sexta-feira, setembro 30, 2011

O Diamante Branco, de Werner Herzog ***1/2



Voltando a uma de suas temáticas favoritas, a relação conturbada entre o homem e a natureza, o diretor Werner Herzog oferece um retrato perturbador da obsessão humana no documentário “O Diamante Branco” (2004). Nos momentos iniciais, predomina um certo detalhamento técnico das minúcias que envolvem o projeto do protagonista Graham Dorrington, um engenheiro aeronáutico que projeta e constrói um dirigível com o objetivo de filmar uma floresta da América do Sul. Com o desenrolar da produção, entretanto, Herzog insere sutilmente elementos pessoais dos principais envolvidos na operação, extraindo depoimentos e situações que refletem um choque entre conflitos intimistas com a dimensão épica da jornada de Graham. Fica estabelecida uma metáfora poética: quanto mais avançam na floresta e procuram fazer com que o dirigível alce vôo, mais revelam e se aprofundam sobre as razões de se envolverem em empreitada tão difícil. Além disso, o cineasta mostra a sua habitual e particular forma de retratar ambientes nativos, num misto de admiração e temor perante o desconhecido. No geral, o registro de Herzog em “O Diamante Branco” até evoca uma das suas mais obras mais comentadas no gênero documentário, “Fata Morgana” (1970), com o real se transmutando em imagens que até ganham conotações oníricas – afinal, o diamante branco do título é uma comparação entre o formato da aeronave em questão no ar com aquele da pedra preciosa que por muitos anos era encontrada na Guiana Francesa, local onde a obra foi filmada.

quinta-feira, setembro 29, 2011

Fata Morgana, de Werner Herzog ***1/2



Tentar entender ou explicar “Fata Morgana” (1970) como um documentário a retratar o coração e alma da África seria impreciso. Aparentemente, não há um roteiro linear que ajude ao espectador a compreender o que seria a “trama” do filme. São imagens e sons que se sucedem e combinam, com sucessivos planos seqüências, de forma um tanto aleatória. O que era para ser cinema verdade acaba se tornando uma espécie de divagação existencial e estética a refletir um estado espiritual. Herzog demonstra olhar fascinado sobre o exotismo e mistério que rondam o continente africano, mas não transforma sua produção em algo de caráter didático ou de exaltação para gringo ver. Seu registro é de tintas impressionistas, em que mesmo o flagra da “verdade”, de acordo com a concepção formal do diretor, adquire, por vezes, o viés do irreal e do atemporal, sensação essa que é reforçada ainda mais por uma trilha sonora climática, marcada por temas típicos de rock progressivo setentista na linha kraut rock. Também permeia “Fata Morgana” a característica forma de Herzog retratar a natureza: sua abordagem não é de deslumbre ecológico, mas sim de um temor em relação ao desconhecido que emana daquelas paisagens inóspitas. Tal visão, por sinal, continuou a ser explorada em obras posteriores e fundamentais do diretor (“Aguire”, “Fitzcarraldo”, “O Homem Urso”).

