quinta-feira, agosto 30, 2012

Prometheus, de Ridley Scott ***1/2


Tentar compreender e apreciar “Prometheus” (2012) utilizando como critério principal o seu roteiro é uma alternativa equivocada. A trama do filme é o seu grande ponto fraco e também reflete muito dos dilemas criativos de Ridley Scott ao dirigir o filme. Afinal, a proposta inicial da produção era funcionar como uma obra que explicasse determinadas situações que levaram à história inicial de “Alien – O oitavo passageiro” (1979). Lá pelas tantas, entretanto, Scott resolveu que queria fazer uma ficção científica mais cerebral e reflexiva, com nítidas influências de “2001 – Uma Odisséia no Espaço” (1968). Como conciliar duas abordagens tão distintas dentro do mesmo filme? Tal dúvida acabou gerando um roteiro confuso e com algumas soluções primárias. A forma com que os aliens são inseridos na história é tão forçada que faz imaginar que Scott tenha pensado em uma determinada altura: “putz, lembrei, tenho de colocar um alien nessa história!”. E os minutos finais soam como uma mera desculpa para dar gancho para a inevitável sequência. Por mais que tais problemas de roteiro posam incomodar, entretanto, o que prevalece em “Prometheus” é o encanto pela capacidade narrativa e o deslumbramento visual de diversas partes do filme. Para fazer a caracterização do planeta onde se desenrola a trama, há uma complexa e muito bem urdida mescla entre efeitos digitais e paisagens naturais, resultando na criação de um registro imagético fascinante. Scott cria também atmosferas insólitas, que variam entre o tom quase surreal e onírico da abertura com a criação da Terra e momentos de pura tensão e horror (o “parto” de um bebê alien é uma cena antológica na sua combinação de repulsa e ironia).

As expressivas qualidades de “Prometheus” fazem pensar em como o filme poderia ter sido ainda melhor se não houvesse as pressões externas de produtores para que Scott dirigisse uma obra “acessível”, além de sugerirem que uma possível “versão do diretor”, assim como uma eventual continuação, não caiam na simples vala do oportunismo de mercado.

O exótico Hotel Marigold, de John Madden **


É claro que boa parte dos filmes que aparecem por aí obedece a alguma fórmula. Afinal, é impossível inventar a roda todo dia. Talvez o que diferencie tais obras uma das outras é a convicção e intensidade com que os elementos das fórmulas sejam manipulados. Em “O exótico Hotel Marigold” (2011) pode-se ver com clareza os mecanismos formais e temáticos que o diretor John Madden aproveita para conceber uma produção que é francamente destinada a agradar um determinado público cativo. Tentando catalogar tal concepção, daria para dizer que seria um drama a retratar alguns dilemas típicos da velhice com um verniz por vezes irônico e um pano-de-fundo exótico (a trama se desenrola numa grande e populosa cidade da Índia). Por consequência óbvia, dos conflitos e experiências vivenciados pelos personagens resultam algumas lições de vida edificantes... Fora a fotografia e a trilha sonora a incorporarem algum traço de insólito, “O exótico Hotel Marigold” acaba afundando numa mesmice, onde possíveis complexidades se reduzem a lugares comuns e potenciais ousadias estéticas se resumem a um visual de cartão postal. Mesmo um elenco de certo peso também se conforma dentro do espírito amorfo do filme, entregando atuações no estilo “piloto automático”.

E aí... Comeu?, de Felipe Joffily


O diretor Felipe Joffily até de vez em quando consegue disfarçar a origem teatral de “E aí... Comeu?” (2012) em alguns enquadramentos e na montagem. No mais das vezes, entretanto, o que predomina é uma estrutura narrativa um tanto truncada e superficial, em que os diálogos procuram emular uma naturalidade coloquial de um bate papo a versar invariavelmente sobre sexo e relacionamentos amorosos. Tal concepção geralmente esbarra num tom de manual sentimental de botequim, revelando muito mais o ideário sentimental de um tipo bem específico: o carioca classe média metido a malandro. As aventuras amorosas do trio protagonista se pretendem ousadas ao tentar focarem trepadas e encrencas sob uma atmosfera que deveria ser descontraída e sem pudores. O resultado final é bem distante de tal pretensão, com Joffily enquadrando personagens e situações dentro de uma lógica previsível de comédia romântica. Por mais que se assuma um tom de ironia e questionamento sobre a relação homem e mulher, tudo se encaminha para uma resolução esquemática, com direito a lições de vida e a um final feliz romântico idealizado.

