terça-feira, dezembro 30, 2014

Ouija - O jogo dos espíritos, de Stiles White *


Reparem nas linhas gerais da progressão da trama de “Ouija – O jogo dos espíritos” (2014): a protagonista Laine (Olivia Cooke) se sente assombrada pelo fantasma de uma amiga, decide contatá-la através do jogo do título na casa em que a falecida morava, acaba despertando espíritos malignos que perseguem a ela e seus amigos, alguns deles são enganados e mortos, a protagonista descobre que tais espíritos eram de pessoas que moravam na casa da amiga morta e na conclusão há uma batalha épica para exorcizar todos esses fantasmas. Ou seja, dá para sacar que é um roteiro bem manjado, o que por si só não dá para dizer que seria uma garantia de ruindade para essa produção. O problema maior, entretanto, é que o diretor Stiles White é tão mecânico e sem inspiração ao acumular clichês temáticos e chavões formais que “Ouija” não vai além de alguns sustos básicos e mequetrefes. Faltou uma condução de narrativa mais sanguínea e uma estética mais ousada capazes de extrair alguma efetiva tensão no meio de tantas obviedades.

segunda-feira, dezembro 29, 2014

Mommy, de Xavier Dolan ***1/2


Uma das coisas que mais impressiona no cineasta canadense Xavier Dolan é a maturidade humanista das abordagens existenciais de seus filmes, além do extraordinário vigor narrativo de tais produções. Isso já era evidente em sua obra de estreia, “Eu matei a minha mãe?” (2009), lançado quando ele tinha apenas 19 anos, e agora sua marca artística fica ainda mais indelével em “Mommy” (2014). Assim como no seu debut, nesse filme mais recente a trama se concentra num enfoque intimista e familiar, mas que também em seu subtexto traz uma visão bastante coerente e ácida sobre as relações humanas no mundo moderno. A encenação proposta por Dolan é um estranho misto entre atribulados embates físicos e sutis nuances psicológicas. Dentro dessa complexa e intensa concepção formal/temática, revela-se fundamental o esmerado trabalho de direção de atores com o trio protagonista em composições dramáticas que variam com selvagem naturalismo entre a contenção emocional e explosões de ira, alegria e sensualidade.

terça-feira, dezembro 23, 2014

Ultraje: Muito além, de Takeshi Kitano ***1/2


Takeshi Kitano fazendo continuação de um de seus filmes não é algo exatamente habitual. Ainda mais de “Ultraje” (2010), um de seus melhores trabalhos. “Ultraje: Muito além” (2010), a segunda parte da saga dos mafiosos nipônicos, não tem a mesma intensidade formal da primeira produção, mas mesmo assim é uma obra de peso que se coloca muito acima da média do que se faz no cinema policial contemporâneo. Kitano se utiliza novamente de um roteiro de variações mínimas, cujo mote principal está nas disputas brutais e insidiosas entre clãs de criminosos. A força de suas concepções artísticas está na construção de atmosferas secas e desoladas, na violência descarnada de algumas seqüências, no extraordinário trabalho de composição cênica, na estranha ironia tipicamente nipônica de Kitano. Tudo parece previsível na trama, mas mesmo assim o espectador se sente surpreendido e atraído pelas noções perversas e trágicas que escorrem de forma abundante da narrativa sangrenta engedrada pelo cineasta. E a surpreendente conclusão do filme acentua a sensação de desconcerto, quando num único ato brutal emana uma inesperada aura de conto moral.

segunda-feira, dezembro 22, 2014

O Hobbit: A batalha dos cinco exércitos, de Peter Jackson ***


Vi “O Hobbit: A batalha dos cinco exércitos” (2014) numa projeção 3D HFR. Não costumo destacar nos meus comentários sobre filmes a condição tecnológica na qual os assisti. Mas na produção em questão isso acaba sendo inevitável. A tecnologia que mencionei dá uma impressão esquisita, de como se estivéssemos vendo um filme no cinema com a textura de imagem de televisão. Nessas condições, as trucagens digitais que grassam por praticamente toda a metragem da obra de Peter Jackson não têm aquele realismo e naturalidade que eram prementes tanto nos outros episódios da franquia quanto em toda a trilogia de “O senhor dos anéis”. Por vezes, o resultado imagético aparenta muito mais de um game do que de um filme propriamente dito. Ou seja, aquilo que vinha sendo o grande mérito dos filmes anteriores, o formalismo rebuscado concebido por Jackson, acaba não tendo o mesmo destaque. Ainda sim, é uma obra que dentro do gênero da aventura cinematográfica consegue se colocar acima da média. Por mais que o roteiro tenha seus excessos melodramáticos e chafurde em alguns clichês épicos, a narrativa ainda é capaz de gerar tensão e mesmo encantar na sua overdose de cabeças decepadas, construções ardendo em chamas, explosões e corpos perfurados, além de alguns personagens apresentarem dimensão dramática e construção psicológica mais acuradas. Ou seja, uma fantasia épica de um Peter Jackson em entressafra tem mais estofo e substância que os “Percy Jackson” ou “Jogos vorazes” da vida...

