sexta-feira, janeiro 27, 2017

La la land, de Damien Chazelle ***

Há um grande exagero em dizer que “La la land” (2016) vai ressuscitar o gênero musical e de que o filme em questão seja uma obra-prima. Primeiro porque mesmo depois do período do grande auge dos musicais em Hollywood, ali entre os anos 30 e 50, apareceram, com frequência ainda que errática, alguns filmes expressivos no gênero. E segundo porque a produção dirigida por Damien Chazelle está bem longe de ser considerado um trabalho irretocável. Ainda assim, não deixa de ser um filme interessante. Pode-se perceber durante toda a narrativa que há um conceito e até mesmo uma certa visão de mundo particular em sua concepção artística. O gosto por uma estética retrô não é meramente um truque gratuito – quanto mais antigas são as referências culturais, visuais e cênicas que aparecem ao longo da trama, mais convincente e emotivo “La la land” se configura. Quando a produção parte para reciclagens e citações de coreografias e canções mais recentes, tudo parece caricato e sem alma. Ou seja, o viés do filme é claramente nostálgico e idealizado de uma Hollywood e uma cinema norte-americano que não existem mais (e, por que não?, de um mundo que já morreu). A partir de tal perspectiva, não há uma preocupação em uma recriação perfeita e literal dos antigos musicais, mas sim numa releitura simpática e algo desajeitada de tais produções (ainda que o virtuosismo técnico demonstrado por Chazelle por vezes caia no rococó estéril), no mesmo espírito de musicais tardios e brilhantes como “O fundo do coração” (1982) e “Todos dizem eu te amo” (1996). A narrativa é irregular, não havendo um dimensionamento preciso entre os números musicais e a narrativa “realista”, e há uma incidência excessiva em alguns recursos formais óbvios (várias vezes se recorre ao truque de escurecer praticamente todo o ambiente e deixar uma luz suave sobre o personagem que irá cantar). Por outro lado, “La la land” tem trunfos fortes nas mangas: a trilha sonora com memoráveis temas originais, a atuação carismática de Ryan Gosling, a ótima desenvoltura cênica em boa parte das coreografias. No conjunto geral, acaba sendo uma experiência estética acima da média e com considerável grau de ousadia artística a sair de um grande estúdio norte-americano, o que não é pouca coisa nos dias de hoje.

quinta-feira, janeiro 26, 2017

Manchester à beira-mar, de Kenneth Lonergan ***1/2

O longa-metragem mais recente do diretor norte-americano Kenneth Lonergan, “Manchester à beira-mar” (2016), mostra-se como uma extensão coerente de “Conte comigo” (2000), extraordinário filme anterior do mesmo cineasta. Ambas as obras têm como temática relacionamentos familiares disfuncionais, focando, inclusive, na relação entre tio e sobrinho, e possuem estruturas narrativas clássicas e elegantes, além de abordagens emocionais sóbrias, indicando um claro traço autoral por parte de Lonergan. A diferença entre os dois trabalhos é que no mais antigo a narrativa era mais enxuta e de certo viés irônico, enquanto “Manchester à beira-mar” se formata como um dolorido épico existencial que transita de maneira atribulada entre passado e presente, beirando por vezes o melodramático. Mas isso não quer dizer que o filme em questão descambe para o dramalhão – Lonergan tem um domínio rigoroso da narrativa, e a carrega com uma profunda carga metafórica pelo subtexto de seu roteiro. O uso de idas e vindas no tempo tem um sutil sentido na construção psicológica de situações e personagens, em que questões como religiosidade e relações humanas mal resolvidas são expostas com crueza e pungência, e mesmo alguns truques narrativos que poderiam soar óbvios e apelativos acabam recebendo um tratamento contido e de resultado eficaz, vide o belo uso de temas de música clássica em cenas cruciais do filme. Dentro de tal visão artística-humanista, a estética naturalista de “Manchester à beira-mar” cai como uma luva na narrativa, em que a dureza imagética da direção de fotografia e a serena edição realçam de maneira contundente as sensações de melancolia e de impossibilidade de redenção que pairam sobre a trama da obra. A direção de atores, uma das grandes qualidades características de Lonergan, é primorosa e se mostra em perfeita sintonia com a concepção estética-temática da produção, com destaque absoluto para Casey Affleck no papel do protagonista Lee Chandler, em uma interpretação repleta de notáveis nuances (é de se reparar as variações de composições dramáticas de Affleck de acordo com as mudanças de planos temporais ao longo da narrativa), e a sequência com a conversa final entre Lee e a ex-esposa Randi (Michelle Williams) é antológica na intensidade e delicadeza nas interpretações de Affleck e Williams e na própria encenação elaborada por Lonergan.

