Herdeiro do cinema realista britânico dos anos 60 e 70, o
diretor Stephen Frears teve como principal mote da sua filmografia uma
visceralidade, tanto formal quanto temática, nas suas concepções artísticas.
Isso era patente tanto nas comédias e dramas de cunho social que dirigia no seu
país natal (“Minha adorável lavanderia”, “O amor não tem sexo”, “Sammy e Rosie”,
“A grande família”) quanto nas recriações de gêneros que realizou nos Estados
Unidos, onde fez trabalhos notáveis em drama de época (“Ligações perigosas”),
noir (“Os imorais”) e comédia estilo Frank Capra (“Herói por acidente”). Nos últimos
anos, entretanto, o gume cortante do cinema de Frears diminuiu
consideravelmente, resultando em obras que beiram o anódino. E esse é o caso
justamente desse “O dobro ou nada” (2012). É claro que o cineasta revela competência
narrativa, típica de quem está anos na estrada, além de por vezes criar uma
interessante atmosfera de ambigüidade moral e de evidenciar a sua boa mão na
direção de atores. O que incomoda em “O dobro ou nada” é a acomodação criativa
de Frears – não há no filme qualquer momento de arrebatamento que possa
efetivamente tornar o filme uma experiência memorável.
Boa parte de amigos e conhecidos costuma dizer que as minhas recomendações para filmes funcionam ao contrário: quando eu digo que o filme é bom é porque na realidade ele é uma bomba, e vice-versa. Aí a explicação para o nome do blog... A minha intenção nesse espaço é falar sobre qualquer tipo de filme: bons e ruins, novos ou antigos, blockbusters ou obscuridades. Cotações: 0 a 4 estrelas.
quinta-feira, fevereiro 28, 2013
quarta-feira, fevereiro 27, 2013
Duro de matar - Um bom dia para morrer, de John Moore *
Por mais oportunistas que possam ser como exemplares de uma franquia
lucrativa, podia-se dizer que as continuações do clássico da ação “Duro de
matar” lançado em 1988 não chegavam a um nível de ruindade. Sempre houve uma
preocupação em seguir alguns preceitos estéticos do primeiro filme, assim como
um roteiro razoável que justificasse com alguma propriedade os tiros, as explosões
e a pancadaria típicos da série. Tudo isso, entretanto, é jogado no lixo nesse
recente “Duro de matar – Um bom dia para morrer” (2013). No geral, é como se o
protagonista John McClane (Bruce Willis)
tivesse sido jogado numa produção de ação qualquer carente de personalidade e
estilo. Pior: às vezes temos até a impressão de que McClane virou personagem do
game GTA. Afinal, a impressão que se tem é que a referência do diretor John
Moore para perseguições automobilísticas é um monte de carros se batendo e
destruindo tudo que vem pelo caminho. Esse formalismo equivocado e medíocre,
aliado a uma trama burra e destituída de qualquer espécie de sutileza, jogam o
filme para um nível muito baixo no quesito “horrível”. O mito McClane merecia
um pouco mais de respeito...
terça-feira, fevereiro 26, 2013
O voo, de Robert Zemeckis ***
Há pelo menos dois bons motivos para se assistir a “O voo”
(2012). O primeiro seria a sequencia do acidente de avião, logo no início do
filme, um exercício notável cinematográfico de técnica e efeitos aliado a uma
atmosfera poderosa de tensão. E o outro fator de atrativo para a obra seria o
desempenho de Denzel Washington, numa atuação dramática que concilia com precisão
carisma e intensidade. É de se considerar positivamente também nessa obra mais
recente do diretor Robert Zemeckis um inquietante clima de ambiguidade moral a
abordar temas polêmicos como culpa e uso de drogas. A abordagem formal de
Zemeckis chama atenção, principalmente pela dinâmica bem executada de planos e
enquadramentos que dão uma ambientação um tanto sufocante ao filme. Nesse
sentido, a edição do filme reforça essa sensação, principalmente na forma com
que encaixa a excelente trilha cancioneira roqueira nas cenas, configurando por
vezes uma narrativa vertiginosa impregnada de hedonismo e tentativas de expiação.
