terça-feira, janeiro 31, 2012

Simples Mortais, de Mauro Giuntini **1/2



Apesar do seu desastroso resultado final, é inegável que se possa pensar que “2 Coelhos” (2011) tenha um certo aspecto admirável de representar uma tentativa de fazer no cinema brasileiro algo de diferente dentro do já tradicional panorama quase exclusivo de dramas e comédias. Dentro dessa lógica, “Simples Mortais” (2011) representaria, no seu gênero drama intimista com algumas tintas sociais, um “mais do mesmo”. Ainda assim, a produção dirigida por Mauro Giuntini é muito mais “assistível” que as inovações desengonçadas de “2 Coelhos”. Não há maiores surpresas formais na narrativa que retrata o cotidiano de frustrações de alguns personagens. Guintini, entretanto, consegue estabelecer alguma empatia entre suas criaturas e o público, principalmente pela sóbria direção de atores que faz com que alguns atores do elenco tenham caracterizações cativantes. Ou seja, “Simples Mortais” está longe de ser antológico, mas também não se caracteriza como uma perda de tempo.

quinta-feira, janeiro 26, 2012

2 Coelhos, de Afonso Poyart *



Quando assisti a “2 Coelhos” (2011) tive a impressão de que para o diretor Afonso Poyart o cinema começou mais ou menos lá pelo início da década de 90. Afinal, sua obra é uma colcha de retalhos mal costurada de influências de uma certa linha cult de produções dos últimos 25 anos: diálogos metidos a espertos (evocando Quentin Tarantino), narrativa fragmentada e cheia de idas e vindas no tempo (impossível não lembrar da fórmula do filmes de Alejandro González Iñarritu), violência cartunesca, câmeras lentas à profusão (ah, a influência nefasta de Zack Snyder...), a mistura com outras mídias contemporâneas (computadores, games eletrônicos). Ou melhor, talvez a real impressão é de que Poyart pense que o cinema começou com os videoclips da MTV, com cenas que possuem a densidade dramática de um comercial de televisão. O fato é que tentar parecer moderno juntando uma série de referências pop culturais e cinematográficas numa mesma produção não quer dizer necessariamente que tal produção será moderna. No caso de “2 Coelhos”, o resultado final é amorfo, sem vida, pretensioso no pior sentido da palavra. Não adianta juntar um monte de tiroteios, explosões e poses calculadas de mau e achar que isso representa estilo quando se é incapaz de estabelecer uma narrativa decente. E para piorar, o discurso crítico social/político de seu subtexto se pretende subversivo e contestador, mas no final das contas acaba se revelando tão conservador quando um Diogo Mainardi. Talvez o cinema brasileiro, onde impera os gêneros do drama e da comédia, esteja precisando de mais obras que se aventurem pela ação, mas não é com algo tão estéril como “2 Coelhos” que vai conseguir atingir o público.

quarta-feira, janeiro 25, 2012

As Aventuras de Tintin - O Segredo do Licorne, de Steven Spielberg ****



Boa parte das expectativas e comentários em torno de “As Aventuras de Tintin – O Segredo do Licorne” (2011) se concentra em detalhes tecnológicos. Afinal, o filme representa um aprofundamento na técnica de animação digital da captura de movimento, recurso já utilizado em “O Expresso Polar” (2004) e “A Lenda de Beowulf” (2007). Nesse campo, a produção de Steven Spielberg se mostra mais que satisfatória, marcando um efetivo avanço na área. A combinação de realismo na caracterização dos cenários e de estilização na concepção visual dos personagens gera um contraste fascinante, e que fica ainda mais ampliado pelo detalhismo do traço da animação. O gosto de Spielberg por um virtuosismo formal repleto de movimentos sinuosos e cenários exóticos colabora também para o deslumbramento imagético do filme, o que resulta em tomadas memoráveis, como aquela em que o deserto se transforma em mar como num passe de mágica. Todos esses prodígios técnicos, entretanto, seriam estéreis se Spielberg não tivesse a preocupação de estabelecer um ritmo fluente para a sua narrativa, assim como na delineação de personagens carismáticos. Ele foi fiel à essência das aventuras do personagem original dos quadrinhos, evocando uma graça até ingênua e de forte caráter nostálgico, mas sem que isso fizesse com o filme perdesse um traço contemporâneo capaz de encantar as platéias atuais.

