domingo, abril 24, 2011

Rio, de Carlos Saldanhas **1/2



O que há de mais interessante em “Rio” (2011) é a sua concepção visual. Na caracterização ambiental, o traço gráfico da animação busca um cuidadoso realismo, reproduzindo com minúcias detalhes da geografia de pontos turísticos do Rio de Janeiro. Apesar deste estilo mais naturalista, a produção também prima pela estilização, não só na composição dos personagens, mas também pelo retratar de um certo exotismo que emanaria da capital carioca. É claro que esse olhar é típico de um estrangeiro que acaba tendo uma visão idealizada da cidade (isso mesmo com o fato do filme ser dirigido por um brasileiro). Se tal estética acaba gerando alguns dos melhores momentos de “Rio” (principalmente nas sequências dos desfiles das escolas de samba), por outro lado dá origem a cenas que beiram a breguice (os números musicais que abrem e fecham o filme são primores de cafonice). A bem produzida trilha sonora elaborada por Sérgio Mendes é um perfeito reflexo de tal ambivalência formal. No mais, como narrativa, “Rio” é uma obra apenas correta e sem surpresas, não trazendo aquela atmosfera de tensão e aventura alucinada de algumas animações recentes (“Toy Story 3”, “Enrolados”).

sábado, abril 23, 2011

Eu Sou O Número Quatro, de D.J. Caruso *



Pode-se dizer que em termos teóricos a premissa básica de “Eu Sou O Número Quatro” (2011) seria interessante. A intenção de reciclar uma série de referências de histórias clássicas de super-heróis e de ficção científica pop visando e apresentá-las de forma revigorada para as novas gerações é promissora. O problema é que ao tentar agradar demais tais platéias novatas o filme mais descaracteriza suas fontes do que as engrandece. Dessa forma, o que era para ser uma aventura de conflitos entre raças alienígenas na Terra, tendo como protagonista uma jovem geração de superseres, acaba mais parecendo uma mistura indigesta de “Smallville”, “Malhação” e a série “Crepúsculo”. Para uma obra que se pretende de ação fantasiosa, acaba-se perdendo cerca de um terço do tempo de duração do filme com uma traminha mequetrefe de dramas colegiais (o tipo atlético boçal que pega no pé do mocinho, a garota bonita e inteligente desejada por todos, o nerd que todo mundo adora pegar no pé – pode crer, todos estão ali!). E quando finalmente a história parte para os momentos tão aguardados de quebra-pau entre mocinhos e vilões, o diretor D.J. Caruso se perde numa encenação que mais parece um vídeo game ruim. No meio de tantas concepções equivocadas, boas idéias como a interessante e assustadora composição visual dos vilões mogadorianos acabam desperdiçadas.

sexta-feira, abril 22, 2011

A Árvore, de Julie Bertuccelli **1/2



Há algo de árido no estilo de filmar da cineasta Julie Bertuccelli que remete a própria natureza emocional e disfuncional da trama de “A Árvore” (2010). Os planos ora lentos ora fixos da fotografia se revelam em sintonia com o tom reflexivo e triste que permeia todo o filme. Bertuccelli busca uma espécie de síntese entre a realidade e a fantasia, sem que essa última nunca fique exatamente clara. Os estranhos fenômenos que se abatem sobre a família dos protagonistas provem da natureza ou têm origem metafísica? Essa dúvida permanece por toda a obra e é o fator principal da narrativa enigmática de Bertuccelli. É fato também, entretanto, que o olhar contemplativo e a pretensa sutileza da simbologia de “A Árvore”, aos poucos, torna o filme enfadonho e preso a uma fórmula já gasta. Todas as metáforas do roteiro se encaminham para uma redentora conclusão (o furacão que dizima tudo parece também uma forma de acabar com toda a pasmaceira que ronda a produção). No final das contas, a natureza talvez seja o personagem principal de “A Árvore” e o grande mérito da obra está na forma majestosa e misteriosa com que tal “protagonista” é retratada na bela direção de fotografia do filme.

