terça-feira, setembro 28, 2010

Os Mercenários, de Sylvester Stallone *1/2


Em “Rambo IV” (2008), Stallone havia obtido um resultado excepcional ao reciclar com convicção vários clichês dos filmes oitentistas de ação. A opção de adotar uma abordagem formal clássica, sem invenções ou atualizações, revelou-se acertada, privilegiando seqüências de tiroteios e violência encenadas com uma classe brutal. Na sua produção mais recente, “Os Mercenários” (2010), Stallone buscou outra concepção estética e acabou decepcionando. Ele utiliza alguns dos recursos mais manjados e irritantes de boa parte das produções de ação da atualidade: câmera tremida, fotografia escurecida, montagem ultra-rápida. O resultado são várias cenas em que simplesmente não se enxerga ou entende o que está acontecendo em cena. Ou seja: ao tentar se renovar, Stallone acabou mostrando que é bem mais competente no seu estilo simples de filmar. Mesmo o chamariz de usar vários “astros” do gênero acaba se revelando frustrante, pois vários deles são subaproveitados em cena, com pouco espaço para aparecer ou simplesmente reduzidos a personagens desinteressantes (principalmente Mickey Rourke). Por fim, o que era para ser um dos eventos cinematográficos do ano, acaba se revelando apenas um pálido exercício de nostalgia.

segunda-feira, setembro 27, 2010

Um Doce Olhar, de Semih Kaplanaglu **1/2


É inegável em “Um Doce Olhar” (2010) a beleza plástica de alguns planos obtidos pelo diretor turco Semih Kaplanaglu nas densas florestas turcas que compõe o pano de fundo para uma narrativa lenta e contemplativa. O cineasta explora os silêncios de forma constante, na intenção de que as imagens sejam a força motriz da narrativa, evocando, assim, uma série de estetas cinematográficos que foram balizares no estabelecimento desses cânones estéticos. Há também no filme uma interessante combinação de universos, em que realidade e sonho parecem se fundir sutilmente. Todas essas qualidades, entretanto, não escondem que “Um Doce Olhar” é uma obra que parece cativar apenas por um certo exotismo étnico do que propriamente pelo fato de ser um filme envolvente. Mesmo as suas virtudes parecem uma série de truques formais que já foram mais que devidamente usados e abusados, ainda que o torne um passatempo por vezes agradável (mas facilmente esquecível).

sexta-feira, setembro 24, 2010

O Aprendiz de Feiticeiro, de Jon Turtelbaub **


É de se ressaltar positivamente em “O Aprendiz de Feiticeiro” (2010) a qualidade de algumas sequências em termos de trucagens visuais como as cenas do dragão em Chinatown ou da perseguição automobilística que se desenvolve no mundo dos espelhos. Esses momentos mais criativos em termos formais, entretanto, acabam sendo exceções em meio a uma narrativa burocrática e pouco inspirada. A abertura, por exemplo, é um apressado resumo de fatos expostos de forma anti-climática. Sempre que a trama de fantasia do filme parece que vai engrenar, do nada surge trechos de interlúdios românticos deslocados e pouco convincentes. No geral, “O Aprendiz de Feiticeiro”, assim como “Percy Jackson e o Ladrão de Raios” (2010), parece tentar estabelecer um nova franquia cinematográfica no gênero fantástico, na linha de “Harry Potter” e “O Senhor dos Anéis”, mas faz isso de forma oportunista e sem convicção. E depois dos sensacionais “Vício Frenético” (2009) e “Kick-Ass – Quebrando Tudo” (2010), Nicolas Cage volta ao seu universo tradicional de protagonista de produções meia-boca.

quinta-feira, setembro 23, 2010

O Bem Amado, de Guel Arraes **


Não cheguei a acompanhar a novela baseada na peça de teatro original de Dias Gomes, mas lembro do seriado exibido na década de 1980 pela Globo. Na época, ficava admirado pelo texto muito bem azeitado dos episódios da série, que combinavam com precisão comédia picaresca e uma sutil ironia política, além de interpretações memoráveis de atores como Paulo Gracindo, Lima Duarte e Emiliano Queiroz. Dessa forma, considerei frustrante esta recente adaptação cinematográfica de “O Bem Amado” (2010). Ao contextualizar a trama meses antes do Golpe de 1964, a produção dirigida por Guel Arraes apresenta em algumas seqüências um inexplicável e aborrecido tom didático. Mesmo que a intenção de utilização desse recurso narrativo fosse cômica, o resultado fica distante do riso. Arraes também parece não se acertar na incorporação de macetes típicos de televisão na linguagem de cinema. O resultado é de que a estética de “O Bem Amado” tranca em uma cansativa estrutura de teatro filmado. Quando consegue escapar dessa armadilha formal, entretanto, o cineasta até apresenta alguns momentos inspirados, principalmente nas cenas que envolvem o personagem Zeca Diabo (José Wilker), quando se emula um pastiche de faroeste. Mesmo assim, o saldo final de “O Bem Amado” fica muito abaixo do esperado no sentido das possibilidades criativas que a obra original de Dias Gomes oferecia para uma leitura contemporânea.