terça-feira, dezembro 09, 2014

Um homem misterioso, de Anton Corbjin ****


A vasta experiência do diretor Anton Corbjin como fotógrafo se reflete de forma magnífica em seus filmes. “Um homem misterioso” (2010) é uma prova indelével disso. As variações da trama são minimalistas, por vezes até bastante previsíveis. A força dessa produção está justamente na construção de atmosferas e na encenação detalhista, que faz com que a obra tenha um clima de tensão permanente. O subtexto é óbvio – quando o protagonista, o implacável matador de aluguel Jack (George Clooney), entra em crise existencial e se apaixona, isso implica na sua inexorável queda. Ainda sim, Corbjin estabelece um fatalismo perturbador, fazendo com que “Um homem misterioso” ganhe a aura de uma tragédia clássica. Para isso, o cineasta se vale de uma notável capacidade de composição de cena, tanto em tomadas fixas cujos enquadramentos expressam uma força imagética memorável quanto nas cenas de ação elegantemente coreografadas. A sobriedade da abordagem emocional e a formalismo classudo concebidos por Corbjin fazem lembrar a produção francesa “O samurai” (1967), uma das grandes obras-primas do gênero policial.

segunda-feira, dezembro 08, 2014

Meninos de Kichute, de Luca Amberg *


O gênero memorialista infantil, em que a trama se concentra em episódios de infância de um protagonista, é bastante recorrente no cinema. E pode parecer até um recurso manjado utilizar esse tipo de temática para ganhar a simpatia das plateias. Isso não quer dizer, entretanto, que de vez em quando não possa aparecer uma obra de relevância dentro do gênero, como é o caso do recente e extraordinário “O verão do Skylab” (2011), obra singular na sua combinação de narrativa fluente, roteiro bem amarrado, senso de humor afiado e atmosfera encantadora. Nada disso aparece em “Meninos de Kichute” (2010) – parece que o diretor Luca Amberg pensou que o simples fato de mostrar crianças fazendo peraltices e dizendo umas bobagens seria capaz de fazer de sua obra algo memorável. Não há vigor e inspiração na encenação proposta por Amberg, apenas uma narrativa trôpega, cuja trama se revela um compêndio de lugares comuns sem graça. Até a crítica que se faz a repressão religiosa no filme soa mecânica e mal explorada. Poderia se dizer que por ser Amberg um diretor estreante não daria para ser tão exigente com “Meninos de Kichute”, mas Truffaut em seu longa de estréia, “Os incompreendidos” (1959), gerou uma obra-prima sobre a infância e adolescência...

sexta-feira, dezembro 05, 2014

Os amigos, de Lina Chamie **


O documentário “São Silvestre” (2013), dirigido por Lina Chamie, foi uma das mais gratas surpresas do cinema nacional nos últimos anos na sua combinação de esporte, música e encenação insólita. Assim, “Os amigos” (2013), outra recente obra de Chamie, acaba sendo uma decepção, tanto pela comparação que se faz com a produção anterior quanto pelos seus supostos méritos artísticos. É claro que se pode perceber uma louvável ambição artística da cineasta ao estruturar sua narrativa aos moldes do clássico literário “A Odisséia” de Homero dentro de uma ambientação moderna e urbana, além de rechear sua encenação com toques intelectuais sofisticados, indo de boas escolhas nos temas musicais e passando por referências literárias e teatrais. Chamie não se contentou também com uma encenação naturalista, demonstrando ousadias estéticas na utilização de trucagens visuais e desvios para o cinema fantástico. Na realidade, entretanto, o excesso de pretensão e truques formais descamba para uma narrativa afetada e truncada – pode-se eventualmente gostar de alguma sacada cultural do filme, mas a demasia nos artifícios de linguagem poucas vezes consegue efetivamente cativar o espectador, que pouco se sente envolvido pelas situações e personagens da trama.

quinta-feira, dezembro 04, 2014

O pequeno fugitivo, de Morris Engel e Ruth Orkin ***1/2



Dizer que “O pequeno fugitivo” (1953) parece distante daquilo que se faz atualmente no cinema pode até ser correto, mas também é impreciso. Afinal, o filme em questão parece algo fora do tempo e espaço em relação a qualquer época. A linguagem estética adotada pelos diretores Morris Engel e Ruth Orkin encontra bastante ressonância naquele estilo de fotografia naturalista, em que o preto-e-branco enfatizava um misto entre a simplicidade, o sórdido, o excêntrico e o irônico no registro de tipos nada glamorosos dos grandes centros urbanos. A estrutura narrativa engedrada por Engel e Orkin é marcada pela concisão e eficiência – ao usar técnicas documentais na encenação de uma história ficcional, eles conseguem a proeza de fazer uma estranha e fascinante síntese entre a formatação naturalista e o inesperado tom fabular. Isso porque a trama é perpassada em boa parte de sua duração pelo olhar infantil do protagonista Joey (Richie Andrusco). Assim, aquilo que era para ter um caráter prosaico e realista acaba ganhando uma estranha dimensão épica para o pequeno personagem principal. Os jogos e brincadeiras em um parque e os passeios e recolhimento de garrafas pela praia de Coney Island se transformam numa espécie de aventuras grandiosas. O registro visual do filme acentua ainda mais tal impressão: poucas vezes se viu no cinema ruas, objetos e prédios corriqueiros ganharem uma beleza pictórica tão cativante. A expressiva trilha sonora, composta basicamente por temas de melodias singelas levadas numa harmônica beirando o desafinado, colabora ainda mais para essa percepção de uma obra idiossincrática e atemporal.