quinta-feira, abril 21, 2011

Uma Manhã Gloriosa, de Roger Mitchell *1/2



Comédias que tem como pano de fundo os bastidores do jornalismo representam quase que uma vertente própria dentro do cinema norte-americano. Basta lembrar produções antológicas como “Núpcias de Um Escândalo” (1940), “A Primeira Página” (1974) ou “Nos Bastidores da Notícia” (1987). Tais filmes formatam eficaz crítica irônica ao universo dos repórteres e noticiosos a um padrão cômico tradicional e popular. Tal combinação não se efetiva em “Uma Manhã Gloriosa” (2010), que foca os conflitos envolvidos na realização de um decadente programa matinal televisivo voltado para amenidades. A nova produtora executiva Becky (Rachel McAdams) descobre que investir na vulgaridade ostensiva é a melhor forma de salvar o programa. Esse pendor para o superficial também se alastra para a própria encenação de “Uma Manhã Gloriosa”. Tudo no filme é resumido e pouco aprofundado, tanto na sua dinâmica narrativa quanto na exploração temática. O que importa é que a obra se encaminhe para o tranquilo e redentor final feliz. E talvez o personagem Mick Pomeroy (Harrison Ford) seja um preciso retrato do que se vê na tela: um experiente jornalista investigativo político que descobre que a verdadeira realização está em apresentar quadros de culinária... E a decepção só aumenta quando lembramos que o diretor Roger Mitchell já teve dias bem melhores mesmo dentro do gênero comédia romântica – vide a melancolia leve de “Um Lugar Chamado Notting Hill” (1999).

Sexo Sem Compromisso, de Ivan Reitman **1/2



Seria fácil descartar “Sexo Sem Compromisso” (2011) como mais uma dessas insossas comédias românticas que constantemente aparecem no cinema. Também é de se considerar que o diretor Ivan Reitman já fez coisa bem melhor na área cômica (“Os Caça-Fantasmas”, “O Feitiço do Tempo”). Mesmo assim, esta obra mais recente traz algumas qualidades que a diferenciam de outras produções do gênero. Para começar, a caracterização dos personagens consegue evidenciar uma certa densidade psicológica nos seus conflitos existenciais (nesse caso, Natalie Portman oferece uma dimensão humana acima da média para a personagem principal). Os desencontros amorosos do casal de protagonistas são consistentes nas suas encenações. É mérito de Reitman também embalar essa abordagem dramática dentro de uma concepção cômica razoavelmente eficiente, com direito, inclusive, a momentos de comédia mais grosseira. O que impede que “Sexo Sem Compromisso” atinja vôos mais altos é a sua formatação convencional que dirige o filme para forçosas e fáceis soluções temáticas (lições de vida, finais felizes), o que acaba reduzindo o impacto que algumas sequências têm ao propor uma visão um pouco menos óbvias das relações amorosas contemporâneas.

quarta-feira, abril 13, 2011

Lope, de Andrucha Waddington **1/2


Como boa parte das cinebiografias, “Lope” (2010), por vezes, cai na armadilha de uma encenação resumida e simplista de fatos reais. Narrando o período de ascensão do poeta e dramaturgo Lope de Veja, o filme apresenta um certo vigor narrativo quando se concentra no protagonista dando vazão a sua criatividade lírica e nas bem elaboradas cenas de ação. O seu foco principal, entretanto, está muito mais na vida amorosa de Lope, com direito a momentos rococós arfantes de sexo, dilemas íntimos e desgastados conflitos do tipo “a minha amada virginal vem de uma família próspera e eu sou apenas um poeta vagabundo e sem um vintém”. No mais, essa produção internacional dirigida pelo brasileiro Andrucha Waddington surpreende pela reconstituição histórica e direção de arte eficientes que conseguem resgatar com razoável fidelidade a atmosfera lúgubre e suja da Idade Média. O resultado final é uma obra esquecível, mas que tem os seus momentos divertidos. Pelo menos, é bem mais suportável que o afetado “Casa de Areia” (2005), produção superestimada do mesmo Waddington.

terça-feira, abril 12, 2011

Quem Matou Leda?, de Claude Chabrol ***1/2


Pode-se dizer que o auge criativo do diretor francês Claude Chabrol esteve concentrado em seus últimos 25 anos de carreira. Em filmes como “Ciúme – O Inferno do Amor Possessivo” (1994), “Mulheres Diabólicas” (1995), “A Teia de Chocolate” (2000) e “A Dama de Honra” (2004) ele administrava um estilo próprio conciso, em que combinava magistralmente objetivas tramas de suspense com uma requintada caracterização psicológica de seus personagens, nunca dispensando a abordagem seca na sua estética cinematográfica. “Quem Matou Leda?” (1959), um de seus primeiros filmes, não trazia ainda essa forma mais compacta de filmar. Chabrol parece querer abarcar todos os gêneros na mesma produção - suspense, melodrama, comédia de costume – resultando num pastiche irônico, estando em sintonia com as colagens de referência de um de seus colegas de Nouvelle Vague, Jean-Luc Godard. Tal montanha russa de gêneros, entretanto, acaba sendo o ponto fraco de “Quem Matou Leda?” por deixar sua narrativa um tanto irregular, principalmente quando descamba em exagerados rococós românticos.

