sexta-feira, janeiro 31, 2014

Frankenstein - Entre anjos e demônios, de Stuart Beattie *


A ideia de colocar o monstro Frankenstein, personagem criado originalmente dentro do gênero horror, como um herói de aventuras fantásticas não é nova, mas também não quer dizer que não seja uma concepção interessante. A DC, por exemplo, tem uma série em quadrinhos atual usando a criatura como um super-herói e o resultado são algumas histórias bastante divertidas. Cabe ressaltar, entretanto, que apesar da mudança de gênero, os roteiristas do gibi em questão tiveram o cuidado de preservar a essência do personagem, aquilo que o tornou uma das figuras fictícias mais conhecidas na cultura popular do final do século XIX até hoje. O filme “Frankenstein – Entre anjos e demônios” (2013) é baseado numa graphic novel (que eu confesso que não li) e também traz o monstro caracterizado como um aventureiro durão no meio de uma trama envolvendo uma guerra entre gárgulas celestiais (!?) e demônios (que, na realidade, mais parecem vampiros). O resultado é um verdadeiro samba do crioulo doido. Para começar, não dá para acreditar num Frankenstein que está mais para um galã boa pinta com algumas cicatrizes e com cara de poucos amigos do que para uma criatura grotesca composta de pedaços de cadáveres. Até o ator Aaron Eckart parece constrangido nesse papel infame, numa interpretação desprovida de carisma. Já o roteiro é um primor de derivativo a um ponto que tudo soa tão banal que se mostra incapaz de geral qualquer tensão. No mais, a direção de Stuart Beattie é de uma mesmice atroz – sua encenação beira o amador, tendo como muleta efeitos especiais digitais estilo video game incapazes de gerar alguma seqüência memorável. Ou seja, quem gosta do velho Frank deve procurar ou esperar alguma outra obra a aparecer nos cinemas, locadoras ou até mesmo bancas, pois essa arapuca oportunista é um dos exemplares menos dignos a se aproveitar da criação máxima de Mary Shelley.

quinta-feira, janeiro 30, 2014

Três irmãos de sangue, de Ângela Reininger ***


Há filmes que em termos estéticos não seriam capazes de chamar a atenção do público, mas a relevância de sua temática acaba cativando boa parte das platéias. Esse é o caso de “Três irmãos de sangue” (2006) – por mais que esse documentário dirigido por Ângela Patrícia Reininger seja convencional e não fuja daquele formato tradicional de “entrevistas + cenas de arquivo”, a força da história que é contada é tão poderosa que acaba criando uma empatia irresistível. Cada um dos três irmãos Souza focados no filme se destacou por aspectos diferentes: a solidariedade comovente do sociólogo Betinho, a fúria iconoclasta exuberante do cartunista Henfil e a musicalidade esfuziante do compositor e violonista Chico Mário. Na realidade, daria até para ir mais longe, pois a vida de cada um deles mereceria um filme próprio. O grande mérito da Reininger é conseguir dar uma unidade a esse trio de diferentes trajetórias, mostrando que além dos laços parentais, eles também eram ligados por um tremendo senso humanista. A diretora ainda contextualiza as biografias de seus protagonistas com sensibilidade dentro de alguns dos principais fatos históricos do Brasil nas últimas décadas, principalmente na dura luta que tiveram contra a ditadura militar. Nesse sentido, os lamentáveis episódios de suas mortes (todos eram hemofílicos que contraíram o vírus da AIDS devido a transfusões de sangue) acabam ganhando uma dimensão ainda mais dramática por serem emblemáticos do descaso com a saúde e com os mais elementares princípios da dignidade humana que grassou nesse país por muitos anos. E ainda que o tom seja de melancolia na conclusão de “Três irmãos de sangue”, pela falta que tais personalidades fazem ao presente panorama cultural-social do Brasil, pelo menos há o consolo do legado que deixaram, o que é muito bem registrado em várias das preciosas imagens de arquivo do documentário – os depoimentos emocionados e exemplares de Betinho, o veloz e sarcástico processo criativo de Henfil e o lirismo à flor da pele dos números musicais de Chico Mário.