quarta-feira, janeiro 25, 2017

Moana - Um mar de aventuras, de John Musker e Ron Clements ***

A síntese artística/temática de “Moana – Um mar de aventuras” (2016) obedece a uma fórmula já testada com eficácia em outras animações da Disney: heroína decidida de tinturas levemente feministas, roteiro combinando lendas regionais e dilemas familiares dramáticos, muita ação frenética, traço e estética que evocam exotismos, números musicais melosos. Ainda que careça de maiores novidades, a obra em questão junta os elementos citados de maneira competente e tem os seus momentos memoráveis. O terço inicial do filme demora bastante a engrenar e é francamente chato no tom melodramático de delinear a trama e no excesso de cantorias grandiloquentes. O filme engrena realmente quando a protagonista Moana embarca na sua viagem marítima e encontra o semideus fanfarrão Maui. A partir daí, a animação se converte numa convincente sucessão de sequencias de aventura alucinada, aliada a uma boa caracterização de personagens e a detalhes gráficos de forte encanto imagético (é de se reparar, por exemplo, como as tatuagens de Maui se integram na narrativa com notável criatividade).

terça-feira, janeiro 24, 2017

A criada, de Chan Wook Park ****

O diretor sul-coreano Chan Wook Park faz um jogo de aparências desconcertante em “A criada” (2016). Aqueles acostumados com a violência gráfica impactante e as atmosferas doentias de obras extraordinárias como “Old boy” (2003) e “Sede de sangue” (2009) podem estranhar a opção do cineasta pelo gênero filme de época nesse seu trabalho mais recente. O primeiro terço da narrativa até sugere uma abordagem formal mais tradicional e algo suntuosa, alem da trama enveredar por alguns truques típicos do melodrama. Com sutileza, entretanto, Park envenena o filme com o seu habitual viés autoral, fazendo com que aquilo que inicialmente parecia uma convencional narrativa de suspense, ainda que muito bem executada na sua dinâmica e concepção visual, vá se convertendo numa obra de simbologia perversa e libertária e cuja estética revela uma impressionante criatividade imagética. As sequencias de sexo entre as protagonistas, por exemplo, são antológicas pela forma com que combinam crueza erótica, desenvoltura cênica e grandiosidade barroca. A edição tem um talhe clássico em sua execução e valoriza com sensibilidade as idas e vindas temporais na trama, ressaltando dessa forma as insólitas e engenhosas nuances irônicas de tais truques narrativos. Dentro desse conjunto de soluções artísticas, fica evidente que a grande jogada criativa de Park em “A criada” está na sutil desconstrução dos ditames ocidentais da estrutura narrativa de um gênero para os recriar sob um olhar vigoroso e sardônico.

