sejam maiores que o seu real valor artístico. Afinal, mesmo dentro do padrão iraniano, a produção dirigida por Ashar Farhadi não apresenta maiores novidades estéticas e temáticas (as obras de Abbas Kiarostami, por exemplo, são bem mais inquietantes). É inegável, contudo, que “A Separação” apresenta uma contundência narrativa não tão presente no panorama cinematográfico contemporâneo. Farhadi apresenta um estilo muito direto de filmar, quase como se evocasse um registro caseiro de situações quotidianas, mas sem cair nas obviedades de câmera tremendo ou afins. Ele escolhe ângulos e enquadramentos inusitados, com a câmera se comportando como se fosse uma espiã e colocando o espectador diante da crueza do dia-a-dia dos personagens e de suas reações perante determinadas situações. De certa forma, esta estética entre o documental e o intimista lembra algo dos filmes de Eric Rohmer e Woody Allen (deste último, principalmente “Maridos e Esposas”). Já a trama de “A Separação” consegue a proeza de fazer uma síntese admirável dos conflitos e tradições que permeiam a sociedade iraniana, tão marcada por diferenças religiosas, sem recorrer a maniqueísmos e soluções fáceis. Na realidade, tal síntese acaba encontrando uma ressonância universal ao expor as hipocrisias e intolerâncias que rondam as relações humanas no mundo moderno. A seqüência final, em aberto e desconcertante, é coerente na proposta de Farhadi em não facilitar as coisas para o espectador.

segunda-feira, fevereiro 13, 2012

Românticos Anônimos, de Jean-Pierre Améris **1/2



O cinema francês parece ter encontrado uma vertente a ser explorada com “O Fabuloso Destino de Amélie Poulain” (2001) – a do “esquisito engraçadinho”. Tais produções até podem se estender entre outros gêneros (da comédia ao fantástico), mas sempre são marcadas pela caracterização de situações e personagens “estranhos” que ganham uma certa aura de “adorável”. Em “Românticos Anônimos” (2010), tal tendência ainda se mostra firme. O filme tangencia sequências algo perturbadoras ao focar a dupla de protagonistas que tem dificuldades emocionais em se adaptar à sociedade que os cerca, mas tal força dramática acaba diluída na intenção do diretor Jean-Pierre Améris acentuar um clima “comédia romântica”. No final das contas, fica-se com a impressão de uma obra que ficou no meio do caminho, indecisa entre soar mais sarcástica ou fixar na acessibilidade de ser descaradamente romântica.

A Fonte das Mulheres, de Radu Mihaileanu ***




Apesar de sua trama se passar em uma aldeia no Irã, e contar no elenco com atores de tal nacionalidade, “A Fonte das Mulheres” (2011) é uma co-produção internacional dirigida pelo romeno Radu Mihaileanu. Este detalhe da nacionalidade pode parecer meramente aleatório, mas na verdade faz muita diferença no resultado final. Isso porque a filmografia iraniana contemporânea, em sua essência, é marcada por uma narrativa de traços neo-realistas, tanto na sua temática (questões voltadas para a repressão religiosa ou problemas sociais) quanto pela sua estética (fotografia de tons documentais, uso de atores amadores, narrativa marcada por um distanciamento emocional). Em “A Fonte das Mulheres”, a abordagem se afasta de tais preceitos típicos do cinema iraniano e se vincula a uma corrente ocidental. Por mais que a trama do filme seja pertinente a questões religiosas e sociais que são marcantes para o Irã, a sua encenação se vincula ao gênero melodramático tradicional, além de alguns toques insólitos de musical (em várias sequências, o canto de personagens funciona como uma espécie de comentário irônico ou dramático). Se tal concepção de Mihaileanu possui um certo caráter diluidor, é inegável também que acaba dando à “A Fonte das Mulheres” um alcance mais universal de impacto para as platéias.

À Beira do Abismo, de Asger Leth **1/2



Em sua meia hora inicial, “À Beira do Abismo” (2012) até consegue enganar um pouco em suas intenções, com suas idas e vindas no tempo narrativo e num certo clima de ambigüidade moral que permeia sua trama. Além disso, o diretor Asger Leth consegue extrair algum suspense ao ambientar boa parte da história na beirada de um prédio, onde um pretenso suicida ameaça se atirar. Com o desenrolar do roteiro, entretanto, as opções temáticas e estéticas de Leth vão resvalando progressivamente no lugar comum, ainda que o cineasta mostre uma certa competência na sua encenação.