O forte do filme está na forma com que Chabrol manipula o tempo narrativo, esmiuçando ao máximo a ação cinematográfica na descrição de detalhes do roteiro em bem engendradas idas e vindas de presente e passado. Contribui para isso também a eficiente utilização de planos sequëncias que acompanham as tortuosas trajetórias dos personagens. E por falar neles, boa parte dos melhores momentos da produção traz a presença luminosa de Jean-Paul Belmondo como o boa vida Laszlo, um hedonista sempre pronto a tirar um sarro dos costumes pequenos burgueses. Aliás, a forte atmosfera dúbia de sensualidade e repressão que permeia todo o filme também é outro dos grandes méritos da obra e que também ajuda a tornar “Quem Matou Leda?” uma pérola de Chabrol a ser descoberta.

segunda-feira, abril 11, 2011

Film Socialisme, de Jean-Luc Godard ***1/2


Vamos concordar em uma coisa: Godard nunca foi de facilitar as coisas. E com o passar dos anos, o cara foi ficando cada vez mais complicado. Comparados com suas produções mais recentes, seus filmes iniciais são altamente acessíveis. “Film Socialisme” (2010) coroa essa viagem ao hermetismo de forma radical. Há uma tendência forte para a fragmentação ao se estabelecer narrativas que aparentemente pouco se relacionam. A tendência para o difuso se evidencia também na forma de filmar, que varia de planos sequências magníficos até colagens abruptas. Godard combina também trechos de técnicas documentais com momentos dramatizados de encenação antinaturalista (o que é o cerne de praticamente toda a sua filmografia). A profusão de diálogos quase desconexos em várias línguas acentua ainda mais a sensação de um mundo em colapso. Talvez a simbologia que venha no subtexto das técnicas particulares do cineasta em “Film Socialisme” possa beirar o impenetrável. O filme, entretanto, é sedutor pelas suas imagens e também pela impactante conjunção de tais imagens com a faixa sonora (música, diálogos e ruídos convivem em estranha harmonia): às vezes não entendemos muito o quê está acontecendo na tela, mas não desgrudamos os olhos dela.

sexta-feira, abril 08, 2011

Malu de Bicicleta, de Flávio Tambellini **1/2


As seqüências iniciais de “Malu de Bicicleta” (2010) não são muito animadoras. O diretor Flávio Tambellini investe naquela escola Jorge Furtado de dirigir: diálogos engraçadinhos e caricaturais, trucagens “espertas”, edição picotada. O filme aos poucos, entretanto, vai adquirindo uma narrativa equilibrada e sóbria, adotando uma linha dramática que se mostra bem mais eficiente e marcante que a comédia ligeira de sua abertura. Com trama que gira em torno do ciúme obsessivo do protagonista Luiz (Marcelo Serrado) pela sua bela namorada Malu (Fernanda de Freitas), “Malu de Bicicleta” lembra bastante o extraordinário “Ciúme – O Inferno do Amor Possessivo” (1994), um dos vários pontos altos da carreira do francês Claude Chabrol. Mesmo não tendo a mesma intensidade temática e formal de tal clássico, a obra de Tambellini consegue envolver pela tensão que obtém ao fazer o espectador ter a visão dos fatos sob a perspectiva distorcida e insegura de Luiz. Pena que inesperado final feliz acabe parecendo forçado e destoante.

