terça-feira, fevereiro 27, 2007

Buenos Aires 100 Km, de Pablo Meza **

Já virou lugar comum entre críticos e cinéfilos em geral dizer que atualmente o cinema argentino está bem mais interessante que o brasileiro. Apesar de concordar com tal tese, isso não quer dizer que de vez em quando os nossos hermanos também não pisam na bola. “Buenos Aires 100 Km” é um desses casos.

Obras cinematográficas que falam da infância e adolescência geralmente têm a tendência de ganhar a simpatia do público. Afinal, acaba-se mostrando os fatos sob um certo olhar inocente, como se a câmera fosse os olhos de uma criança ou de um jovem. Dessa forma, é natural que se crie uma empatia com esse tipo de produção. Em alguns casos, tivemos filmes maravilhosos sobre o tema como “Amarcord”, “Os Incompreendidos”, “Fanny e Alexandre” e “A Era do Rádio”, obras essas que traziam como diferenciais fundamentais visão e estilo originais por parte de seus diretores. No filme argentino em questão, não há nada que transcenda em algum momento todos os clichês sobre obras de temática semelhante. Tudo é rigorosamente previsível e bem comportado, o que contraria até mesmo o espírito de espontaneidade inerente aos protagonistas desse tipo de produção. O diretor Pablo Meza é apenas correto, não havendo cenas de maior brilho cinematográfico em “Buenos Aires 100 Km”.

segunda-feira, fevereiro 26, 2007

Filmes da Semana (Cotações de 0 a 4 estrelas)

A Rainha, de Stephen Frears **1/2
Antônia, de Tata Amaral ***1/2
A Conquista da Honra, de Clint Eastwood ****
Borat, de Larry Charles ****
Dreamgirls - Em Busca de Um Sonho, de Bill Condon ****
Pecados Íntimos, de Todd Field ***1/2
Capitão Blood, de Michael Curtiz ****
Fique Rico ou Morra Tentando, de Jim Sheridan ***
Calafrios, de David Cronenberg ****
Harper - O Caçador de Aventuras, de Jack Smight ****
Bridget Jones - No Limite da Razão, de Beeban Kidron **1/2
O Céu Pode Esperar, de Warren Beaty ***1/2
Fire And Ice, de Ralph Bakshi e Frank Frazetta ***1/2

domingo, fevereiro 25, 2007

A Concepção, de José Eduardo Belmonte ***

Talvez em uma primeira visão de “A Concepção” se possa ficar incomodado por uma certa falta de originalidade por parte do diretor José Eduardo Belmonte. Afinal, saltam aos olhos uma série de referências cinematográficas ao se assistir o filme: das produções políticas de Godard nos anos 60 até os preceitos radicais do movimento Dogma 95. Nesse último caso, encontramos semelhanças até mesmo no roteiro da obra de Belmonte com o brilhante “Os Idiotas” de Lars Von Trier. Apesar de tais referências, entretanto, num olhar mais atento se pode perceber também uma procura da parte de Belmonte por uma linguagem própria e mais desafiadora das convenções cinematográficas. Essa busca do cineasta acabou gerando um dos exemplares mais instigantes do cinema nacional dos últimos anos.

Gostando ou não de “A Concepção”, a verdade é que não se consegue ficar impassível ao filme. Logo na sua abertura, temos algumas tomadas de Brasília que fazem a mesma parecer realmente uma cidade de outro mundo, sendo que bruscamente entra em cena uma perseguição de policiais atrás de jovens que correm pelados em um prédio residencial. Aliada a tais cenas, há uma narração seca e irônica por parte de Lino (Milhen Cortaz) que em nenhum momento cai para o literário empolado e que faz um complemento admirável com as imagens que se vê na tela.

Com o desenrolar da trama, Belmonte desenvolve uma narrativa pouco linear, em que passado e presente se entrecruzam sem cerimônia. Ao mesmo tempo, insere imagens em tons granulados, dando ao filme em algumas seqüências um tom delirante. Esse jogo de tempo e de imagens até tornam o filme um pouco confuso em alguns momentos, mas ao mesmo tempo tem um impacto sensorial considerável. Colabora também para isso o original trabalho de edição e trilha sonora de “A Concepção”.