Todo esse panorama contraditório de “O voo” acaba esvaziado, entretanto, quando
o roteiro envereda no seu final para uma conclusão moralista e estapafúrdia,
revelando uma incômoda falta de sintonia com toda a proposta estético-formal
que o filme havia usado como base.
segunda-feira, fevereiro 25, 2013
As sessões, de Ben Lewin ***1/2
Há em “As sessões” (2012) uma intrincada combinação de
elementos em sua trama, em que lirismo poético, sexo, culto apolíneo à beleza e
beatitude religiosa se integram de forma insólita e consistente. A abordagem
formal do diretor Ben Lewin é mais do que acertada: com um roteiro que em mãos
menos sutis poderia render uma produção lacrimosa e genérica, o que se tem como
produto final é uma obra singular. A emoção brota
ao natural na encenação, mas quase nunca de forma manipuladora ou excessiva.
Tendo um deficiente físico como protagonista,
cujo maior ambição é a realização sexual, o filme envereda por um viés em que o
hedonismo ganha uma aura que beira o sacro. As mulheres que circundam o personagem
principal são retratadas a partir de um olhar que começa pelo objetivo e que
aos poucos lhes dá uma dimensão quase mágica. É uma sensualidade um tanto
esquisita justamente porque busca o seu encanto de um prosaico cotidiano. O
efeito sensorial chega a ser desconcertante em alguns momentos. O grande clímax
do filme está numa seqüência de sexo que envolve um orgasmo recíproco, que
parece sintetizar o espírito criativo do filme – a consumação do ato sexual ganha
uma certa dimensão épica tanto pela sua carnalidade quanto por uma transcendência
espiritual. A jornada de descoberta do protagonista
extrapola a questão dele ser deficiente – o que importa é a tradução do sexo
dentro de sua particular ótica religiosa e lírica.
sexta-feira, fevereiro 22, 2013
E se vivêssemos todos juntos?, de Stéphane Robelin **1/2
Dentro do gênero de dramas que tratam das agruras da
terceira idade, “E se vivêssemos todos juntos?” (2010) até que acaba
surpreendendo, ainda que se adeque dentro de um formato elaborado para não
assustar muito as plateias desavisadas. O filme tem aquele pique de melancolia
devido aos dilemas típicos dos idosos aliado a um incômodo tom de “lições de
vida” em alguns momentos. Para compensar, a diretora Stéphane Robelin consegue
inserir em determinadas cenas um toque entre o irônico e o objetivo,
principalmente quando retrata a sexualidade, exposta até de uma forma bem crua
que o habitual nesse tipo de obra. Valoriza também a produção o elenco
principal de atores maduros, em atuações que variam bem entre o vigor e a
sutileza. Nesse sentido, o filme tem ainda um caráter emblemático em mostrar em
boa forma dramática as atrizes Jane Fonda e Geraldine Chaplin, que por volta
das décadas de 70 e 80 foram bastante ativas e representativas de um cinema
mais contundente.
quinta-feira, fevereiro 21, 2013
Espia só, de Saturnino Rocha ***
Em um documentário sobre música, um dos grandes méritos de
quem o concebe é conseguir fazer o espectador se interessar, a partir do filme,
pelo artista ou estilo focado a ponto de correr atrás de um disco (ou de um
arquivo, nesses tempos virtuais...). Pois “Espia só” (2012) atinge esse
objetivo – pelo menos comigo, afinal logo após ver tal produção fiquei
imediatamente interessado em conseguir algum disco com as composições de Octávio
Dutra, notável instrumentista e autor de chorinhos porto-alegrense que teve o
seu auge comercial e artístico nas primeiras décadas do século XX. O diretor
Saturnino Rocha elaborou aquele feijão com arroz básico dentro do gênero, mas
fez com bastante classe, combinando vários depoimentos de estudiosos, músicos e
parentes do biografado com admirável apuro formal na encenação de belos e afiados números de instrumentistas contemporâneos
tocando algumas das principais canções de Dutra, tendo por resultado um
documentário repleto de momentos inebriantes de sutis e vibrantes melodias e
harmonias, além de oferecer um retrato apurado do cenário cultural da Porto
Alegre do início do século passado.
