sexta-feira, novembro 30, 2012

Referendo, de Jaime Lerner **1/2


Em termos formais, “Referendo” (2012) é uma obra que pouco ousa – seu foco é praticamente o seu conteúdo temático. Nesse sentido, talvez seu destino mais apropriado fosse mesmo a televisão. É inegável, entretanto, que na sua parte informativa e de foco crítico acaba tendo uma abordagem bem aprofundada e relevante. Discutindo a questão do desarmamento e da votação que decidiu sobre a sua implantação em território brasileiro em 2005, o documentário dirigido por Jaime Lerner busca diversas visões sobre o assunto, tanto no aspecto político envolvendo a questão quanto na área humana ao trazer histórias pessoais de indivíduos que tiveram experiências com armas. É interessante também que ao procurar o entendimento dos motivos que levaram à vitória daqueles que eram contra o desarmamento no referido plebiscito, o filme evidencia os mecanismo que envolvem os conflitos políticos e ideológicos por vias eleitorais, em que as vitórias se definem muito  mais por estratégias de marketing do que por convicções do que é realmente certo e mais apropriado para a sociedade. Ao estabelecer esse discurso minucioso para dissecar um tema tão complexo, a obra de Lerner justifica a sua importância artística.

quinta-feira, novembro 29, 2012

13 assassinos, de Takashi Miike ****


Refilmagem de uma obra homônima de 1963, “13 assassinos” (2010) evoca algo de Akira Kurosawa, principalmente daquelas produções com samurais como “Os sete samurais” (1954) e “Yojimbo” (1961). Reduzir o filme do diretor Takashi Miike, entretanto, como mera recriação ou reciclagem seria uma visão equivocada. Até porque não daria para esperar muitas obviedades ou revisões meramente nostálgicas do cineasta que concebeu obras extremas como “Audition“ (1999) ou “Ichi The Killer” (2001). Miike parte de uma estrutura clássica de narrativa para perverter os tradicionalismos do gênero como uma abordagem perturbadora. A trama apresenta a velha divisão entre mocinhos e vilões, mas aos poucos essa lógica vai ser tornando cada vez mais difusa – os assassinos do título são samurais e ronins que até vislumbram o fato de agirem no nome de um bem maior, mas sua verdadeira motivação é a possibilidade de morrer com honra em combate. Essa obsessão é retratada com traços por vezes doentios e irônicos – no meio de cenas violentas e demais atrocidades, pode-se perceber o toque sutil de Miike quando em determinadas seqüências os seus “heróis” traem um sorriso discreto. E a encenação do diretor é primorosa na combinação de estéticas formais diferentes, entrecruzando uma pegada naturalista de muito sangue, chuva e barro a um tom eventualmente épico pelo virtuosismo de fotografia e montagem. Permeando esse estranho formalismo, há uma atmosfera de distanciamento emocional, resultando numa obra sensorialmente desconcertante.