quarta-feira, janeiro 29, 2014

Noites de reis, de Vinícius Reis ***


Dentro de um gênero tão usado e abusado nos últimos tempos como o do drama intimista, o diretor Vinícius Reis até que consegue surpreender em “Noites de reis” (2012). Para isso, ele se vale de recursos estéticos que valorizam muito o aspecto sensorial da narrativa. O fato da trama se desenvolver numa pequena cidade histórica litorânea do Rio de Janeiro se encaixa de forma oportuna nessa proposta, em que filmagens subaquáticas e a direção de fotografia que usa com sabedoria a luminosidade natural abundante dos cenários parecem se relacionar de maneira intrínseca com os dilemas existenciais do casal protagonista. Outro ponto expressivo da produção é a inserção da música como elemento narrativo – o roteiro que envolve uma família desagregada em busca de equilíbrio se relaciona com as manifestações folclóricas das apresentações noites de reis que se realizam naquela localidade. Nesse sentido, essas últimas funcionam como uma espécie de comentários cancioneiros que ilustram os dramas dos personagens do filme, nos moldes daqueles coros clássicos das tragédias gregas. A obra adquire um tom de fábula moral, ainda que com um caráter realista, em que o seu final em aberto é muito mais contundente do que se optasse por um óbvio happy end.

terça-feira, janeiro 28, 2014

Cores, de Francisco Garcia **1/2


É claro que a estética árida de “Cores” (2012) não faz com que espectador tenha arroubos de entusiasmo. É de se considerar, entretanto, que tal proposta formal tem coerência com a visão temática que permeia a trama – a da falta de perspectivas econômicas para a juventude de classe média baixa no Brasil da era petista. O trio de protagonistas da obra em questão vivem naquela fronteira entre deprimentes subempregos e pequenas contravenções. Nesse sentido, a narrativa seca e de tom monocórdio acentua ainda mais a atmosfera depressiva e desesperançada do filme. O fato da história se desenrolar na periferia de São Paulo reforça esse clima cinzento. Apesar de todo esse baixo astral, o diretor Francisco Garcia consegui inserir algumas boas sacadas irônicas, o que dá uma dimensão mais humana para o filme. A direção de fotografia em preto e branco surpreende pela criatividade de seus enquadramentos e movimentos de câmara, valorizando cenários decadentes e/ou corriqueiros, extraindo até mesmo uma estranha beleza desse visual urbano terceiro-mundista. De se ressaltar também a sobriedade das composições dramáticos de seu trio principal de atores, que conseguem trazer uma variação expressiva de expressões, indo do contido desespero até uma melancólica resignação.

segunda-feira, janeiro 27, 2014

Eu não faço ideia do que eu tô fazendo com a minha vida, de Matheus Souza *


Até dá para dizer que para o diretor Matheus Souza houve alguma melhora em relação ao pífio debut “Apenas o fim” (2008). Mesmo assim, “Eu não faço a menor idéia do que eu tô fazendo com a minha vida” (2011) está bem longe de ser uma experiência cinematográfica satisfatória. É aquela manjada combinação que a atual geração indie tanto gosta: tosquidão formal, citações e referências pop “espertas” e pretensos questionamentos existenciais sobre a sociedade. É mais ou menos como a tradução para um filme de uma canção da Malu Magalhães. Até mesmo a protagonista do filme, Clarice Falcão, se notabilizou como uma espécie de versão mais pop da Malu Magalhães... Mas voltando à produção em questão, a estética amadora (intencional ou não) pelo menos podia servir como desculpa para embalar um roteiro mais consistente, mas o texto do filme acaba sendo tão nas coxas quanto a edição e a fotografia. A trama levanta algum traço de contestação e ironia por vezes. No final das contas, entretanto, esbarra numa superficialidade irritante, além de uma tendência excessiva em caricaturizar todos os personagens. Assim, aquilo que era para soar dramático e contundente acaba perdendo muito de seu impacto, principalmente na seqüência em que Clara (Clarice Falcão) confronta o seu pai com os seus desejos e frustrações – pode-se até perceber ali vestígios de força e autenticidade que são soterrados pela pretensão blasé da obra.

sexta-feira, janeiro 24, 2014

Tarzan - A evolução da lenda, de Reinhard Klooss *


Provavelmente deve haver uma penca de lendas e histórias mais interessantes na Alemanha que poderiam ser usadas como base para uma trama de um longa-metragem de animação do que mais uma capenga revisão da história de Tarzan. Nas mãos do diretor germânico Reinhard Klooss, a origem e a ascensão do rei das selvas recebem um tratamento bastante burocrático e enfadonho, por mais que o roteiro utilize elementos esdrúxulos de ficção científica. Para começar, a qualidade do traço é sofrível, parecendo o visual de um game de terceira categoria. Aliás, a concepção visual da produção, que prepondera para um realismo tosco, faz pensar por que não se optou por filmar “living in action”, pois as possibilidades criativas de se filmar em animação simplesmente não são aproveitadas. Além disso, o senso de narrativa de Klooss é desastroso, num misto de melodrama mexicano e aventura descerebrada, não havendo qualquer personagem que tenha carisma e caracterização decentes. Na verdade, o filme passa uma impressão de indecisão sobre a sua própria natureza: por vezes, é tão infantil e primário que beira o boboca, e em outros momentos há um nível de violência acima daquela comum a filmes destinados a um público infanto-juvenil. Diante de tantos equívocos, surge até na mente a indagação do motivo que leva uma bomba dessas a ser lançada por aqui....