De se destacar ainda o elenco do filme, em perfeita sintonia com o espírito da coisa, com destaque óbvio para Matheus Nachtergaele, naquela que é a sua interpretação mais intensa já feita no cinema. Mesmo resvalando em alguns momentos para alguns trejeitos tipicamente teatrais, ele transforma X, o personagem catalisador de todas as loucuras de “A Concepção”, em um verdadeiro dínamo. Indo de momentos de pura filosofia delirante até a loucura extrema, Nachtergaele cria um dos personagens mais marcantes da cinematografia nacional recente.

A Janela Secreta, de David Koepp **

O escritor Stephen King tem uma relação tempestuosa com o cinema. Ocasionalmente alguns dos seus livros recebem adaptações para as telas muito bem sucedidas e que acabam resultando em filmes brilhantes como “O Iluminado”, “Carrie, A Estranha” e “Conta Comigo”. Mas a verdade é que a maioria de tais adaptações oscila entre o medíocre e o constrangedor. “A Janela Secreta”, produção norte-americana de 2004, enquadra-se no perfil mediano.

O filme é até bem feito, além de contar com um bom elenco, sendo que Johnny Deep, John Turturro e Maria Bello até conseguem dar uma certa consistência para os seus personagens. O grande problema de “A Janela Secreta” é a tremenda falta de imaginação tanto na trama do filme quanto na direção de David Koepp. O diretor conduz tudo de forma tão burocrática que a tensão, fundamental para uma obra de suspense, é mínima. Isso acaba acentuando ainda mais a previsibilidade do roteiro, a um ponto em que o que deveria ser a grande reviravolta do final da trama é algo que o espectador já tinha adivinhado praticamente no meio do filme.

É claro que originalidade no roteiro não é algo que encontramos muito seguido atualmente nas produções cinematográficas. Mas isso também não é condição fundamental para fazer um bom filme. Grandes clássicos cinematográficos obedeciam a determinadas fórmulas narrativas e nem por isso deixaram de ser grandes filmes. O que faz com que o espectador realmente se envolva com uma obra cinematográfica é a habilidade de um diretor em criar cenas e ambiências que fiquem na memória da platéia. Objetivo esse, aliás, que David Koepp não conseguiu atingir em “A Janela Secreta”.

O Perfume - A História de Um Assassino, de Tom Tykwer **1/2

O diretor alemão Tom Tykwer teve um início de carreira tremendamente promissor. “Inverno Quente” (1997) apresentava uma instigante narrativa labiríntica, entrecruzando a vida de alguns personagens de forma engenhosa, enquanto “Corra Lola Corra” (1998) era um verdadeiro show de edição, além de apresentar uma criativa trama que enveredava por três caminhos diferentes para a mesma história. Em “O Perfume – A História de Um Assassino”, obra mais recente de Tykwer, o cineasta parece ter perdido uma parte considerável da sua ousadia em nome de um aparente e confortável “bom gosto”.

Não que o filme seja ruim. “O Perfume” apresenta uma bem cuidada fotografia, além de uma direção de arte acima da média. Mas as coisas não vão muito além disso. O filme é excessivamente bem comportado, sendo que se sente a falta de uma maior personalidade artística de Tykwer. É tudo muito asséptico e afetado: a narração de John Hurt, as atuações dos protagonistas (até mesmo Dustin Hoffman parece estar no piloto automático), a narrativa sem sobressaltos. Por mais “sujo” e erótico que “O Perfume” se mostre em alguns momentos, a verdade é que nunca a obra consegue realmente causar algum impacto para quem assiste. Tanto que a seqüência da suruba ao ar livre quase no final do filme praticamente não tem tensão sexual.

Confesso que não li o livro original de Patrick Suskind no qual “O Perfume” é baseado e não sei se a opção estética de Tykwer vem da própria obra literária mencionada. O que posso dizer é que o resultado final de seu filme não me motivou nem um pouco a ler o livro...

quarta-feira, fevereiro 21, 2007

Filmes da Semana (Cotações de 0 a 4 Estrelas)