quarta-feira, novembro 28, 2012

Tropicália, de Marcelo Machado ***1/2




Antes de mais nada, cabe dizer que a pretensão do diretor Marcelo Machado em “Tropicália” (2012) não é fazer um retrato objetivo e definitivo sobre o movimento musical em questão. O viés do documentário é mais subjetivo e pessoal, no sentido de captar as impressões de alguns dos principais artífices daquilo que se convencionou chamar de Tropicália. Dentro dessa concepção, pode-se perceber tons diferentes que variam durante a narrativa de acordo com o depoente. Quando Tom Zé tem a palavra, há algo de messiânico e delirante no ar – tanto que o músico em alguns momentos quebra a própria estética sóbria adotada por Machado ao sair do enquadramento delimitado formalmente para expor suas teorias históricas e apocalípticas. Já com Gilberto Gil a atmosfera burilada evoca serenidade. E quando as lentes se voltam para Caetano Veloso, esse adota uma postura que beira o melancólico, o que provoca até uma contradição perturbadora com os próprios preceitos artísticos da Tropicália, um estilo marcado pela ironia, escracho e uma certa alegria. Veloso enfatiza as perdas que teve com a consequente perseguição política que sofreu com a ditadura militar pela sua participação no movimento, e questionando o que poderia ter sido da sua vida senão tivesse sido preso e exilado. Geralmente o cantor é acusado de ser uma espécie de ator de si mesmo. E se na produção em questão ele está realmente atuando, há de se convir que Caetano Veloso é um intérprete dramático bem convincente...
As diferenças de espírito que se estabelecem entre os protagonistas de “Tropicália” acabam oferecendo uma dimensão humana e cultural ainda mais complexa para a temática abordada por Machado, o que aliado a preciosos registros visuais históricos e à bela trilha sonora (com as inevitáveis canções mais emblemáticas do movimento) compõe um documentário envolvente, não só pelo seu aspecto histórico, mas também pelo prazer sensorial de suas imagens e sons.

terça-feira, novembro 27, 2012

Perro muerto, de Camilo Becerra **


Quando um filme apresenta um viés formal mais cru, com uma temática enfocando questões sociais e cotidianas, acaba sendo inevitável que se evoque a escola neo-realista italiana, a mais emblemática no que diz respeito a esse tipo de produção. É claro que retomar uma comparação como essa para “Perro muerto” (2010), obra de um cineasta iniciante, pode ser soar injusta ou exagerada. O filme do diretor Camilo Becerra retrata a rotina repleta de dificuldades financeiras e emocionais de uma mãe solteira, principalmente no que diz respeito a conseguir uma residência fixa para ela e seu filho. É claro que o filme impressiona em alguns momentos pelo tom áspero de sua narrativa, tendo um acabamento estético razoável no que diz respeito a elementos como fotografia e edição. Falta, entretanto, mais estofo dramático e uma maior ousadia formal para que “Perro muerto” transcenda e consiga se fixar no imaginário do espectador. E é nesse ponto que, ao menos para este que escreve este breve texto, a lembrança de nomes como Roberto Rosselini e Vittorio de Sica, mestres em extrair grandeza a partir de uma linguagem naturalista, vem à tona de forma quase involuntária.

segunda-feira, novembro 26, 2012

O legado Bourne, de Tony Gilroy ***1/2


Ao contrário de “A supremacia Bourne” (2004) e “O ultimato bourne” (2007), filmes em que o diretor Paul Greengrass consolidou a estética dos filmes de ação de estilo documental com muita câmera tremida ou fora do foco principal, “O legado Bourne” (2012) adota um formalismo mais tradicional, mas que não deixa de ser inquietante. A trama continua girando em torno daquele feijão de arroz com conspirações, tramóias governamentais e traições diversas. O diretor Tony Gilroy consegue extrair dessas obviedades temáticas seqüências marcantes em termos de tensão e aventura. A edição e a direção de fotografia formam um todo mais coerente e visualmente rico do que os outros filmes da franquia. Mesmo nos momentos mais frenéticos, prevalece esse estilo sereno tanto de filmar como de montagem, em que o espectador consegue entender o que está acontecendo na encenação. Além disso, Jeremy Renner consegue compor um protagonista bem mais carismático que aquele interpretado por Matt Damon.

sexta-feira, novembro 23, 2012

Cosmópolis, de David Cronenberg ***1/2


Por mais que “Um método perigoso” (2011) demonstrasse uma elegância formal e temática em sua concepção, era uma obra que causava certa decepção por parecer um David Cronenberg muito contido e menos autoral. Mesmo não estando no topo criativo do diretor canadense, “Cosmópolis” (2012) retoma essa veia mais visceral e ousada. Para começar, o fato de ser uma adaptação de um original literária não passa em branco: a narrativa do filme trafega entre o hiper-realismo e a anti-naturalismo. Tal linguagem acaba encontrando ressonância também em elementos teatrais – o fato de boa parte da trama se desenvolver dentro do espaço reduzido de uma limusine reflete tais influências, assim como o trecho final de pura verborragia. Esses elementos de meios culturais diversos, entretanto, não descaracterizam as particularidades estéticas do cinema de Cronerberg, mas sim o enriquecem.

