quinta-feira, fevereiro 28, 2013

O dobro ou nada, de Stephen Frears **1/2


Herdeiro do cinema realista britânico dos anos 60 e 70, o diretor Stephen Frears teve como principal mote da sua filmografia uma visceralidade, tanto formal quanto temática, nas suas concepções artísticas. Isso era patente tanto nas comédias e dramas de cunho social que dirigia no seu país natal (“Minha adorável lavanderia”, “O amor não tem sexo”, “Sammy e Rosie”, “A grande família”) quanto nas recriações de gêneros que realizou nos Estados Unidos, onde fez trabalhos notáveis em drama de época (“Ligações perigosas”), noir (“Os imorais”) e comédia estilo Frank Capra (“Herói por acidente”). Nos últimos anos, entretanto, o gume cortante do cinema de Frears diminuiu consideravelmente, resultando em obras que beiram o anódino. E esse é o caso justamente desse “O dobro ou nada” (2012). É claro que o cineasta revela competência narrativa, típica de quem está anos na estrada, além de por vezes criar uma interessante atmosfera de ambigüidade moral e de evidenciar a sua boa mão na direção de atores. O que incomoda em “O dobro ou nada” é a acomodação criativa de Frears – não há no filme qualquer momento de arrebatamento que possa efetivamente tornar o filme uma experiência memorável.

quarta-feira, fevereiro 27, 2013

Duro de matar - Um bom dia para morrer, de John Moore *


Por mais oportunistas que possam ser como exemplares de uma franquia lucrativa, podia-se dizer que as continuações do clássico da ação “Duro de matar” lançado em 1988 não chegavam a um nível de ruindade. Sempre houve uma preocupação em seguir alguns preceitos estéticos do primeiro filme, assim como um roteiro razoável que justificasse com alguma propriedade os tiros, as explosões e a pancadaria típicos da série. Tudo isso, entretanto, é jogado no lixo nesse recente “Duro de matar – Um bom dia para morrer” (2013). No geral, é como se o protagonista John McClane (Bruce Willis) tivesse sido jogado numa produção de ação qualquer carente de personalidade e estilo. Pior: às vezes temos até a impressão de que McClane virou personagem do game GTA. Afinal, a impressão que se tem é que a referência do diretor John Moore para perseguições automobilísticas é um monte de carros se batendo e destruindo tudo que vem pelo caminho. Esse formalismo equivocado e medíocre, aliado a uma trama burra e destituída de qualquer espécie de sutileza, jogam o filme para um nível muito baixo no quesito “horrível”. O mito McClane merecia um pouco mais de respeito...

terça-feira, fevereiro 26, 2013

O voo, de Robert Zemeckis ***


Há pelo menos dois bons motivos para se assistir a “O voo” (2012). O primeiro seria a sequencia do acidente de avião, logo no início do filme, um exercício notável cinematográfico de técnica e efeitos aliado a uma atmosfera poderosa de tensão. E o outro fator de atrativo para a obra seria o desempenho de Denzel Washington, numa atuação dramática que concilia com precisão carisma e intensidade. É de se considerar positivamente também nessa obra mais recente do diretor Robert Zemeckis um inquietante clima de ambiguidade moral a abordar temas polêmicos como culpa e uso de drogas. A abordagem formal de Zemeckis chama atenção, principalmente pela dinâmica bem executada de planos e enquadramentos que dão uma ambientação um tanto sufocante ao filme. Nesse sentido, a edição do filme reforça essa sensação, principalmente na forma com que encaixa a excelente trilha cancioneira roqueira nas cenas, configurando por vezes uma narrativa vertiginosa impregnada de hedonismo e tentativas de expiação. Todo esse panorama contraditório de “O voo” acaba esvaziado, entretanto, quando o roteiro envereda no seu final para uma conclusão moralista e estapafúrdia, revelando uma incômoda falta de sintonia com toda a proposta estético-formal que o filme havia usado como base.