quarta-feira, setembro 28, 2011

Larry Crowne - O Amor Está de Volta, de Tom Hanks **1/2

O título que arrumaram no Brasil para a mais recente incursão de Tom Hanks na direção acaba dando um sentido enganoso para a produção. Não que o elemento comédia romântica não esteja presente na trama – na realidade, é até um dos seus motes centrais. Mas “Larry Crowne – O Amor Está de Volta” (2011) tem uma pretensão um pouco maior na sua proposta. O que na realidade o diretor se propõe no filme é realizar uma espécie de revitalização daquelas comédias dramáticas de Frank Capra, em que no meio da recessão econômica pós-1929 se procurava fazer uma exaltação dos melhores valores humanos do homem comum norte-americano. No caso de Hanks, o roteiro se contextualiza na ressaca da quebra da economia mundial ocorrida em 2008 (e que na realidade ainda se expande atualmente). Os protagonistas vividos por Hanks e Julia Roberts se encontram com suas vidas pessoais em colapso. A personagem de Julia, inclusive, esboça um caráter niilista, devidamente temperado por alcoolismo light. Por se tratar de uma comédia de elenco estelar, é óbvio que tais figuras alcançam a sua redenção. É inegável, entretanto, que “Larry Crowne” traga no seu bojo uma visão crítica em relação aos valores pequenos burgueses. Por mais que as suas criaturas tenham um final feliz, algumas das soluções propostas na conclusão não enveredam pela mágica fácil. É como se o filme propusesse algo na linha “seja feliz com o que você tem ao seu alcance”, o que não deixa de ser um viés desafiador das convenções pequeno burguesas de sucesso a qualquer preço. No mais, Hanks pode não ter a mesma classe formal de Capra, mas mesmo assim consegue oferecer alguns momentos de boa diversão escapista, mas com uma certa dose de reflexão.

sexta-feira, setembro 23, 2011

Até o Fim - E Além, de Peter Buchka ***1/2



A concepção de “Até o Fim – E Além” (1988) até exala uma aparente simplicidade – consiste basicamente em uma entrevista do diretor alemão Werner Herzog comentando algumas de suas principais obras, entrecortado por trechos dos mesmos. O próprio fato de exibir alguns dos melhores momentos da cinematografia de Herzog já transformaria tal documentário em uma produção de peso, mas as coisas transcendem ainda mais pelo conteúdo das declarações do cineasta germânico. Ele expõe com veemência as suas visões pessoais e filosóficas sobre o cinema e o mundo que o cerca, explicando como tais visões se relacionam com a sua filmografia. Em suas observações, Herzog traz algo entre o delirante e a lucidez, conflito esse que sempre se manifestou em filmes como “Aguirre – A Cólera dos Deuses” (1972) e “Fitzcarraldo” (1982). Gostando ou não de sua obra, é inegável que a mesma reflete com fidelidade as intenções formais e temáticas de Herzog. Isso pode ser constatado na medida em que as declarações do artista revelam um grande domínio dele em relação ao que desejava e ao que realizou em seus filmes. E talvez esse seja o grande mérito de “Até o Fim – E Além”, na medida em que joga uma luz sobre as produções do artista e lhe dá uma perspectiva que as tornam ainda mais fascinantes.

quinta-feira, setembro 22, 2011

Cowboys e Aliens, de Jon Favreau **1/2



Dentro de uma concepção típica da cultura pop, a ideia central de “Cowboys e Aliens” (2011), apesar de não muito original, é muito boa ao procurar juntar dois dos mais estimados gêneros cinematográficos – faroeste e ficção científica. Não deixa de ser atraente também o fato de uma trama e ambientação características do cinema B receberam um tratamento de produção classe A. Mas se na teoria tais aspectos despertam curiosidade, na execução as coisas ficam abaixo do esperado. O pastiche de elementos diversos faz que tanto a parte western quanto a espacial soam fake e limpinhas demais. É claro que não dava para esperar um estilo clássico no dirigir na junção de gêneros diversos. O que incomoda é uma ambientação um tanto asséptica em que até a sujeira e o sangue parecem excessivamente clean. É de notar também que uma trama como “Cowboys e Aliens” exigiria uma abordagem mais marcada pela ironia, tendo em vista o tom juvenil de sua premissa. O que predomina durante o filme, todavia, é um viés dramático, de conotações moralistas e repleto de discursos edificantes, o que acaba sendo um pouco ridículo. Deixando tais equívocos de lado, resta ainda em alguns momentos uma diversão espapista até bem palatável, principalmente pelos bons efeitos especiais e pela ação desenfreada de algumas sequências. Talvez o azar de “Cowboys e Aliens” esteja no fato de que em 2011 houve produções de aventura nas telas bem mais satisfatórias como “X-Men: Primeira Classe”, “Capitão América: O Primeiro Vingador” e “Planeta dos Macacos: A Origem”.