quinta-feira, abril 07, 2011

Fúria Sobre Rodas, de Patrick Lussier *


Equações metafóricas vêm à minha mente para que eu possa expressar o equívoco que é “Fúria Sobre Rodas” (2011). Pense, por exemplo, em todas as bombas (e não foram poucas) das quais Nicolas Cage participou e concentre num filme só. Ou tente imaginar um diretor que acha que pode ser ao mesmo tempo Tarantino, Robert Rodrigues ou Rob Zombie (mas que não tem nem um décimo do talento e criatividade dos cineastas citados). De certa forma, pode-se até perceber as intenções artísticas do cineasta Patrick Lussier: valer-se de uma série de referências ao universo exploitation e condensar tudo numa obra com recursos hollywoodianos. E dá-lhe muito sexo, mulher pelada, tiros, perseguições automobilísticas, violência, explosões, personagens na linha “feios, sujos e malvados”, satanismo, frases de efeito e, claro, um anti-herói carismático. O resultado final, entretanto, está muito distante da criativa viagem pelo imaginário cinematográfico de um “À Prova de Morte” (2007). Assim como Zack Snyder no nefasto “Sucker Punch – Mundo Surreal” (2011), Lussier revela uma péssima mão na concepção da ação cinematográfica, abusando sem clemência da câmera lenta que beira o estático e de trucagens digitais que fazem, por vezes, “Fúria Sobre Rodas” ter o visual de um genérico game. É claro que há na atmosfera do filme uma sordidez que não é tão frequente nas produções derivadas dos grandes estúdios norte-americanos, mas que acaba diluída pela inconsistência narrativa da obra, não atingindo assim a mesma aura perturbadora da sombria obra-prima de Rob Zombie, “Rejeitados Pelo Diabo” (2005).

quarta-feira, abril 06, 2011

Sem Limites, de Neil Burger ***


É claro que se pode dizer que a trama e a atmosfera de “Sem Limites” (2011) remetem a elementos já explorados em outras obras de ficção científica, tanto no cinema quanto na literatura, principalmente daqueles derivados da transtornada mente de Philip K. Dick. Mas falta de originalidade não quer dizer exatamente falta de talento, e nesse sentido a produção mais recente de Neil Burger é um espetáculo satisfatório. Há evidentes exageros no roteiro, além de algumas soluções da história serem por demais simplificadas, mas o clima constante de paranóia e as trucagens eficientes (que ilustram as viagens da mente amplificada por drogas do protagonista) tornam “Sem Limites” um exemplar até acima da média dentro do padrão atual do gênero. Surpreende ainda que o filme traga alguns aspectos poucos usuais dentro do padrão hollywoodiano: prevalece uma atmosfera quase perturbadora pela sordidez e amoralidade de determinadas seqüências, além de uma violência crua e explícita em outros momentos. E mesmo com um Bradley Cooper canastrão no papel principal, há a atuação serena e de discretas nuances de Robert De Niro para compensar.

terça-feira, abril 05, 2011

Sucker Punch - Mundo Surreal, de Zack Snyder 1/2 (meia estrela)


Se olharmos por uma determinada perspectiva, “Sucker Punch – Mundo Surreal” (2011) seria uma produção louvável. Em uma era em que o cinema busca novas concepções que possam atrair as platéias, uma produção que busca influências de mídias diversas como os quadrinhos e os games acaba adquirindo um caráter que beira o experimental (vide o recente e extraordinário “Scott Pilgrim Contra o Mundo”). No caso de “Sucker Punch”, entretanto, esse pretenso caráter de vanguarda acaba ficando apenas na intenção e, quem sabe, possa servir como justificativa para um filme tão tosco.

Uma das coisas que impressiona em “Sucker Punch” é o fato de que todos os equívocos de obras anteriores de Zack Snyder, como “300” (2007) e “Watchmen” (2009), são potencializados em grau máximo. Estão lá aqueles velhos cacoetes de Snyder em rechear as seqüências de ação com câmeras lentas que esbarram no estático, a conjunção pouco orgânica de cenários “live action” com efeitos digitais, a direção de fotografia que mais parece uma filmagem direta de um video game, a encenação que remete a uma espécie de video clip mal coreografado de Britney Spears. A seqüência de abertura pode até servir como um coerente cartão de visita do que vem pela frente: uma narrativa trôpega cuja interação de imagens e música é pura estética de algum vídeo ruim dessas bandas de metal sinfônico contemporâneas. E no meio de tantas escolhas formais desastradas, nem dá para reclamar da caracterização caricatural de situações e personagens. Na verdade, acaba até ficando em sintonia com o espírito da obra...