As rocambolescas tramas de Tintin em busca de tesouros e viajando o mundo inteiro certamente foram influências para a criatura mais famosa de Spielberg, o arqueólogo Indiana Jones. Sua recriação da obra maior de Hergé acaba sendo uma bela homenagem para uma de suas fontes de inspiração e, por conseqüência, uma das aventuras efetivamente mais divertidas a aparecerem nas telas nos últimos anos.

terça-feira, janeiro 24, 2012

A Música Segundo Tom Jobim, de Nelson Pereira dos Santos e Dora Jobim **1/2



O documentário “A Música Segundo Tom Jobim” (2011) obedece a alguns preceitos formais e temáticos. Formatado sem quaisquer diálogos e composto exclusivamente por números musicais, a produção traça uma espécie de cronologia do cancioneiro jobiniano, pois as canções se sucedem de acordo com a sua antiguidade, não importando, contudo, o ano da gravação mostrado, indo do início em que o compositor se aventurava pelo bolero e samba-canção, passando pela consagração dos clássicos da Bossa Nova e chegando naquela fase em que incorporou elementos regionalistas e de música erudita, com eventuais quedas para um estilo “standard” puxado para o jazz norte-americano. É interessante observar que a edição liga tais números musicais praticamente sem pausas, dando a impressão que entre todas as músicas apresentadas existe uma espécie de célula rítmica/harmônica/melódica em comum que as une, ressaltando assim o forte traço autoral da obra de Jobim. É mérito também do documentário resgatar alguns preciosos e raros registros históricos (para mim, aquele trecho com Silvinha Telles e Rosinha de Oliveira em versão esplendorosa de “Samba de Uma Nota Só” já valeria o filme inteiro). Incomoda em “A Música Segundo Tom Jobim”, entretanto, que a fórmula concebida por Nelson Pereira dos Santos e Dora Jobim vai se tornando um tanto cansativa com o desenrolar da narrativa, além de se apegar a soluções óbvias demais. Para ressaltar o aspecto do reconhecimento internacional para a obra de Tom, recorre-se a várias passagens com artistas estrangeiros cantando e tocando as músicas em questão, tendo algumas passagens até irrelevantes (bastaria ter se limitado aos duetos com Frank Sinatra e a mais dois ou três artistas de peso que tal fator do reconhecimento “de fora” estaria bem evidenciado). Faltou também sair do conceito “música agradável para uma platéia de bom gosto” e tentar investigar a influência de Jobim por outros caminhos mais insólitos da música contemporânea. Do jeito que ficou, parece que o filme ficou destinado a um público pseudo elitizado que gosta de arrotar que odeia funk e Michel Teló.

segunda-feira, janeiro 23, 2012

O Espião Que Sabia Demais, de Tomas Alfredson ****

A trama de “O Espião Que Sabia Demais” (2011) não foge muito do padrão habitual de John LeCarré, autor da obra literária que deu origem ao filme em questão – uma história de espionagem repleta de sutis e precisas reviravoltas, em que os diversos elementos dramáticos vão sendo jogados aos poucos ao longo da narrativa, o que faz com que cada pequena nuance do roteiro não seja meramente aleatória, configurando uma espécie de antítese da franquia James Bond (o baluarte mais conhecido do gênero espionagem tanto no cinema como na literatura). O grande fator diferencial dessa nova adaptação do universo literário de LeCarré está na abordagem minimalista e distanciada do cineasta sueco Tomas Alfredson, num exercício de estilo que remete diretamente à sua produção anterior, o fascinante “Deixa Ela Entrar” (2007). Sua encenação é feita de toques discretos e expressivos – olhares e gestos de personagens, a progressão harmônica dos temas musicais, a direção de fotografia de movimentos de câmera lentos, planos fixos e tons granulados (em associação a uma estética cinematográfica típica dos anos 70, época em que se desenvolve a trama), a edição que recorre sobriamente a uma alternância de tempos. O estilo econômico de Alfredson não implica, entretanto, num resultado formal pouco ambicioso. Pelo contrário: o impacto audiovisual chega a ser épico e grandioso tamanho o virtuosismo de Alfredson na composição de suas cenas, além da constante atmosfera de tensão que permeia “O Espião Que Sabia Demais”. Para coroar, o elenco se revela em perfeita sintonia artística com a proposta do diretor, em caracterizações dramáticas que mais sugerem do que revelam as intenções dos seus personagens. Nesse sentido, a atuação de Gary Oldman no papel do protagonista George Smiley é emblemática de forma admirável – ele mantém um ar que oscila entre o impassível e o indiferente por quase todo o filme, mas em instantes preciosos deixa transparecer uma emoção reprimida. E talvez essa maneira com que a emoção se insira dentro de uma ambientação algo fria represente uma espécie de síntese artística de “O Espião Que Sabia Demais”.