quinta-feira, janeiro 23, 2014

Azul é a cor mais quente, de Abdellatif Kechiche ****



Raros filmes na atualidade são tão emblemáticos do seu tempo quanto “Azul é a cor mais quente” (2013). Essa contemporaneidade não vem apenas da temática da obra em questão, mas também da sua própria formatação. Por mais que a trama tenha como tônica principal uma abordagem intimista, há uma urgência do diretor Abdellatif Kechiche em fazer um recorte do contexto histórico e social em que o roteiro se desenvolve. Ele não consegue dissociar os elementos individual e coletivo. Nesse sentido, o tom seco e documental que permeia a narrativa não é aleatório, mas sim condição essencial para o impressionante naturalismo que é marca característica da encenação e edição propostas por Kechiche. Esse tipo de concepção artística faz com que cenas aparentemente casuais envolvendo conversas prosaicas, passeatas, manifestações, festas sejam tão reveladoras e importantes quanto momentos de forte conotação dramática envolvendo os dramas pessoais de seus principais personagens.

O fato de Kechiche optar por um registro objetivo das situações da trama não implica num distanciamento emocional por parte do filme. Pelo contrário. É justamente essa ótica que faz com que “Azul é a cor mais quente” tenha uma perspectiva humana tão fascinante. A obra não cai em romantismos idealizados ou soluções fáceis sentimentais (caminhos, aliás, com que a HQ em que a produção se baseou flerta), preferindo um enfoque mais visceral ao retratar as fases de um atribulado relacionamento amoroso. Diante de tal visão, as tão comentadas seqüências de sexo intenso entre as protagonistas, que beiram até o explícito, ganham um significado rico e fundamental para a compreensão da natureza do envolvimento entre Adèle (Adèle Exarchorpoulos) e Emma (Léa Seydoux). E o grande incômodo sensorial vem muito mais das conclusões que se possa ter sobre as impossibilidades daquela relação se manter do que com a forma com que o sexo é coreografado nas cenas mencionadas.

E por falar em significado, aí se encontra um dos motivos para o alcance tão universal e impactante de “Azul é a cor mais quente” – se por um lado o filme é virulento na forma forte com que retrata o sexo e os conflitos típicos das relações humanas, por outro a obra mostra uma sutileza notável ao extrair uma simbologia lúcida e perturbadora nos detalhes de conversas, citações literárias, danças, olhares, carícias e silêncios. Tanto que a conclusão da produção reflete com perfeição a sua essência: a caminhada resignada de Adèle por uma rua, sem olhar para trás, carregando o peso de suas decisões, sem direito a final feliz e parecendo se atirar a um destino infinito e imprevisível.

quarta-feira, janeiro 22, 2014

O menino e o mundo, de Alê Abreu **1/2


Uma obra como “O menino e o mundo” (2013) é uma verdadeira “avis rara” para o cinema brasileiro – um longa-metragem de animação bastante distante dos padrões comerciais do gênero, tanto pela sua estética quanto pelo seu conteúdo. O traço proposto nesse filme do diretor Alê Abreu foge da escola digital/realista de Pixar, Disney e afins, investindo num grafismo de forte tom impressionista, simulando uma espécie de rabiscos infantis. Para espectadores não habituados com tal estilo, tal composição visual pode parecer um tanto quanto tosca, mas esse aspecto de mal acabado é intencional, estando em sintonia com o caráter contestatório da temática. Aliado a um trabalho de sonoplastia bastante requintado e original na sua conjunção de ruídos e música, esse formalismo entre o rústico e o lírico por vezes provoca um efeito sensorial hipnótico. Essa particular estilização acaba encontrando ressonância no roteiro da obra, que parece funcionar como uma alegoria crítica da sociedade contemporânea, repleta de simbolismos que aludem ao massacre cultural que a economia capitalista impõe aos indivíduos. E é aí que “O menino e o mundo” chega numa encruzilhada existencial – se em algumas oportunidades a sua estética “suja” e o seu discurso político, filosófico e social podem parecer sombrio e até mesmo complexo para a platéia infanto-juvenil, por outro lado sua estética crua soa árida e cansativa, além da temática didática em termos sociológicos, pode fazer a animação parecer um tanto ingênua para o público adulto. Mesmo dentro dessa indefinição de seu direcionamento, “O menino e o mundo” não deixa de ser uma contundente curiosidade dentro do panorama do cinema nacional contemporâneo.

