domingo, setembro 21, 2008

Filmes das últimas semanas (cotações de 0 a 4 estrelas)


Caótica Ana, de Julio Medem **1/2
Nome Próprio, de Murilo Salles ***1/2
The Man From Earth, de Richard Schenkman ***
O Selvagem da Motocicleta, de Francis Ford Coppola ****
O Nevoeiro, de Frank Darabont ****
Ainda Orangotangos, de Gustavo Spolidoro **
Corpo, de Rossana Foglia e Rubens Rewald **1/2
Meu Irmão é Filho Único, de Daniele Luchetti ***
Linha de Passe, Walter Salles e Daniela Thomas **1/2
O Reino Proibido, de Rob Minkoff ***
Mamma Mia, de Phyllida Lloyd *1/2
Cleópatra, de Julio Bressane ***
Procurando Nemo, de Andrew Stanton e Lee Unkrich ****
As Confissões de Schmidt, de Alexander Payne ***1/2
Nirvana: Live! Tonight! Sold Out!!, de Kevin Kerslake ***1/2
Identificação de Uma Mulher, de Michelangelo Antonioni ***1/2
No Limite, de Lee Tamahori ****
Viver e Morrer em Los Angeles, de William Friedkin ****

quinta-feira, setembro 04, 2008

Alguém Tem de Ceder, de Nancy Meyers *1/2


“Alguém Tem de Ceder” (2003) é aquele tipo de produção que gosta de tirar uma onda de que é uma obra madura, inteligente, sofisticada, sensível ou coisa que o valha, e supostamente seria uma espécie de contraponto aos brutais e descerebrados filmes de aventura com efeitos especiais que domina os nossos cinemas por aí. Pura cascata!! É só dar uma sacada no roteiro para perceber a lorota: coroa ricaço, boa vida e que só sai com jovenzinhas gostosas (Jack Nicholson) conhece escritora sessentona de prestígio (Diane Keaton), mãe de uma de suas conquistas, que faz com que ele reveja seus conceitos. E, é claro, os dois se apaixonam. Ah, e para provar como a tal da senhora é uma mulher realmente fascinante, um médico (Keanu Reeves) com metade da idade dela também se encanta com a mesma e passa a disputar com o tal coroa quem vai ficar com a nossa heroína. Como vocês podem ver, tudo bem mais profundo e adulto que essas bobagens de “Senhor dos Anéis”, “Harry Potter”, “Homem Aranha” e afins... Mas o que me incomoda realmente em “Alguém Tem de Ceder” é a sua absoluta falta de vida: não é a previsibilidade da trama o problema, mas sim a direção mecânica e burocrática de Nancy Meyers que tira qualquer traço de vitalidade e espontaneidade do filme. O que resta é Diane Keaton reprisando os mesmos faniquitos de sempre e Jack Nicholson mantendo a mesma expressão aparvalhada durante todo o filme (justiça seja feita: mesmo assim o cara continua muito acima da média).

Rota Suicida, de Clint Eastwood ***1/2


A linha básica da trama de "Rota Suicida" é bem simples, girando em torno da história do policial durão e alcoólatra Ben Shockley (Clint Eastwood, numa variação eficiente do seu clássico papel de Dirty Harry) que deve proteger a prostituta Gus Mally (Sondra Locke), testemunha de um caso envolvendo corrupção policial. É claro que alguns homens da lei envolvidos não querem deixar barato, sendo que Schockley é incriminado injustamente e é obrigado a fugir com a sua protegida. Esse fio de roteiro pode parecer banal, e realmente não tem nada demais. O grande mérito de Eastwood é justamente extrair disso um eletrizante filme de ação. Mesmo com uma série de clichês, ele consegue fazer um filme tenso, impactante e que prende a atenção de quem assiste de forma implacável.