sexta-feira, janeiro 20, 2012

O Galante Rei da Boca, de Luis Rocha Melo e Alessandro Gamo **1/2



Para aqueles cinéfilos que tem um apreço especial pelas produções da Boca do Lixo e também para aqueles que querem conhecer mais sobre a mitologia de tal meca da cinematografia brasileira, “O Galante Rei da Boca” (2003) é um prato cheio em termos de informações e causos sobre o assunto. Focando na história do produtor Antonio Polo Galante, um dos produtores mais ativos da Boca, os diretores Luís Rocha Melo e Alessandro Gamo fazem um interessante inventário de uma época em que o cinema nacional conseguia ser efetivamente popular, sem que com isso não perdesse o espaço para algumas ousadias artísticas. A vida de Galante e a trajetória do “movimento” Boca do Lixo são praticamente unidos em vários pontos – ao se expor a vida do biografado, pode-se entender a própria mítica da Boca: o seu nascimento, o mecanismo de funcionamento das suas produções, os principais diretores, suas contradições e ousadias. E tentar entender este pedaço particular de história também significa uma busca pela compreensão da evolução (ou para alguns regressão) do cinema brasileiro. É inevitável, e por isso fascinante, fazer uma comparação daquela época marcada por saudáveis ingenuidade e amadorismo no ato de fazer cinema no nosso país com os labirínticos e burocráticos métodos atuais.

quinta-feira, janeiro 19, 2012

Sherlock Holmes - O Jogo de Sombras, de Guy Rithchie ***



Tentar apreciar ou entender a franquia Sherlock Holmes concebida por Guy Ritchie exclusivamente segundo a lógica da fidelidade à obra literária original de Arthur Conan Doyle pode ser um exercício frustrante. Afinal, a ótica do mencionado cineasta britânico sobre o famoso personagem não guarda muito da essência daquilo que foi concebido por Doyle para a figura do seu famoso detetive. Ritchie na verdade procurou reciclar Holmes de acordo com os preceitos contemporâneos do gênero ação. Assim, o seu Holmes é um atlético e charmoso aventureiro que entre outras tantas habilidades também tem uma afiada capacidade de lógica e dedução. Algo como um Indiana Jones mais intelectualizado. Assim, desligando das ranhetices de fãs xiitas, é que dá para curtir as novas aventuras de Holmes na ótica de Ritchie. E analisando “Sherlock Holmes – O Jogo de Sombras” (2011) apenas pelos seus méritos cinematográficos, pode-se perceber uma grande evolução em relação ao primeiro filme de 2009, ficando também evidente um traço mais autoral por parte de Ritchie. Alguns daqueles truques irritantes da produção anterior, como sequências de câmera lenta estática a esmiuçar desnecessariamente a ação e as cenas de Holmes antecipando o resultado de brigas, ainda aparecem com frequência, mas por vezes até acabam se revelando adequados para alguns momentos (principalmente para o duelo final entre Holmes e o Professor Moriarty). O que torna “O Jogo de Sombras” diferenciado positivamente, entretanto, é uma trama melhor elaborada e com um toque sombrio até surpreendente (a garota que era interesse romântico de Holmes no filme anterior, por exemplo, é morta por Moriarty logo no início), traço esse que se estende pela caracterização psicológica mais densa dos personagens e na direção de arte que traz uma ambientação efetivamente sórdida e suja tanto para Londres quanto para as outras cidades em que a história se desenvolve. Ritchie traz também para o roteiro detalhes históricos e os relaciona com habilidade ao ficcional, dando ao seu filme uma profundidade e tensão inesperadas. Nesse sentido, os diálogos entre Holmes e Moriarty sobre o futuro da Europa e a natureza humana ganham até um certo requinte de complexidade. E também é mérito do diretor saber combinar com certa harmonia tais implicações temáticas com desvairadas e memoráveis seqüências de ação. Ou seja: para quem saiu desanimado do primeiro filme, este mais recente acaba criando expectativas para uma próxima produção da série.