terça-feira, janeiro 21, 2014

A grande beleza, de Paolo Sorrentino ***1/2


É difícil falar sobre “A grande beleza” (2013) sem pensar em “A doce vida” (1960). Isso porque o filme mais recente do diretor italiano Paolo Sorrentino parece uma releitura contemporânea do grande clássico de Federico Fellini, ainda mais se pensarmos que ambos se passam em Roma. A verdade, entretanto, é que tal definição pode ser imprecisa, pois “A doce vida” é daqueles raros tipos de produção que já nasceram atemporais: não importa a época em que tal filme seja visto, ele sempre terá um alcance universal e em sintonia com qualquer época. Isso não torna o trabalho de Sorrentino dispensável, mas de certa forma o prejudica na comparação. A trama já é bem característica para essa relação – um escritor em crise criativa e afundado em hedonismos diversos vaga pela capital romana encontrando tipos variados e situações inusitadas, fazendo com que fique tomado por uma sensação constante de vazio existencial. Mas essa revisão do ideário de uma obra-prima consagrada não se efetiva por meios exatamente óbvios. Por mais que “A doce vida” trouxesse momentos com uma certa queda para o absurdo, a encenação proposta por Fellini era marcada pela sobriedade, sem a preponderância para a abordagem sentimental da primeira fase da sua carreira e sem se aprofundar no senso delirante de filmar de seus trabalhos posteriores. Pois “A grande beleza”, a grosso modo, faz a gente pensar num “A doce vida” refilmado segundo a ótica do grotesco e do exagero que Fellini usou e abusou em obras como “Satyricon” (1969) e “Amarcord” (1973). Sorrentino impressiona em algumas seqüências pelo senso barroco e virtuose com que filma, principalmente nas seqüências de festas, em que seu estilo exagerado na caracterização de personagens e opulência visual provoca um efeito perturbador e contraditório de atração e repulsa. Quando o cineasta pisa no freio nas partes mais intimistas do filme, pode-se perceber que a falta de sutileza impede que tais momentos tenham uma maior densidade dramática, ainda que por vezes o senso de ironia do cineasta revele uma veia sarcástica acima da média. É justamente nesse ponto que a comparação entre as duas obras em questão mais se expõe, com claros pontos a favor de Fellini: aquele tom de crítica amarga que era natural e de simbologia fascinante em “A doce vida” acaba soando um tanto forçado e ingênuo em “A grande beleza”. Mesmo assim, a obra de Sorrentino se mostra como um trabalho de relevo considerável dentro da cinematografia atual, reforçando o nome do diretor como um dos mais expressivos de sua geração no cinema italiano.

segunda-feira, janeiro 20, 2014

De repente pai, de Ken Scott **1/2


A premissa de “De repente pai” (2013) até que é interessante: a de um homem maduro e inconsequente (Vince Vaughn) que descobre ser pai de mais 500 por ter vendido várias vezes o seu esperma alguns anos atrás. Assim, ele acaba interagindo com boa parte de sua prole sem que eles saibam. O roteiro tem algumas boas sacadas, principalmente pelo fato de que alguns desses filhos representam vertentes diferentes de comportamentos, classes sociais e até mesmo condições de saúde, configurando uma espécie de panorama da juventude ocidental contemporânea. E mesmo que Vaughn praticamente repita o papel de cara carismático e malandro que interpreta na grande maioria das oportunidades em que atua, ele acaba se saindo bem no papel. O que incomoda no filme, entretanto, é que na concepção formal o diretor Ken Scott pouco ousa, conformando-se em repetir fórmulas narrativas bem convencionais, aqui que de forma competente.

sexta-feira, janeiro 17, 2014

Atividade paranormal: Marcados pelo mal, de Christopher Landon **


A essa altura do campeonato, dá para dizer que nem vale a pena mais discutir sobre a validade do formato dos filmes derivados da franquia “Atividade paranormal” – afinal, os produtores encontraram uma fórmula que dá um belo retorno comercial. Ainda mais se pensarmos que os custos de produção desse tipo de filme nem é tão alto, o que faz com que a relação custo/benefício seja bem compensadora. Assim, é chover no molhado dizer que geralmente os enquadramentos são toscos, a edição é meio atropelada, que o pressuposto do roteiro de que sempre haverá um personagem segurando uma câmara que registra boa parte da ação é um tanto quanto implausível... Nesse capítulo mais recente da série, “Marcados pelo mal” (2013), há um elemento que chama a atenção e até cria uma certa expectativa: a de que os principais personagens são de origem latina. Ora, ainda que clichê, o pressuposto de latinos terem uma ligação muito forte com catolicismo e mandingas em geral mostra uma certa sintonia com o fato de que os principais vilões da série serem bruxas, demônios e espíritos malignos. O resultado final, entretanto, é frustrante. As boas possibilidades criativas da premissa inicial não são aproveitadas a contento, fazendo com que o filme soe absolutamente genérico e pouco distinto das outras partes da franquia. Tanto que a trama é basicamente a mesma dos últimos exemplares de “Atividade paranormal”, tendo a sua história encerrando com os principais personagens encurralados numa casa repleta de feiticeiras. Aliado ao fato de que “Marcados pelo mal” não traz ao menos alguma evolução formal para a série, fica-se com a impressão de que cada vez mais a mesmice reina na série.