Fabricando Tom Zé, de Décio Matos Jr. ***1/2
Ellektra, de Rudolf Mestdagh ***1/2
Vermelho Como o Céu, de Cristiano Bortone ***
Cartas de Iwo Jima, de Clint Eastwood ***1/2
Borat, de Larry Charles ****
Cafuné, de Bruno Vianna *1/2
Ato Terrorista, de Joseph Castelo ***
À Leste de Bucareste, de Corneliu Porumboiu ***
Las Manos, de Alejandro Doria ***
Ventos da Liberdade, de Ken Loach ****
Noivas, de Pantelis Voulgaris **1/2
No Rastro da Bala, de Wayne Kramer ***
Performance, de Donald Cammell e Nicolas Roeg ****
Liberdade Condicional, de Ulu Grosbard ****
O Dia Em Que a Terra Parou, de Robert Wise ****
Medo, de Kim Jee-Woon ***1/2

sexta-feira, fevereiro 16, 2007

Reis e Rainha, de Arnaud Desplechin ****

De vez em quando, no meio de afetações estilo Amelie Poulain ou de exercícios excessivos de verborragia intelectual, o cinema francês atual nos oferece alguma pérola. “Reis e Rainha”, produção de 2004, é um desses casos.

No terço inicial de “Reis e Rainha”, o diretor Arnaud Desplechin desenvolve duas tramas paralelas de forma simultânea e que aparentemente não estão conectadas uma com a outra. Em uma delas, Nora (Emmanunuelle Devos) é uma bela mãe solteira, profissionalmente bem resolvida, que está prestes a casar com um executivo almofadinha e que descobre que o pai está com câncer em estágio terminal. Na outra trama, temos Ismael (Mathieu Almaric), um músico porra louca que acaba internado em uma instituição psiquiátrica. Com o tempo, essas duas narrativas vão se confluindo, até descobrirmos que Nora e Ismael já foram casados. A forma com que tais tramas paralelas vão se entrelaçando é um primor de narrativa cinematográfica por parte do Desplechin, com o mesmo se utilizando de recursos de flashback e seqüências oníricas de maneira engenhosa e que estabelecem com perfeição o sentido do que estamos assistindo.

Muito da força de “Reis e Rainha” está no embate das personalidades de seus protagonistas. Em relação à Nora, nos primeiros momentos temos a noção da mulher exemplar: mãe dedicada, noiva séria, profissional competente e filha dedicada. Aos poucos, entretanto, vamos conhecendo cada vez mais a personagem e com sutileza as aparências caem por chão, revelando uma mulher fria, amarga e totalmente endurecida pela vida. A seqüência em que Nora lê uma carta póstuma de seu pai onde ele declara seu ódio pela filha devido à insensibilidade da mesma é o ápice da dissecação da personagem e impressiona pelo grau de crueza e força dramática. Em contraponto, Ismael é o desajustado mor: desequilibrado emocionalmente, egoísta, encrenqueiro e francamente misógino. Ao mesmo tempo, é o paradoxo perfeito para Nora também pela tremenda intensidade pessoal: colhendo ódios ou admirações, ninguém consegue ficar indiferente ao cara. É antológica, por exemplo, a cena em que fala para a psiquiatra da clínica em que está internado (Catherine Deneuve) que não aceita ser tratado pela mesma porque, segundo ele, “mulheres não têm alma”!!

Fundamentais para o brilhantismo nessa caracterização de personagens são as fantásticas interpretações dos atores principais. Emmanuelle Devos oferece para Nora uma atuação rica em nuances, em que olhares são tremendamente reveladores. Já Mathieu Almaric faz de Ismael uma verdadeira força da natureza. Nesse sentido, impossível não mencionar a inesquecível seqüência em que o mesmo apresenta uma dança insana para os seus “colegas” de hospício.

terça-feira, fevereiro 13, 2007

Adrenalina, de Mark Neveldine e Brian Taylor ***

A trama de “Adrenalina”, produção norte-americana de 2006, é um primor da cretinice: Chev Chelios (Jason Statham), assassino de uma organização criminosa, é envenenado por desafetos, sendo que a única maneira de se manter vivo é permanecer com sua adrenalina no pico para o veneno não se espalhar. A partir dessa premissa hilariantemente absurda, os diretores Mark Neveldine e Brian Taylor constroem uma verdadeira montanha-russa de seqüências de ação, jogando o seu protagonista em situações ridículas que quase beiram o surreal. Nesse sentido, são antológicas as cenas em que Chelios encara um grupo de traficantes para deliberadamente levar uma surra e quando o mesmo transa com sua namorada no meio de uma feira chinesa lotada.