quarta-feira, fevereiro 20, 2013
Possessão, de Ole Bornedal *1/2
Confesso que o gênero terror é um dos meus favoritos no
cinema. Acho que alguns dos primeiros filmes que realmente curti na minha vida
vieram dessa linha. Mas é de se perguntar por que falo de tão poucas produções de
horror aqui no blog... As respostas não são tão difíceis assim. Primeiro: se
colocarmos na ponta da caneta, chegam poucas obras de terror nos nossos cinemas
(dramas, comédias e aventuras aparecem aos borbotões, por exemplo), ao contrário
do que acontecia nas décadas de 70 e 80. Segundo: o pouco que chega no gênero,
em sua maioria, não é bom. E esse é o caso de “Possessão” (2012). Ok, tem a sua
dose de sangue, de algum suspense, a premissa do roteiro é interessante e
algumas trucagens são bem feitas. Mas tudo é filtrado por uma concepção formal
e temática tão asséptica e “família” que sensações como medo ou choque passam
longe daqui.
terça-feira, fevereiro 19, 2013
A luz do Tom, de Nelson Pereira dos Santos **
O principal ponto que joga contra “A luz do Tom” (2013) é
que se trata na verdade de um filme institucional (o que os créditos iniciais
revelam logo de cara). Assim, trata-se de uma grande loa à figura de Tom Jobim,
não havendo espaço para contradições e nem para um maior aprofundamento dramático.
Sua formatação asséptica também atrapalha, com uma direção de fotografia estilo
cartão postal emoldurando a narrativa. Dentro dessa concepção utra comportada,
talvez o momento mais constrangedor seja aquele em que Helena Jobim fica
respondendo perguntas óbvias (“Tom era muito namorador?” e daí para baixo) de
um grupo de jovens em estado catatônico. Por outro lado, dá até para estranhar
um documentário sobre música brasileira em que não estejam presentes os
onipresentes Tarik de Souza, Ricardo Cravo Albim e Nelson Motta. Mas esse dado
insólito acaba se perdendo no fato de que o filme se concentra exclusivamente
nas entrevistas com a irmã Helena, a ex-mulher Thereza e a viúva Ana Lontra,
cujos principais focos são algumas informações biográficas protocolares, além
de historinhas prosaicas. Podem servir como curiosidade, mas não dão a dimensão
real da grandeza do artista. Apesar dessas previsibilidades, não há como não se
perguntar por que o diretor Nelson Pereira dos Santos travestiu Helena como uma
espécie de sósia de Tom, o que aliado a sua forma de falar literária, como se
tivesse decorado os trechos da biografia de Tom escrito por ela, traz um
estranho efeito estético.
Apesar dos equívocos aqui apontados, confesso que não
consigo dizer que “A luz do Tom” é uma obra dispensável. Isso porque a produção
traz a grande vantagem de vir embalada com algumas das mais belas pérolas do
cancioneiro jobiniano. Tanto que logo que terminou o filme, me de uma vontade
danada de chegar em casa para ouvir os discos do cara. E talvez não fosse essa a
grande intenção do filme?
segunda-feira, fevereiro 18, 2013
O lado bom da vida, de David O. Russell ***
Em seu filme a anterior, o extraordinário “O vencedor”
(2010), o diretor David O. Russell conseguia uma forte simbiose entre uma forte
trama baseada em fatos reais com uma abordagem formal bastante crua e
contundente. Em sua obra mais recente, “O lado bom da vida” (2012), Russell usa
uma abordagem estética semelhante, mas embalando um roteiro de típica comédia
romântica, ainda que com uns toques mais naturalistas. Esse descompasso
compromete a narrativa – por mais que o cineasta se esforce para emprestar
vigor para o filme, tudo acaba ficando preso à lógica de um formato bastante
convencional. Isso se reflete até mesmo nas boas interpretações de seus
principais atores: são caracterizações carismáticas, mas destituídas de maiores
profundidades. Apesar de tais considerações, “O lado bom da vida” está longe de
ser um mau filme, muito pelo contrário, é uma produção com algumas cenas memoráveis
e mostra a habitual classe artística de Russell como diretor. Mas é justamente
o passado expressivo dele como cineasta que deixa um certo gostinho de decepção.