“Cosmópolis” se insere de forma coerente dentro da particular cinematografia do cineasta. Seu roteiro reflete muito dos conflitos mais recorrentes da sociedade contemporânea (vazio existencial, ambição irrefreável, relação sexualidade/consumismo), dentro de um contexto fortemente simbólico. As situações e diálogos são elípticos, obscuros, mas aos poucos formam um conteúdo perturbador e algo sensual. Essa abordagem icônica se estende até mesmo para o trabalho do elenco – nas interpretações de Robert Pattinson, Juliette Binoche, Samantha Morton e Paul Giamatti, há um tom que oscila entre o distanciamento emocional, a ácida ironia e o cruel desespero.

Talvez a força motriz de “Cosmópolis” esteja numa tensão contraditória – o elenco estelar (principalmente pela presença do galã Pattinson) e a pinta de superprodução de grande estúdio são na verdade uma espécie de cavalo de tróia que traz dentro de si uma sanha artística inquietante e venenosa.

quinta-feira, novembro 22, 2012

O gato do rabino, de Joann Sfar ***1/2


Se em “Gainsbourg – O homem que amava as mulheres” (2010) o diretor Joann Sfar já havia mostrado considerável talento cinematográfico, na animação “O gato do rabino” (2010), adaptação para a tela grande de uma HQ de sua autoria, ele confirma tal impressão. A história do bichano que engole um papagaio e passar a falar tem um tom fabular, e envereda por direções ainda mais complexas. O que Sfar propõe é uma narrativa plena de simbolismos e ironia, em que referências históricas, filosóficas e religiosas pontuam o caráter lúdico da trama. O traço de Sfar é fortemente estilizado, apresentando um grafismo que oscila entre o sensual e o delirante, mostrando-se em sintonia com o roteiro que traz uma gama de elementos insólitos: erotismo, violência, sincretismo/conflito religioso (principalmente na aparente contradição entre judaísmo e islamismo). Mais do que simplesmente contar uma história, o que Sfar instiga é uma obra de acentuado cunho sensorial, em que a busca por soluções fáceis morais e mesmo formais acaba sendo infrutífera. O que vale em “O gato do rabino” é se deixar levar pelo inebriante conjunto de imagens e sons que brota da tela.

quarta-feira, novembro 21, 2012

Pra frente Brasil, de Roberto Farias ***


O cineasta Roberto Farias já havia feito a sua obra-prima no gênero policial com “Assalto ao trem pagador” (1962). “Pra frente Brasil” (1982), contudo, está longe de ser desprezível. É claro que às vezes as cenas de ação soam um tanto desajeitadas. No final das contas, entretanto, isso até acaba dando um certo charme para a produção. Farias consegue aliar de forma fluente um roteiro de estrutura policial clássica com toques consistentes de cinema político, ainda que por vezes caia numa encenação caricatural. A obra consegue evocar a densidade dramática de filmes setentistas de temática semelhante de diretores como Costa Gavras e Elio Petri, sem que Farias perca a identidade brasileira tipicamente fuleira, fazendo com que a produção fuja do simples rótulo “filme sobre a ditadura” e ganhe um caráter atemporal. No mais, o diretor também tem o mérito de extrair boas e carismáticas interpretações de seu elenco.