segunda-feira, fevereiro 25, 2013

As sessões, de Ben Lewin ***1/2


Há em “As sessões” (2012) uma intrincada combinação de elementos em sua trama, em que lirismo poético, sexo, culto apolíneo à beleza e beatitude religiosa se integram de forma insólita e consistente. A abordagem formal do diretor Ben Lewin é mais do que acertada: com um roteiro que em mãos menos sutis poderia render uma produção lacrimosa e genérica, o que se tem como produto final é uma obra singular. A emoção brota ao natural na encenação, mas quase nunca de forma manipuladora ou excessiva. Tendo um deficiente físico como protagonista, cujo maior ambição é a realização sexual, o filme envereda por um viés em que o hedonismo ganha uma aura que beira o sacro. As mulheres que circundam o personagem principal são retratadas a partir de um olhar que começa pelo objetivo e que aos poucos lhes dá uma dimensão quase mágica. É uma sensualidade um tanto esquisita justamente porque busca o seu encanto de um prosaico cotidiano. O efeito sensorial chega a ser desconcertante em alguns momentos. O grande clímax do filme está numa seqüência de sexo que envolve um orgasmo recíproco, que parece sintetizar o espírito criativo do filme – a consumação do ato sexual ganha uma certa dimensão épica tanto pela sua carnalidade quanto por uma transcendência espiritual. A jornada de descoberta do protagonista extrapola a questão dele ser deficiente – o que importa é a tradução do sexo dentro de sua particular ótica religiosa e lírica.

sexta-feira, fevereiro 22, 2013

E se vivêssemos todos juntos?, de Stéphane Robelin **1/2


Dentro do gênero de dramas que tratam das agruras da terceira idade, “E se vivêssemos todos juntos?” (2010) até que acaba surpreendendo, ainda que se adeque dentro de um formato elaborado para não assustar muito as plateias desavisadas. O filme tem aquele pique de melancolia devido aos dilemas típicos dos idosos aliado a um incômodo tom de “lições de vida” em alguns momentos. Para compensar, a diretora Stéphane Robelin consegue inserir em determinadas cenas um toque entre o irônico e o objetivo, principalmente quando retrata a sexualidade, exposta até de uma forma bem crua que o habitual nesse tipo de obra. Valoriza também a produção o elenco principal de atores maduros, em atuações que variam bem entre o vigor e a sutileza. Nesse sentido, o filme tem ainda um caráter emblemático em mostrar em boa forma dramática as atrizes Jane Fonda e Geraldine Chaplin, que por volta das décadas de 70 e 80 foram bastante ativas e representativas de um cinema mais contundente.

quinta-feira, fevereiro 21, 2013

Espia só, de Saturnino Rocha ***


Em um documentário sobre música, um dos grandes méritos de quem o concebe é conseguir fazer o espectador se interessar, a partir do filme, pelo artista ou estilo focado a ponto de correr atrás de um disco (ou de um arquivo, nesses tempos virtuais...). Pois “Espia só” (2012) atinge esse objetivo – pelo menos comigo, afinal logo após ver tal produção fiquei imediatamente interessado em conseguir algum disco com as composições de Octávio Dutra, notável instrumentista e autor de chorinhos porto-alegrense que teve o seu auge comercial e artístico nas primeiras décadas do século XX. O diretor Saturnino Rocha elaborou aquele feijão com arroz básico dentro do gênero, mas fez com bastante classe, combinando vários depoimentos de estudiosos, músicos e parentes do biografado com admirável apuro formal na encenação de belos e afiados números de instrumentistas contemporâneos tocando algumas das principais canções de Dutra, tendo por resultado um documentário repleto de momentos inebriantes de sutis e vibrantes melodias e harmonias, além de oferecer um retrato apurado do cenário cultural da Porto Alegre do início do século passado.