quarta-feira, setembro 22, 2010

Meu Malvado Favorito, de Pierre Coffin e Chris Renaud **


O grande problema de “Meu Malvado Favorito” (2010) é ser genérico demais, mesmo dentro de um tipo de produções que é marcado por um certo grau de previsibilidade. O filme segue com rigor os cânones de várias e recentes animações digitais que aparecem com regularidade nos cinemas: protagonistas engraçadinhos, crianças fofinhas, criaturas ou animais esquisitos e/ou adoráveis, tramas com teor edificante. O que pode fazer a diferença dentro dessa fórmula já tão manjada é a dinâmica da narrativa e a qualidade do traço dos desenhos (qualidades que abundam, por exemplo, em “Os Incríveis” ou na franquia “Toy Story”). No caso de “Meu Malvado Favorito”, entretanto, o mesmo não vinga em nenhum desses aspectos. Tudo no filme soa tão mecânico e sem inspiração que mesmo os efeitos 3D pouco acrescentam à obra no seu impacto visual.

terça-feira, setembro 21, 2010

Uma Noite em 67, de Renato Terra e Ricardo Calil ***


A esta altura do campeonato, já deu para perceber que a importância desses documentários brasileiros sobre música que vêm aparecendo com frequência nos cinemas não está principalmente em suas concepções formais, mas sim nas intenções quase didáticas de falar sobre episódios, obscuros ou não, da história cultural de nosso país. Dentro dessa perspectiva, “Uma Noite em 67” (2010) se mostra uma produção satisfatória. Esteticamente, os diretores Renato Terra e Ricardo Calil não inventam muito, fazendo o básico com competência: combinam um farto e precioso material de arquivo com depoimentos ora reveladores, ora apenas anedóticos, de alguns daqueles que participaram do Festival da Record de 1967, evento esse que apresentou grandes clássicos do cancioneiro brasileiro como “Ponteio” (Edu Lobo), “Roda Viva” (Chico Buarque), “Domingo no Parque” (Gilberto Gil) e “Alegria Alegria” (Caetano Veloso). Essa certa previsibilidade em termos de estrutura narrativa, entretanto, não quer dizer que “Uma Noite em 67” não apresente alguns diferenciais. O principal deles está no sutil perfil desmistificador sobre tais fatos antológicos. Mesmo mostrando que boa parte das canções participantes do festival refletia as preocupações políticas e sociais dos seus autores e público em relação a ditadura militar que dominava o país na época, há também a visão sobre a posição sectária e obscurantista da platéia “engajada” que vaiava impiedosamente as músicas e artistas que não correspondiam às suas expectativas, numa atitude quase tão autoritária quanto a ditadura que tanto abominavam, o que fica ainda mais graves quando se observa que um dos cantores que sofreram apupos do público foi o já tarimbado Sérgio Ricardo, simplesmente o cara que fez a brilhante trilha de “Deus e o Diabo na Terra do Sol” (1964). Não deixa de ser uma tremenda ousadia propor uma abordagem pouco maniqueísta como essa colocada por Terra e Calil, o que credencia “Uma Noite em 67” como um peculiar programa cinematográfico. Mas aqueles que não se interessam por tais considerações temáticas podem simplesmente assistir ao filme para assistir as contundentes apresentações das músicas acima citadas, mostradas na íntegra no filme.

quinta-feira, setembro 16, 2010

O Pequeno Nicolau, de Laurent Tirard ***


Um dos grandes méritos de “O Pequeno Nicolau” (2009) é conseguir preservar dentro de uma estrutura cinematográfica muito da linguagem dos quadrinhos, mídia originária em que surgiu a obra em questão. A caracterização das situações e personagens beira o cartunesco. Mesmo que o filme reflita vários dilemas e considerações da infância, predomina o gosto por um certo exagero. O personagem-título e seus amigos de colégio são apresentados cada um como estereótipos de comportamentos infantis: o boa-praça, o desligado, o gordinho comilão, o brigão, o certinho puxa-saco, etc. Isso, entretanto, funciona muito a favor do filme, no sentido que acentua um tom mais delirante para os momentos cômicos do filme. É quase como se assistisse um desenho animado vivenciado por criatura de carne-e-osso, o que permite até algumas ousadias que chegam as raias do politicamente incorreto. A forma com que o garoto preguiçoso e que não gosta de estudar é mostrado, por exemplo, traz uma grau de ironia que mentes mais conservadoras poderiam não apreciar muito... Em tempos que transposições dos comics para a tela grande pipocam de todos os lados, é interessante que surja uma produção como “O Pequeno Nicolau” que explora com sensibilidade as possibilidades criativas que o encontro entre cinema e HQs pode oferecer.