terça-feira, novembro 20, 2012

Cara ou coroa, de Ugo Giorgetti ***1/2



Por mais que sua trama se relacione com a questão da repressão política no Brasil dos anos 70, seria inexato dizer que “Cara ou coroa” (2012) seria essencialmente um “filme sobre a ditadura”. O filme de Ugo Giorgetti é bem mais do que isso: versa sobre a memória e o imaginário cultural do próprio diretor. Assim, não é à toa que o filme se comunique de forma tão fluente com outras expressões culturais também caras ao cineasta. O roteiro desenvolve boa parte de suas situações no meio teatral, indo do fato de que um de seus personagens principais personagens é um diretor de peças até pequenos e expressivos trechos ligados ao meio (no melhor deles, uma crítica teatral, recém saída de uma breve temporada na cadeia por questões políticas, faz ácidas assertivas sobre o futuro do país). Já a literatura tem uma presença discreta, mas marcante, em “Cara ou coroa” – a narração em primeira pessoa e algumas nuances dos diálogos remetem a uma forte conotação literária pelo alto nível articulado de suas palavras, mas sem cair em empostações. Dentro dessa narrativa que apresenta tantos detalhes e referências, Giorgetti exerce um cinema marcado pela contenção e sobriedade. Por mais que os personagens passem por situações limites, o diretor exerce a tensão com precisão, sem descambar para o óbvio ou o facilmente emocional. Essa abordagem se estende para uma estética elegante, principalmente pela direção de fotografia que valoriza os jogos de claro e escuro de alguma tomadas essenciais para o filme.

O apuro formal de “Cara ou coroa” se relaciona de maneira sofisticada com o seu complexo conteúdo temático, fazendo com que a produção de Giorgetti esteja muito além das categorizações óbvias e seja uma pérola recente da filmografia nacional a ser descoberta.

segunda-feira, novembro 19, 2012

À beira do caminho, de Breno Silveira **1/2


Aqueles que desgostaram da esterilidade criativa de filmes como “2 filhos de Francisco” (2005) e “Era uma vez...” (2008), ambos dirigidos por Breno Silveira, podem até se surpreender com “À beira do caminho” (2012). Afinal, o cineasta consegue manter uma certa atmosfera contemplativa e até mesmo um tom mais sutil, ainda que sempre enveredando para o sentimentalismo. Mesmo esse tom emocional mais desbragado, entretanto, acaba encontrando ressonância mais convincente pelo fato da narrativa ser marcada por algumas canções emblemáticas de Roberto Carlos. É claro que não dá para dizer que as opções estéticas e temáticas de Silveira configurem algum grande vôo criativo, ainda mais por trazer uma trama bastante derivativa (o roteiro parece uma variação sem maiores cerimônias de “Central do Brasil”). Mesmo assim, é um trabalho bem feito em termos formais, com alguns detalhes que geram uma empatia maior com a platéia (principalmente pela boa atuação do João Miguel e as antológicas canções do Rei).

sexta-feira, novembro 16, 2012

Febre do rato, de Cláudio Assis ****



Se nas obras anteriores “Amarelo manga” (2003) e “Baixio das bestas” (2007) o diretor Cláudio Assis mostrava uma estética autoral bastante baseada no sórdido e no escatológico, e nem sempre com resultados satisfatórios, em sua obra mais recentes, “Febre do rato” (2011), o cineasta aprofunda suas inquietudes artísticas ao lançar mão de um lirismo à flor da pele, tanto no texto quanto no seu formalismo. O resultado é sua obra mais consistente até então.

Na concepção de “Febre do rato”, parece rondar duas fortes influências, ambas provenientes da cinematografia italiana. Primeiro na figura de Píer Paolo Pasolini, pelo gosto em retratar tipos populares e/ou marginais através de um registro que beira o barroco tamanho o apuro visual de enquadramentos e iluminação que remetem a influências pictóricas, quase como se emulassem quadros vivos. Nesse sentido, o trabalho de direção de fotografia em preto-e-branco é algo simplesmente fenomenal, principalmente nas filmagens de cima para baixo. E a outra referência que permeia a produção é a obra-prima “A árvore dos tamancos” (1978), de Ermano Olmi, pela atmosfera por vezes de beatitude que Assis elabora ao mostrar o quotidiano dissipado de festas, bebedeiras, discussões sentimentais/filosóficas/poéticas e orgias de suas criaturas.