quarta-feira, fevereiro 20, 2013

Possessão, de Ole Bornedal *1/2


Confesso que o gênero terror é um dos meus favoritos no cinema. Acho que alguns dos primeiros filmes que realmente curti na minha vida vieram dessa linha. Mas é de se perguntar por que falo de tão poucas produções de horror aqui no blog... As respostas não são tão difíceis assim. Primeiro: se colocarmos na ponta da caneta, chegam poucas obras de terror nos nossos cinemas (dramas, comédias e aventuras aparecem aos borbotões, por exemplo), ao contrário do que acontecia nas décadas de 70 e 80. Segundo: o pouco que chega no gênero, em sua maioria, não é bom. E esse é o caso de “Possessão” (2012). Ok, tem a sua dose de sangue, de algum suspense, a premissa do roteiro é interessante e algumas trucagens são bem feitas. Mas tudo é filtrado por uma concepção formal e temática tão asséptica e “família” que sensações como medo ou choque passam longe daqui.

terça-feira, fevereiro 19, 2013

A luz do Tom, de Nelson Pereira dos Santos **




O principal ponto que joga contra “A luz do Tom” (2013) é que se trata na verdade de um filme institucional (o que os créditos iniciais revelam logo de cara). Assim, trata-se de uma grande loa à figura de Tom Jobim, não havendo espaço para contradições e nem para um maior aprofundamento dramático. Sua formatação asséptica também atrapalha, com uma direção de fotografia estilo cartão postal emoldurando a narrativa. Dentro dessa concepção utra comportada, talvez o momento mais constrangedor seja aquele em que Helena Jobim fica respondendo perguntas óbvias (“Tom era muito namorador?” e daí para baixo) de um grupo de jovens em estado catatônico. Por outro lado, dá até para estranhar um documentário sobre música brasileira em que não estejam presentes os onipresentes Tarik de Souza, Ricardo Cravo Albim e Nelson Motta. Mas esse dado insólito acaba se perdendo no fato de que o filme se concentra exclusivamente nas entrevistas com a irmã Helena, a ex-mulher Thereza e a viúva Ana Lontra, cujos principais focos são algumas informações biográficas protocolares, além de historinhas prosaicas. Podem servir como curiosidade, mas não dão a dimensão real da grandeza do artista. Apesar dessas previsibilidades, não há como não se perguntar por que o diretor Nelson Pereira dos Santos travestiu Helena como uma espécie de sósia de Tom, o que aliado a sua forma de falar literária, como se tivesse decorado os trechos da biografia de Tom escrito por ela, traz um estranho efeito estético.

Apesar dos equívocos aqui apontados, confesso que não consigo dizer que “A luz do Tom” é uma obra dispensável. Isso porque a produção traz a grande vantagem de vir embalada com algumas das mais belas pérolas do cancioneiro jobiniano. Tanto que logo que terminou o filme, me de uma vontade danada de chegar em casa para ouvir os discos do cara. E talvez não fosse essa a grande intenção do filme?

segunda-feira, fevereiro 18, 2013

O lado bom da vida, de David O. Russell ***


Em seu filme a anterior, o extraordinário “O vencedor” (2010), o diretor David O. Russell conseguia uma forte simbiose entre uma forte trama baseada em fatos reais com uma abordagem formal bastante crua e contundente. Em sua obra mais recente, “O lado bom da vida” (2012), Russell usa uma abordagem estética semelhante, mas embalando um roteiro de típica comédia romântica, ainda que com uns toques mais naturalistas. Esse descompasso compromete a narrativa – por mais que o cineasta se esforce para emprestar vigor para o filme, tudo acaba ficando preso à lógica de um formato bastante convencional. Isso se reflete até mesmo nas boas interpretações de seus principais atores: são caracterizações carismáticas, mas destituídas de maiores profundidades. Apesar de tais considerações, “O lado bom da vida” está longe de ser um mau filme, muito pelo contrário, é uma produção com algumas cenas memoráveis e mostra a habitual classe artística de Russell como diretor. Mas é justamente o passado expressivo dele como cineasta que deixa um certo gostinho de decepção.