O ponto fraco de “Adrenalina” é que em alguns momentos Neveldine e Taylor confundem montagem cinematográfica com edição estilo video-clip, lembrando um Tony Scott fora de controle (o que não é um elogio). Apesar dos problemas, entretanto, “Adrenalina” é programa obrigatório para fãs de cinema de ação, principalmente pela atuação cínica e bem humorada de Jason Statham, pelo sacana clima de amoralidade que permeia toda a trama e por algumas bem elaboradas seqüências de ação.

segunda-feira, fevereiro 12, 2007

Filmes da Semana (cotações de 0 a 4 estrelas)

O Último Rei da Escócia, de Kevin Macdonald **1/2
Uma Noite no Museu, de Shawn Levy **1/2
Noel – O Poeta da Vila, de Ricardo Van Steen ***
A Grande Final, de Gerardo Olivares ***
A Vida Secreta das Palavras, de Isabel Coixet **1/2
Escola do Riso, de Mamoru Hosi ***1/2
Em Direção ao Sul, de Laurent Cantet ***
O Planeta Branco, de Jean Lemire, Thierry Piantanida e Thierry Ragobert ***
Macunaíma, de Joaquim Pedro de Andrade ****
Mulheres Desesperadas, de Esmé Lammers **1/2
Pixote In Memorian, de Felipe Briso, Gilberto Topczewski e Edu Abad **1/2
Sombras do Passado, de Florian Gallenberger **
Dia de Festa, de Toni Venturi e Paulo Georgieff ***
Scoop – O Grande Furo, de Woody Allen ****

sexta-feira, fevereiro 09, 2007

3º Festival de Verão do RS de Cinema Internacional, por João Pedro Fleck

Começa hoje o 3º Festival de Verão do RS de Cinema Internacional. Atração imperdível para quem se encontra na capital, o festival irá exibir 31 filmes inéditos em diversas salas de Porto Alegre, a programação completa se encontra em: http://www.festivalverão.com.br/ . Além dos inéditos o festival irá ainda realizar a exibição de uma cópia restaurada de Macunaíma, (que, vale dizer, na sessão de 10/02, às 19:00 irá contar com a apresentação do Goida) e um ciclo Bresson, exibindo 5 filmes desse grande diretor em cópias restauradas.

Sobre os dez filmes que assisti até o presente momento:
- Ignorem: Incuráveis, de Gustavo Acioli (*), que é realmente insuportável e O Passageiro, de Flávio Tambellini (**), que até tem seus momentos mas não é nada demais.


- Até vale a pena ser assistido: Ato Terrorista, de Joseph Castelo (**1/2), que é interessante, com alguns momentos tensos, mas que proporciona ao espectador o sentimento de ser uma seqüência de uma série de filmes recém exibidos, principalmente Paradise Now.


- Assistam, se possível: Candy, de Neil Armfield (***), sobre um casal de junkies, com algumas cenas maravilhosas, principalmente a seqüência da recuperação; A Grande Final, de Gerard Olivares (***), uma comédia com tom documental, na qual três comunidades isoladas se esforçam para poderem assistir à final da copa de 2002; Noel, de Ricardo Van Steen (***), uma ótima personificação da figura de Noel Rosa, com momentos hilariantes – destaque para a sessão comentada com o diretor hoje à noite, às 19 horas.


- Não percam: Vermelho Como o Céu, Cristiano Bortone (***), a história real do garoto que fica cego, e, no internato, inventa uma maneira única de superar sua limitação; A Leste de Bucareste, de Corneliu Porumboiu (***1/2), este foi a maior surpresa entre os filmes que assisti no festival, essa comédia romena conquista o espectador de maneira inigualável; Borat, de Larry Charles (****), filme no qual Sacha Baron Cohen interpreta o segundo melhor repórter do Cazaquistão, aprendendo dicas no US e A para melhorar a vida no seu glorioso país e A Vida Secreta das Palavras, de Isabel Coixet (****), da mesma diretora de “Minha Vida sem Mim”, e com a mesma atriz principal, ganhador dos prêmios Goya de melhor filme, direção e roteiro, um filme brilhante e impecável.