quarta-feira, setembro 15, 2010

Salt, de Phillip Noyce **


O australiano Phillip Noyce não pertence àquela categoria de realizadores que apresenta grandes traços autorais em suas obras. Ainda assim, de vez em quando apresentou produções acima da média como “Geração Roubada” e “O Americano Tranquilo”, ambos de 2002. Mesmo quando enveredou para o gênero do cinema de ação, mostrou-se um artesão competente e com um certo grau de ousadia, conforme pode ser atestado nos thrillers “Jogos Patrióticos” (1992) e “Perigo Real e Imediato” (1994). Assim, não há como não se decepcionar com “Salt” (2010), produção mais recente dirigida por Noyce. Tudo no filme exala uma previsibilidade burocrática. As seqüências de ação abusam da câmera lenta de forma desnecessária, parecendo serem apenas pretextos para Angelina Jolie fazer caras e bocas no papel-título. Até as viradas na trama obedecem a convenções engessadas. É claro que há algumas cenas mais movimentadas que chamam atenção do espectador, além de Liev Schreiber compor um vilão carismático. No mais, entretanto, “Salt” peca por fazer questão de não sair do âmbito do genérico.

terça-feira, setembro 14, 2010

A Origem, de Christophen Nolan ***1/2


Confesso que achei exagerados os comentários falando sobre as profundidades filosóficas da trama de “A Origem” (2010) ou da necessidade de ver mais de uma vez o filme para entendermos todas as nuances do roteiro. Creio que uma olhada atenta na produção é suficiente para compreender todos os detalhes da sua história. É claro que há várias situações rocambolescas, com diversas sub-tramas se interligando, mas nada que torne “A Origem” tão hermético. Essa profusão de situações que se desenvolvem simultaneamente em planos de realidade diferentes é algo bastante explorado nos quadrinhos. Aliás, as HQs de ficção científica parecem ser uma influência clara nessa obra de Nolan, o que se aplica também na concepção visual do filme, que aproveita com louvor as possibilidades de uma história que se desenvolve no mundo onírico oferecem, coisa, por exemplo, que a trilogia “Matrix” não conseguiu fazer em relação ao universo virtual. É mérito também do diretor conseguir desenvolver com clareza várias frentes de ação que se desenvolvem praticamente ao mesmo tempo. No mais, Nolan se vale dos recursos do sonhar mais para estabelecer uma ótima trama de ação e aventura do que para fazer considerações psicológicas sobre a mente humana (nesse sentido, a obra anterior do cineasta, “Batman – O Cavaleiro das Trevas”, é bem mais perturbadora). Isso, entretanto, não pode ser considerado demérito. Afinal, não é todo que aparece uma obra no gênero aventura tão convincente quanto “A Origem”.

segunda-feira, setembro 13, 2010

Almas à Venda, de Sophie Barthes ***


A força de “Almas à Venda” (2009) está no seu roteiro, bastante influenciado pelas tramas escritas por Charlie Kaufman para obras importantes como “Quero Ser John Malkowich” (1999) e “Brilho Eterno de Uma Mente Sem Lembranças” (2004). A diretora Sophie Barthes mistura metalinguagem, referências literárias, elementos de cinema fantástico e dramas existenciais. Mesmo não tendo o impacto dos textos de Kaufman, Barthes conseguiu obter um resultado interessante. O filme passa uma sensação constante de incômodo e outros sentimentos difusos, o que está em sintonia com os tormentos psicológicos do protagonista/ator principal (Paul Giamatti interpretando a si mesmo – ou seria interpretando uma ideia externa que se tem dele?). Por mais denso que seja os conflitos expostos em “Almas à Venda”, sempre há espaço para bem vindos toques cômicos, principalmente pelas menções irônicas que se faz à contundência dramática da literatura russa clássica. É claro que há um certo ranço pedante e intelectual permeando todo o filme, mas é mérito de Barthes que no meio disso “Almas à Venda” apresente uma narrativa consideravelmente fluente.