quinta-feira, janeiro 16, 2014

Eu respiro, de Emma Davie e Morag McKinnon ***

A temática do documentário “Eu respiro” (2013) pode parecer algo na linha lição de vida, de superação ou coisa que o valha, mas na realidade seu alcance é bem mais amplo. A partir da história de Neil Platt, um dinamarquês de 34 anos que se descobre com uma doença rara que faz com que em questão de meses perca progressivamente os movimentos do corpo até a sua morte, a produção traça uma espécie de diário da degeneração física do protagonista e o seu processo de aceitação do fim inevitável. O recurso narrativo básico utilizado pelos diretores Emma Davie e Morag McKinnon é simples mas altamente eficaz no impacto que causa: enquanto se mostra a difícil rotina diária de Platt e família convivendo com a doença, são contrapostas fotos e vídeos dele antes do surgimento da patologia, o que ressalta bastante o aspecto da fragilidade da vida – o contraste das imagens de um Neil saudável e vigoroso com o seu então cotidiano de privações é brutal e tocante. Com sutileza, na narrativa são inseridos dados biográficos que oferecem uma dimensão simbólica ainda mais dramática para a situação de Platt. Sua doença é hereditária, sendo que o pai dele havia morrido do mesmo mal. Assim, há o questionamento pessoal se havia a possibilidade dele ter tomado alguma providência anterior para evitar o que aconteceu a ele. Por fim, Platt admite que o filme tem o fim de alerta para o seu filho, ainda um bebê de colo, para que tome providências no sentido de que não sofra do mesmo mal. Por mais que tal intenção tenha cunho particular, a forma com que “Eu respiro” expõe o drama de seu protagonista revela uma abordagem universal fascinante.

quarta-feira, janeiro 15, 2014

Um time show de bola, de Juan José Campanella *1/2


O que se pode esperar basicamente de uma animação que não seja dos grandes estúdios norte-americanos são duas coisas: que traga alguma particularidade estética ou temática que fuja dos padrões comerciais “normais” ou que tenha um certo nível de qualidade que a aproxime das produções tradicionais do gênero. “Um time show de bola” (2012), animação argentina, não se enquadra em nenhum dos dois casos. Ainda que utilize o futebol como mote central de sua trama, não se sente nessa obra do diretor Juan José Campanella algo que a diferencie essencialmente de outros desenhos animados da Disney, Pixar, Dreamworks ou afins: os conflitos do roteiro, a estrutura narrativa e até mesmo o traço gráfico pouco diferem daquilo que já estamos acostumados a ver. Por outro lado, não há a mesma fluência de linguagem cinematográfica e textual do melhor que tem aparecido no campo das animações nos últimos tempos. O filme soa truncado e envelhecido no ritmo de sua narrativa. Pode ser que seja uma experiência inicial do cinema argentino a explorar o filão das animações para grandes platéias, mas do jeito que ficou faz supor que existe ainda um longo caminho a ser trilhado...

terça-feira, janeiro 14, 2014

Vovô sem vergonha, de Jeff Tremaine *1/2


Era bastante provável que os filmes da franquia “Jackass” acabassem evoluindo para algo diferente além das tradicionais cenas de dublês envolvidos em práticas físicas perigosas e não muito ortodoxas (ainda que tais produções sejam bastante eficientes como diversão inconsequente). “Jackass 3D” (2010) já indicava essa tendência, ao trazer sequências “dramatizadas” envolvendo Johnny Knoxville interpretando um velhinho safado e sem noção e interagindo com desavisados achando que se tratavam de situações reais os episódios de constrangimento provocados pelo falso idoso. Curiosamente, eram os melhores momentos do filme. Dessa forma, não é surpresa que “Vovô sem vergonha” (2013) traga novamente tal personagem, tendo como mote principal justamente a interação entre encenação ficcional e documentário. Esse tipo de estrutura narrativa não é propriamente uma novidade, vide o hilariante “Borat” (2006). O resultado final de “Vovô sem vergonha”, entretanto, fica bem aquém da comédia protagonizada por Sacha Baron Cohen. Um dos principais problemas da produção é o seu roteiro, muito derivativo e que não abre espaços para muitas ousadias cômicas. A narrativa trôpega concebida pelo diretor Jeff Tremaine apresenta um excesso de tempos mortos e piadas sem graças. O que faz o filme valer um pouco a pena é a seqüência no concurso de beleza infantil, que representa o momento em que o humor brutal típico do “Jackass” se mostra corrosivo ao gozar de forma impiedosa a superficialidade grotesca da sociedade interiorana norte-americana. Mesmo assim, é muito pouco para quem já produziu tantos momentos antológicos de comicidade brutalista.