Os Descendentes, de Alexander Payne ***



O que mais ouço/leio sobre “Os Descendentes” (2011) é que se trata de um filme “adulto”. Nessa linha, argumenta-se ainda que isso seria um tremendo mérito frente ao caráter infanto-juvenil que marca a maioria das produções norte-americana. Não gosto muito dessas generalizações e simplificações, mas é fato que a obra mais recente do diretor Alexander Payne apresenta uma visão sóbria sobre questões importantes na vida humana (pelo menos a ocidental): dificuldades nos relacionamentos pessoais, o impacto de uma morte no núcleo familiar, fidelidade conjugal, discussões sobre dinheiro entre parentes. Por mais maduro que o filme possa ser em termos temáticos, também é fato, entretanto, que “Os Descendentes” pouco ousa no seu lado formal. É sempre aquele ritmo narrativo sem sobressaltos de um drama de leves toques cômicos que parece ter como matriz alguns filmes setentistas de Hal Ashby (ainda que muito distante da classe estética deste último). Não há nenhuma cena que realmente empolgue em termos visuais (ao contrário, por exemplo, do “infanto-juvenil” “As Aventuras de Timtim – O Segredo do Licorne”, repleto de seqüências memoráveis). Ou seja: pode render alguns momentos agradáveis em frente à tela ou alguma discussão acalorada em algum debate coordenado por um psicanalista, mas dificilmente colará na memória dos cinéfilos. No mais, a impressão que se tem é de uma certa preguiça criativa de Payne, afinal a trama de “Os Descendentes” remonta bastante ao roteiro de “As Confissões de Schmidt” (2002), uma das obras mais estimadas do mencionado cineasta, mas com a diferença fundamental que George Clooney não consegue oferecer a mesma densa composição dramática que Jack Nicholson expressava ao natural no papel de Warren Schmidt.

Precisamos Falar Sobre o Kevin, de Lynne Ramsay ****



O ponto que norteia “Precisamos Falar Sobre o Kevin” (2011) como narrativa é o fato de que o espectador vê os fatos pela perspectiva da mãe de um jovem psicopata assassino. Isso faz com que o filme ganhe dimensão de uma verdadeira viagem sensorial. As situações se sucedem na tela de acordo com a forma com que as lembranças chegam na mente da protagonista Eva (Tilda Swinton). Assim, o roteiro não obedece a uma sucessão linear, mas sim a uma série de idas e vindas no tempo. Tal opção pode ser vertiginosa para a platéia, mas faz com que entre em sintonia com o caos que tornou a vida de Eva, perdida entre a perplexidade para entender o que aconteceu com o seu filho e a repulsa e represália que sofre na cidade pelos crimes cometidos pelo garoto. Pelo olhar subjetivo da personagem, certas seqüências ganham uma conotação que beira o delírio, como naquele momento em que Eva, ao ser abordada por crianças na noite de Halloween, sente-se assediada por monstros. A diretora Lynne Ramsay vai longe na sua abordagem estética ao incorporar esse conceito até na forma com que insere o som na narrativa – por vezes, o que ouvimos não corresponde ao que está acontecendo em cena, principalmente quando gritos ao fundo irrompem em meio a diálogos, aludindo a eventos traumáticos que rondam os pensamentos de Eva. As opções formais de Ramsay formam uma moldura coerente para as discussões temáticas do roteiro. A visão proposta por “Precisamos Falar Sobre o Kevin” foge de simplificações e maniqueísmos. Por mais que os atos praticados por Kevin (Ezra Miller) sejam aterradores, a obra não se limita à escolha de um bode expiatório. A doença que se evidencia não é apenas do garoto, mas também de uma sociedade dita normal que prefere ações hipócritas e supostamente moralizantes a efetivamente enfrentar as causas da barbárie. Quando se observa a formação do ovo da serpente, pode-se enxergar até mesmo o crescimento de um mal, mas que é ignorado em nomes de convenções sociais e comportamentais.

Os Homens Que Não Amavam as Mulheres, de David Fincher ***1/2



De antemão, esclareço que não li a trilogia literária “Millennium” e nem vi a versão cinematográfica sueca dos livros. Assim, a única comparação que posso estabelecer para a versão norte-americana de “Os Homens Que Não Amavam as Mulheres” (2011) é com a própria carreira de David Fincher. Digo isso porque ao assistir ao filme em questão muito me veio à mente “Seven” (1995), um dos grandes momentos do cineasta. Em tal produção, Fincher praticamente estabeleceu os ditames de como seriam os filmes de suspense envolvendo assassinos seriais nos anos que se seguiram, gerando uma infinidade de imitadores de qualidade bastante variável. É provável que ele tenha ficado incomodado com essa escola que criou e tenha realizado o extraordinário “Zodíaco” (2007) justamente para perverter o que havia criado em “Seven”. Mas toda essa breve digressão é para dizer “Os Homens Que Não Amavam as Mulheres” acaba evocando essa série de subprodutos de “Seven”, mas com a diferença que agora é o próprio Fincher que está envolvido diretamente em tal “recriação”. Mas isso não quer dizer que ele tenha aderido à mediocridade. Soa mais como o típico projeto de encomenda que acaba sendo envenenado pelo virtuosismo de um legítimo autor cinematográfico. O filme padece de um roteiro ruim (parece mais uma colagem de situações chocantes do que uma trama homogênea e bem construída) e de uma seqüência final absurdamente anticlimática. Mesmo com tais limitações, provavelmente herança da obra literária original, Fincher se esmera numa narrativa envolvente, enquadrando um bem azeitado trinômio fotografia-edição-trilha sonora, com direito a algumas tomadas antológicas (destaque absoluto para as seqüências do estupro da protagonista e a sua brutal vingança, além de uma perseguição automobilística de angulações surpreendentes). Confesso que não me deu vontade de ler o livro, mas criou expectativa para o próximo filme da franquia.