segunda-feira, janeiro 23, 2017

Neruda, de Pablo Larrain **1/2

O chileno Pablo Larrain é um diretor que apresenta um certo grau de teor autoral e ousadia em sua filmografia. Em seus melhores momentos, como “No” (2012) e “O clube” (2015), conseguiu obter uma expressiva síntese de formalismo inquietante e temática de forte teor contestatório. Dessa forma, sua obra mais recente, “Neruda” (2016), acaba parecendo frustrante diante de seus trabalhos anteriores. Não que seja propriamente um filme ruim. Dá para perceber em algumas passagens da produção ideias estéticas bem sacadas, como a estilização da narrativa carregada de simbologias, o uso insólito de truques digitais e a atmosfera hedonista e algo delirante de determinadas sequências, e mesmo uma perspectiva histórica sobre o tema, a fuga do poeta e político Pablo Neruda (Luis Gnecco) durante o período em que o seu partido comunista foi declarado ilegal no Chile, que tem um certo aprofundamento psicológico e existencial. O grande problema do filme, entretanto, é que esses aspectos positivos não se integram de maneira orgânica diante de um teor indulgente na execução dessa concepção intrincada. Faltou um rigor artístico mais contundente na condução da narrativa por parte de Larrain, o que faz com que o filme em alguns momentos descambe para o melodrama brega e barato, o que fica evidente na caracterização canastrona de Gael Garcia Bernal como o antagonista Oscar Peluchoneau e na preguiçosa plasticidade de várias cenas.

domingo, janeiro 15, 2017

Animais noturnos, de Tom Ford ***

O fato do diretor Tom Ford ser também um estilista renomado está evidente em cada fotograma de “Animais noturnos” (2016). A sequência inicial de créditos, por exemplo, faz um contraste perturbador entre o grotesco da dança de obesas mórbidas seminuas com a ambientação requintada que as cerca, marcando a oposição visual entre a beleza e a feiura. Mesmo quando a trama envereda nas passagens com os rednecks “feios, sujos e malvados” há um forte grau de estilização da sordidez. Dentro dessa sua concepção artística, Ford constrói uma narrativa ambiciosa e irregular. Num primeiro momento, o filme parece emular uma espécie de síntese bizarra de David Lynch e Federico Fellini, em que a edição fragmentada e a caracterização bizarra e caricata de personagens e situações insinuam uma atmosfera onírica/delirante. Aos poucos, entretanto, roteiro e encenação se estabilizam para uma direção oposta, com o filme se convertendo para um melodrama barroco que se desenvolve em duas frentes temporais (passado e presente) e mesmo dimensionais (com a história do romance que é lido pela protagonista Susan se entrecruzando com a “realidade” da personagem). Há pontos positivos nas escolhas artísticas de Ford – a conotação de perversa parábola moral do roteiro, a expressiva beleza plástica de algumas sequências, trilha sonora de temas marcantes, ótimas atuações no elenco. O problema é que todas essas qualidades por vezes esbarram numa narrativa exageradamente bombástica e pouco sutil, e que em alguns momentos até resvala no francamente brega e novelesco, não havendo aquele contraponto de ironia que fazia “A garota exemplar” (2014), obra de temática e estética semelhantes, transcender como obra extraordinária. Ainda assim, boa partes de tais equívocos são frutos de ousadias formais e textuais de Ford e juntamente com os já aludidos acertos da produção credenciam “Animais noturnos” como uma inquietante experiência cinematográfica.

sábado, janeiro 14, 2017

As confissões, de Roberto Andò ***

Assim como ocorre em “Eu, Daniel Blake” (2016), a produção italiana “As confissões” (2015) mostra contundente ressonância com o cenário sócio-político contemporâneo mundial. O diretor Roberto Andò já havia mostrado uma queda para a sátira política em “Viva a liberdade” (2013), mas nessa obra recente a sua abordagem se revela mais sombria e complexa. A trama tem na sua superfície uma formatação tradicional para o suspense. Ocorre, entretanto, que a história de mistério envolvendo o suicídio do presidente do FMI durante o encontro num imenso hotel luxuoso e isolado com os ministros da economia dos países mais ricos do mundo na verdade vai se configurando aos poucos como uma ácida parábola moral a refletir o descaso do Estado neoliberal e a ganância de grandes corporações e bancos diante do interesses de sobrevivência da maioria da população mundial. Mesmo a figura do protagonista, o monge Roberto Salus (Toni Servillo), tem o caráter simbólico de servir como uma espécie de consciência existencial, parecendo uma homenagem ao papel desempenhado atualmente pelo Papa Francisco. A direção de Andò demonstra segurança e até uma certa ousadia na forma com que contrasta a opulência visual dos cenários com a podridão ética dos personagens e algumas situações, além de algumas sequências mostrarem uma expressiva síntese entre a ironia e o fantástico. É de se destacar também as ótimas composições dramáticas nas interpretações de Servillo e Daniel Auteuil. Alguns detalhes do roteiro e determinadas nuanças estéticas fazem lembrar filmes italianos clássicos no gênero político como “Juízo final” (1976) e “Saló ou os 120 dias de Sodoma” (1976), o que pode até causar alguma frustração, pois Andò está bem distante de mostrar a mesma profundidade psicológica e formalismo peculiar de Elio Petri e Pier Paolo Pasolini. Ainda assim, “As confissões” é uma obra capaz de inquietar os espectadores pela força de sua narrativa e pela lucidez crítica de sua visão de mundo.