E por falar em poesia, poucas vezes tal arte encontrou um meio de se expressar de forma tão fluida no cinema como em “Febre do rato”. Os jorros de palavras que saem da pena e da boca do protagonista Zizo (Irandhir Santos) estão em sintonia existencial com as imagens por vezes cruas e cruéis por vezes plenas de beleza. De certa forma, a própria trajetória pessoal de Zizo é a tradução de sua arte e dos jogos contraditórios propostos pelo roteiro. O personagem clama por anarquia, desafia os costumes e convenções pequeno-burgueses, mas quase sucumbe à paixão por Eneida (Nanda Costa), musa brejeira que configura uma espécie do ideal de amor apolíneo e destruidor. A cena em que Eneida urina na mão do poeta, a seu pedido, é a síntese perfeita desse jogo entre o grotesco e o romântico estabelecido pelas obsessões de Zizo e do próprio Cláudio Assis.

quarta-feira, novembro 14, 2012

As bem amadas, de Christophe Honoré ***


O cinema francês das décadas de 50 e 50, mais precisamente a Nouvelle Vague e os musicais de Jacques Demy, continuam a ser os principais referenciais do imaginário cinematográfico do diretor Christophe Honoré. Isso fica bem evidente em sua obra mais recente, “As bem amadas” (2011). Para não deixar dúvida quanto às suas intenções, o cineasta inicia a trama do filme na Paris dos anos 60. A partir daí, recicla algumas idéias já exploradas em algumas de suas produções anteriores (“Em Paris”, “Canções de amor”): roteiro recheado de elementos existencialistas, abordagem anti-naturalista ao evocar a estrutura de musicais, interpretações um tanto blasé de seu elenco (nesse sentido, a presença da icônica Catherine Deneuve reforça o lado revivalista do cinema do diretor). É fato que a produção não tem a mesma fluidez narrativa de obras mais antigas de Honoré. Mesmo assim, é inegável o poder de sedução de algumas insólitas soluções formais do diretor – afinal, a densidade dramática de algumas cenas se mostram em descompasso com os recursos típicos do gênero musical, tendo um efeito desconcertante para o espectador. Assim, mesmo estando distante do melhor do seu criador, “As bem amadas” reforça o padrão autoral da cinematografia de Honoré.

terça-feira, novembro 13, 2012

O liberdade, de Cíntia Lange e Rafael Andreazza ***


O Liberdade é um bar de Pelotas. Ao meio-dia, diariamente serve almoços. São em algumas noites na semana, entretanto, que se concentram os motivos para que o estabelecimento se estabeleça como uma das principais referências culturais da cidade. Nessas ocasiões, veteranos músicos do chorinho se dedicam a tocar clássicos do gênero, com especial atenção para composições de Avendano Junior, recentemente falecido e que era um dos artistas que mais comparecia a essas sessões musicais. “O liberdade” (2012), o filme, é um documentário a registrar a trajetória do bar e também de alguns dos músicos que lá tocam (inclusive o próprio Avendano Junior), além de colher impressões de alguns dos freqüentadores do local. A obra dirigida por Cíntia Lange e Rafael Andreazza foge de ser um trabalho didático ou institucional. Seu fim é muito mais representar uma espécie de documento sensorial daquele ambiente, elaborando uma concepção formal que se revela em perfeita sintonia com as melodias e harmonias que afloram da tela. Assim, elegantes enquadramentos e uma edição sóbria configuram uma olhar admirado, às vezes quase solene, pela arte de seus protagonistas, a um ponto que o espectador se inebrie com a beleza daquela música e fique intrigado pelo fato de que canções e músicos de qualidade tão excepcional terem um reconhecimento apenas regional. Após os créditos finais, é provável que esse espectador tenha o mesmo anseio do autor desse texto: onde posso conseguir o CD da trilha??

