sábado, janeiro 23, 2010

Amor Extremo, de John Maybury **1/2


Dentro daquele padrão cinema inglês “de qualidade”, pode-se dizer que “Amor Extremo” (2008) preenche os requisitos necessários: trama com fatos históricos maquiados, direção de arte competente, fotografia bonita, elenco fotogênico. Aparentemente, a produção até tem um certo ar moderninho ao tratar com relativa naturalidade a ciranda de traições entre um “quadrado” amoroso. A receita de 2ª Guerra Mundial, romance, adultério e sexo é potencialmente explosiva. O resultado final, todavia, é bem convencional. O ritmo narrativo de “Amor Extremo” é ortodoxo e cansativo – fica-se com a impressão de estarmos vendo situações encenadas ad infinitum e registradas com pomposidade excessiva e desnecessária. O fato de ter o poeta Dylan Thomas como um dos personagens protagonistas pouco contribui para arejar o filme com alguma vida. Até a própria trilha sonora de Angelo Badalamenti parece contaminada pela falta de brilho, em nada lembrando as brilhantes músicas que já compôs para obras de David Lynch. No mais, Keira Knightley oferece uma interpretação insossa, emulando constantemente tíquetes dramáticos que já tinha explorado com mais encanto em “Orgulho e Preconceito” (2005) e “Desejo e Reparação” (2007).

No Meu Lugar, de Eduardo Valente **


A estrutura narrativa de “No Meu Lugar” (2009) remete diretamente a obras como “Pulp Fiction” (1994) e “Amores Brutos” (2000), em que a trama se divide em episódios separados que se desenrolam em tempos diferentes, ou de forma simultânea, até chegar a determinados pontos em que se entrecruzam e complementam o sentido do roteiro. No caso de “No Meu Lugar”, a motivação para esse relacionamento de histórias diferentes acaba soando estéril. O diretor Eduardo Valente é tão comportado e previsível na condução do filme que antes da metade da duração do mesmo já dá para adivinhar o que une todos aquele personagens e situações, sendo que tal justificativa nem é tão interessante assim. Há também um excesso de seqüências contemplativas ou puramente de atos cotidianos que tornam o filme desnecessariamente longo e pouco ágil. A preocupação em buscar uma profundidade psicológica para os personagens também funciona contra a produção, no sentido que torna a narrativa ainda menos compacta

A Princesa e o Sapo, de John Musker e Ron Clements ***1/2


Em tempos das inovações tecnológicas em 3D de Avatar e do aperfeiçoamento das técnicas digitais da Pixar, Dreamworks e companhia, uma obra como "A Princesa e o Sapo" (2009) acaba tendo uma dimensão especial. Afinal, essa produção mais recente dos Estúdios Disney é legítima representante de uma animação mais convencional em termos formais, o que faz indagar se a mesma não estaria marcada pelo anacronismo.

A trama de "A Princesa e o Sapo" é basicamente simples e típica da Disney: uma bela mocinha humilde e muito trabalhadora beija um príncipe transformado em sapo e acaba virando uma “sapa”, sendo que os dois passam o restante do filme tentando voltar a sua condição humana e nesse processo acabam se apaixonando. O roteiro é bobo e divertido, mas quem se concentrar apenas na história dessa animação perderá a maior parte dos seus encantos.

O que chama logo atenção em "A Princesa e o Sapo" é a beleza do seu traço. Por mais que os métodos modernos de animação estejam avançados, os mesmos ainda não chegam aos pés do requinte estético dos bons desenhos tradicionais. Na obra em questão, isso fica explícito na expressiva caracterização dos personagens e na mágica e detalhista recriação da cidade de Nova Orleans e dos seus pântanos. Percebe-se ainda que há no filme uma espécie de inventário dos estilos já adotados pela Disney no decorrer de sua trajetória. Os contornos da dupla de protagonistas remetem ao que os estúdios adotam desde "A Pequena Sereia" (1989), mas os demais personagens coadjuvantes possuem uma maior estilização nas suas composições visuais, trazendo a mente outras obras como "Peter Pan" (1953), "A Dama e o Vagabundo" (1955) ou "Aristogatas" (1970).