quarta-feira, janeiro 18, 2012

A Hora da Escuridão, de Chris Gorak *1/2



O fato dos alienígenas invasores serem invisíveis em “A Hora da Escuridão” (2011) pode fazer pressupor que a intenção seria criar um suspense maior através do poder da sugestão. Lá pelo final do filme, quando por um detalhe da trama, fica-se sabendo qual seria a aparência dos ETs é que dá para sacar que o recurso mencionado inicialmente tem mais a função de esconder a falta de criatividade em termos visuais do filme. Diga-se, entretanto, que não representa um grande problema o roteiro da produção chupar várias referências de “A Guerra dos Mundos” (afinal, zilhões de filmes do gênero ficção científica já fizeram isso). O que faz “A Hora da Escuridão” naufragar é a total falta de imaginação na sua encenação. A sequência de abertura, por exemplo, que mostra os momentos pré-invasão chega a ser dolorosa de tão medíocre: parece algum vídeo de propaganda turística qualquer a retratar a noite de Moscou. O diretor Chris Gorak também fracassa na caracterização de seus personagens, figuras destituídas do poder de gerar alguma empatia pelos seus destinos (o que numa produção em que mais de metade do elenco morre seria fundamental), isso quando não se mostram como caricaturas sem vida (na visão de Gorak, todos os russos são figuras excêntricas e algo toscas). No mais, os efeitos de “A Hora da Escuridão” oscilam entre trucagens digitais manjadas e franca pobreza visual. E o pior disso tudo é que o final dá a entender uma possível continuação...

terça-feira, janeiro 17, 2012

Tomboy, de Celine Scianma ***1/2



Por mais que a sinopse de “Tomboy” (2011) possa sugerir uma obra polêmica pela sua temática (menina que se faz passar por menino), a verdade é que a diretora Celine Scianna envereda por uma abordagem que passa ao largo de discussões pueris e óbvias. Não há espaço para grandes dilemas ou tragédias moralizantes – a confusão comportamental da protagonista Laure (Zoé Héran) sugere mais uma curiosidade e uma vontade juvenil de experimentar com os tabus e o status quo do que propriamente um desejo sexual. Não à toa, boa parte da trama se desenrola durante as férias escolares no playground e no bosque que ficam ao lado do condomínio residencial em que Laure mora, com tal ambiente se configurando quase como um universo paralelo, em que as convenções dos adultos e os problemas da vida parecem fazer parte de uma outra dimensão, ou seja, um ambiente propício para que a garota embarque na sua estranha brincadeira. A sobriedade da visão de Scianma encontra o complemento formal adequado em uma estética bastante naturalista, em que vigora expressivos planos longos e estáticos, além de edição precisa e de poucos cortes. De certa forma, esta forma crua de “Tomboy” retratar a infância também encontra ressonância em outra obra de língua francesa lançada em 2011, “O Garoto de Bicicleta”, o que parece vinculá-las a uma certa escola do cinema francês de produções ligadas ao universo infanto-juvenil (a mesma de clássicos como “Zero de Conduta” e “Os Incompreendidos”).