segunda-feira, janeiro 13, 2014

Ninfomaníaca - Volume 1, de Lars Von Trier ****



O início de “Ninfomaníaca – Volume 1” (2013) é espartano e quase didático ao expor, ainda que de forma elíptica, as intenções do diretor Lars Von Trier: a primeira cena é o crédito com o título do filme e logo depois a tela fica totalmente escura, como se o cineasta quisesse que o espectador descanse os olhos antes da profusão de imagens, sons e ideias que aparecerão ao longo de duas horas e pouco de duração. Por mais que mídia, crítica e público ressaltem o elemento provocativo e escandaloso do filme, a verdade é que essa produção mais recente de Von Trier está em perfeita sintonia existencial e artística com os trabalhos mais recentes dele, no sentido de que suas obras representam a conjunção entre a suas particulares noções formais com uma temática que refletem a visão de mundo, por vezes distorcida e em outras lúcida, do diretor. Assim, se “Anticristo” (2009) escancarava uma misoginia atávica e “Melancolia” (2011) era a transmutação da depressão em profissão de fé misantrópica, “Ninfomaníaca” é a declaração irônica de Von Trier sobre a sua descrença no amor romântico. Para isso, ele apura ainda mais a sua estética, fazendo com que a narrativa revele distanciamento emocional contundente, aliado a uma concepção formal que combina cerebralismo e estranhas simbologias. Assim, ao passo que Joe (Charlotte Gainsbourg) narra a sua saga psicoerótica a Seligman (Stellan Skarsgard), tem-se uma trama ambiciosa que relaciona a jornada de sexo compulsivo da protagonista a conexões esperadas (noções morais do cristianismo e dos ideais ocidentais do amor romântico) e outras até improváveis (música, numerologia e até mesmo pescaria!!), com Von Trier amarrando todos esses preceitos tão diversos num todo de coerência desconcertante. Assim como em suas obras anteriores, o estilo de filmar dele é de uma amplitude notável, indo desde uma abordagem seca e de tons naturalistas em cenas cruciais (evocando muito dos princípios que ele lançou no movimento Dogma 95) até passagens repletas de barroquismos e delírios visuais. Essa variação de estilos encontra ressonâncias nos próprios episódios narrados por Joe, pois se chega a um ponto em que as fronteiras entre o que é real e fantasia em tais relatos se tornam bastante imprecisas. Mas tudo o que é escrito neste texto ainda é impreciso e resumido na captura do sentido de “Ninfomaníaca” tamanha a gama de detalhes que emana do filme. Como não citar, por exemplo, a forma natural com que a música de Bach (notoriamente sacra) se insere na narrativa, ilustrando as formas distintas com que Joe transa com três amantes diferentes, emulando, inclusive, uma beatitude inesperada e mais que convincente? É justamente nessas perversidades e nuances que “Ninfomaníaca – Volume 1” causa impacto nas percepções e não tanto na forma explícita com que o sexo é encenado (nesse sentido, por mais que a sensualidade emane em tais momentos, o que se propaga também é uma combinação de morbidez e existencialismo).

Talvez tudo que tenha sido aqui comentado sobre “Ninfomaníaca – Volume 2” também seja incompleto, pois como o título faz presumir ainda há uma segunda parte a se assistir. Ainda assim, esse capítulo inicial das estripulias de Joe é mais um trabalho memorável na expressiva filmografia de Von Trier tanto por oferecer uma ótica original e sarcástica sobre a sexualidade nesses tempos loucos em que vivemos como por ser mais uma oportunidade de se ver nas telas as idiossincrasias estéticas de um dos diretores mais autorais do cinema contemporâneo.

sexta-feira, janeiro 10, 2014

Wakolda, de Lucia Puenzo **1/2



Não é surpresa que “Wakolda” (2013) tenha sido escolhido como representante da Argentina para tentar concorrer ao Oscar de melhor filme estrangeiro. O filme dirigido por Lucia Puenzo é um exemplar bastante característico do cinema argentino contemporâneo – competência formal e sobriedade no roteiro, mas tudo embalado por uma estética asséptica. O tema é até interessante – a presença de criminosos nazistas no interior da Argentina durante os anos 60, sendo que Puenzo consegue manter um nível razoável de tensão, sem apelar para truques ostensivos, preferindo a sutileza e a discrição. Mas o que num primeiro momento pode soar como virtude, com o tempo se transforma num fator de incômodo – na intenção de não chocar as platéias, a produção não ousa em maiores arroubos criativos ou de impacto sensorial. Ou seja, é tudo de bom gosto e bem feito, mas também perfeitamente esquecível.