quarta-feira, setembro 21, 2011

Além da Estrada, de Charly Braun **1/2



O grande mérito de “Além da Estrada” (2010) está na forma com que o filme aproveita as paisagens do interior do Uruguai. A direção de fotografia da produção consegue captar com sensibilidade a beleza melancólica dos pampas. Tais enquadramentos, entretanto, não se limitam à mera demonstração de virtuosismo. O diretor Charly Braun consegue estabelecer uma relação dessas imagens com a temática do filme – a de jovens em momento de indecisão que procuram algum sentido para a sua vida. De certa forma, Braun evoca um pouco da escola Sofia Coppola de filmar – olhar contemplativo, personagens em crise existencial, trilha sonora na linha rock/folk indie. O seu diferencial dentro do mencionado estilo se encontra no fato de se utilizar técnicas documentais no registro de algumas cenas, quase como se quisesse captar o efeito casual em diálogos e situações. Nesses momentos, “Além da Estrada” atinge o seu pico criativo. No geral, padece de uma certa frouxidão na dinâmica cinematográfica pelo excesso de quebras no seu ritmo narrativo.

segunda-feira, setembro 19, 2011

Esses Amores, de Claude Lelouch ***



Em um primeiro plano, “Esses Amores” (2010) seria uma história romântica marcada por um pano de fundo histórico. Em essência, entretanto, trata-se de uma espécie de inventário estético e biográfico do diretor francês Claude Lelouch, onde o mesmo faz a profissão de fé de suas obsessões formais e temáticas. Misturando gêneros (romance, guerra, musical), o cineasta gera um pastiche que configura diversas influências e referências, e, por mais que tenha passagens de histórias reais, monta um mosaico narrativo que evoca vários elementos do nosso imaginário cinematográfico. Em alguns momentos, a narrativa se torna frouxa e até mesmo fragmentada, com personagens e situações se desenvolvendo de forma superficial e apressada, mas é inegável que algumas sequências trazem um cuidado visual e sonoro cativante, induzindo a um registro de tintas quase oníricas. De certa forma, é como se Lelouch jogasse no celulóide uma gama de reminiscências e fizesse com que as lembranças se materializem numa trama. Como toda recordação, é provável que o tom fique distorcido/idealizado, o que dá para o filme uma atmosfera algo irreal. Apesar de um todo irregular, “Esses Amores” é um exercício contundente de cinema por afirmar um toque personalista na sua concepção e realização.

sexta-feira, setembro 16, 2011

Ainda Há Pastores?, de Jorge Pelicano ***1/2



Em princípio, a temática do documentário português “Ainda Há Pastores?” (2008) aparenta simplicidade: o progressivo fim da atividade pastoril na Serra das Estrelas. Registra prosaicos episódios do quotidiano dos moradores da região, dando especial ênfase para a rotina de Hermínio, o mais jovem pastor em atividade da localidade e, possivelmente, o último que exercerá a profissão. O diretor Jorge Pelicano adota uma concepção formal, entretanto, que transcende o conteúdo de sua trama, dando a mesma uma dimensão épica e que beira até mesmo um certo tom delirante. A direção de fotografia capta flagras antológicos da beleza natural daquelas montanhas, fazendo com que o local se apresente aos olhos do espectador como um refúgio situado em um fragmento de eternidade em que o tempo parou. Mesmo assim, Pelicano sempre nos deixa consciente que o fim daquela civilização arcaica e bucólica está próximo, com a modernidade do mundo exterior sempre à espreita agindo como um canto da sereia para os seus derradeiros habitantes. A solene narração em off acentua a impressão de anacronismo melancólico que ronda a produção. A figura de Hermínio sintetiza com perfeição os conflitos e contradições que emanam de “Ainda Hás Pastores?”: o rapaz é uma verdadeira força da natureza no seu misto de força bruta, ignorância, bom humor, observações perspicazes e hábitos bonachões (fuma e bebe como um condenado, além de adotar dieta alimentar baseada em muita gordura e quase nada de vegetais), pastoreando sem parar pelos campos e montanhas, mas se sentindo atraído pela possibilidade de trabalhar menos e descansar mais numa possível troca pela vida na cidade. E dentro de um conjunto tão coeso como narrativa, destacam-se algumas seqüências pela graça que oscila entre o ingênuo e o malicioso, como aquela em que Hermínio vai ao show do seu ídolo musical Quim Barreiros – a fúria com que rapazes e moças dançam no salão lembra muito mais um show punk do que a apresentação de um cantor brega-regional.