quarta-feira, dezembro 03, 2014

Boyhood - Da infância à juventude, de Richard Linklater ***




O que mais impressiona em “Boyhood – Da infância à juventude” (2014) não é o uso do recurso narrativo de usar os mesmos atores por mais de 10 anos para narrar a trajetória de amadurecimento de seus personagens. É claro que isso dá um peso dramático na composição de situações e personagens, mas o que pega mesmo no filme é que por trás da história de caráter intimista e realista da produção há um rico subtexto político e cultural que faz um raio x arguto da sociedade norte-americana contemporânea. Nesse sentido, há grande mérito por parte do diretor Richard Linklater em não cair, pelo menos em boa parte do filme, em maniqueísmos ou visões simplórias ao trazer à tona questões complexas. Por mais que Mason (Ellar Coltrane) seja o protagonista de “Boyhood”, é a totalidade de sua família (ele, pai, mãe e irmã) que sintetiza aquilo que Linklater quer evidenciar – liberais em termos políticos e ateus, representam o oposto ao ideário conservador que Hollywood e a mídia ocidental gostar de propagar como modelo. Apesar disso, sentem necessidade de se adequar a certos valores e convenções para poderem sobreviver, ainda que quebrem a cara com isso por vezes (o fato da mãe casar duas vezes com homens aparentemente respeitáveis, um professor e um policial, mas que se revelam bêbados violentos é emblemático disso). Tal concepção temática e textual da produção representa talvez o seu efetivo lado transgressivo, em um discurso perturbador que desafia inclusive o ideal do amor romântico. Essa crueza no expor as relações interpessoais bem como na caracterização de determinadas passagens da trama deixa clara a forte carga humanista da obra de Linklater.

Se “Boyhood” impressiona pelo seu subtexto, por outro lado sua estrutura narrativa e formal não acompanha a sua ousadia temática. Não há grandes arroubos estéticos por parte de Linklater e é provável que essa nunca tenha sido a sua intenção, pois o caráter de uma ambientação sóbria e naturalista de um cotidiano familiar/social não exigiria barroquismos ou estilizações. Ocorre, entretanto, que o próprio Linklater já provou que é possível conciliar um roteiro de talhe realista com uma narrativa criativa em termos formais na sensacional trilogia “Antes do amanhecer” (1995), “Antes do pôr-do-sol” (2004) e “Antes da meia-noite” (2013). Além disso, o cineasta se rende em alguns momentos a alguns incômodos truques melodramáticos que tiram a fluência da narrativa.

Os senões que se pode fazer a “Boyhood” são frustrantes em relação às expectativas positivas que se tinha em relação ao filme. Ainda sim, é o tipo de obra que traz tantos elementos intrigantes que acaba permanecendo na mente de quem a assistiu por um bom tempo, fazendo do filme de Linklater um trabalho memorável como poucos.

terça-feira, dezembro 02, 2014

Tim Maia, de Mauro Lima 1/2 (meia estrela)


Logo após sair da sala onde assisti à “Tim Maia” (2013) ouvi alguns comentários de pessoas que também viram o filme em questão, sendo que um deles se destacou para mim: “Como alguém pôde desperdiçar a vida assim?”. Daí eu é que me indaguei mentalmente: mas como falar em desperdiçar a vida em relação a um homem que gravou, no mínimo, oito discos fundamentais para a música brasileira, além de ser um dos maiores intérpretes de nosso cancioneiro? Mas tal percepção acaba se justificando diante do equívoco que representa a cinebiografia dirigida por Mauro Lima. Durante a longuíssima duração de tal produção, o que mais se vê é o “homenageado” abusando de drogas e comida e sendo repreendido com lições de morais e de vida por parte de parente, amigos e namoradas. De vez em quando, sobra um espaço para mostrar que o cara também compunha e cantava... Ou seja, o filme tem um repugnante caráter moralista e arrogante, parecendo julgar a todo momento o comportamento errático de Tim Maia e reduzindo a sua vida ao cotidiano de um junkie qualquer. Essa medíocre visão temática da obra se estende para a própria concepção estética perpetrada por Lima – encenação engessada, direção de arte primária, interpretações caricaturais, roteiro incapaz de desenvolver situações e personagens. No geral, “Tim Maia” mais parece, na realidade, um longo video clip musical mal dirigido e com um subtexto tomado por infantilismos.