"A Princesa e o Sapo" também traz algumas ousadias, há tempos ausente no universo da Disney. Para começar, a transposição da velha lenda da princesa que beija o sapo para um ambiente contemporâneo em Nova Orleans não é gratuita e nem subaproveitada. A cidade norte-americana sempre foi marcada por um forte misticismo e uma expressiva herança cultural. Os diretores John Musker e Ron Clements incorporam com sensibilidade esses fatores dentro da trama do filme. As canções e os números musicais são recheados pelos ritmos e melodias inebriantes da região – há muito jazz, blues, gospel e zydeco (uma espécie de blues afrancesado). Como não lembrar de "A Guerra dos Dálmatas" (1961) e "Mogli" (1967), também marcados por tais ritmos populares? Além disso, as climáticas seqüências finais se desenrolam justamente no Mardi Grass, o característico carnaval da cidade. Vale mencionar ainda que vilão Dr. Facilier é uma assustadora síntese de alguns preceitos do vodu (espécie de religião não oficial da região), invocando demônios e maléficas sombras para colocar em prática seus planos. Aliás, a Disney se arriscou ao fazer uma abordagem ambígua e sem muitos maniqueísmos da questão racial. Se a heroína Tiana é mostrada como uma decidida e valorosa afro-americana, o Dr. Facilier recebe um tratamento completamente diverso – malandro, insidioso e violento (chega a matar um dos mais carismáticos personagens do filme), certamente é um dos antagonistas mais cruéis a aparecer numa animação da Disney. O seu trágico fim, arrastado por seres monstruosos para um outra dimensão, é uma seqüência que é puro pesadelo.

Representando uma volta triunfal da Disney depois de alguns anos sem aparecer com uma animação de confecção própria, "A Princesa e o Sapo" evidencia também que as tecnologias mais recentes não representam necessariamente a extinção dos desenhos tradicionais. Afinal, que obra digital nesse ano ofereceu um espetáculo visual tão prazeroso quanto esse produto proveniente dos domínios do velho Walt??

Sherlock Holmes, de Guy Ritchie **1/2


Já li vários contos e romances de Sherlock Homes escritos por seu criador, Arthur Conan Doyle. É claro que isso não me faz autoridade sobre o personagem, mas em relação a essa versão cinematográfica de 2009 confesso que me desagradou justamente por se distanciar muito da essência literária do personagem. Holmes perdeu bastante da aura de mistério que sempre o envolveu e se transformou em uma espécie de mutante com poderes de dedução que adora se meter em confusões e brigas. Sua parceria com Watson ficou reduzida àquelas duplas policiais estilo “Máquina Mortífera”.

Incomoda também em “Sherlock Holmes” a direção burocrática de Guy Ritchie – em nenhum momento pode-se sentir o toque pessoal de obras como “Jogos, Trapaças e Dois Canos Fumegantes” (1998), “Snatch – Porcos e Diamantes” (2000) e “RocknRolla” (2008). Além disso, há seqüências de ação com uso medíocre de câmera lenta que evocam os momentos mais nefastos de Zach Snyder. Ritchie ficou também demasiadamente preso a uma fórmula de narrativa que se detém em explicar os métodos de dedução de Holmes. Se no início esse recurso chega a ser curioso, com o passar do tempo o seu uso insistente o torna enfadonho.

“Sherlock Holmes” se salva por uma direção de arte habilmente estilizada em uma Londres envolta em uma “sujeira bonita”, além de excelente trilha sonora de Hans Zimmer, que combina marcantes temas incidentais com canções de tons tradicionais e folclóricos.

Agora se há interesse em ver um Sherlock Holmes interessante longe dos originais de Conan Doyle, recomendo a leitura da magnífica minissérie em quadrinhos “A Liga Extraordinária”, que traz uma inesquecível participação de Holmes duelando com seu maior inimigo, Professor Moriarty.