quinta-feira, janeiro 12, 2017

Eu, Daniel Blake, de Ken Loach ****

Este blog tem a intenção primordial de falar sobre filmes, mas para comentar uma obra como “Eu, Daniel Blake” (2016) é inevitável para este que vos escreve fazer um pequeno aparte sócio-político. É que na minha visão, um regime previdenciário que prevê concessão de proventos integrais somente após 45 anos de trabalho e idade mínima de 65 anos aliado a uma radical flexibilização de direitos trabalhistas, conforme deseja o usurpador Temer e seus asseclas políticos e empresários, tem fins bastante específicos: matar pobre e humilhar a classe trabalhadora, jogando milhões de pessoas no mercado informal e na marginalidade. O diretor britânico Ken Loach parece também concordar com tal previsão pessimista, pois a trama de seu filme mostra justamente a trajetória de degradação e angústia morais e existenciais pelo qual o protagonista do título passa ao ter de deixar de trabalhar por problemas de saúde e recorrer aos programas de auxílio a desempregados da Inglaterra. Loach conduz a sua narrativa com rigor e precisão, optando por um registro cru e detalhista, sem apelar a truques melodramáticos excessivos, para mostrar o absurdo e desumano inferno tecnoburocrático no qual Daniel (Dave Johns) se afunda em busca de uma ajuda para a sua subsistência básica. O roteiro tem uma profundidade e síntese dialética notáveis, o que se revela em nuances contundentes como a ausência de moralismo hipócrita ao mostrar amigos do personagem principal recorrendo à prostituição e ao descaminho para poderem sobreviver e na arrasadora e coerente conclusão da saga de Daniel. A sobriedade na construção narrativa da produção não sacrifica o forte aspecto emocional inerente a uma história como essa – pelo contrário, pois amplifica ainda mais a dimensão humanista da obra e o caráter desafiador da visão de mundo de Loach.

segunda-feira, janeiro 09, 2017

A lenda do pianista do mar, de Giuseppe Tornatore ***

No melhor e no pior de sua filmografia, o cinema do diretor italiano Giuseppe Tornatore é marcado por uma conturbada síntese entre barroquismo pomposo e exagerado e uma forte carga sentimental (que por vezes cai no cativante, por vezes afunda na breguice). “A lenda do pianista do mar” (1998) é um dos seus trabalhos em que essa sua habitual fórmula se revela melhor acabada. A partir de um roteiro repleto de alegorias e melodrama, a produção apresenta estética e atmosfera que evocam o delírio e o onirismo que marcaram algumas das produções mais emblemáticas de Federico Fellini (nesse sentido, “E la nave va”, por sua ambientação igualmente marinha, seja a conexão mais próxima). O encantador tom artificialista da fotografia e a música exuberante de Ennio Morricone colaboram nessa atraente orientação irreal da narrativa. Por outro lado, há um excesso de teor caricatural na caracterização de personagens e situações e soluções convencionais em demasia no roteiro, o que retira muito do potencial de tensão dramática do filme. Mas ainda que fique esse gosto de inconsistência, o saldo final é positivo por algumas já aludidas ousadias na construção de sua linguagem, e por ser, de certa forma, um enfático exemplar dos dilemas artísticos de Tornatore.