sexta-feira, fevereiro 15, 2013
Selvagens, de Oliver Stone ***1/2
Depois de passar alguns anos engajado em obras de cunho político,
tanto em documentários quanto em filmes baseados em fatos reais, o diretor
norte-americano deixa as ideologias, aprincípio, um pouco de lado e envereda em
“Selvagens” (2012) novamente pelo gênero ação/policial (nos moldes dos marcantes
“Assassinos por natureza” e “Reviravolta). É claro que em se tratando dele não
dá para esperar algo muito tradicional, ainda que estejam lá a violência e a
adrenalina inerente a essa linhagem cinematográfica. Stone mostra a velha
classe formal, com uma direção de fotografia de tons estourados e montagem de
dinâmica frenética, mas que não faz com que o filme caia naquele estilo “videoclipeiro”.
Pelo contrário: as opções estéticas do cineasta acentuam um certo tom sinistro
e uma atmosfera de pesadelo que permeiam a produção. Tal abordagem apresenta sintonia
com a temática um tanto intrincada que emana do roteiro de “Selvagens” – por trás
da trama aparentemente tradicional envolvendo policiais e traficantes, há também
um certo comentário sócio-político sobre a sociedade ocidental, em que os velhos
conceitos de bem e mal parecem cada vez mais difusos e um saudável hedonismo amoral
não parece uma solução tão impossível... No final das contas, Stone mostra que
ainda continua a ser um cara difícil de ser domado.
quinta-feira, fevereiro 14, 2013
Elefante branco, de Pablo Trapero ***
Tanto a estética quanto a temática dos filmes dirigidos por
Pablo Trapero passam por uma certa crueza – por vezes quase se aproximando do
documental, num estilo que evoca um forte naturalismo. Ainda que isso não
represente algo de especialmente novo, pelo menos se afasta do tom asséptico
que marca a grande maioria da produção argentina contemporânea. “Elefante branco”
(2012) confirma essa coerência autoral de Trapero. O roteiro busca a contundência
da denúncia social, mas não cai no puro panfletarismo – há espaço até para uma
dimensão intimista inquietante. A abordagem estética também não fica muito atrás
em termos de dureza. Trapero impõe uma objetividade seca num registro visual
que dispensa maiores rebuscamentos, mas sem cair naquele estilo desnecessário
de câmeras tremidas como se quisesse buscar um “cinema reportagem”. No cômputo
geral, “Elefante branco” não chega a ser uma experiência cinematográfica
especialmente memorável. Tem, entretanto, a capacidade inegável de estabelecer
uma narrativa tensa que prende o espectador.
Caça aos gângsteres, de Ruben Fleischer ***
Não dá para negar que a pretensão de Ruben Fleischer em
“Caça aos gângsteres” (2012) não tenha sido grande. Sua proposta de
revitalização do gênero dos filmes de gângsteres parte de uma aposta na forte
estilização temática. Assim, o roteiro da produção é um pastiche simplificado
de literatura noir, não havendo uma trama tão bem lapidada quanto, por exemplo,
aquela do extraordinário “Los Angeles: Cidade proibida” (1997). Por vezes, a
opção estética de Fleischer apresenta alguns resultados expressivos, tanto pela
direção de arte que beira o irreal no sentido da recriação de uma Los Angeles
dos anos 40 que é puro imaginário quanto pelo uso em profusão de modernosas
filmagens em câmera lenta (que estão muito mais para “Matrix” do que para os
clássicos de Sam Peckinpah). Outra bela sacada do diretor está no seu elenco,
em performances que enveredam pelo icônico, deixando de lado grandes
profundidades psicológicas. Nesse sentido, o grande destaque é Josh Brolin, que
com seu rosto de pedra mostra ter nascido para fazer o papel do tira durão e
inflexível – aliás, o efeito de vê-lo contracenar ao lado de Nick Nolte é
desconcertante, pois é como se enxergasse a mesma pessoa em dois papéis (ou
épocas) diferentes.