domingo, janeiro 17, 2010

De Repente, Califórnia, de Jonah Markowitz **


É quase impossível não fazer um paralelo: se “O Segredo de Brokeback Mountain” (2005) trazia o romance entre dois cowboys gays, “De Repente Califórnia” (2007) mostra o relacionamento de dois surfistas gays. Ambos os filmes também retratam a questão do preconceito contra homossexuais, mas as semelhanças param por aí. A produção dirigida por Ang Lee tem uma abordagem sóbria e melancólica sobre o tema, sendo que a questão do homossexualismo é mais um pano de fundo para uma história de âmbito universal, além do fato de Lee dar um tratamento formal grandioso em termos de edição e fotografia. “De Repente, Califórnia” é bem menos ambicioso: trata-se de uma obra mediana em que o relacionamento é focado sob uma perspectiva mais romântica, com direito até aos tradicionais encontros e desencontros e o indefectível final feliz. Há belas tomadas das praias californianas, mas nada que tire o filme do convencionalismo burocrático. Mais intrigante talvez é o questionamento sobre o motivo do título em português: será que o tradutor gosta tanto assim de Lulu Santos?

Terra Vermelha, de Marco Bechis ***1/2


Essa produção ítalo-brasileira de 2008 é muito mais que um simples drama bem intencionado e politicamente correto sobre a questão indígena no Brasil. É claro que paira sobre o filme uma forte visão crítica sobre o tratamento recebido pelos índios nativos, além da intenção de contextualizar as mazelas pelas quais os mesmos passam. Para enquadrar toda essa gama temática, o diretor Marco Bechis compôs uma narrativa sóbria e fascinante. Poucas vezes no cinema nacional os nossos silvícolas foram caracterizados de forma tão individualizada – os membros da tribo Kaiowá, protagonistas de “Terra Vermelha”, não são reduzidos ao papel de vítimas de rostos indistintos. São mostrados como pessoas de personalidades próprias e ao mesmo tempo trazem consigo as angústias e dificuldades que afligem o seu povo. Fascinante também é a forma com que Bechis filma a natureza que cerca seus personagens. A mata densa e misteriosa é retratada quase como um ente vivo, testemunha melancólica de uma luta desigual entre os kaiowás e os fazendeiros que os expulsam do campo. Esse estilo de filmar a natureza como um ente desconhecido e quase ameaçador remete a outras obras notáveis como “Apocalipse Now” (1979) e “Brincando nos Campos do Senhor” (1991).

Ervas Daninhas, de Alain Resnais ***


Se em obras como “Noite e Nevoeiro” (1955) e “Meu Tio da América” (1980) predominam o rigor narrativo e estético, “Ervas Daninhas” (2009) aparenta uma certa frouxidão na direção de Alain Resnais. Os vintes minutos iniciais do filme chegam a ser irritantes nos excessos literários de uma voz em off e nas tomadas contemplativas quase gratuitas – Resnais provoca a paciência do espectador naquilo que o cinema francês pode ter de mais pedante. Com o passar do tempo, entretanto, a narrativa encaixa melhor, evidenciando uma comédia dramática em que a linguagem realista se dissipa progressivamente. Resnais não procura deixar clara a motivação de situações e personagens. Busca um estilo mais livre ao organizar imagens e a trama. O resultado final é curioso e envolvente. Grande parte da força de “Ervas Daninhas” também se concentra nas interpretações pouco naturalistas do quarteto principal de atores do elenco, em perfeita sintonia com as intenções de Resnais.

A Vida Íntima de Pippa Lee, de Rebecca Miller **1/2


Essa produção norte-americana de 2009 tem como grande mérito uma aura irônica e difusa que paira sobre algumas seqüências, principalmente nos flashbacks de tons quase oníricos baseados em lembranças recheadas de loucura, sexo, drogas e desajustes familiares que compõem o passado da personagem título. O contraste desses momentos anárquicos com a modorrenta rotina da Pippa Lee madura é inquietante e também constitui um ponto forte do filme. “A Vida Íntima de Pippa Lee” peca no seu terço final, quando a diretora Rebecca Miller parece se lembrar que está realizando uma obra comercial e adequa a confusão de sentimentos e sensações da protagonista para uma digerível conclusão edificante, além de pender para o exagero caricatural em algumas situações, principalmente na caracterização da criatura vivida por Winona Ryder.