segunda-feira, janeiro 16, 2012

Contágio, de Steven Soderbergh ***



Por mais que a temática de uma doença desconhecida que se alastra vertiginosamente e ameaça a humanidade já foi mais bastante utilizada em diversas produções cinematográficas. Se “Contágio” (2011) não apresenta quaisquer novidades para o gênero, ao menos utiliza uma abordagem não tão manjada. Para começar, Soderbergh prefere focar a trama em um viés mais realista, em que não há soluções mágicas no roteiro e as reações dos personagens se aproximam de algo fora do idealizado (ou seja, a crueza do comportamento humano fica mais evidente). Assim, o diretor não se furta de matar alguns dos principais personagens da produção e de forma, às vezes, até anti-climáticas. Além disso, a concepção formal de “Contágio” apresenta um tom sóbrio que beira o documental, principalmente pela direção de fotografia que abusa de tons quase esmaecidos. O estilo colocado em prática por Soderbergh é coerente na equação estética-conteúdo, aproximando-se de outras obras menos comerciais do cineasta (“Bubble”, “Confissões de Uma Garota de Programa”). É inegável, entretanto, que ao estabelecer um formalismo frio no quesito visual e um distanciamento emocional na caracterização de situações e personagens Soderbergh faz de “Contágio” uma produção que pouco surpreende como obra capaz de arrebatar o espectador.

sexta-feira, janeiro 13, 2012

O Retorno de Johnny English, de Oliver Parker **1/2



Talvez o maior mérito do personagem Mr. Bean tanto no seu seriado quanto nos filmes dos quais participou estava na reciclagem de um humor físico que remetia aos primórdios do cinema mudo, quando as gags eram de cunho quase que exclusivamente visuais. Dentro de tal vertente, o ator Rowan Atkinson se mostrou eficiente na evocação de trejeitos de mestres como Charlie Chaplin e Buster Keaton, assim como na elaboração de cenas cuja encenação do caos geravam momentos de insanidade cômica memoráveis. Esse elemento da falta de diálogos já não se encontra presente nas aventuras de Johnny English, outro tipo vivido por Atkinson, o que é provável que explique que os filmes desta franquia não tenham aquela mesma sensação de absurdos característicos das produções com Mr. Bean. Há um maior apelo ao convencionalismo formal das produções contemporâneas do gênero. Ainda dentro de tais limitações e clichês, o diretor Oliver Parker e Atkinson conseguem em “O Retorno de Johnny English” (2011) produzir alguns momentos efetivamente engraçados ao zoar alguns dos principais elementos das produções de espionagem e aventura (mais especificamente, os filmes de James Bond).

quinta-feira, janeiro 12, 2012

As Aventuras de Agamenon, o Repórter, de Victor Lopes **



Em termos teóricos, a concepção formal de “As Aventuras de Agamenon, o Repórter” (2011) até revela uma certa ousadia na sua mistura de ficção com técnicas documentais. Para falar sobre o fictício personagem, o diretor Victor Lopes recorre a depoimentos falsos de figuras reais, assim como a uma narradora que oscila entre o tom objetivo e tiradas irônicas (função essa até exercida com desenvoltura por Fernanda Montenegro). Aliás, a piada de Nelson Motta sobre a sua onipresença em documentários brasileiros talvez seja o grande momento cômico do filme. A técnica de inserir os atores Hupert, Marcelo Adnet e Luana Piovani em trechos de documentários com figuras chaves da história brasileira e mundial também rendem algumas soluções visuais interessantes (nesse sentido, não há como não lembrar do extraordinário “Zelig” de Woody Allen). No conjunto geral, entretanto, a produção padece de uma certa indecisão criativa, pois em vários momentos há a impressão de estarmos vendo um quadro meio sem graça do “Casseta & Planeta” estendido, o que faz com que o filme perca a oportunidade de buscar uma narrativa cinematográfica melhor elaborada. Há um acúmulo pouco funcional de referências históricas, piadas de botequim e crítica política/social que tornam a produção por vezes enfadonha, causando pouca empatia tanto para os admiradores do “Casseta & Planeta” quanto para apreciadores de cinema em geral.