Você é Tão Bonito, de Isabelle Mergault **1/2

Quando se vê o cartaz de “Você é Tão Bonito” a tendência do cidadão é logo de se animar. Afinal, é uma comédia francesa com o grande Michel Blanc no papel principal. Os primeiros quinze minutos do filme também são promissores. Blanc faz um fazendeiro mal humorado que fica viúvo e se desespera ao saber que perdeu dessa forma uma valiosa mão de obra para o trabalho. Assim, acaba partindo para a Romênia em busca de uma noiva.

Outro ponto a favor de “Você é Tão Bonito” é a competente fotografia de enquadramentos que valorizam a belas paisagens campestres do interior da França. A diretora Isabelel Mergault também revela uma certa sutileza ao focalizar as relações humanas. Apesar disso tudo, o filme vai se apresentando, com o desenrolar de sua trama, tão anêmico e inconsistente como algumas daquelas comédias românticas estilo Meg Ryan. E faz a gente ter saudades de outras comédias francesas antológicas com Blanc como “Os Bronzeados” e “Um Homem Meio Esquisito”.

O Último Portal, de Roman Polanski ****

Nessa produção de 1999, Polanski mostrou que continuava um mestre no gênero fantástico. “O Último Portal” tem momentos tão brilhantes quanto outros filmes magníficos do genial cineasta como “O Bebê de Rosemary” e “O Inquilino”.

A abertura já nos dá uma bela idéia do que está por vir: após uma sombria seqüência de suicídio de um colecionador de livros de magia negra, entram os créditos, com a câmera fazendo um vôo no meio de uma biblioteca cheia de livros empoeirados. Após esse forte início, começa efetivamente a trama do filme. Dean Corso (Johnny Deep) é um caçador de obras literárias em versões antigas que recebe a missão de encontrar um raríssimo livro de ocultismo com poderes apocalípticos. No meio da sua trajetória, Corso se envolverá em diversas situações tétricas e sangrentas, recheadas de mortes bizarras e estranhas.

Ao longo do filme, Polanski desenvolve com maestria todo o seu virtuosismo cinematográfico, além de um domínio de narrativa fabuloso. Um dos seus grandes acertos é dispensar qualquer tom maniqueísta. Não temos uma batalha entre o bem e o mal: no final das contas, Corso é tão insano e pouco ético quanto os “vilões” que estão atrás do tal livro. A obsessão de Corso na sua busca vai ficando cada vez mais intensa com o desenrolar da trama, não se atenuando nem mesmo com o verdadeiro banho de sangue que permeia a metade final de “O Último Portal”, e que acaba culminando na maravilhosa seqüência em que o protagonista transa com uma espécie de anjo demoníaco (Emmanuelle Seigner, cuja expressão facial oscila de forma maravilhosa entre a doce inocência e sorrisos diabólicos) no meio de um templo se incendiando.

“O Último Portal” é uma prova de que o gênio cinematográfico continua tão inquietante quando em décadas anteriores, sendo uma obra do mesmo quilate de “O Pianista”, a dura e irônica visão do cineasta polonês sobre a II Guerra Mundial.

quarta-feira, fevereiro 07, 2007

Kiss Me, de António da Cunha Telles *


Olha, vou confessar uma coisa: eu tenho uma baita bronca com o Giuseppe Tornatore. Não que o cara seja um mau cineasta. Ele é um bom diretor. O problema do Tornatore é que o mesmo fez “Cinema Paradiso”, um filme até interessante, mas que se tornou modelo para uma série de produções medíocres que a maioria das pessoas teima em dizer que se trata de cinema “de verdade”. Tais filmes obedecem criteriosamente a seguinte fórmula: um personagem qualquer começa a se lembrar das coisas de infância e adolescência, sendo em que tal período o mancebo tinha como conselheiro alguém mais experiente cheio de sabedoria e carisma (e que quase sempre morre no final). Bem, nessa trama teremos momentos cômicos se alternando com outros sentimentalóides. Por fim, aquele personagem do início e nós, espectadores, receberemos uma lição de vida e sairemos do cinema nos sentindo gratificados por sentirmos que assistimos uma obra que acrescentou algo para a nossa existência. No meio disso tudo, provavelmente teremos algumas seqüências bem fotografadas mostrando paisagens campestres e interioranas para atestar que estamos assistindo a uma obra de qualidade artística. Quantas vezes já assistimos esse filme lá no Guion ou outra sala chique no meio de várias adoráveis velhinhas?? De cabeça, nos últimos dois anos eu posso citar algumas variações dessa fórmula: “Elsa e Fred”, “Tempero da Vida” e esse “Kiss Me”.