O Solista, de Joe Wright **


Depois de realizar uma versão cinematográfica saudavelmente desrespeitosa de “Orgulho e Preconceito” (2005), Joe Wright tornou-se um nome a se prestar atenção. “Desejo e Reparação” (2007), seu filme seguinte, não estava no mesmo nível de sua obra de estréia, mas mesmo assim era uma produção de respeito, guardando bastante das qualidades de “Orgulho e Preconceito”. Diante desse quadro, a decepção em torno de “O Solista” (2009), trabalho mais recente de Wright é ainda maior. Toda a verve criativa de “Orgulho e Preconceito” que se traduzia em dinâmicos planos seqüência e em uma vibrante edição transformou-se em um estéril e gratuito exibicionismo técnico que parece não estar em sintonia com a própria trama objeto do filme. E não que a trama seja algo muito melhor – pelo contrário: o roteiro de “O Solista” é mal estruturado, com personagens rasamente caracterizados e situações desenvolvidas superficialmente, além de diálogos que parecem ter brotado de manuais de auto-ajuda. O elenco do filme também não ajuda, com Robert Downey limitando sua interpretação a trejeitos pretensamente “cool”, enquanto Jamie Fox afunda em pura afetação. No saldo final, “O Solista” é uma obra preguiçosa e esquemática, com Wright deixando de lado suas inquietações estéticas e realizando um produto destinado a platéias afeitas a dramas lacrimogêneos ou a ganhar alguma simpatia pelos votantes do Oscar.

domingo, janeiro 10, 2010

A Mulher Invisível, de Cláudio Torres **1/2


No cerne de “A Mulher Invisível” (2009) parece haver uma certa esquizofrenia artística. Em seus melhores momentos, lá pelo meio do filme, quando o protagonista Pedro (Selton Mello) se encontra no auge de seus delírios da paixão por uma luxuriosa mulher imaginária (Luana Piovani), a narrativa apresenta-se ousada, em seqüências nas quais a realidade e a fantasia chocam-se de forma hilariante. Causa perturbação ao espectador quando o mesmo vê um indivíduo, aparentemente “normal”, cruzar a fronteira da loucura com uma naturalidade desconcertante. Os desvios da psique de Pedro não são tão gratuitos, no sentido que trazem uma carga de angústias do homem moderno: relações amorosas instáveis, idealizações românticas, insatisfações existenciais. Esse espectro tão fascinante de questões temáticas e opções formais acaba, porém, se diluindo na necessidade de formatar o filme dentro de um padrão “comédia romântica com final feliz” típico das produções da Globo Filmes. A expectativa de que a dissolução psicológica de Pedro perante os tormentos da sua namorada que vive na sua mente e a incompatibilidade com o mundo que o cerca se aprofunde é freada na solução fácil de enquadrar tudo em uma lição edificante de vida.

A Partida, de Yôjirô Takita **



Talvez o grande mérito de “A Partida” (2008) sejam os pequenos toques cômicos inseridos em uma trama que tem um mote mórbido: músico desempregado encontra trabalho como preparador de cadáveres para funerais. O inusitado da situação provoca realmente alguns momentos engraçados. A narrativa do diretor Yôjirô Takita tem uma fluência tranqüila e sem sobressaltos, o que até torna o filme uma experiência agradável no sentido que não se sente passar tanto as suas duas horas de duração. Ao mesmo tempo, isso talvez seja o grande problema de “A Partida”: tudo é redondinho demais e pouco ousado. A reflexão que se propõe sobre a morte é superficial e sentimental em demasia, pouco diferindo de outras produções lacrimosas norte-americanas do gênero. Takita, em termos formais, utiliza-se de fórmulas demasiadamente convencionais, como aquela seqüência em que mostra o passar do tempo enfileirando diversas cenas do protagonista trabalhando no seu ofício entrecortada com trechos dele tocando seu violoncelo – a edição até é eficiente, mas evidencia uma solução visual óbvia e descartável. Como saldo final, resta em “A Partida” a sensação de que o filme poderia ter aprofundado muito mais a discussão da sua temática bem como investido em uma linguagem cinematográfica menos vinculada a fáceis convenções – o que restou é uma obra preocupada com lições de vida e em amenizar a vida dos espectadores menos exigentes.