quarta-feira, agosto 29, 2012

Sombras da noite, de Tim Burton ***1/2


Se em sua versão de “Alice nos País das Maravilhas” (2010) Tim Burton parecia ter enveredado por um cinema genérico e sem personalidade em termos estéticos, em “Sombras da noite” (2012) ele volta a exercer um estilo mais particular de filmar, ainda que trabalhando em uma refilmagem de um antigo seriado televisivo e com um roteiro um tanto desconjuntado e superficial. A premissa da trama, um vampiro do século XVI que ressurge nos anos 70 do século passado, acaba sendo bastante propícia para que Burton exercite seus característicos elementos formais e temáticos: personagens esquisitos e algo neuróticos, atmosferas entre o sombrio e o irônico, estrutura narrativa que remete a um tom fabular. Além disso, Burton propõe uma viagem estética intrigante ao casar elementos da mitologia setentista (música, figurino, comportamento) com uma ambientação gótica, formatando uma narrativa que trafega de forma perturbadora entre a comicidade, o erótico (ainda que reprimido) e a violência gráfica.

sábado, agosto 25, 2012

Albert Nobbs, de Rodrigo Garcia ***


É provável que detratores habituais de filmes de época acadêmicos terão motivos suficientes para detestar “Albert Nobbs” (2011). Com uma direção de arte asséptica e uma narrativa bastante convencional, o filme realmente pouco surpreende em termos formais, e mesmo a sua temática, apesar do insólito do tratar do homossexualismo e travestismo na Irlanda do século XIX, traz um certo rigor classista ao elaborar suas soluções de roteiro. Mas apesar da originalidade não ser o seu forte, é em outros aspectos que a produção acaba cativando. Para começar, o elenco traz algumas interpretações expressivas, a começar por Glen Close e Janet McTeer, em papéis de mulheres que se passam por homens e que realmente conseguem passar uma sensação de ambigüidade perturbadora. Brendan Gleeson também chama atenção ao compor um tipo que varia com sutileza entre a ironia e o melancólico. E por falar nisso, é mérito do filme também estabelecer uma constante atmosfera melancólica e tensa que consegue manter o suspense mesmo quando fica mais que evidente que a trama só poderá descambar em tragédia.

Amor impossível, de Lasse Hallström **


Quando o simpático “Minha vida de cachorro” (1985) foi lançado, o nome do cineasta sueco Lasse Hallström ganhou uma considerável projeção internacional, o que fez com que logo fosse recrutado por Hollywood. Com algumas poucas exceções, sua direção mais ofereceu um verniz “sério e europeu” para bobagens rotineiras e sem maiores inspirações. E é esse exatamente o caso de “Amor impossível” (2011). A impressão é que o filme faz uma força tremenda para mover, praticamente, nada... Olha lá: a trama se desenrola em Londres e nos desertos da Ásia, a temática faz referência à intolerância religiosa e à guerra no Afeganistão, o elenco traz nomes de peso como Ewan McGregor e Kristin Scott-Thomas, a narrativa e fotografia até atingem um tom épico. No final das contas, entretanto, tudo isso é mero pretexto para uma história de amor bem chulé e previsível. Claro, por vezes o filme é agradável, mas perfeitamente descartável em sua asséptica concepção formal e temática.