segunda-feira, novembro 12, 2012

Mercenários 2, de Simon West **


Pode parecer óbvio o que vou escrever aqui, mas para discorrer sobre um filme como “Mercenários 2” (2012) a primeira coisa que tem de se ter em mente é que detalhes como um roteiro coerente ou densidade dramática não são exatamente primordiais. Na realidade, a primordial intenção dos produtores da franquia é juntar o máximo de astros do cinema porrada e emular aquelas produções de aventuras violentas oitentistas (ainda que num tom mais asséptico – afinal, não se pode arriscar uma classificação etária muito elevada para não perder público...). É claro que o resultado final é muito distante da classe formal de clássicos do gênero como “Rambo – Programado para matar” (1982) ou “Duro de matar” (1988), mas até que essa segunda parte tem os seus momentos divertidos. Para começar, é bem melhor dirigida que a primeira, principalmente no que diz respeito às cenas de ação (ao contrário do primeiro filme, consegue-se entender o que está acontecendo em cena). Pode-se perceber que o clima de paródia é mais evidente, com uma trama que parece ter sido escrita à medida que a produção ia sendo filmada. As inserções do personagem “interpretado” por Chuck Norris, por exemplo, chegam a ser hilárias de tão grosseiras: parece que os roteiristas, lá pela metade do roteiro, deram-se conta que até o momento não havia papel definido para Norris e inventaram uma desculpa qualquer para colocá-lo na trama. No final das contas, entretanto, um detalhe como esse é irrelevante – o que importa para o público cativo de “Mercenários 2” é que a equação porradaria mais piadinhas infames está ali presente e justificando a realização de uma nova continuação.

sexta-feira, novembro 09, 2012

My name is Bruce, de Bruce Campbell **


A mítica que se criou em torno da figura do ator Bruce Campbell, principalmente pela sua participação na trilogia “Evil Dead”, é um fenômeno típico dentro do universo dos filmes B. Afinal, tal admiração não vem do fato dele ser um ator de grandes recursos dramáticos (o que não é o caso), mas sim pelo seu carisma canastrão e bem humorado que caiu como uma luva nas concepções exageradas e irônicas que Sam Raimi inseriu em sua clássica franquia de horror. Assim, nada mais natural que entre os subprodutos que surgissem a partir desse esdrúxulo culto aparecesse esse “My name is Bruce” (2007), produção dirigida pelo próprio Campbell e que tem como protagonista, ora vejam só, Bruce Campbell. Como cineasta, é claro que ele não tem a mesma classe de um Sam Raimi e nem o seu filme consegue encostar nos calcanhares de qualquer uma das produções da trilogia que deu fama para Campbell, mas é inegável que o “astro” não tinha maiores pretensões do que tirar um sarro da sua condição de ídolo. Nesse contexto, é possível dar umas risadas com o seu filme, principalmente nos momentos de humor mais escroto ou pela fuleiragem das trucagens.

quinta-feira, novembro 08, 2012

Uma noite alucinante 2, de Sam Raimi ****


25 anos após seu lançamento, “Uma noite alucinante 2” (1987) permanece como uma experiência cinematográfica impactante. E não apenas pelos seus aspectos extremos em termos de violência gráfica (até porque a primeira parte do filme, nesse quesito, foi ainda mais chocante). O que torna o filme em questão ainda uma obra memorável é a originalidade de seu formalismo. Apesar de ser uma produção tipicamente B pelos seus recursos, ela impressiona pela dimensão quase barroca que o diretor Sam Raimi injeta em sua estética. Os enlouquecidos movimentos de câmera que simulam espíritos malignos perseguindo as suas vítimas, as criativas trucagens que capricham no sangue e na caracterização grotesca de criaturas monstruosas, a narrativa que varia sem cerimônias entre o horror escatológico e a comédia escrachada e mesmos as atuações exageradas de um elenco eminentemente canastrão são elementos que configuram um filme perturbador e ousado, e que também extrapola o seu próprio gênero ao propor uma linguagem inovadora. Posteriormente, Raimi teve outros grandes momentos de brilho (“Darkman”, “Um plano simples”, “Homem-Aranha 2” e “Arrasta-me para o inferno”), mas é “Uma noite alucinante 2” que marca o seu auge artístico como cineasta.