quinta-feira, janeiro 09, 2014

Jogos vorazes 2 - Em chamas, de Francis Lawrence **1/2


Dentro do gênero de franquias de fantasia para adolescentes, “Jogos vorazes 2 – Em chamas” (2013) até se mostra acima da média. O filme tem uma atmosfera sombria convincente por vezes, as seqüências de ação têm uma pegada mais casca grossa, o nível das atuações é mais expressivo. Não justifica, entretanto, toda a babação de ovo que a obra tem ganhado por crítica e público em geral. A primeira parte do filme, quando é mostrado o panorama de uma sociedade futurista distópica, é longa em demasia, além de ser primária no seu pseudo-discurso filosófico/político. O filme ganha mais interesse na sua segunda parte, onde o tom de aventura é mais dominante. Mesmo assim, fica evidente que a produção é originária de uma obra literária, pois vários personagens e situações se mostram delineados de forma muito superficial, como se estivessem ali só para justificar sua presença para os fãs dos livros. Ou como explicar a absurda participação de segundos de um ator tão prestigiado quanto Toby Jones? Assim, por mais longa que seja a duração dessa continuação de “Jogos vorazes”, fica pelo caminho a constante impressão de que passagens do roteiro são encenadas de forma apressada e mal desenvolvidas, o que não torna devidamente crível as transformações pessoais pelos quais as personagens passam. Fica-se com a impressão de assistir a um grande novelão com algumas boas passagens de ação brutal.

quarta-feira, janeiro 08, 2014

Frozen - Uma aventura congelante, de Chris Buck e Jennifer Lee ***


Se “A princesa e o sapo” (2009), “Enrolados” (2010) e “Detona Ralph” (2012) representava um avanço para a Disney em termos de uma formatação mais contemporânea para as suas animações, “Frozen – Uma aventura congelante” (2013) representa um pequeno retrocesso nessa tendência. Como narrativa, faz lembrar as produções do gênero da Disney na década de 90: romantismo mais derramado, muita cantoria melosa, narrativa bem mais convencional. Não estão tão presentes as sacadas irônicas, a ambientação mais sombria, as cenas de ação de pique alucinado, os leves toque de metalinguagem, características marcantes dos filmes mais recentes da companhia. Mesmo assim, “Frozen” ainda consegue manter o padrão de qualidade da Disney em alguns quesitos como a beleza do traço, personagens carismáticos, narrativa por vezes envolvente.

terça-feira, janeiro 07, 2014

Sobrenatural: Capítulo 2, de James Wan *1/2


Essa incensação do nome do diretor James Wan como grande renovador, revitalizador ou o adjetivo que for do cinema de horror contemporâneo é um dos grandes exageros de público e crítica em geral. No máximo, o que dá para dizer do cara é que por vezes ele se mostra um reciclador correto, não mais do que isso. Nos seus filmes não há um pingo de traço autoral ou mesmo de algum estilo definido. Ele varia sem muita cerimônia entre produções de suspense com psicopatas excêntricos na linha “Seven” (“Jogos mortais V e VI”) ou pastiches de horror sobre possessão demoníaca na linha “Exorcista” (“Invocação do mal”). “Sobrenatural: Capítulo II” (2013), sua produção mais recente, é uma variação bem meia-boca da linha de obras sobre espíritos maléficos que aparecem com frequência ultimamente nos cinemas. E padece daquele que é o principal defeito da grande maioria desses filmes: concepção formal asséptica e de roteiro rigorosamente moralista e previsível. É bem provável que cause sustos em desavisados freqüentadores de multiplexes, mas no geral seu destino é a descartabilidade que assola a maior parte do que se faz no gênero horror nos Estados Unidos (pelo menos no campo dos trabalhos oriundos de grandes estúdios).