sexta-feira, fevereiro 15, 2013

Selvagens, de Oliver Stone ***1/2


Depois de passar alguns anos engajado em obras de cunho político, tanto em documentários quanto em filmes baseados em fatos reais, o diretor norte-americano deixa as ideologias, aprincípio, um pouco de lado e envereda em “Selvagens” (2012) novamente pelo gênero ação/policial (nos moldes dos marcantes “Assassinos por natureza” e “Reviravolta). É claro que em se tratando dele não dá para esperar algo muito tradicional, ainda que estejam lá a violência e a adrenalina inerente a essa linhagem cinematográfica. Stone mostra a velha classe formal, com uma direção de fotografia de tons estourados e montagem de dinâmica frenética, mas que não faz com que o filme caia naquele estilo “videoclipeiro”. Pelo contrário: as opções estéticas do cineasta acentuam um certo tom sinistro e uma atmosfera de pesadelo que permeiam a produção. Tal abordagem apresenta sintonia com a temática um tanto intrincada que emana do roteiro de “Selvagens” – por trás da trama aparentemente tradicional envolvendo policiais e traficantes, há também um certo comentário sócio-político sobre a sociedade ocidental, em que os velhos conceitos de bem e mal parecem cada vez mais difusos e um saudável hedonismo amoral não parece uma solução tão impossível... No final das contas, Stone mostra que ainda continua a ser um cara difícil de ser domado.

quinta-feira, fevereiro 14, 2013

Elefante branco, de Pablo Trapero ***


Tanto a estética quanto a temática dos filmes dirigidos por Pablo Trapero passam por uma certa crueza – por vezes quase se aproximando do documental, num estilo que evoca um forte naturalismo. Ainda que isso não represente algo de especialmente novo, pelo menos se afasta do tom asséptico que marca a grande maioria da produção argentina contemporânea. “Elefante branco” (2012) confirma essa coerência autoral de Trapero. O roteiro busca a contundência da denúncia social, mas não cai no puro panfletarismo – há espaço até para uma dimensão intimista inquietante. A abordagem estética também não fica muito atrás em termos de dureza. Trapero impõe uma objetividade seca num registro visual que dispensa maiores rebuscamentos, mas sem cair naquele estilo desnecessário de câmeras tremidas como se quisesse buscar um “cinema reportagem”. No cômputo geral, “Elefante branco” não chega a ser uma experiência cinematográfica especialmente memorável. Tem, entretanto, a capacidade inegável de estabelecer uma narrativa tensa que prende o espectador.

Caça aos gângsteres, de Ruben Fleischer ***


Não dá para negar que a pretensão de Ruben Fleischer em “Caça aos gângsteres” (2012) não tenha sido grande. Sua proposta de revitalização do gênero dos filmes de gângsteres parte de uma aposta na forte estilização temática. Assim, o roteiro da produção é um pastiche simplificado de literatura noir, não havendo uma trama tão bem lapidada quanto, por exemplo, aquela do extraordinário “Los Angeles: Cidade proibida” (1997). Por vezes, a opção estética de Fleischer apresenta alguns resultados expressivos, tanto pela direção de arte que beira o irreal no sentido da recriação de uma Los Angeles dos anos 40 que é puro imaginário quanto pelo uso em profusão de modernosas filmagens em câmera lenta (que estão muito mais para “Matrix” do que para os clássicos de Sam Peckinpah). Outra bela sacada do diretor está no seu elenco, em performances que enveredam pelo icônico, deixando de lado grandes profundidades psicológicas. Nesse sentido, o grande destaque é Josh Brolin, que com seu rosto de pedra mostra ter nascido para fazer o papel do tira durão e inflexível – aliás, o efeito de vê-lo contracenar ao lado de Nick Nolte é desconcertante, pois é como se enxergasse a mesma pessoa em dois papéis (ou épocas) diferentes.