quarta-feira, novembro 07, 2012

Marighella, de Isa Grispum Ferraz ***


Talvez o fato da diretora Isa Grispum Ferraz ser sobrinha do guerrilheiro Carlos Marighella possa fazer supor que o documentário “Marighella” (2011) seja uma obra hagiográfica em relação a figura cinebiografada em questão. A proposta da cineasta, entretanto, não é a de se ater a um registro objetivo dos fatos. Sua abordagem justamente aproveita o seu parentesco para realizar uma contraposição entre a figura pública do tio com a do homem boa praça com quem teve um breve e ameno contato doméstico. Isa Ferraz não apresenta respostas prontas para o espectador – na verdade, a platéia é quase uma cúmplice da diretora na construção do quebra-cabeça que representa a vida de Marighella. Em alguns momentos, ela prefere expor facetas pouco conhecidas do protagonista, principalmente ao evidenciar a sua veia poética. Mas isso não quer dizer que abdica de mostrar os principais fatos que tornaram Marighella um dos mais notórios rebeldes da história do Brasil. Um dos pontos mais interessantes do filme está justamente nessa tendência em confrontar a exposição de um lado mais intimista do guerrilheiro, tanto nas suas tendências para o lirismo quanto no romantismo de sua vida amorosa, com a sua personalidade explosiva como desafiador da ordem vigente. Assim, a profusão de imagens de arquivos e depoimentos mais configura um imaginário sentimental e político sobre Marighella do que uma investigação jornalística. Em termos cinematográficos, essa escolha estética e temática da diretora se revela mais fascinante ao dar um caráter perene e instigante para o seu documentário.

terça-feira, novembro 06, 2012

360, de Fernando Meirelles **1/2


A cada obra sua que aparece nos cinemas, Fernando Meirelles faz crescer a suspeita de que “Cidade de Deus” (2002) foi um feliz acidente em sua filmografia. “360” (2012) ajuda a corroborar essa suposição. O elenco estelar é competente (com destaque para Ben Foster em seu habitual registro maníaco), a direção de fotografia é bonita e o trabalho de montagem ajudar a deixar palatável uma obra marcada por temas incômodos (prostituição, infidelidade, conflitos familiares). E é justamente aí, no que era para ser “qualidades” artísticas, que a obra de Meirelles acaba falhando – “360” é agradável e bonito como uma boa peça publicitária, mas não pega na veia como narrativa cinematográfica. Não há cenas que colem no imaginário cinematográfico do espectador ou alguma dimensão artística mais ousada nas concepções formais engessadas de Meirelles.

segunda-feira, novembro 05, 2012

O asfalto, de Joe May ****


Apesar de não ser um legítimo representante do expressionismo alemão, “O asfalto” (1929) apresenta elementos semelhantes aos daqueles de tal estética cinematográfica. Apresentando uma estrutura clássica de melodrama, o filme se destaca em detalhes que perventem o seu gênero, principalmente no que diz respeito a uma certa ambiência sórdida e na sua ambigüidade temática – há um perturbador conflito que oscila entre a atração e a repulsa na relação amorosa entre um policial honesto e uma sedutora ladra de jóias. O diretor Joe May estabelece uma narrativa envolvente, em que mesmo excessos emocionais nas caracterizações de situações e personagens ganham vigorosa dimensão dramática em meio a um trabalho esmerado da direção de fotografia que explora habilmente os jogos de claro e escuro.