As soluções narrativas e formais de Fleischer fazem supor
que sua intenção era a de fazer um “Os intocáveis” (1987) para o século XXI. E
é justamente aí que residem os problemas de “Caça aos gângsteres”. Afinal,
Fleischer é um bom diretor, mas está muito longe do gênio virtuosista de Brian
De Palma. O frustrante clímax final da obra mais recente é a evidência perfeita
dessa constatação – os tiroteios são espetaculosos e barulhentos, mas são
normais, quase burocráticos, não chegando nem perto daquela orgia visual que representa
a clássica seqüência do tiroteio no metrô do clássico de De Palma. E mesmo o
duelo final a socos entre John O’Mara (Brolin) e Mickey Cohen (Sean Penn) se
mostra tão pouco imaginativo a ponto de soar irrelevante. Ou seja, no final das
contas, “Caça aos gângsteres” é até um bom filme, mas se o espectador quiser
algo recente no gênero efetivamente memorável, o melhor é ver ou rever “Os
infratores” (2012), pérola dirigida por John Hillcoat.
quinta-feira, fevereiro 07, 2013
Magic Mike, de Steven Soderbergh ***1/2
Apesar de abordar o universo dos strippers, o cineasta norte-americano
evita o escândalo fácil em “Magic Mike” (2012). Sua visão tende muito mais para
uma certa sobriedade, tanto formal quanto temática, o que é quase uma constante
na sua trajetória como diretor. Isso não quer dizer, entretanto, que ele
enverede pela assepsia – seu sintético estilo de filmar permite a elaboração de
uma atmosfera sensual e até bem humorada, principalmente nas seqüências noturnas
e, em especial, nos espetáculos da rapaziada em ação. Nesse sentido,
impressiona a capacidade de Soderbergh em extrair atuações convincentes e
carismáticas de habituais canastrões como Matthew McConaughey e Channing Tatum.
Além disso, “Magic Mike” apresenta uma tendência irônica a explorar alguns
motes clássicos inerentes ao gênero de filmes em que um grande artista é
substituído (ou passado para trás) por um pupilo talentoso, numa linhagem de
produções que vai de “A malvada” (1950) a “Showgirls” (1995). Muito da essência
do cinema de Soderbergh vem justamente desse aspecto: a de explorar clichês
narrativos a partir de uma concepção formal particular, o que acaba resultando
numa aura de estranhamento, ainda que uma impressão de familiaridade permeie
sempre a sua obra.
quarta-feira, fevereiro 06, 2013
Jorge Mautner - O filho do Holocausto, de Pedro Bial e Heitor D'Alincourt ***1/2
É claro que se pode implicar com Pedro Bial por apresentar o
Big Brother ou por escrever uma biografia chapa branca do patrão Roberto
Marinho, além de outros projetos questionáveis. Por outro lado, pode-se dar um
crédito para ele depois de se assistir a “Jorge Mautner – O filho do holocausto”
(2012). No meio de tantos documentários nacionais que se dedicam a cinebiografar
figuras ligadas à música, esse filme co-dirigido por Bial e Heitor D’Alincourt
surpreende por uma abordagem peculiar, apesar de utilizar alguns preceitos
caros ao gênero. Estão lá os tradicionais depoimentos e imagens de arquivo, mas
isso apenas pontua uma visão muito lírica por parte de seus autores em relação
ao seu protagonista – na verdade, até dá para
dizer que se encontra em sintonia artística com o próprio universo cultural de
Mautner. A música dele é o centro da narrativa – não à toa, a produção é
pontuada por números musicais, que abarcam um espectro amplo do cancioneiro de
Mautner que se relaciona sutilmente com a trajetória do artista que se
desenvolve na tela através de imagens e entrevistas. Tais números musicais,
tendo Mautner acompanhado pelo velho companheiro Nelson Jacobina e alguns músicos
da Orquestra Imperial, recebem um tratamento formal que oscila entre o teatral
e o sóbrio. Essa opção dos diretores revela que a preferência deles não é pela
objetividade, mas sim pela percepção de mundo mui peculiar de Mautner. Assim,
em determinadas seqüências, quem conduz a narrativa é o poeta/cantor em questão,
que lê num tom dramático passagens expressivas de sua autobiografia. O efeito
sensorial é de estranhamento e encanto.