As soluções narrativas e formais de Fleischer fazem supor que sua intenção era a de fazer um “Os intocáveis” (1987) para o século XXI. E é justamente aí que residem os problemas de “Caça aos gângsteres”. Afinal, Fleischer é um bom diretor, mas está muito longe do gênio virtuosista de Brian De Palma. O frustrante clímax final da obra mais recente é a evidência perfeita dessa constatação – os tiroteios são espetaculosos e barulhentos, mas são normais, quase burocráticos, não chegando nem perto daquela orgia visual que representa a clássica seqüência do tiroteio no metrô do clássico de De Palma. E mesmo o duelo final a socos entre John O’Mara (Brolin) e Mickey Cohen (Sean Penn) se mostra tão pouco imaginativo a ponto de soar irrelevante. Ou seja, no final das contas, “Caça aos gângsteres” é até um bom filme, mas se o espectador quiser algo recente no gênero efetivamente memorável, o melhor é ver ou rever “Os infratores” (2012), pérola dirigida por John Hillcoat.

quinta-feira, fevereiro 07, 2013

Magic Mike, de Steven Soderbergh ***1/2


Apesar de abordar o universo dos strippers, o cineasta norte-americano evita o escândalo fácil em “Magic Mike” (2012). Sua visão tende muito mais para uma certa sobriedade, tanto formal quanto temática, o que é quase uma constante na sua trajetória como diretor. Isso não quer dizer, entretanto, que ele enverede pela assepsia – seu sintético estilo de filmar permite a elaboração de uma atmosfera sensual e até bem humorada, principalmente nas seqüências noturnas e, em especial, nos espetáculos da rapaziada em ação. Nesse sentido, impressiona a capacidade de Soderbergh em extrair atuações convincentes e carismáticas de habituais canastrões como Matthew McConaughey e Channing Tatum. Além disso, “Magic Mike” apresenta uma tendência irônica a explorar alguns motes clássicos inerentes ao gênero de filmes em que um grande artista é substituído (ou passado para trás) por um pupilo talentoso, numa linhagem de produções que vai de “A malvada” (1950) a “Showgirls” (1995). Muito da essência do cinema de Soderbergh vem justamente desse aspecto: a de explorar clichês narrativos a partir de uma concepção formal particular, o que acaba resultando numa aura de estranhamento, ainda que uma impressão de familiaridade permeie sempre a sua obra.

quarta-feira, fevereiro 06, 2013

Jorge Mautner - O filho do Holocausto, de Pedro Bial e Heitor D'Alincourt ***1/2



É claro que se pode implicar com Pedro Bial por apresentar o Big Brother ou por escrever uma biografia chapa branca do patrão Roberto Marinho, além de outros projetos questionáveis. Por outro lado, pode-se dar um crédito para ele depois de se assistir a “Jorge Mautner – O filho do holocausto” (2012). No meio de tantos documentários nacionais que se dedicam a cinebiografar figuras ligadas à música, esse filme co-dirigido por Bial e Heitor D’Alincourt surpreende por uma abordagem peculiar, apesar de utilizar alguns preceitos caros ao gênero. Estão lá os tradicionais depoimentos e imagens de arquivo, mas isso apenas pontua uma visão muito lírica por parte de seus autores em relação ao seu protagonista – na verdade, até dá para dizer que se encontra em sintonia artística com o próprio universo cultural de Mautner. A música dele é o centro da narrativa – não à toa, a produção é pontuada por números musicais, que abarcam um espectro amplo do cancioneiro de Mautner que se relaciona sutilmente com a trajetória do artista que se desenvolve na tela através de imagens e entrevistas. Tais números musicais, tendo Mautner acompanhado pelo velho companheiro Nelson Jacobina e alguns músicos da Orquestra Imperial, recebem um tratamento formal que oscila entre o teatral e o sóbrio. Essa opção dos diretores revela que a preferência deles não é pela objetividade, mas sim pela percepção de mundo mui peculiar de Mautner. Assim, em determinadas seqüências, quem conduz a narrativa é o poeta/cantor em questão, que lê num tom dramático passagens expressivas de sua autobiografia. O efeito sensorial é de estranhamento e encanto.