sexta-feira, janeiro 06, 2017

Chico - Artista brasileiro, de Miguel Faria Jr. **1/2

Depois de assistir a “Chico – Artista brasileiro” (2015), uma impressão inicial logo fica evidente – está muito longe de ser o desastre que foi “Vinicius” (2015), equivocada cinebiografia de Vinicius de Moraes também dirigida por Miguel Faria Jr. Dessa vez, o cineasta soube valorizar melhor a vida e arte de seu protagonista, não recorrendo a constantes e inconsistentes truques sentimentais e narrativos. Por outro lado, a complexidade artística e existencial de uma figura como Chico Buarque exigia uma concepção estética-temática menos previsível e mais ousada. A dinâmica da narrativa é correta, boa parte dos números musicais tem os seus atrativos na coerência da escolha de canções e intérpretes e a própria “matéria prima” original já configura um atrativo à parte (farto material de arquivo visual, depoimentos repletos de informações e erudição de Chico e, é claro, o seu expressivo cancioneiro). No final das contas, entretanto, essa mera competência formal e textual não se mostra em sintonia com o caráter inquietante que marca a produção cultural e a própria trajetória de Chico Buarque na sua síntese de tradição e transgressão. Por vezes, o documentário se mostra tão bem-comportado que faz beirar o institucional, não sabendo explorar com mais sensibilidade e perspicácia os dilemas, as contradições e a beleza singular que provém de tudo aquilo que Chico está envolvido (música, teatro, literatura e mesmo sua vida).

quinta-feira, janeiro 05, 2017

Sing, de Garth Jennings ***

Essas recentes franquias televisivas no estilo “caça-talentos musicais”, como The Voice ou X-Factor, não passam de uma versão reciclada de tranqueiras divertidas como o Show de Calouros do Silvio Santos ou da Discoteca do Chacrinha, com a diferença de que se levam muito a sério ao acrescentarem dicas de profissionais da área e conselhos de autoajuda. Ou seja, é um negócio francamente ridículo. Dessa forma, a única forma de gostar desse tipo de coisa é quando se assiste a uma inteligente paródia como esse “Sing” (2016), um desenho animado em que os candidatos a estrelas são animais antropomorfizados. Nesse sentido, o diretor Garth Jennings atinge uma síntese artística bastante eficiente, conciliando ironia espalhafatosa nos números musicais, melodrama cômico na medida certa na caracterização dos personagens e até um senso de ação cinematográfica por vezes alucinante (as sequências de perseguições, em particular, tem um afiado teor de tensão e grafismo rebuscado). Ao lado de “Zootopia” e “Pets”, o filme de Jennings acaba fechando em 2016 uma involuntária e memorável tríade de animações com bichos!

quarta-feira, janeiro 04, 2017

Capitão fantástico, de Matt Ross ***

Por vezes, o diretor Matt Ross se rende a algumas convenções melodramáticas e a alguns óbvios truques narrativos que tiram um pouco da força sensorial de “Capitão fantástico” (2016). Ainda assim, o filme tem um resultado final memorável, principalmente por algumas ousadias de forte empatia. A começar pela síntese entre crueza e forte plasticidade na forma com que o seu registro visual retrata uma natureza selvagem e a interação dos personagens com esse cenário, chegando a lembrar o estilo do alemão Werner Herzog nesse tipo de concepção cênica. É admirável também o trabalho de direção de atores, em que a fluidez e expressividade das interpretações de Viggo Mortensen e do elenco de adolescentes e criança rendem cenas antológicas pela dinâmica da interação entre eles. O roteiro do filme também configura um ponto alto para a narrativa, no sentido do inusitado de algumas passagens, na complexidade psicológica e existencial na caracterização de alguns personagens, na verve irônica e contestadora de boa parte dos diálogos e de um saudável teor libertário do subtexto – nesse sentido, “Capitão fantástico” apresenta sintonia artística e temática com uma das obras-primas da temporada, “A bruxa”, pela contundência e lucidez de um discurso anticristão. E para coroar os acertos da produção, há uma belíssima trilha sonora que combina com precisão temas etéreos encantadores, cortesia dos islandeses do Sigur Ros, e ótimas canções rock. Diante do obscurantismo e reacionarismo que tomaram conta do cenário sócio-político-cultural no mundo em 2016, o caráter sardônico e desafiador de “Capitão fantástico” acaba lhe dando uma efetiva transcendência artística.