quarta-feira, setembro 14, 2011

Lanterna Verde, de Martin Campbell **1/2



Em adaptações recentes bem sucedidas do universo dos quadrinhos para o cinema como “X-Men: Primeira Classe” e “Capitão América: O Primeiro Vingador”, constata-se uma eficiente combinação de roteiros interessantes com encenações claras e dinâmicas, além de um respeito pela essência dos personagens conforme a sua mídia original. Em “Lanterna Verde” (2011), tal equação não consegue se concretizar. Claro que há pontos a se louvar, como os bonitos efeitos visuais, a caracterização repulsiva dos vilões e uma ambientação um tanto violenta e sórdida. No mais, entretanto, predomina uma narrativa truncada, aliada a uma trama que pouco desenvolve personagens e situações – é tudo muito rápido e superficial, com o diretor Martin Campbell dando a aparência de estar seguindo burocraticamente alguma cartilha de como fazer versões cinematográficas de um gibi. Completa os equívocos uma interpretação desprovida de carisma e profundidade de Ryan Reynolds no papel do protagonista. Claro que está longe de ser um filme ruim, mas como resultado final, “Lanterna Verde” acaba sendo uma decepção dupla, tanto pelo potencial criativo desperdiçado do personagem principal quanto pelo histórico de Campbell, o mesmo responsável por “Cassino Royale” (2006), uma das melhores aventuras da série 007.

terça-feira, setembro 13, 2011

Amor a Toda Prova, de Glen Ficarra e John Requa **



Steve Carrell é um ator cômico de potencial considerável. Quando bem aproveitado (“O Âncora”, “O Virgem de 40 Anos”), consegue ter alguns momentos antológicos de humor alucinado. Nos últimos anos, entretanto, tem se enquadrado em, pelo menos, dois insípidos nichos específicos no gênero comédia – aventuras light e familiares (“Agente 86”, “Uma Noite Fora de Série”, “A Volta do Todo Poderoso”) e dramas indie familiares (“Pequena Miss Sunshine”, “Eu, Meu Irmão e Nossa Namorada”). “Amor a Toda Prova” se enquadra na segunda opção e é igualmente frustrante. A premissa inicial da trama é até interessante – o protagonista Cal (Carell) é traído pela esposa (Julianne Moore), com a mesma pedindo ainda o divórcio. A partir daí, acaba recebendo lições de um sebento metido a conquistador (Ryan Gosling) e passa a sair com várias garotas. O que poderia ter sido uma ácida crítica ao bem comportado modo de vida classe média aos poucos se converte na exaltação deste mesmo modelo, com Cal fazendo de tudo para reconquistar a ex-mulher. O final brega, com aqueles literais discursos moralistas, põe tudo mais a perder ainda. A concepção formal do filme obedece aos ditames temáticos, adotando visual e encenação assépticos, ainda que a bonita trilha sonora de canções indies insista em oferecer uma certa atmosfera indie. No mais, o filme até tem algumas sequências efetivamente engraçadas, quando se esquece o seu tom moralizante, além de possuir um elenco acima da média, mas acaba sendo pouco para salvar “Amor a Toda Prova” de um resultado final insatisfatório.