sexta-feira, setembro 10, 2010

O Profeta, de Jacques Audiard ****


Assim como outras produções francesas recentes, “O Profeta” (2009) envereda pelo gênero do policial dramático de estrutura narrativa clássica. O cineasta Jacques Audiard não propõe se afastar muito das convenções desse tipo de filme, mas recicla os clichês com admiráveis convicção e competência. Em termos temáticos, ele atinge um feito raro: traça a trajetória de anos na prisão de Malik (Tahar Rahim), um jovem marginal de ascendência árabe, mas sem parecer que estamos vendo um grande e apressado resumo. Audiard consegue traçar com precisão a evolução psicológica do personagem, dando-lhe uma densidade dramática bastante verossímil. Ao mesmo tempo, estabelece uma engenhosa trama de disputa de poder dentro da prisão, cheia de reviravoltas e nuances, na melhor tradição de clássicos do gangsterismo cinematográfico como “O Poderoso Chefão” (1972) e “O Pagamento Final” (1993). A opção por uma estrutura narrativa simples e linear é acertada para o que o roteiro propõe. A direção de fotografia traz movimentos de câmeras que privilegiam a clara exposição da ação cinematográfica, assim como a elegante edição opta por poucos e quase imperceptíveis cortes. É de se destacar ainda em “O Profeta” a inserção de surpreendentes toques de cinema fantástico nas seqüências que mostram os devaneios oníricos de Malik com fantasmas do passado e estranhas simbologias.

quinta-feira, setembro 09, 2010

Quatro Moscas em Veludo Cinza, de Dario Argento ****


No cinema de Dario Argento, trama é algo quase tênue que funciona como pretexto para uma narrativa repleta de apurados detalhes formais. Isso não quer dizer, entretanto, que os roteiros dos filmes de Argento não apresentem aspectos interessantes. Mesmo que destituídos de maiores profundidades psicológicas, eles trazem à tona um certo teor sórdido com personagens amorais e crimes brutais. Tais características se revelam adequadas para as atmosferas sombrias orquestradas com precisão por Argento. Em “Quatro Moscas em Veludo Cinza” (1972), essa linguagem cinematográfica do cineasta se aflora com naturalidade. Assim como em outros filmes de Argento, há a sensação de criação de um universo particular e atemporal (acentuada pela trilha sonora, uma extraordinária combinação entre temas típicos de Enio Morricone para o gênero giallo e canções hard rock com pitadas de progressivo). As criaturas do cineasta circundam em torno do fio de narrativa e funcionam mais como um elemento pictório da construção de sequências de uma grandeza visual que chega ao limite do barroco. Argento manipula como poucos os contraste entre luz e sombras em algumas cenas – os momentos em que os personagens interagem com a escuridão revelam um inspirado trabalho de direção de fotografia. O saldo final de “Quatro Moscas em Veludo Cinza” revela um artista sempre inquieto em explorar as possibilidades criativas que o cinema oferece.

quarta-feira, setembro 08, 2010

Predadores, de Nimród Antal ***


É claro que Nimród Antal está bem distante da classe de John McTiernan no quesito de direção de filme de ação. Assim, “Predadores” (2010) não tem o status de obra-prima que o longa original de 1987 ostenta. Mesmo assim, o filme de Antal é infinitamente melhor do que as deprimentes duas partes de “Aliens vs. Predador”. Em seu roteiro, “Predadores” tem um certo tom nostálgico pela caracterização dos personagens durões e amorais (apesar de Adrien Brody não ter o mesmo carisma truculento de Arnold Schwarzenegger) e pela violência desenfreada de algumas sequências. É mérito do diretor também conduzir as cenas de ação sem se ter aquela impressão de câmeras excessivamente tremidas e cortes frenéticos onde não se sabe quem luta com quem. O filme peca por uma certa narrativa trôpega em alguns momentos, mas no geral dá novamente uma dignidade para a franquia dos alienígenas caçadores, criando expectativa para os próximos segmentos da mesma.