quarta-feira, janeiro 11, 2012

Cavalo de Guerra, de Steven Spielberg ***1/2



De certa forma, a estrutura da trama de “Cavalo Guerra” (2011) é um tanto atípica para os padrões de Steven Spielberg e até entrega suas origens literárias – o mote principal do cavalo que é “convocado” para participar da I Guerra Mundial serve também como elo de ligação para uma série de sub-tramas, algumas bem interessantes, outras nem tanto, o que dá uma certa irregularidade para a produção. O segredo da capacidade de envolver o público está mais na síntese narrativa de Spielberg e na sua capacidade de gerar cenas inesquecíveis. As seqüências de conflitos armados representam o ponto alto do filme, evocando a crueza e brutalidade daquela inesquecível meia-hora inicial de “O Resgate do Soldado Ryan” (1998), sem que o diretor precise recorrer necessariamente a recursos típicos do cinema documental. E fora destas tomadas que privilegiam a ação, Spielberg consegue ainda alguns momentos de rara poesia visual, com destaque para a insólita cena em que um soldado norte-americano e outro alemão se solidarizam no meio do campo de batalha para retirar o protagonista equino preso em arames farpados. A direção de fotografia de talhe clássico amplia a força épica de “Cavalo de Guerra”, apesar das últimas cenas terem enquadramentos e iluminação que fazem lembrar um comercial de Malboro.

É claro que a abordagem pouco sentimental e a concisão narrativa de “Munique” (2005) representaram um grande degrau de refinamento no estilo Spielberg de dirigir, o que faz com que a pieguice e a grandiloquência de algumas cenas em “Cavalo de Guerra” possam trazer uma certa carga de frustração. Ainda assim, o filme está muito acima da média do que se produz atualmente em termos de ousadia formal e mostra que Spielberg nunca poderá ser considerado carta fora do baralho.

terça-feira, janeiro 10, 2012

MELHORES FILMES 2011



O critério primordial para os filmes que estão neste Top 25 é de que sejam produções que tenham estreado no circuito comercial de cinemas de Porto Alegre no ano de 2011.

1) A Árvore da Vida, de Terrence Malick
2) Melancolia, de Lars Von Trier
3) Scott Pilgrim Contra o Mundo, de Edgar Wrigth
4) O Vencedor, de David Russell
5) Meia-Noite em Paris, de Woody Allen
6) Balada do Amor e do Ódio, de Álex de la Iglesia
7) A Pele Que Habito, de Pedro Almodóvar
8) Tudo Pelo Poder, de George Clooney
9) Turnê, de Mathieu Amalric
10) O Seqüestro de Um Herói, de Lucas Belvaux
11) Vênus Negra, de Abdelattif Kechiche
12) Homens e Deuses, de Xavier Beauvois
13) X-Men: Primeira Classe, de Matthew Vaughn
14) O Garoto de Bicicleta, Jean-Pierre e Luc Dardenne
15) A Árvore do Amor, de Zhang Yimou
16) Estrada Real da Cachaça, de Pedro Urano
17) O Mágico, de Sylvian Chomet
18) Cópia Fiel, de Abbas Kiarostami
19) Capitão América – O Primeiro Vingador, de Joe Johnston
20) Planeta dos Macacos – A Origem, de Rupert Wyatt
21) Não Tenha Medo do Escuro, de Troy Nixey
22) 127 Horas, de Danny Boyle
23) O Cisne Negro, de Darren Aronofsky
24) Tio Boonmee, Que Pode Recordar Suas Vidas Passadas, de Apichatpong Weerasethakul
25) Gainsbourg – O Homem Que Amava as Mulheres, de Joan Sfar

Menções honrosas: filmes que vi nos cinemas no ano de 2011 e certamente estariam na lista acima, mas que foram vistos em festivais de cinema, ou seja, fora do circuito comercial das salas de Porto Alegre. Dentro de tal conceito, foram destaques as seguintes produções:

- Outrage, de Takeshi Kitano (Festival Internacional de Cinema de Montevidéu)
- Route Irish, de Ken Loach (Festival Internacional de Cinema de Montevidéu)
- Cúmplices, de Fréderic Mermoud (Festival Internacional de Cinema de Montevidéu)
- A Serbian Film, de Srdjan Spasojevic (FANTASPOA)
- Carne, de Victor Nieuwenhuijs e Maartje Seyferth (FANTASPOA)
- Attack The Block, de Joe Cornish (Rojo Sangre – Buenos Aires)
- Fausto, de Alexander Sokurov (Festival de Inverno – Porto Alegre)