segunda-feira, setembro 12, 2011

Pacific, de Marcelo Pedroso **1/2



O próprio formato de “Pacific” (2010) já é algo polêmico. Afinal, coloca em cheque a importância do papel do diretor de um filme no momento em que o cineasta Marcelo Pedroso não coordenou qualquer tomada no documentário, aproveitando-se exclusivamente de registros amadores dos turistas participantes de um cruzeiro para Fernando de Noronha. Assim, seu papel foi trabalhar o material na montagem e lhe dar a coesão narrativa. Para aqueles que acreditam no cinema dentro da concepção de obra bem composta visualmente, tal procedimento beira a heresia. No entanto, dentro dessa proposta insólita, Pedroso consegue extrair um filme que tem momentos genuinamente engraçados e que pouco cai no enfadonho. Além disso, o diretor constrói uma obra que adquire interpretações diferentes de acordo com o olhar de cada espectador. É provável que o público cativo deste tipo de produção alternativa, que mais é exibido em festivais ou num circuito de salas não comerciais, entenda “Pacific” como a ridicularização do modo de pensar e estilo de vida pequeno burguês. Também é possível, entretanto, que se tal filme fosse exibido para uma platéia típica de salas comerciais a visão seria diversa – o mesmo espectador poderia dizer: “Que legal!! Eu queria estar me divertindo com esse pessoal!”. Por mais tosco que a sua concepção formal possa ser em alguns momentos, a força de “Pacific” está nesta capacidade de valorização do olhar subjetivo de quem o vê.

terça-feira, setembro 06, 2011

Estamos Juntos, de Toni Venturi **1/2



O diretor Toni Venturi já havia abordado o universo do MST (Movimento dos Sem Teto) e assemelhados no ótimo documentário “Dia de Festa” (2006). Em “Estamos Juntos” (2011), ele se volta novamente para esta temática, mas a relacionando a uma trama ficcional de cunho intimista. Não à toa, alguns dos melhores momentos desta produção mais recente do cineasta estão naquelas tomadas que mostram a invasão de um prédio abandonado por integrantes do movimento e seu consequente confronto com a polícia. Venturi filma a ação com competência, valendo-se, inclusive, de recursos tipicamente documentais, como câmera de mão e imagens granuladas. No geral, entretanto, “Estamos Juntos” apresenta uma narrativa irregular. Percebe-se o que o diretor quer propor ao contrapor o drama pessoal da protagonista Carmem (Leandra Leal) com elementos de drama social. O problema é que em algumas sequências o filme acaba adquirindo um certo tom ingênuo e professoral no viés politicamente correto que adota. Mesmo assim, “Estamos Juntos” ainda apresenta algumas nuances que o tornam uma experiência cinematográfica interessante, principalmente pela interpretação sanguínea de parte de seu elenco (com destaque para a própria Leandra Leal) e para a ótima trilha sonora, que inclusive acaba tendo relevância para o contexto dramático do roteiro.

segunda-feira, setembro 05, 2011

Planeta dos Macacos - A Origem, de Rupert Wyatt ***1/2



Os mais ranhetas podem dizer que há excessos de convencionalismos no roteiro. Ou os mais nostálgicos podem dizer que os primeiros filmes da série eram mais charmosos pela maquiagem dos macacos. Tudo isso, entretanto, é preciosismo desnecessário. “Planeta dos Macacos – A Origem” (2011) traz aquilo que sempre foi essencial para a franquia – a combinação bem azeitada de aventura empolgante e uma trama consistente. Os efeitos especiais digitais de captação de movimentos dão uma clareza cristalina para o visual do filme, com os macacos oscilando com desenvoltura entre os movimentos selvagens e expressões e gestos humanizados. A interação das trucagens com atores e cenários reais impressiona pela naturalidade, com o ápice desta integração se concentrando nas sequncias finais de embates entre símios e humanos. Os efeitos também conseguem a proeza de possibilitar individualizar os principais protagonistas primatas, ressaltando a importância dramática de cada um. Já em termos de trama, o filme realmente se prende a alguns gastos dogmas no gênero ficção científica (conflitos entre a ciência e a ganância, a falta de ética e humanidade nos experimentos científicos que levam ao apocalipse, os preconceitos), mas os mesmos são explorados com sensibilidade em algumas de suas nuances, além da história trazer alguns momentos de sutis simbologias e detalhes. A conjunção de todas essas qualidades cria expectativa para os eventos futuros que a final em aberto de “Planeta dos Macacos – A Origem” sugere.