Como bom pupilo do mestre Don Siegel, com quem já havia trabalhado em uma série de filmes magníficos como "Perseguidor Implacável" e "Meu Nome é Coogan", Eastwood sabe que originalidade de roteiro não é algo que conta muito para se fazer um bom filme policial. O bom diretor desse gênero sabe que o que importa é fazer um trabalho bem cuidado em termos de edição, fotografia e caracterização de personagens, e é isso que é determinante para dar agilidade narrativa para um filme, não importando as obviedades do roteiro. Nesse sentido, Eastwood mostra entender do riscado como poucos em "Rota Suicida". Dispensando maiores efeitos e utilizando-se de uma montagem equilibrada e fotografia limpa, o diretor cria seqüências de ação de tirar o fôlego, como aquela em que Shockley tenta escapar em uma moto da perseguição incessante de um helicóptero. Fantástica também é toda a seqüência final, em que o protagonista, dentro de um ônibus blindado, é obrigado a enfrentar quase toda a força policial de Phoenix. Eastwood também fez a escolha sábia de centrar sua narrativa quase que exclusivamente em situações de Shockley se safando de várias enrascadas, que incluem até um quebra pau com uma turma de pretensos Hell Angels, o que dá uma concisão fabulosa para "Rota Suicida".

É senso comum na crítica cinematográfica dizer que Clint Eastwood tornou-se um diretor "respeitável" apenas a partir de "Bird" (1988). Assistindo, entretanto, obras como "Josey Wales" (1976) e esse "Rota Suicida" (1977) pode-se constatar que o cara já fazia ótimos filmes a bem mais tempo.

A Noiva Perfeita, de Eric Lartigau *1/2


“A Noiva Perfeita” (2006) é o tipo de filme “não fede nem cheira”: direção sem maiores inspirações, roteiro água com açúcar travestido de “ousado”, diálogos metidos a esperto, atores simpáticos (mas que atuam no piloto automático). Ou seja: tão inofensivo e quadrado quanto as comédias românticas mais insossas com Meg Ryan. Mas há um detalhe que faz toda a diferença: é um filme francês!! E como diria o velho e bom Nelson Rodrigues, tudo que é dito em francês parece mais inteligente...

Corações e Mentes, de Peter Davis ****


Já fazia alguns anos que eu ouvia falar de "Corações e Mentes" como uma obra referência dentro do gênero de documentários, não só através de críticas, mas também de comentários de amigos e conhecidos. O entusiasmo de tais manifestações sempre me deixou curioso em assistir a esse filme, mas o problema é que nem em VHS o mesmo havia sido lançado, e as exibições em cinemas dele eram cada vez mais raras. Em uma daquelas jogadas de sorte, "Corações e Mentes" foi relançado uns três anos atrás no Brasil em cópia nova. Quando finalmente consegui assistí-lo, pude perceber os motivos de tantas louvações. Tendo por tema a participação dos EUA na Guerra do Vietnã, esse documentário americano de 1974 atua basicamente em duas frentes. Por um lado, mostra com crueza o cotidiano do conflito entre americanos e vietnamitas no front de batalha, retratando todas as duras conseqüências da guerra tanto para soldados quando para a população do país. Por outro, os reflexos do conflito também colhidos nos próprios Estados Unidos, através de depoimentos que vão do alienado ao francamente obtuso até declarações amargas de militares e ex-combatentes. O que torna "Corações e Mentes" um clássico cinematográfico é a habilidade do diretor Peter Davis em pegar todo esse farto material e dar-lhe uma unidade fenomenal, através de uma montagem que casa com precisão imagens impressionantes da guerra com entrevistas contundentes, dando uma fluidez admirável para a sua narrativa. A edição do filme é tão fascinante que faz com que Davis dispense a narrativa em off para oferecer a sua visão pessoal sobre a insanidade colocada em prática no Vietnã.

King Kong, de Peter Jackson ****


Comparada com a obra original de 1933, essa versão mais recente de “King Kong” (2005) perde no quesito concisão, sendo que as mais de três horas de duração acabam se revelando um pouco excessivas. Apesar disso, a versão das aventuras do gorilão de Peter Jackson é disparada uma das grandes experiências cinematográficas dos últimos anos.