Para sempre, de Michael Sucsy **


Em termos de gênero, “Para sempre” (2012) é dirigido a um público bem específico – a de moças que adoram dramas românticos repletos de momentos “enxuga lágrimas”. E até pode-se dizer que o filme cumpre o seu papel nesse sentido. Mas o que faz despontar um sentimento de frustração é o fato do roteiro fazer vislumbrar uma possibilidade de trama que fugisse do lugar comum. O que “Para sempre” precisava era de uma abordagem mais ousada e crua ao focar a história (baseada em fatos reais) da mulher casada que após bater a cabeça em um acidente automobilístico acaba esquecendo da figura do marido, com esse último se dedicando ao longo do filme a fazê-la se lembrar ou voltar a gostar dele. O que poderia render uma reflexão sobre a natureza dos relacionamentos amorosos acaba se convertendo numa previsível lição de vida do tipo “só o amor constrói”. É claro que o filme é bem acabadinho em termos formais, mas o que faz com que apenas ele caia na linha do não fede nem cheira. No mais, a figura envelhecida e algo decadente de Jessica Lange, que já trabalhou de forma memorável em tantos filmes antológicos, participando de uma produção medíocre como essa faz a gente pensar que Hollywood realmente é um lugar assustador...

segunda-feira, agosto 20, 2012

Deus da carnificina, de Roman Polanski ***1/2


O fato de Roman Polanski ter adaptado uma peça teatral em “Deus da carnificina” (2011) e de que boa parte do roteiro se desenvolva dentro de um apartamento pode fazer imaginar que a obra em questão se trate de algo na linha teatro filmado. Nada distante mais distante da realidade. A encenação proposta pelo cineasta, assim como o ágil trabalho de edição e fotografia, dão uma dinâmica narrativa bastante cinematográfica e envolvente. A atmosfera criada a partir de um espaço físico limitado e da movimentação de seus atores é sufocante na sua tensão e ironia. Na verdade, o uso de um apartamento como cenário principal não é novidade na filmografia de Polanski., vide produções antológicas como “Repulsa ao sexo” (1965), “O bebê de Rosemary” (1968) e “O Inquilino” (1976), onde o cenário acaba sendo um elemento fundamental para gerar sensações de suspense, horror, loucura e/ou delírio, principalmente pelos climas claustrofóbicos perpetrados por Polanski. Em “Deus da carnificina”, os níveis de tensão não atingem o mesmo grau de impacto dos filmes citados, mas mesmo assim ainda são capazes de gerar um efeito perturbador nas plateias. Contribui para isso também as boas interpretações que Polanski consegue extrair de seu elenco, principalmente por parte de Kate Winslet, que em sua atuação repleta de nuances dramáticas consegue captar com perfeição a síntese do roteiro do filme, em que as noções de aparente civilidade e cultura aos poucos vão se degradando até atingir um tom de fúria e ressentimento.

sexta-feira, agosto 17, 2012

À espera de turistas, de Robert Thalheim ***

Diante de um tema já revisto tantas vezes no cinema como o Holocausto na 2ª Guerra Mundial, e também muito propício a receber uma abordagem emocional, o diretor alemão Robert Thalheim até apresenta um certo grau de ousadia em “À espera de turistas” (2007). Ao focar o relacionamento entre Sven (Alexander Fehling), um jovem alemão que faz trabalho voluntário na Auschwitz atual, com Krzeminski (Ryszard Ronczewski), um idoso sobrevivente de campo de concentração, o filme evita o sentimentalismo fácil, preferindo retratar seus personagens sob uma perspectiva mais crua e distanciada. Por mais que Sven conheça mais o passado tenebroso da cidade, isso não representará necessariamente uma edificante lição de vida ou que ele se tornará uma pessoa melhor. Por vezes, o que fica mais evidente para o protagonista é a hipocrisia e a amargura que envolvem os sentimentos e opiniões sobre o que aconteceu na cidade. E por mais que Thalheim não adote um estilo formal arrebatador na sua encenação, é inegável que tal estética seca e objetiva se encontra em sintonia com a visão temática da obra.

quinta-feira, agosto 16, 2012

Madagascar 3, de Eric Darnell, Tom McGrath e Conrad Vernon **


Das franquias atuais de animações para o cinema, “Madagascar” talvez seja uma das mais inconsistentes. As tramas dos respectivos filmes não apresentam uma unidade temática em termos de situações interessantes e personagens bem desenvolvidos, bem distante, por exemplo, das produções da série “Toy Story”. É mais um acúmulo de cenas engraçadas, com algumas citações pop. Tanto isso é evidente que a conclusão dessa terceira parte, no sentido de coerência do roteiro, não se mostra em sintonia com os filmes anteriores: nas duas primeiras partes, os animais fazem tudo para voltar para casa, com saudade do conforto de suas jaulas no zoológico em Nova Iorque, para nessa terceira parte concluírem que é melhor ser livre. Ora, então isso quer dizer que os filmes anteriores não podem ser entendidos como obra fechada? Provavelmente o público infanto-juvenil pouco ligue para essa anemia criativa do desenho e vá encher as salas de cinema. E é claro que visualmente “Madagascar 3” (2012) é competente no seu grafismo. No contexto geral, contudo, é um filme pouco memorável no sentido de causar impacto para a platéia.