sexta-feira, setembro 02, 2011

Um Sonho de Amor, de Luca Guadagnino ***1/2



A influência de Luchino Visconti paira em boa parte dos fotogramas de “Um Sonho de Amor” (2009). Pode-se perceber algo daquele rigor do velho mestre italiano na forma do diretor Luca Guadagnino em registrar ambientes suntuosos, figurinos elegantes e cenários bucólicos. Por alguns momentos, a câmera até se desvia da ação principal para enfatizar detalhes cênicos. Mas não se trata de simples demonstração gratuita de virtuosismo formal – Guadagnino consegue estabelecer uma simbiose do apuro visual do filme com a sua temática de confronto entre valores sentimentais e materialismo pequeno-burguês. Por mais que a produção tenha uma conotação de parábola moral, é inegável o poder ambivalente de atração e repulsa que se estabelece pelo quotidiano de luxo da protagonista Emma (Tilda Swinton) e sua família, principalmente pelas imagens e sons cheios de nuances que o diretor capta com fervor. Assim como em obras clássicas da filmografia de Visconti (“Deuses Malditos”, “Morte em Veneza”, “A Sedução da Carne”), a temática da decadência moral e ética se destaca como mote da trama, mas tal decadência sempre é filmada com extrema elegância. A forma com que Guadagnino resolve contrapor sua crítica a esse universo é elaborando seqüências em que a narrativa adquire conotação fortemente sensorial. Nesse sentido, as tomadas da transa de Emma e seu amante na relva são sintomáticas, com a ambientação remetendo a um cenário de puro onirismo. No mais, a conclusão de “Um Sonho de Amor” consegue a proeza de ser ousada e ao mesmo tempo coerente com a referida abordagem estética e temática de Guadagnino.

quinta-feira, setembro 01, 2011

Balada do Amor e do Ódio, de Alex de la Iglesia ****



As concepções particulares cinematográficas de Alex de la Iglesia atingem sua ebulição máxima em “Balada do Amor e do Ódio” (2010). Se suas produções sempre trafegaram num limite entre o realismo e o estilizado, nesta obra mais recente o diretor arrebenta com a mencionada fronteira e gera algo que parece advindo de um pesadelo ultra distorcido. Mesmo o franquismo, já bastante abordado em outros exemplares do cinema espanhol, recebe uma conotação perturbadora. Iglesia joga com elementos históricos de forma sarcástica, inserindo figuras e fatos reais, como o próprio General Franco, em uma trama envolvendo guerra, ditadura, palhaços psicóticos, taras sexuais e outras esquisitices. No meio disso tudo, há uma série de referências que vão de “Freaks” (1932) de Tod Browning (não à toa, boa parte do roteiro se desenvolve em um circo) até o universo repleto de simbologias e onirismo de Alejandro Jodorowsky. O cineasta brinca com conceitos típicos de um imaginário cinematográfico obscuro (como atesta a figura dos clowns desfigurados e violentos), assim como desconcerta com uma atmosfera que oscila sem cerimônia entre a comédia ácida e o puro horror, isso sem falar da arrasadora abertura, em uma alucinada seqüência de guerra que se assemelha a um sonho sangrento. E talvez isso seja um dos pontos mais luminosos de “Balada do Amor e do Ódio” – o encadeamento dos fatos se configura como um delírio obscuro, ainda que para os personagens seja o “mundo real”. Esta caracterização de uma dimensão difusa se configura como a própria essência da obra de Iglesias.