Os momentos iniciais em Nova Iorque e durante a viagem da expedição até a Ilha da Caveira são muito bem delineados, mas na realidade servem muito mais como elementos de expectativa, pois o filme se torna realmente monumental quando a expedição chega ao seu destino. A partir desse momento, teremos algumas das seqüências de ação, praticamente ininterruptas, mais delirantes já assistidas. Dos tensos e assustadores conflitos entre a expedição e os macabros nativos até a captura de Kong, Jackson orquestra uma aventura insana regada a muita morte, destruição e selvageria, com alguns breves e belos interlúdios românticos entre Ann Darrow (Naomi Watts) e o gorilão. O genial diretor neo-zelandês joga o bom senso e a contenção para o alto, sendo que o seu filme tem até uma incrível e absurda seqüência em que uma manada de dinossauros corre em disparada e capota espetacularmente. Aliás, isso é uma coisa que precisa ser dita: "King Kong" é o melhor filme de dinossauros que já assisti nos cinemas. Mas certamente o auge nessa loucura toda perpetrada por Jackson é o longo e violento combate travado entre Kong e três tiranossauros rex em que cada segundo é maravilhosamente indispensável.

Na parte final de "King Kong", a ação volta novamente para Nova Iorque com o nosso amigo primata capturado. Jackson dá uma freada no ritmo frenético das seqüências na Ilha da Caveira, mas essa desaceleração é breve. Logo depois, o embate final entre Kong e os aviões no topo do Empire State é realizado com um requinte visual e emocional ainda maior que nas versões anteriores. O momento em que os aviões surgem pela primeira vez deveria constar em uma antologia de cenas marcantes da história do cinema.

Como saldo final, pode-se dizer com certeza que "King Kong" é o melhor filme de Jackson desde "Almas Gêmeas" (1994), mostrando que mesmo trabalhando dentro de um "esquemão" Hollywood ele consegue marcar de forma indelével a sua concepção original, insana e apaixonada de cinema, conhecida desde as suas obras-primas iniciais como "Fome Animal" (1982) e "Meet The Feebles" (1989).

O Mar Mais Silencioso Daquele Verão, de Takeshi Kitano ***1/2


Os admiradores mais desavisados de Takeshi Kitano, acostumados com a violência fria e os banhos de sangue de obras magníficas como “Sonatine” (1993) e “Zatoichi” (2003), talvez estranhem a aparente inocência da comédia dramática “O Mar Mais Silencioso Daquele Verão” (1992), um dos filmes menos conhecidos de Kitano. Na verdade, tudo aquilo que caracteriza o universo desse mestre contemporâneo do cinema japonês está lá: o ritmo contemplativo, a amargura disfarçada de pequenas tolices, as emoções contidas dos personagens. A história ilusoriamente banal do surdo-mudo que quer ser surfista flui com naturalidade, às vezes até num tom quase prosaico, oscilando de forma insólita entre um humor quase constrangido e o drama rigoroso e acaba por desembocar em um final trágico que desconcerta pelo tom casual. No final das contas, é como se Kitano desprezasse as convenções dos gêneros cinematográficos (Isso é drama? Ou é comédia) e criasse uma categorização própria, ou seja, a sua concepção cinematográfica única. E que em obras posteriores ele radicalizou ainda mais.

Antes Só Do Que Mal Casado, de Bobby e Peter Farrelly ***1/2




Confesso que eu já considerava os irmãos Farrelly cartas fora do baralho. Seus últimos filmes vinham progressivamente se tornando comédias amenas, quase doces, sendo que chegaram ao fundo do poço com o medíocre e insosso “Amor em Jogo” (2005), onde conseguiram o milagre de tirar toda a graça da ironia amarga do livro original de Nick Hornby. Pois em “Antes Só Do Que Mal Casado” (2007) os caras conseguem se recuperar com louvor, retomando com sucesso o ritmo alucinado e a comédia física grotesca típicos do melhor de sua obra.

Mesmo não atingindo o grau de obra-prima de filmes como “Debi e Lóide” (1994) e “Todos Querem Ficar Com Mary” (1998), “Antes Só Do Que Mal Casado” tem vários momentos memoráveis de humor insano e sem concessões, além de uma galeria consistente de tipos inesquecíveis como o melhor amigo sem noção do protagonista Eddie Cantrow (Ben Stiller) e o primo mala e violento da amada de Eddie.