Lembro que ao comentar no blog sobre o documentário “Tropicália”
(2012) eu mencionava a capacidade de Caetano Veloso em ser um convincente ator de
si mesmo. Isso também me veio à lembrança ao assistir a “Jorge Mautner”, não só
pela participação de Veloso (junto com Gilberto Gil), mas também pelo fato de
que Mautner conservar uma aura de mistério, mesmo que revele alguns fatos de
suas vidas. É como se o essencial ele ainda escondesse, estimulando o
espectador a encontrar essa verdade na sua arte. E talvez aquele seu choro no
final, aparentemente redentor, talvez esconda outros motivos obscuros e
fascinantes.
segunda-feira, fevereiro 04, 2013
Frankenweenie, de Tim Burton ****
O diretor norte-americano Tim Burton não é um artista que
tem a necessidade de se renovar a cada trabalho. Seus filmes geralmente gravitam
em torno de algumas obsessões temáticas e estéticas, ainda que por alguma
eventualidade ele assuma uma produção mais comercial como “O planeta dos
macacos” (2001) ou “Alice nos país das maravilhas” (201). Em “Frankenweenie”
(2012), Burton confirma essa tendência – é a mesma coisa de sempre, mas
elaborada com uma classe fenomenal. O conceito da obra – a de um cão que é
ressuscitado como uma espécie Frankenstein canino – parece influenciar a própria
concepção do filme: cada detalhe narrativo soa como se fosse um pedaço/referência
de alguma obra influência de Burton ou de uma produção do próprio cineasta em
questão (tanto que o longa na realidade é a extensão de um curta do início da
carreira de Burton). Mas esse caldeirão de citações e reciclagens não revela um
homem estagnado com sua arte – na verdade, é apenas reflexo da sua coerência
autoral, além de revelar seu amadurecimento como cineasta (afinal, “Frankenweenie”
é uma experiência cinematográfica bem mais satisfatória que a animação anterior
de Burton, “A noiva cadáver”). Mesmo que possamos já ter visto cenas
semelhantes em outros filmes, ainda sim tais momentos em “Frankenweenie” conseguem
se revelar ora perturbadores, ora encantadores. A mistura das técnicas de
animação stop motion com uma ambientação gótica de toques irônicos gera uma
obra de raro arrebatamento visual, com uma trama lapidar na sua combinação intrínseca
e orgânica de conto de fadas, horror e aventura.
sexta-feira, fevereiro 01, 2013
Sudoeste, de Eduardo Nunes ***1/2
Se fosse para tentar definir “Sudoeste” a grosso modo em
algumas palavras, daria para dizer que seria algo como “David Lynch encontra o
regionalismo brasileiro”. É claro que a definição é imprecisa, mas a obra de
Eduardo Nunes impressiona justamente ao buscar uma narrativa delirante em meio
a um cenário agreste e interiorano, conseguindo um resultado bastante orgânico
e envolvente. A longo da trama, pequenos detalhes da história servem como um
esqueleto para que imagens e sons construam um sentido insólito, mas que
adquire aos poucos uma estranha coerência. Os padrões temporais se confundem e dissolvem
a linearidade – uma protagonista que é
criança, mas que em um piscar de olhos se converte em adulta e numa caminhada
por uma estrada atinge a velhice. Mas que também com um breve sono pode voltar à infância. Com o foco narrativo concentrado numa personagem que reúne mãe e
filha na mesma figura, mas que também se dividem em duas, até um ponto que se
possa ter um fragmento da verdade. Tudo isso para que o presente possa sugerir
o que tenha acontecido no passado e quem sabe até corrigir algo. Na verdade,
nada fica muito claro em “Sudoeste”, mas também nem é tão necessário que isso
ocorra. A direção fotografia de movimentos lentos e expressivos e o jogo de
montagem que estabelece o elemento fantástico da produção de acordo com sutis
truques de edição formam um conjunto formal em perfeita sintonia com a temática
de tons simbolistas do filme.
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