A descrição que fiz acima dos genéricos de “Cinema Paradiso” já serve quase como resumo do que é “Kiss Me”, produção portuguesa de 2004. A personagem que dá as tais lições de vida é Laura (a gostosa e inexpressiva Marisa Cruz), uma cabeleireira fã de Marilyn Monroe, que enfrenta os preconceitos de uma cidadezinha interiorana pelo fato de ser uma mulher “liberada”. Pois é, a grande transgressão da mesma é transar com metade da cidade... E o mais incrível é que o filme se passa durante boa parte da ditadura de Salazar e em nenhum momento a tal da Laura parece interagir com isso!! O filme todo é narrado pelo filho da nossa heroína e a todo o momento ele nos dá a entender que estamos ouvindo um relato de alguém que desafiou todas as convenções. Só não entendemos que convenções são essas...

Por fim, tenho uma sugestão para o programador do Guion: tentar conseguir esse “Kiss Me” para exibir na sua sala. Provavelmente ele terá um bom público de senhoras respeitáveis e pseudo-intelectuais que sairão muito comovidos da sala de cinema.

terça-feira, fevereiro 06, 2007

Filmes da Semana (cotação de 0 a 04 estrelas)

À Procura da Felicidade, de Gabriele Muccino ***1/2
O Parque dos Dinossauros – O Mundo Perdido, de Steven Spielberg ***
O Parque dos Dinossauros III, de Joe Johnston ***1/2
O Quarto Homem, de Paul Verhoeven ****
Versus, de Ryuhei Kitamura **1/2
The Song Remains The Same, de Peter Clifton e Joe Massot ***1/2
Tempo de Massacre, de Lucio Fulci ***1/2

Déjà Vu, de Tony Scott ****

Vamos esclarecer um ponto, de início: se tu, prezado leitor, és um daqueles que avalia um filme por coerência de roteiro, bem, acho melhor tu esqueceres “Deja Vu”. A trama do filme em vários momentos perde o sentido tamanha as incongruências que permeiam a mesma, principalmente no terço final do filme. Entretanto, é aquela coisa: histórias bem amarradas podem ser importantes para a literatura, mas para o cinema não são condições primordiais para termos um bom filme. E esse é justamente o caso de “Deja Vu”, obra cujas imagens em diversos momentos causa ao espectador um tremendo impacto sensorial.

Nessa obra mais recente, o diretor inglês Tony Scott atenua bastante daquela linguagem video clipeira insana de “Domino – A Caçadora de Recompensas” e oferece um estilo mais clássico e contido, o que não quer dizer necessariamente que tenha diminuído a sua criatividade e ousadia. Muito pelo contrário. Logo na abertura de “Deja Vu”, Scott diz a que veio, dando um puta show de cinema: num impressionante trabalho de edição, abdicando quase que totalmente de diálogos, mostra um bando de marinheiros de folga e grupos de crianças acompanhadas de professores que vão chegando em uma balsa que está prestes a explodir. A montagem precisa e os admiráveis movimentos de câmera vão criando um suspense poderoso, aumentando cada vez mais no espectador a sensação de que alguma coisa de muito errada está para acontecer, até chegar a uma das explosões mais gloriosamente violentas apresentadas nos últimos tempos nos cinemas.

Depois de início avassalador, “Deja Vu” desemboca numa estranha mistura de policial, suspense e ficção científica, e com direito até mesmo a um psicopata de plantão. Por mais esburacada que possa ser sua trama, é inegável a habilidade de Tony Scott em unir elementos tão diversos e criar uma obra tão consistente e tensa, aliado a sua notória capacidade para dirigir cenas de ação. Nesse sentido, antológica é a seqüência em que o policial Doug Carlin (Denzel Washington, totalmente à vontade no seu típico papel de herói fodão) se envolve numa perseguição automobilística em que a ação de desenvolve ao mesmo tempo no presente e no futuro!!