Inquietos, de Gus Van Sant ***



Depois de um ciclo de produções dotadas de uma narrativa minimalista e de distanciamento emocional (“Elefante”, “Last Days”, “Paranoid Park”), o diretor Gus Van Sant volta a investir em uma produção de caráter mais acessível como nos tempos de “Gênio Indomável” (1997). Tematicamente, “Inquietos” (2011) lembra bastante o clássico de Hal Ashby, “Ensina-me a Viver” (1971), apesar de não possuir o mesmo pendor para a ironia perversa da obra setentista. O filme de Van Sant envereda mais por uma linha lírica, quase ingênua, ao retratar o romance entre um jovem órfão e desajustado e uma garota com câncer em estágio terminal. O cineasta tem seus melhores momentos ao colocar toques de fantasia na trama, inserindo de forma insólita o fantasma de um piloto kamikase japonês da 2ª Guerra Mundial como amigo e conselheiro sentimental do protagonista. Van Sant conduz a narrativa sem maiores sobressaltos ou arroubos criativos, mas tem o mérito de fazer com que “Inquietos” não caia em excessivos sentimentalismos do gênero “filme doença”. Além disso, a conclusão do filme é bastante inspirada na forma insólita com que utiliza cenas de flashback e na expressividade carismática do ator Henry Hopper.

segunda-feira, janeiro 09, 2012

Minhas Tardes Com Margueritte, de Jean Becker **1/2



Os cinéfilos mais ranhetas talvez impliquem com a estrutura narrativa convencional e previsível de “Minhas Tardes Com Margueritte” (2011) e com todas as suas respectivas apelações sentimentais. E eles terão razão em suas reclamações, pois o filme em questão realmente é um pouco apelativo no seu formato de conto moral/lição de vida. É inegável, entretanto, que o diretor Jean Becker consegue envenenar esse algodão doce com algumas traquinagens. Para começar, o filme transborda referências literárias muito interessantes, afinal os contatos entre o protagonista Germain (Gerard Depardieu) e a senhora Margueritte (Gisèle Casadesus) se dão por insólitas sessões de leitura que despertam uma nova sensibilidade para o embrutecido Germain, o que acaba provocando reflexões e mudanças em sua vida. Mesmo que repita alguns trejeitos típicos de outras produções em que trabalhou, Depardieu é outro fator diferencial que eleva “Minhas Tardes Com Margueritte” por alguns momentos das trivialidades do gênero melodrama, com sua presença de cena magnética.

sexta-feira, janeiro 06, 2012

Noite de Ano Novo, de Garry Marshall *



O cálculo dos produtores de “Noite de Ano Novo” (2011) deve ter sido bem simples: se uma comédia romântica ruim costuma render um bom lucro, então se colocar várias comédias românticas ruins dentro do mesmo filme o lucro vai ser ainda maior! Bem, talvez o resultado prático financeiro da produção em questão nem tenha sido toda essa fortuna, mas o resultado artístico foi algo parecido – uma bomba cinematográfica multiplicada várias vezes. Talvez a narrativa mosaico proposta pelo diretor Garry Marshall possa evocar alguma relação com obras semelhantes de Robert Altman (“Nashville”, “Short Cuts”, “Prêt-a-Porter”), mas a distância dos resultados finais é infinita. As tramas paralelas de “Noite de Ano Novo” parecem mais esboços de roteiros rejeitados unidos de forma aleatória do que propriamente um conjunto de histórias que possuem uma real interligação formal e conceitual. Talvez o filme pode funcionar como curiosidade no sentido de referências para cinéfilos (como nas várias menções que se faz a “Mary Poppins” ou a participação de alguns atores de respeito – o que faz a gente pensar que eles estavam precisando colocar as contas em dia...) ou mesmo de comparações (aquela dança desajeitada da personagem de Michelle Pfeiffer não teria uma relação com aqueles passos estilosos e blase da sua figura junkie chique em “Scarface”?). Fora de tais digressões, “Noite de Ano Novo” consegue ser apenas mais um passatempo aborrecido e sem imaginação.