quarta-feira, agosto 15, 2012

Pina, de Wim Wenders ****


Mesmo que você não goste de documentário musical, ache balé um saco, não saiba quem é Pina Bausch e/ou considere Wim Wenders uma mala sem alça, terá de ver “Pina” (2011). Diferente do estilo de filmar objetivo e simples que havia adotado em “Buena Vista Socia Club” (1999), o diretor alemão não faz um mero registro de algumas das principais coreografias da bailarina e dos depoimentos de seus discípulos e parceiros. Wenders utiliza os recursos cinematográficos ao máximo, jogando o espectador para dentro dos espetáculos, quase como se ele interagisse com os bailarinos. Além disso, o filme dimensiona a equação cinema e balé para contextos que extrapolam a mera relação câmera e palco – em boa parte das tomadas, as danças se desenvolvem em ruas, dunas, jardins, riachos, como se os movimentos buscassem uma naturalidade do simples andar. E se há uma associação imediata que se faz entre o gênero documentário e a abordagem realista/naturalista no que diz respeito ao aspecto formal, em “Pina” Wenders não se contenta com tal relação e busca um estilo mais voltado para o expressionista. Isso fica evidente, por exemplo, quando os depoimentos dos bailarinos mostram um descompasso entre a imagem e o áudio, com os diálogos interagindo com exercícios de ação interna dos artistas, num resultado desconcertante.

Talvez a descrição deste texto possa sugerir algum traço de afetação de Wenders na sua direção. Ora, pode até ser que isso ocorra em “Pina”, mas o resultado sensorial de tais opções estéticas do cineasta é daqueles que dificilmente deixa impassível o espectador, reação essa que a arte de Pina Bausch costumava causar em seus admiradores.

terça-feira, agosto 14, 2012

O corvo, de James McTeique **


As intenções temática e formal de “O corvo” (2012) até parecem promissoras: uma narrativa de ficção que mistura fatos da vida escritor Edgar Allan Poe com algumas das principais passagens de seus livros. O resultado final, entretanto, acaba soando mais como uma picareta releitura pop contemporânea, na linha das recentes produções da franquia “Sherlock Holmes”. Por mais que se possa identificar as inúmeras referência à obra de Poe, o roteiro mais parece uma colcha de retalhos superficial a tentar dar algum estofo artístico ao roteiro genérico dentro do gênero “suspense com psicopata”, cuja maior preocupação é descobrir quem é o assassino. A direção de arte e fotografia têm uma certa competência, mas nada que transcenda em termos estéticos e criativos. O fato de se usar a figura de Poe e a sua literatura só fica no nome mesmo, pois a essência sombria, complexa e delirante dos melhores contos do artista está ausente tanto no roteiro como na atmosfera do filme.

Diário de um jornalista bêbado, de Bruce Robinson **


Na transposição de uma obra literária para o cinema, é claro que diretor e roteirista acabarão cometendo algumas licenças poéticas em nome da formatação adequada de uma linguagem artística para outra. Afinal, há detalhes que podem funcionar bem no livro e não fazer muito sentido na tela. O que não pode acontecer é na versão cinematográfica a essência do texto original se perder. Pois é justamente o que acontece em “Diário de um jornalista bêbado” (2011): o romance (com toques autobiográficos) de Hunter Thompson é marcado por uma visão cínica e pouco emocional da desastrada temporada de um jornalista em San Juan, Porto Rico, na década de 50. Thompson constrói uma narrativa seca de uma época e lugar marcados por inúmeras picaretagens econômicas e demais amoralidades, e pontuada por muito sexo e álcool, estabelecendo uma atmosfera sórdida e irônicas repleta de criaturas decadentes e perigosas. Nas mãos do diretor Bruce Robinson, esse fascinante panorama acaba se resumindo a uma engraçadinha (e por vezes até edificante) trama das desventuras exóticas de um protagonista insosso e boa praça. Em termos formais o filme é competente, mas comportado demais para uma produção ligada ao universo extremo de Thompson (é só lembrar da extraordinária versão delirante de Terry Gillian para “Medo e delírio em Las Vegas”, que, por sinal, também trazia o mesmo Johnny Depp no papel principal). No cômputo geral, não dá para não cair numa típica frase de impacto: se Thompson ainda estivesse vivo e visse “Diário de um jornalista bêbado”, provavelmente sentiria náuseas (e não seria devido à ressaca...).