Talvez daqui alguns anos alguém possa dizer que “Sucker Punch – Mundo Surreal” ficaria enquadrado numa categoria da linha “exploitation”, pela sua ruindade e exageros. A realidade, todavia, é que o seu caráter de grande produção retira qualquer aura de fuleiragem cult, não passando, na verdade, de um enfadonho exercício de estética onde tudo deu errado.

segunda-feira, abril 04, 2011

VIPs, de Toniko Melo **1/2


Há em “VIPs” (2011) um certo grau de ousadia formal. A situação do protagonista Marcelo (Wagner Moura) apresentar desequilíbrio psíquico faz com que narrativa fique marcada por uma variação na sua ambientação, que transita entre as realidades dos fatos e os delírios do personagem. A dinâmica que se estabelece na variação destes planos (o real e o imaginário) é quem fornece a densidade dramática do filme. Marcelo se envolve em situações limites, em algumas oportunidades colocando em risco a sua liberdade, em outras a própria vida, mas age como se tudo fosse um grande jogo. Assim, “VIPs” mostra em alguns momentos uma bem vinda sensação de dubiedade, em que sequências de suspense também trazem um insólita carga de humor, principalmente pelos elementos do insólito e do ridículo inerentes ao modo hedonista e lúdico com que Marcelo encara a vida – a interpretação over de Moura acentua ainda mais tal visão (o que se contrapõe com o tom de fúria contida que o ator tinha composto para o Capitão Nascimento de “Tropa de Elite 2”). O diretor Toniko Melo imprime um estilo de filmar que parece variar de acordo com a própria oscilação dos padrões de realidade. Quando o personagem principal entra nas suas “viagens”, a fotografia ganha um tom granulado. Se a trama envereda para a ação, a edição fica mais picotada. Tal alternância acaba revelando um dos pontos fracos de “VIPs”: há uma preocupação excessiva em facilitar para o espectador a visão das fronteiras entre o real e o irreal (dá para sacar desde o início do filme, por exemplo, que o “pai” de Marcelo é uma figura que só existe na imaginação dele). Há uma tendência também em se procurar explicações simplificadoras para as motivações do protagonista, como se houvesse uma necessidade de justificar suas ações (talvez tais equívocos sejam heranças das origens publicitárias e televisivas de Melo).

sexta-feira, abril 01, 2011

Cópia Fiel, de Abbas Kiarostami ***1/2


O neo-realismo italiano é uma influência clara em boa parte do melhor da filmografia iraniana das duas últimas décadas, principalmente na obra de Abbas Kiarostami. Assim, o fato de “Cópia Fiel” (2010) ser uma espécie de releitura de “Viagem à Itália” (1954), de Roberto Rosselini (o nome maior do neo-realismo), soa como uma consequência natural da trajetória autoral de Kiarostami. Não se trata, entretanto, de mera refilmagem ou homenagem. O reprocessamento dos preceitos de Rosselini é realizado de uma forma enviesada, com o cineasta iraniano estabelecendo uma ambiência que tangencia até mesmo o fantástico. Tendo como ponto de princípio uma discussão filosófica e existencial sobre as diferenças entre obras originais e cópias, a trama aos poucos se dissipa em várias direções e interpretações. O que vemos é uma realidade? Ou apenas uma simulação? Ou as duas situações que se fundem? Kiarostami torna a narrativa cada vez menos objetiva, a um ponto que o espectador não têm certeza se os protagonistas Elle (Juliette Binoche) e James (William Shimell) são realmente um casal em crise matrimonial, se são estranhos que estabelecem uma interpretação aleatória e espontânea de um “falso” casamento desgastado ou se a realidade se transmutou de forma mágica. É interessante notar que para acentuar este aspecto difuso Kiarostami se vale de um recurso que poderia se converter em um obstáculo para um diretor “estrangeiro” como ele: a língua. No filme, três idiomas (inglês, francês e italiano) são utilizados inicialmente de forma metódica, mas com o tempo os mesmos se alternam de forma caótica (afinal, James sabe falar francês? Ele tem alguma noção de italiano?). Essa babel linguística parece refletir a própria impossibilidade de diálogo em uma relação amorosa decadente.


Kiarostami também se vale em “Cópia Fiel” de algumas de suas soluções formais tradicionais, com destaque para os seus expressivos planos fixos, tanto naqueles abertos que valorizam o ambiente quanto naqueles mais fechados nas expressões faciais de seus personagens. Esses últimos, principalmente, são desconcertantes no sentido de que se capta com crueza a ação interna das criaturas de Kiarostami, o que acaba sendo um complemento fundamental nos momentos de entrega emocional de Elle e James. E nesse sentido, também não há como não destacar as composições dramáticas de Binoche e Shimell. Seus personagens traçam uma evolução de sentimentos e emoções com uma sutileza admirável, indo da serenidade civilizada até chocantes crises de destempero.