quinta-feira, janeiro 05, 2012

Imortais, de Tarsem Singh ***



Confesso que o marketing de “Imortais” (2011) tinha me deixado com um pé atrás em relação ao filme. Afinal, a propaganda alardeava que era dos mesmos produtores do horroroso “300” (2006). Inicialmente, a concepção visual, bastante baseada em efeitos digitais, realmente traz algumas lembranças do filme de Zach Snyder. Com o desenvolvimento da narrativa, entretanto, pode-se perceber que “Imortais” apresenta decisivas diferenças. A principal delas são as sequências de ação: não apelando para as picaretas câmeras lentas de Snyder, o diretor Tarsem Singh obtém um eficiente resultado cênico que impressiona pela desenvoltura da porradaria, podendo-se até perceber uma certa influência dos quadrinhos na composição das cenas. A produção também acerta na atmosfera sombria e violenta que permeia a trama, sendo que a brutalidade gráfica e ambientação dark acabam até soando estranhas e desafiadoras diante da média das produções contemporâneas do gênero. No mais, o filme apresenta algumas irregularidades, principalmente na questão da interpretação do elenco (com tendências visíveis para a canastrice dramática), mas como saldo final se apresenta satisfatório no quesito diversão escapista. Faz até imaginar que “300” poderia ter sido um filme decente nas mãos de um cineasta mais competente.

quarta-feira, janeiro 04, 2012

A Casa dos Sonhos, de Jim Sheridan *1/2



A grande marca da cinematografia de Jim Sheridan sempre foi o vigor. Obras como “Meu Pé Esquerdo” (1989) e “Em Nome do Pai” (1993) podem possuir uma estrutura formal convencional, mas se destacam pela sua dinâmica narrativa e o gosto pela ambição visual de algumas seqüências (no sentido de serem muito bem dirigidas). Nesse sentido, acaba-se entendendo por quê Sheridan pediu para retirar o seu nome dos créditos ao ver o resultado final de “A Casa dos Sonhos” (2011), sua produção mais recente. Por mais que seja um filme correto em termos de fotografia e edição, carece de uma dimensão artística que possibilite alguma transcendência artística. É uma obra burocrática e destituída de vida, e nem dá para acusar o roteiro previsível como responsável pelo saldo frustrante – afinal, Scorsese usou uma trama bem parecida em “A Ilha do Medo” (2010) e isso não foi impeditivo para que não tivesse um resultado extraordinário. É provável que o pedido desgostoso de Sheridan tenha relação com a interferência de produtores na realização de “A Casa dos Sonhos”. Fofocas à parte, fica para a posteridade uma produção a cair no limbo da frustração.

terça-feira, janeiro 03, 2012

A Pele Que Habito, de Pedro Almodóvar ****



Tanto na sua divulgação quanto em certos comentários da crítica têm ocorrido um certo exagero na abordagem de “A Pele Que Habito” (2011), principalmente na afirmação de que seria o primeiro filme de terror dirigido por Pedro Almodóvar. Na verdade, não dá para dizer que a obra esteja plenamente inserida em no gênero em questão, afinal não traz elementos sobrenaturais e nem afunda o pé na jaca em termos de sanguinolência. Almodóvar trafega muito mais na área do suspense, uma praia em que já tinha se inserido com resultados excelentes em produções como “Matador” (1986) e “A Má-Educação” (2004). Em “A Pele Que Habito” (2011), entretanto, o cineasta espanhol mostra influências de uma estética particular do cinema fantástico europeu das décadas de 60 e 70, a começar pela perturbadora relação que se estabelece entre erotismo e morbidez, tão cara à cinematografia de artistas como Jean Rollin, Jesus Franco, Dario Argento e Mario Bava. É claro que tal concepção acaba ganhando uma dinâmica diferente nas mãos de Almodóvar – por vezes, a trama de “A Pele Que Habito” apresenta reviravoltas tão radicais que faz com que a obra adquira uma certa conotação de ironia kitsch (outra característica fundamental de outras produções do diretor). É provável que nas mãos de outros diretores o mesmo roteiro descambaria para o ridículo trash. A visão artística de Almodóvar leva o filme para outros níveis sensoriais. O requinte visual de “A Pele Que Habito” é de encher os olhos, mas sem cair afetações, com o diretor não temendo em combinar de forma extraordinária excelência plástica com detalhes grotescos inusitados. Além disso, Almodóvar estabelece uma sutil narrativa repletas de idas e vindas temporais que se mostram essenciais para evidenciarem as nuances temáticas e formais do filme. No conjunto geral, “A Pele Que Habito” não só reforça ainda mais as obsessões autorais de Almodóvar, como as expande para terrenos inexplorados.