terça-feira, janeiro 03, 2017

Rogue One - Uma história Star Wars, de Gareth Edwards ***1/2

O grande acerto de “Rogue One – Uma história Star Wars” (2016) é que há foco e conceito muito bem definidos – o fato de ser um spin-off faz com que a ênfase esteja numa abordagem mais sórdida e violenta tanto de seu roteiro quanto em sua própria encenação (nesse sentido, faz lembrar um dos melhores filmes da franquia, “A vingança dos Sith”). Ainda que a história se refira a eventos que afetam de forma decisiva toda a saga e tenha participação marcante de Darth Vader, o filme traz aquilo que seria o lado b do universo Star Wars, o que se reflete na caracterização de situações e personagens e numa propensão para um detalhismo gráfico perturbador. Nessa linha, é como se a produção resgatasse a atmosfera entre o sombrio e o fuleiro dos vários filmes b que surgiram no lastro da obra original de George Lucas e mesmo do universo expandido da série (quadrinhos, animações e afins), além de revelar influências temáticas e formais de filmes de guerra clássicos (impossível, por exemplo, não lembrar da missão suicida e das figuras trágicas da obra-prima “Os doze condenados”). Pode ser que tais referências sugiram uma espécie de colcha de retalhos narrativa, mas o diretor Gareth Edwards consegue sintetizar tais influências diversas com notável precisão, fazendo com que o que era para ser um aperitivo em relação aos filmes “principais” da franquia acabe ganhando uma dimensão artística bem mais ampla. Há em “Rogue One” qualidades que estavam ausentes em “O despertar da força” (2015) – cenas de ação com efetiva carga de tensão dramática e coreografadas de maneira memorável, personagens com carga psicológica mais complexa e delineada (o espião assassino em crise existencial interpretado por Diego Luna, por exemplo, é um personagem muito bem construído), roteiro bem equilibrado na delimitação dos dilemas dramáticos e da aventura alucinada. Diante de todos esses pontos positivos, “Rogue One” faz com que a retomada da franquia “Star Wars” se afaste bastante da mera picaretagem marqueteira que “O despertar da força” fazia supor.

segunda-feira, janeiro 02, 2017

Melhores filmes de 2016

1

1) Elle, de Paul Verhoeven
2)      Aquarius, de Kleber Mendonça Filho
3)      Os oitos odiados, de Quentin Tarantino
4)      A bruxa, de Robert Eggers
5)      Demônio de neon, de Nicolas Winding Refn
6)      Boi neon, de Gabriel Mascaro
7)      Julieta, de Pedro Almodovar
8)      A vizinhança do tigre, de Affonso Uchoa
9)      Mãe só há uma, de Anna Muylaert
10)   Francofonia – Louvre sob ocupação, de Alexander Sokurov
11)   Dois caras legais, de Shane Black
12)   Tio Bernard: Uma antilição de economia, de Richard Brouillette
13)   Belos sonhos, de Marco Belllocchio
14)   Creed, Ryan Coogler
15)   Mogli – O menino lobo, de Jon Favreau
16)   Creepy, de Kiyoshi Kurosawa
17)   Mais forte que bombas, de Joachim Trier
18)   A assassina, de Hou Hsiao-Hsien
19)   Que viva Eisenstein, de Peter Greenaway
20)   Ave, César, de Ethan e Joel Coena
21)   A paixão de JL, de Carlos Nader
22)   Mate-me por favor, de Anita Rocha Silveira
23)   BR 716, de Domingos de Oliveira
24)   A grande aposta, de Adam McKay
25)   O vale do amor, de Guillaume Nicloux