E é claro que não dá para esquecer que por trás da sua estrutura típica de comédia de erros e de algumas excelentes seqüências de puro humor pastelão e escrachado, “Antes Só Do Que Mal Casado” mostra também uma visão ácida sobre o comportamento humano e as relações amorosas. As enrascadas sentimentais em que Eddie se mete revelam uma concepção crua e pouco romântica sobre o casamento e os interesses que motivam homem e mulher a se unirem, dando o filme até mesmo um certo caráter questionador e perturbador.

Bens Confiscados, de Carlos Reichenbach ***1/2


Eu tenho uma opinião sobre o que é mais importante para alguém ser um bom cineasta. Mais relevante do que ser inteligente, ter bom gosto cultural e consciência social ou fazer alguma faculdade de cinema, o cara tem de ser um cinéfilo. Não basta amar fazer filmes: tem de amar também assistir filmes. Se o nosso amigo não for um doente por cinema, sinto muito, mas ele estará nessa pela grana ou para comer as gatinhas.

Bem, essa breve digressão que fiz serve para embasar o fato de que Carlos Reichenbach, junto com Zé do Caixão, é o grande animal cinematográfico em atividade no Brasil. O homem respira cinema. Nunca é demais lembrar, por exemplo, que ele é o responsável pelas sessões Comodoro em São Paulo, projeto esse assemelhado aos Raros aqui de Porto Alegre, ambos destinados a exibir ao público filmes de díficil acesso.

E é claro que toda essa paixão cinematográfica de Carlos Reichenbach transparece em sua obra como cineasta. "Bens Confiscados" é exemplo do seu amor pela imagem em movimento. A começar pela sua magnífica seqüência de abertura, com um espetacular plano sobre a cidade de São Paulo que se estende para o apartamento de uma mulher preste a se suicidar. Muito boas também as tomadas obtidas por Carlão do litoral gaúcho, sendo que ele capta com perfeição uma certa beleza melancólica típica das praias do RS (efeito esse semelhante ao conseguido por Jorge Furtado em "Houve Uma Vez Dois Verões").

O ponto fraco de "Bens Confiscados" está no roteiro, que traz alguns excessos de situações desnecessárias (não é tão compacto e enxuto, por exemplo, quanto a trama de "Dois Córregos", um dos melhores filmes de Reichenbach). Mesmo assim, a história engedrada por Carlão traz aspectos bem interessantes. Achei fantástico, reforçando tais aspectos, a inversão de expectativa que se faz naturalmente ao logo do filme, sendo que o cineasta nos dá a entender que a enfermeira Serena, interpretada por Betty Faria, seria o vetor de maturidade e sabedoria da trama, quando na realidade o jovem Luiz Roberto (Renan Augusto) é quem tem a visão mais lúcida sobre o que está acontecendo, mesmo coberto pelo seu comportamento impulsivo e rebelde. Aliás, o trabalho de Carlão na caracterização de seus personagens é primoroso. Ele tem a consciência de que o bom personagem não é aquele que tem maior densidade psicológica, mas sim o que tem caráter carismático e funcional adequado para a sua trama. Nesse sentido, são antológicos as performances deliciosamente caricaturais de André Abunjara e Beth Goulart. Até Werner Schünemann tem um desempenho acima da sua média, sendo que mesmo algumas pontas como a de Eduardo Dusek e Bira Valdez são fortemente marcantes.

E é claro que não se poderia comentar "Bens Confiscados" sem mencionar a seqüência em que os personagens interpretados por Marina Person, Fernanda Carvalho Leite e Renan Augusto se enroscam de maneira insólita na beira da praia, em um dos mais belos momentos eróticos do cinema brasileiro dos últimos tempos.

Filmes da Semana (Cotações de 0 a 4 estrelas)


Star Wars – The Clone Wars, de Dave Filoni ***
O Procurado, de Timur Bekmambetov ***1/2
Falsa Loura, de Carlos Reichenbach ***1/2
Agonia e Êxtase, de Carol Reed ***1/2
Sonic Youth: 1991- The Year Punk Broke, de David Markey ***1/2
O Eclipse, de Michelangelo Antonioni ****
O Assassinato de Jesse James Pelo Covarde Robert Ford, de Andrew Dominik ****