sexta-feira, agosto 10, 2012

Heleno, de José Henrique Fonseca ***1/2


Dentro do que se costuma fazer em cinebiografias no Brasil, “Heleno” (2011) é uma surpreendente avis rara. É claro que para focar parte da vida do polêmico jogador de futebol Heleno de Freitas o diretor José Henrique Fonseca mostra relevantes fatos da trajetória do seu protagonista, assim como há a preocupação em realçar o contexto histórico da época em que a trama se desenvolve (basicamente as décadas de 40 e 50). Na essência, entretanto, o filme se apresenta muito mais como uma obra de cunho sensorial do que uma narrativa linear a contar a vida de Heleno. A ordem das cenas que se desenrola na tela não apresenta uma ordem temporal “normal” – presente e passado se entrelaçam sem cerimônia. Essa opção do roteiro não é aleatória: no presente, temos um Heleno já com a saúde e a mente bastante debilitadas, com ele se recordando do passado de forma desordenada. Assim, o que se está vendo no filme é uma história vista pela ótica de um louco, onde a objetividade não é o prisma principal a ser seguido. A visão do ex-craque sobre seu passado de glória ganha uma dimensão épica, de visual bastante estilizado (o que a brilhante fotografia em preto-e-branco ressalta ainda mais). Se por vezes o viés da história é de cunho realista, em outros momentos, o apogeu e queda de Heleno se apresentam dentro de uma ambientação que beira o onírico. A sua melancólica rotina final na clínica onde está internado é brutalmente contrastante com o seu passado repleto de conquistas, brigas e sexo, e é nessa diferenciação de atmosfera que está um dos efeitos mais perturbadores da produção. E de bônus, a própria interpretação de Rodrigo Santoro no personagem título evoca uma verdadeira possessão dramática. No conjunto, todas essas opções formais podem ter representado um suicídio comercial para “Heleno” (o que de fato ocorreu ao observarmos a pífia bilheteria obtida pelo filme), mas também lhe deu um impacto artístico acima da média do que vem sendo produzido no cinema nacional nos últimos anos.

quinta-feira, agosto 09, 2012

Branca de Neve e o caçador, de Rupert Sanders **1/2


Essa onda de fazer releituras cinematográficas modernas e ousadas de contos de fada na verdade mais revelam uma concessão a uma série de fórmulas fáceis do que propriamente a algum exercício efetivamente transgressor de tais histórias. Até Tim Burton caiu nessa armadilha na sua mediana versão para “Alice no País das Maravilhas” (2010). Em “Branca de Neve e o caçador” (2012) esses mecanismos pasteurizadores são evidentes: ambientação sombria, direção de arte sujinha, personagens mais desmazelados, violência um pouco mais acentuada, personagens traumatizados. Tudo isso buscando uma pseudo-seriedade, com toques de um viés realista, como se houvesse necessidade que os contos de fada necessitassem de uma atualização para ganhar legitimidade artística. No final das contas, entretanto, tudo soa mais como algum velho truque mercadológico. O que interessa é que a personagem título triunfe na conclusão e que a rainha má recebe o seu devido castigo. Não há ambiguidades perturbadoras ou maiores questionamentos sobre a moral dos personagens ou das situações do roteiro. É claro que dá para dizer que o filme tem alguma credibilidade pela direção de fotografia caprichada ou até mesmo pela atuação de Chris Hemsworth no papel de caçador (parece que o cara está se especializando no tipo “durão com coração”). Mas a impressão é mesmo de forçar a barra – o fato de querer no convencer que a insossa Branca de Neve de Kristen Stewart é mais bonita que a gostosa rainha má da sexy Charlize Theron é bem emblemático...