É óbvio que “Deja Vu” não recebeu qualquer indicação para Oscar ou alguma premiação de festivais. Afinal, é um filme “comercial” e sem conteúdo edificante... Mas há nele muito mais gosto pelo cinema do que nos “Babéis” da vida. E Tony Scott não precisa dessas frescuras para mostrar a sua importância. Afinal, quantos diretores podem se orgulhar em ter em sua filmografia filmaços como “Fome de Viver”, “O Último Boy Scout”, “Amor à Queima Roupa” e esse “Deja Vu”?

segunda-feira, fevereiro 05, 2007

“Rejeitados Pelo Diabo” – de Rob Zombie ****

Se em “A Casa dos 1000 Corpos” Rob Zombie reciclava os filmes de horror e suspense dos anos 70, em “Rejeitados Pelo Diabo” ele vai ainda mais longe. Além dos gêneros citados, há ainda influência dos filmes policiais de Don Siegel e Willian Friedkin, os faroestes de Sam Peckinpah, dos dramas tenso de Scorsese, ou seja, o melhor do cinema setentista sob a visão insana e genial do Zombie. O resultado dessa junção de estilos e gêneros é uma obra única e devastadora.

Desde os seus primeiros fotogramas, percebe-se que Zombie oferece para cada cena de “Rejeitados Pelo Diabo” uma concepção épica. A fotografia suja e a montagem precisa, bem distante daquela concepção de video clip de algumas seqüências de “A Casa dos Mil Corpos”, fazem do filme uma verdadeira viagem sensorial. Zombie se mostra como um cineasta com um domínio impressionante de sua arte. Os enquadramentos revelam um cuidado obsessivo na criação de ambiências. A evolução da narrativa oferece uma crescente tensão a níveis impressionantes, colaborando para isso também uma trilha sonora adequadamente opressiva.

Esse formalismo violento e expressivo do cineasta também se estende para uma trama que conquista o espectador pelo seu radicalismo e coerência. Zombie manda para o inferno as noções “normais” de mocinho e bandido. No seu mundo, não existe a noção de bem e mal ou certo e errado. Em “Rejeitados Pelo Diabo”, temos uma família de psicopatas altamente sádicos e brutais (Sid Haig, Bill Moseley e Sheri Moon Zombie em desempenhos inesquecíveis) perseguida por um xerife (William Forsythe na interpretação da sua vida) tão demente quanto os mesmos. Uma das coisas fantásticas nisso tudo é que Zombie é fascinado pelos seus personagens. Todos têm um estranho e envolvente carisma, mesmo quando estão executando as mais perversas barbaridades. Ao mesmo tempo, nunca se perde a noção que não há redenção para nenhum deles. Dessa forma, o final com os foragidos sendo baleados impiedosamente pela polícia ao som da clássica “Free Bird” do Lynyrd Skynyrd chega a ter um tom poético fabuloso.

A realidade é que se eu fosse narrar todas as cenas antológicas de “Rejeitados Pelo Diabo” acabaria ficando horas e horas escrevendo. E se o filme impressiona pela quantidade absurda de seqüências maravilhosamente dirigidas, mais brilhante ainda é a capacidade de Zombie de ter dado uma unidade admirável para essa loucura, resultando numa das grandes obras primas dessa década e de toda a história do cinema.



“Só Deus Sabe”, de Carlos Bolado **1/2

A primeira vez que ouvi falar do cineasta Carlos Bolado foi com o documentário “Promessas de Um Novo Mundo”, um retrato contundente e emocional sobre o conflito entre judeus e palestinos. Além de abordar com rara sensibilidade uma temática explosiva, Bolado deu uma fluência narrativa admirável para o filme.

Em “Só Deus Sabe”, Bolado se aventura no drama ficcional, mas não esquece o seu passado de documentarista. Essa produção de 2005 tem algumas seqüências com um estilo fortemente documental, com o diretor conseguindo obter belas imagens no deserto mexicano e nas cidades de São Paulo e Salvador.

Apesar disso, “Só Deus Sabe” acaba sendo frustrante pela superficialidade no abordar uma série de questões como imigração e sincretismo religioso. Em nenhum momento realmente nos sentimos envolvidos com a trama ou com os personagens, resultando numa obra gélida e sem graça, apesar da fotografia caprichada.