segunda-feira, setembro 06, 2010

Os Famosos e os Duendes da Morte, de Esmir Filho ***


Já ouvi comentários dizendo que “Os Famosos e os Duendes da Morte” comporia junto com “As Melhores Coisas da Vida” e “Antes Que o Mundo Acabe” uma espécie de trilogia involuntária de produções nacionais de 2010 a versarem sobre as agruras da adolescência. A semelhança entre tais produções, entretanto, é puramente temática. Até porque fazer filmes sobre o universo juvenil não é uma novidade na história do cinema. O tratamento formal de “Os Famosos...” é bem diverso das obras mencionadas. O primeiro longa-metragem de Esmir Filho é bem mais inquietante e ousado em termos estéticos, ainda que por vezes caia numa certa afetação “artística” e estéril. Seu grande mérito é traduzir esse pretenso olhar juvenil na própria concepção formal do filme. A visão de mundo dos personagens jovens é confusa e oscilante, o que se reflete numa narrativa difusa e “quebrada”, e que em algumas oportunidades combina habilmente realidade e delírio. Tal dualidade é acentuada pela fotografia que manipula com criatividade tons granulados ou até mesmo levemente desfocados ou distorcidos. De se destacar também algumas cenas que apresentam um inesperado senso de humor, principalmente aquela do parco diálogo entre o protagonista Sr. Tamborim (Henrique Larré) com os seus avós que mal falam o português. O tom lamentoso do roteiro e a embalagem indie de algumas sequências podem dar a impressão que o filme seja dirigido a uma platéia específica, mas por mais que isso seja um incômodo, é inegável também que faz com que “Os Famosos e os Duendes da Morte” capte com considerável fidelidade o espírito de uma época, o que não deixa de ser elogiável.

sexta-feira, setembro 03, 2010

À Prova de Morte, de Quentin Tarantino ****


A metade de Tarantino no projeto “Grindhouse” é a prova radical de que ele cada vez mais se volta para uma dimensão própria e pouca ligada aos atuais cânones cinematográficos. Normalmente há a tendência de que cineastas “amadureçam” com o passar dos anos e se tornem mais acessíveis e respeitáveis para crítica e público, mas Tarantino, contrariamente, avança rumo a um cinema desvinculado dos padrões de bom gosto. Dessa forma, não se melindra em realizar uma obra em que revitaliza os clichês dos filmes de psicopata e de perseguições automobilísticas ao mesmo tempo que afia seu virtuosismo cinematográfico. A recriação da ambientação dos filmes baratos de gênero que imperavam nas antigas sessões grindhouse é apenas o ponto de partida para um filme que se descarna de elementos supérfluos e se concentra na pura ação. Nesse sentido, entenda-se por ação não apenas as seqüências de violência e velocidade, mas também aquelas dominadas por diálogos ágeis e cortantes. Nesse último aspecto, “À Prova de Morte” (2007) traz um texto primoroso de Tarantino ao combinar magistralmente vulgaridade e sagacidade.

O cinema de À Prova de Morte se despe de planos contemplativos e caracterizações inutilmente aprofundadas e se reduz a um esqueleto de pura dinâmica narrativa. É essa a grande ousadia do filme e que o aproxima de outras grandes obras-primas subestimadas como “Viver e Morrer em Los Angeles” (1985) e “Rejeitados Pelo Diabo” (2005). Nesse contexto, até os limites entre o bem o mal na trama se tornam tênues, fazendo com que Tarantino crie um mundo amoral e sedutor. Suas “heroínas” são escancaradamente hedonistas e decididas, variando com a maior naturalidade de conversas sobre intimidades femininas até momentos de pura brutalidade vingativa. Stuntman Mike (Kurt Russell) é um vilão naquilo que é mais essencial para um antagonista: odioso, covarde, fanfarrão e com direito a gritos histéricos no final quando é espancado por algumas “mocinhas”. Provavelmente, é o tipo de papel que Russell há anos aguardava!!

quinta-feira, setembro 02, 2010

Um Homem Sério, de Etahn e Joel Coen ****


Esta produção de 2009 dirigida pelos irmãos Coen é mais uma prova de como a linguagem cinematográfica não significa apenas técnica, mas também o elemento que dá o sentido emocional e estético de um filme. Os realizadores arquitetam uma estrutura narrativa fascinante, em que uma fotografia luminosa e a edição de ritmo clássico e sereno produzem, de forma engenhosamente contrastante, uma ambientação de tons kafkanianos e que cai como uma luva para a trajetória do protagonista Larry Gopnik (Michael Stuhlbarg), um professor judeu de classe média que vê a sua rotina familiar e social se desestruturando de forma inexorável. O que se sucede ao longo da trama de “Um Homem Sério” é uma série de fatos intimistas e que às vezes beiram o banal (em que até os delírios de um sonho acabam borrados por fatos corriqueiros e cinzentos), mas que com a abordagem formal barroca dos Coen acaba atingindo as proporções de uma obra de tintas épicas – Larry é praticamente um anti-herói trágico (ainda que marcado por uma certa comicidade involuntária). O típico recurso dos diretores em elaborar uma narrativa em que comédia e drama se fundem de forma indissociável atinge um de seus máximos graus dentro da filmografia deles.