quarta-feira, agosto 08, 2012

Girimunho, de Helvécio Marins e Clarissa Campolina ***1/2


De concepção formal desconcertante, “Girimunho” (2011) vai muito além do simples experimentalismo estéril. Seu roteiro é de ficção, mas a rudeza de sua ambientação, o naturalismo das interpretações e o registro seco de eventos e atos do cotidiano remetem a um estilo documental. Além disso, mesmo que indícios da trama evidenciem a contemporaneidade da história, a encenação perpetrada pelos realizadores Helvécio Marins Jr. e Clarissa Campolina faz com que a obra adquira um caráter fora do tempo e do espaço. O sotaque carregado dos atores amadores torna seu linguajar sertanejo quase um dialeto, fazendo primordial o uso de legendas. Esse acúmulo de “estranhezas” estéticas e temáticas acaba configurando uma narrativa envolvente, que faz o espectador penetrar em um universo à parte, em que pequenos fatos da rotina dos personagens aos poucos adquirem um sentido de transcendência e de revolução intimista. Os diretores também têm a boa sacada de incorporar elementos do folclore do sertão mineiro para fazer a transição sutil da realidade para o fantástico, como se ambos os planos dimensionais convivessem com a maior naturalidade possível.

terça-feira, agosto 07, 2012

Flores do Oriente, de Zhang Yimou ***1/2


É inegável que Zhang Yimou abusa de alguns clichês narrativos em “Flores do Oriente” (2011), principalmente no tom lacrimoso de algumas seqüências e na trilha sonora de viés excessivamente sentimental. Ainda mais que no gênero melodrama o diretor chinês havia obtido um equilíbrio artístico notável em “A árvore do amor” (2010). Mesmo assim, esse filme mais recente de Yimou se coloca muito acima da média. As cenas de guerra revelam um cuidado formal extraordinário na sua combinação de crueza realista e sentimento épico, com direito inclusive a uma seqüência antológica, em que um oficial chinês enfrenta sozinho um regimento japonês, mostrando que Yimou continua mestre no cinema de ação (afinal, é o mesmo cara que concebeu as aventuras alucinadas de “Herói” e “O clã das adagas voadoras”). Seu lado esteta também aflora nos momentos mais sutis da obra, ainda mais quando entram em cena as prostitutas em busca de refúgio em uma igreja – no meio de uma ambientação cinzenta e de ruínas, as figuras coloridas e delicadas das meretrizes atingem um ponto de contraste perturbador. E por mais que se possa acusar que o roteiro possui viradas marcadas por um certo grau de manipulação emocional um tanto ostensiva, é evidente que há genuínos momentos comoventes em termos de melancolia e pungência.

segunda-feira, agosto 06, 2012

Homens de preto 3, de Barry Sonnenfeld ***


Confesso que não vi a tão mal falada segunda parte da franquia “Homens de preto”. Assim, minha referência para comparação acaba sendo a primeira produção lançada em 1997. Essa nova continuação de 2012 é inferior ao filme inicial, mas mesmo assim traz alguns elementos interessantes. Um deles é a forma com que o conceito de um mundo dominado por tecnologias impressionantes e diversos alienígenas esquisitos convivendo com uma certa estética retro, principalmente no que diz respeito à figura dos próprios agentes “homens de preto”. Esse contraponto neste terceiro filme é ainda mais acentuado, no sentido que a trama lida com viagens no tempo. Outro acerto do filme está na escalação de Josh Brolin em um dos papéis principais – suas expressões de frieza emocional realmente o remetem a uma versão rejuvenescida do personagem de Tommy Lee Jones, e sua química com o estilo irreverente de Will Smith pode ser manjada, mas acaba ganhando uma certa funcionalidade natural. No geral, a obra dá a impressão de que a combinação de ficção científica estilo anos 50 com o estilo retro policial poderia render mais em termos de ação e impacto se fosse permitido uma abordagem menos família e mais violenta. Mesmo assim, “Homens de preto 3” consegue extrair alguns bons momentos de aventura escapista.