Lembro que ao comentar no blog sobre o documentário “Tropicália” (2012) eu mencionava a capacidade de Caetano Veloso em ser um convincente ator de si mesmo. Isso também me veio à lembrança ao assistir a “Jorge Mautner”, não só pela participação de Veloso (junto com Gilberto Gil), mas também pelo fato de que Mautner conservar uma aura de mistério, mesmo que revele alguns fatos de suas vidas. É como se o essencial ele ainda escondesse, estimulando o espectador a encontrar essa verdade na sua arte. E talvez aquele seu choro no final, aparentemente redentor, talvez esconda outros motivos obscuros e fascinantes.

segunda-feira, fevereiro 04, 2013

Frankenweenie, de Tim Burton ****


O diretor norte-americano Tim Burton não é um artista que tem a necessidade de se renovar a cada trabalho. Seus filmes geralmente gravitam em torno de algumas obsessões temáticas e estéticas, ainda que por alguma eventualidade ele assuma uma produção mais comercial como “O planeta dos macacos” (2001) ou “Alice nos país das maravilhas” (201). Em “Frankenweenie” (2012), Burton confirma essa tendência – é a mesma coisa de sempre, mas elaborada com uma classe fenomenal. O conceito da obra – a de um cão que é ressuscitado como uma espécie Frankenstein canino – parece influenciar a própria concepção do filme: cada detalhe narrativo soa como se fosse um pedaço/referência de alguma obra influência de Burton ou de uma produção do próprio cineasta em questão (tanto que o longa na realidade é a extensão de um curta do início da carreira de Burton). Mas esse caldeirão de citações e reciclagens não revela um homem estagnado com sua arte – na verdade, é apenas reflexo da sua coerência autoral, além de revelar seu amadurecimento como cineasta (afinal, “Frankenweenie” é uma experiência cinematográfica bem mais satisfatória que a animação anterior de Burton, “A noiva cadáver”). Mesmo que possamos já ter visto cenas semelhantes em outros filmes, ainda sim tais momentos em “Frankenweenie” conseguem se revelar ora perturbadores, ora encantadores. A mistura das técnicas de animação stop motion com uma ambientação gótica de toques irônicos gera uma obra de raro arrebatamento visual, com uma trama lapidar na sua combinação intrínseca e orgânica de conto de fadas, horror e aventura.

sexta-feira, fevereiro 01, 2013

Sudoeste, de Eduardo Nunes ***1/2


Se fosse para tentar definir “Sudoeste” a grosso modo em algumas palavras, daria para dizer que seria algo como “David Lynch encontra o regionalismo brasileiro”. É claro que a definição é imprecisa, mas a obra de Eduardo Nunes impressiona justamente ao buscar uma narrativa delirante em meio a um cenário agreste e interiorano, conseguindo um resultado bastante orgânico e envolvente. A longo da trama, pequenos detalhes da história servem como um esqueleto para que imagens e sons construam um sentido insólito, mas que adquire aos poucos uma estranha coerência. Os padrões temporais se confundem e dissolvem a linearidade – uma protagonista que é criança, mas que em um piscar de olhos se converte em adulta e numa caminhada por uma estrada atinge a velhice. Mas que também com um breve sono pode voltar à infância. Com o foco narrativo concentrado numa personagem que reúne mãe e filha na mesma figura, mas que também se dividem em duas, até um ponto que se possa ter um fragmento da verdade. Tudo isso para que o presente possa sugerir o que tenha acontecido no passado e quem sabe até corrigir algo. Na verdade, nada fica muito claro em “Sudoeste”, mas também nem é tão necessário que isso ocorra. A direção fotografia de movimentos lentos e expressivos e o jogo de montagem que estabelece o elemento fantástico da produção de acordo com sutis truques de edição formam um conjunto formal em perfeita sintonia com a temática de tons simbolistas do filme.