sexta-feira, fevereiro 03, 2012

Tudo Pelo Poder, de George Clooney ****



O ator e diretor George Clooney obtém uma síntese artística admirável em “Tudo Pelo Poder” (2011). Dentro de uma exata concisão narrativa (pouco menos de 100 minutos), ele consegue fazer uma parábola sobre o poder e a política nos Estados Unidos que soa convincente e madura. A figura do protagonista Stephen Myers (Ryan Gosling, em caracterização fenomenal) reflete as ilusões, vícios e contradições do jogo político norte-americano sem que seja necessário se apelar a jogos maniqueístas (o que acaba sendo até surpreendente, tendo em vista Clooney ser um notório simpatizante do Partido Democrata). A trama do filme se desenrola em alguns poucos dias de uma campanha para as prévias do Partido Democrata, sendo que em tal curto espaço de tempo Myers se converte de um idealista assessor de imprensa para um cínico e amargo coordenador de campanha. A mudança do personagem traz um certo tom de ambiguidade perturbador, mas também se revela coerente com as situações do roteiro. E apesar da dramaticidade de alguns dos fatos da trama, há um senso irônico em se constatar que os conflitos e ardis que se estabelecem entre os personagens não representam necessariamente que os envolvidos serão eternos inimigos – várias vezes, há diálogos que ressaltam que determinados ataques não representam uma antipatia pessoal. É interessante notar, contudo, que “Tudo Pelo Poder” não joga toda a responsabilidade do vazio moral e intelectual desse jogo exclusivamente no colo de políticos e assessores. Pelo contrário: pode-se perceber que a falta de foco também vem do eleitorado, mais disposto a gastar tempo em discussões periféricas (crença em Deus, aborto, direitos de homossexuais) do que em debates sobre questões que efetivamente dizem respeito a todos (economia e direitos sociais). Ou seja, não muito diferente do nosso processo eleitoral... O esmero na delineação de tal temática complexa encontra ainda um complemento formal elaborado de forma igualmente cuidadosa. Clooney pode não trazer inovações estéticas, mas utiliza de forma elegante um estilo clássico de filmar, combinando um tratamento épico em determinadas tomadas com um sóbrio jogo de sombras e luzes em seqüências de traço mais intimista. Dentro de tal abordagem, talvez o momento mais arrepiante do filme seja aquele em que o candidato Mike Morris (Clooney) comunica ao assessor Paul (Phillip Seymour Hoffman, em outro desempenho antológico do filme) que este último está fora da campanha – praticamente sem diálogos, apenas se enxerga Paul entrando no carro de Mike, com a câmera se aproximando lentamente do veículo e por fim o assessor saindo com uma expressão levemente melancólica. Perfeito resumo do estilo classudo de filmar de Clooney.

quarta-feira, fevereiro 01, 2012

J. Edgar, de Clint Eastwood ***



A trajetória pessoal e profissional de J. Edgar Hoover é repleta de fatos e mitos e de certa forma habitou o imaginário daqueles interessados pela História do século XX. Afinal, ele foi a autoridade máxima do FBI por mais de 40 anos (aliás, foi o real fundador de tal instituição), participando de algumas das principais investigações criminais nos EUA. Conviveu com as mais altas esferas do poder nos Estados Unidos, influenciando diretamente nos rumos de uma nação. Perseguiu comunistas e homossexuais (apesar de ser gay e praticamente casado com um assessor). É claro que uma biografia tão rica e complexa como essa faria pressupor que renderia um filme, no mínimo, interessante, ainda mais quando se fica sabendo que o cineasta que comandará a empreitada será Clint Eastwood, responsável por algumas obras brilhantes nas últimas décadas. Em vista destas circunstâncias, o resultado final de “J. Edgar” (2011) acaba sendo frustrante. Não é um mau filme: Eastwood demonstra a velha classe e elegância no filmar, além de saber captar nuances importantes na caracterização do protagonista (nesse caso, mérito também de Leonardo DiCaprio, que novamente se desprende da pecha da galã e consegue compor um personagem que oscila com sutileza entre o autoritário e o vulnerável). O que incomoda na produção é a frieza e falta de aprofundamento em determinadas passagens, fazendo com que o filme tenha aquela aparência de um apressado resumão e de narrativa por vezes monótona. Eastwood não arrisca muito em suas tomadas, sugerindo uma certa preguiça criativa, não dando aquela grandeza formal de obras como “Os Imperdoáveis” (1992) e “Sobre Meninos e Lobos” (2003).