quarta-feira, janeiro 06, 2010

TOP 25 Melhores Filmes de 2009


1) Inimigo Público Nº 1 – Risco de Morte, de Jean-François Richet
2) Amantes, de James Gray
3) Bastardos Inglórios, de Quentin Tarantino
4) Deixa Ela Entrar, de Thomas Alfredson
5) Arrasta-me Para o Inferno, de Sam Raimi
6) O Lutador, de Darren Aronofsky
7) Entre Os Muros da Escola, de Laurent Cantent
8) Katyn, de Andrzej Wadja
9) Coraline e o Mundo Secreto, de Henry Selick
10) Se Beber Não Case!, de Todd Phillips
11) Sinédoque, Nova Iorque, de Charlie Kaufman
12) O Casamento de Rachel, de Jonathan Demme
13) Milk, de Gus Van Sant
14) Distrito 9, de Neil Blomkamp
15) Monstros Vs. Alienígenas, de Rob Letterman e Conrad Vernon
16) Violência Gratuita, de Michael Haneke
17) O Anticristo, de Lars Von Trier
18) Inimigos Públicos, de Michael Mann
19) Trama Internacional, de Tom Tykwer
20) Avatar, de James Cameron
21) A Princesa e o Sapo, de John Musker e Ron Clements
22) A Troca, de Clint Eastwood
23) A Janela, de Carlos Sorin
24) Gran Torino, de Clint Eastwood
25) Apaloosa – Uma Cidade Sem Lei, de Ed Harris

Rumba, de Dominique Abel, Fiona Gordon e Bruno Romy **


Essa produção franco-belga de 2008 pode ser encarada mais como uma curiosidade do que propriamente um bom filme. Com diálogos esparsos, evoca-se constantemente trejeitos do cinema mudo, conseguindo, de vez em quanto, algumas soluções cômicas eficientes, mas não mais do que isso. A direção de arte estilizada e a roteiro simples dão um tom ameno para “Rumba”, do tipo fácil de ver, mas também mais fácil de esquecer.

Stella, de Sylvie Verheyde ***


Mesmo dentro do já decantado gênero de filmes em que o mundo é visto sob um olhar juvenil, “Stella” (2008) traz algumas boas qualidades. Para começar, a produção não cai na armadilha fácil de oferecer uma protagonista excessivamente doce e ingênua. A garota Stella é adorável em alguns momentos, mas também é cheia de rompantes de mau-humor e parece sempre pronta a entrar em discussões. Ou seja, comporta-se como uma pré-adolescente normal. Apesar de inserida em um microcosmo doméstico e escolar, vários aspectos da sociedade contemporânea a rodeiam: pai e mãe a um passo da separação e do adultério, discriminação social no colégio que freqüenta e até mesmo abuso sexual. Mas se a diretora Sylvie Verheyde evita uma perspectiva idealizada da vida da menina, também não deixa aflorar a via de um melodrama recheado de desgraças. Ao contrário: os desejos sexuais prestes a despertar de Stella não são ignorados e algumas seqüências do filme são tomadas por um erotismo inesperado e inebriante. Os fatos negativos que marcam a sua vida são mais vistos como etapa natural do seu amadurecimento e não como eventos trágicos.

A narrativa cinematográfica que Verheyde oferece para “Stella” é eficiente e convencional, não tendo a mesma ousadia formal de “Entre os Muros da Escola” (2009), outra produção francesa recente a focalizar a juventude. Mesmo assim, é uma obra de sensibilidade peculiar que merece uma conferida.

Desejo e Perigo, de Ang Lee ***


Há alguns quesitos que realmente são impecáveis em “Desejo e Perigo” (2007). A fotografia é de encher os olhos, com enquadramentos e cores mágicos. A direção de arte impressiona pelo requinte e cuidado histórico ao recriar visualmente a China dos anos 30 e 40, principalmente no aspecto do vestuário. As muito comentadas seqüências de sexo beiram o explicito, sendo filmadas com desenvoltura, além de combinarem habilmente sentimentos contraditórios de sensualidade e desespero. Apesar de todas essas qualidades, entretanto, “Desejo e Perigo” é uma produção irregular, principalmente pela sua narrativa trôpega, marcada por períodos constantes de excessos contemplativos que embalam uma convencional trama romântica (ainda que temperada pelas tendências sadomasoquistas dos protagonistas). Assim, ainda que seja um bom filme, a produção decepciona principalmente pelo fato de ser dirigida pelo chinês Ang Lee, o mesmo de excelentes obras como “Tempestade de Gelo” (1997), “O Tigre e o Dragão” (2000) e “Brokeback Mountain” (2005).