segunda-feira, janeiro 06, 2014

Tatuagem, de Hilton Lacerda ***1/2


Em termos de cinema brasileiro atual, Pernambuco é quem tem dado as cartas, pelo menos nos caminhos artísticos. E para ficarmos nessa praia nas comparações, pode-se dizer que “Tatuagem” (2013) não tem a mesma exuberância formal de “A febre do rato” (2011) e nem a concisão narrativa de “O som ao redor” (2012). Há certos momentos em que a obra do diretor Hilton Lacerda soa um tanto auto-indulgente pelo tom de panfletarismo gay. Mesmo assim, é uma obra que se coloca muito acima da média, principalmente pelo tom visceral da direção de Lacerda. O registro audiovisual do cineasta é um notável misto entre crueza e paixão, tanto nas seqüências das apresentações da trupe de artistas marginais quanto nas cenas de sexo. Além disso, Lacerda deixa evidente a sua boa mão de roteirista experiente, sendo que seus diálogos são marcados tanto pelo humanismo do seu teor naturalista quanto pela poesia derivada de um romantismo a flor da pele. Na realidade, é essa ambigüidade que se configura como um dos grandes pontos de fascínio do filme – geralmente as cenas carregam em sentimentos dúbios (beleza/feiúra, atração/repulsa) que ora perturbam, ora encantam. Para que a abordagem estética/temática de “Tatuagem” atinja seus pontos máximos de ebulição, fundamentais se mostram dois elementos. Primeiro o elenco, em atuações plenas de nuances expressivas, com absoluto destaque para o trio protagonista (Irandhir Santos, Rodrigo Garcia e Jesuíta Barbora). E segundo a extraordinária trilha sonora de DJ Dolores, num trabalho fenomenal que combina eletrônica, ritmos regionais e até uma esdrúxula polca (como não sair da memória a diabólica “Tem cu”?).

sexta-feira, janeiro 03, 2014

Morro dos prazeres, de Maria Augusta Ramos ***1/2


Na sequência inicial de “Morro dos Prazeres” (2013), um grupo de crianças da comunidade que dá título ao documentário brinca de polícia e ladrão num casebre abandonado. A tradicional brincadeira, entretanto, ganha uma outra dimensão no seu desenvolvimento: o que se vê na tela é uma encenação da relação entre policiais e bandidos que se dá diariamente nos morros cariocas, onde a polaridade bem/mal perde o sentido em meio a achaques, corrupção e tortura. Essa abertura do filme é uma bela síntese dos dilemas estéticos e temáticos que permeiam “Morro dos Prazeres”. Por mais que entre os objetivos da diretora Maria Augusta Ramos esteja o registro do cotidiano de uma comunidade ocupada por uma Unidade de Polícia Pacificadora (UPP), é inegável que de forma constante a impressão de que todos interpretam um papel, que reproduzam arquétipos da sociedade. E por mais artificiosa que possa ser tal concepção formal para um documentário, também é evidente que mesmo assim a produção consegue transmitir uma verdade contundente – a da discrepância entre o conteúdo do discurso oficial das autoridades com a realidade fática daquele microcosmo. Dentro de tal linguagem cinematográfica mais sofisticada, também salta aos olhos um trabalho de edição e fotografia ainda mais acurado que nos trabalhos anteriores da cineasta. Alguns enquadramentos impressionam bastante por saber explorar com precisão tanto as vielas e becos labirínticos e sufocantes quanto as amplas paisagens do Rio de Janeiro que se pode contemplar do alto daquele morro, num forte contraste entre beleza e feiúra. E na sequência do baile funk, a montagem oferece um ritmo tenso e por vezes eletrizante na alternância que faz entre o ambiente sórdido e hedonista da festa com a ação militar minuciosa e soturna dos policias que rondam a localidade.

quinta-feira, janeiro 02, 2014

Blue Jasmine, de Woody Allen ***1/2


Um recurso bastante utilizado na filmografia de Woody Allen é o jogo de aparências que ele promove tanto na concepção da narrativa quanto na temática de alguns de seus principais trabalhos. Em “Blues Jasmine” (2013), o diretor norte-americano volta a se valer de tal preceito e com resultados bastante contundentes. Dessa forma, o filme, na sua superfície, tem a estrutura de um pesado drama a focar a decadência moral, financeira e psíquica de uma socialite. A partir de um estilo elegante e preciso de filmar, típico das produções de Allen, entretanto, pode-se perceber um irônico e sutil subtexto que faz com que aos poucos um sarcasmo corrosivo se espalhe pela trama. Nesse sentido, o que era para ser uma obra marcada pelo intimismo acaba ganhando uma conotação simbólica muito mais ampla. Os motivos e o atribulado percurso da derrocada de Jasmine (Cate Blanchett) encontram ressonância na queda do padrão de vida da própria sociedade dos Estados Unidos pós-crise econômica de 2008. Afinal, a equação que dominou boa parte da vida da protagonista (insensibilidade social e consumismo desenfreado de Jasmine mais as picaretas especulações financeiras de seu marido) representa uma síntese bem próxima dos fundamentos que levaram os EUA à crise que ainda até hoje não se encerrou. No mais, Allen também tem como grande trunfo em sua produção o desempenho visceral de Blanchett, que torna ainda mais impactante o inferno sem fim que atormenta a personagem principal.