sexta-feira, agosto 03, 2012

Uma longa viagem, de Lucia Murat ***1/2


Se por um lado “Uma longa viagem” (2011) representa uma espécie de acerto de contas emocional da diretora Lucia Murat com o seu passado de presa política durante a ditadura militar, por outro o filme também ganha a dimensão de uma grande experiência estética por parte da cineasta. A princípio, a obra poderia ser um documentário “normal”, daqueles que bastaria depoimentos e imagens de arquivo para configurar o seu arcabouço formal. Murat, entretanto, vai mais longe – além dos elementos tradicionais desse tipo de produção, há também encenações dramáticas de passagens das delirantes correspondências escritas na época pelo irmão da diretora, Heitor. No período em questão, ele vivia no exterior, onde viveu diversas experiências, boa parte delas sob efeito de drogas. A encenação proposta por Murat se esquiva da simples recriação naturalista dos fatos; em sintonia com o próprio conteúdo intrincado da correspondência, tais momentos adquirem uma concepção estilizada que beira o onírico, com o ator Caio Blat declamando seus textos em meio a projeções de imagens de época. O estilo de filmar e editar estabelecido pela diretora, além de ousado, também é coerente com a natureza temática do roteiro, fazendo com que a trajetória de Heitor, marcado por questionamentos complexos e viagens lisérgicas, ganhe uma moldura formal sensível e em sintonia com o seu ideário.

Mr. Sganzerla - Os signos da luz, de Joel Pizzini ***1/2


Um documentário biográfico que tivesse o cineasta RogérioSganzerla como protagonista não poderia se contentar em seguir os modelos tradicionais do gênero. Partindo de uma premissa elementar como essa, Joel Pizzini concebeu “Mr. Ganzerla – Os signos da luz” (2011), elaborando uma obra que se encontra em perfeita sintonia artística e emocional com o seu biografado. Na realidade, mais do que narrar fatos da vida do diretor, o filme busca estabelecer uma conexão sensorial com as ideias e a filmografia de Sganzerla. Assim, Pizzini abdica de uma narrativa linear e convencional – depoimentos de amigos e colegas se sobrepõem em formato aparentemente aleatório, trechos de áudio de entrevistas com Sganzerla filosofando ou argumentando pontuam as cenas, imagens de arquivo ilustram seu ideário (principalmente àquelas que se referem ao seu ídolo maior Orson Welles, naquele período em que o norte-americano desenvolveu um projeto inacabado no Brasil), partes emblemáticas de seus filmes mais importantes são reproduzidas, temas musicais de Jimi Hendrix e Gilberto Gil oferecem uma moldura musical que traduz com sensibilidade o seu criativo e caótico universo cultural. A junção formal desses elementos pode ser traumática para os não iniciados, mas facilitar demais as coisas para as plateias nunca foi exatamente o jogo de Sganzerla. Esse caleidoscópio de imagens, sons e idéias de “Mr. Sganzerla – Os signos da luz” jogam o espectador para dentro do imaginário perturbador e brilhante de um autêntico gênio cinematográfico brasileiro.

quarta-feira, agosto 01, 2012

Além do infinito azul, de Werner Herzog ***1/2


 O cinema do diretor alemão Werner Herzog costuma ser dividido em duas vertentes – ficções e documentários. Em ambos, o cineasta mantém a sua forte linha autoral, em uma abordagem formal e temática que varia estranhamente entre o naturalismo e o barroco. Em “Além do infinito azul” (2006), tal distinção fica difusa: há uma trama de ficção científica, de viés humanista, mas Herzog utiliza uma concepção estética que se baseia muito na montagem, misturando sem cerimônias uma encenação delirante com trechos de documentários. Tomadas marinhas são mostradas como se retratassem um outro planeta, resultando em seqüências de beleza perturbadora. Herzog sabe que o poder de seu cinema não está no “contar uma história”, mas sim no nível sensorial que suas imagens e sons podem alcançar. Nesse sentido, “Além do infinito azul” acaba sendo uma experiência inquietante dentro do imaginário cineatográfico.