terça-feira, agosto 30, 2011

A Alegria, de Felipe Bragança e Marina Meliande **1/2



Nos últimos anos, dá para dizer que o cinema nacional adotou uma vertente artística de produção até expressiva: os filmes indies. Em comum, tais produções são marcadas por concepções experimentais, referências a um universo bem particular de interesses (músicas, filmes, quadrinhos, livros, etc) e pouca acessibilidade ao grande público. “A Alegria” (2010) é mais uma obra a engrossar suas fileiras, com seus habituais erros e acertos, e que se insere dentro daquele esquema conhecido: a gente pode perceber ideias muito boas, que às vezes encontram boas soluções narrativas, e em outros momentos acabam não vingando na sua concretização. A trama elaborada pelos diretores Felipe Bragança e Marina Meliande trafega por um tênue limite entre a realidade e a fantasia, assim como a encenação busca uma combinação entre o naturalismo e uma linguagem teatral/literária. Se em algumas sequências tal mistura provoca um certo desconcerto perturbador, em outras acaba soando apenas afetado demais, principalmente por certos diálogos existencialistas em excesso proferidos por adolescentes (aquela velha pretensão indie de soar constantemente cool...). Com o desenrolar do roteiro, a ambientação vai ficando ainda mais siderada, com o terço final do filme trazendo seus momentos mais criativos, com destaque para as tomadas em que a protagonista Luiza (Tainá Medina) irrompe para uma nova dimensão. Como saldo final, “A Alegria” traz um resultado irregular, mas bastante instigante.

segunda-feira, agosto 29, 2011

A Árvore da Vida, de Terrence Malick ****



Se a tendência da grande maioria dos cineastas é se tornar mais acessível com o passar dos anos, o contrário ocorre com Terrence Malick. Na sua curta e impactante filmografia, percebe-se que a sua estética se torna mais autoral e radical filme a filme. “A Árvore da Vida” (2011) facilita pouco para aqueles que acham que cinema é a arte de contar uma boa história. A produção mais recente de Mallick parte para uma experiência que é quase que puramente sensorial. Os detalhes da trama se encaixam de uma forma tênue: um homem em depressão, suas reminiscências da juventude, o surgimento do mundo, a evolução do planeta, digressões metafísicas. Talvez o elo que una esses elementos díspares seja mais concreto dentro da cabeça do próprio diretor, mas o subjetivismo visual do que se vê na tela é hipnotizante. Tudo aquilo que compõe o ideário artístico de Mallick está lá de forma ainda mais ostensiva: os enquadramentos inusitados, a narração over de tons elípticos, a narrativa que não obedece a uma ordem cronológica exatamente linear. O que se arma é um quebra-cabeça entre uma história de forte conotação intimista e uma sinfonia épica de sons e imagens. Com o desenrolar do filme, percebe-se que a construção formal não é aleatória – se o que se assiste é um homem olhando para o passado e buscando um sentido para sua vida, num choque entre o natural e o espiritual, entende-se também que tudo adquira um sentido icônico (os pais que parecem seres mitológicos, os diálogos que traduzem conflitos existenciais, a relação de conflitos internos com a própria evolução do planeta Terra). No final das contas, não há respostas prontas dentro dos questionamentos de Mallick, mas a forma como traduz para a linguagem cinematográfica suas dúvidas temáticas e estéticas é avassaladora.

sexta-feira, agosto 26, 2011

Vênus Negra, de Abdellatik Kechiche ****



Depois do formalismo dinâmico e exuberante de “A Esquiva” (2003) e “O Segredo do Grão” (2007), o diretor Abdellatik Kechiche se volta para uma narrativa mais contemplativa em “Vênus Negra” (2010). Tal opção estética não é aleatória – a abordagem do diretor se relaciona diretamente a uma visão naturalista sobre o emblemático caso da africana Saartjie Baartan (Yajima Torres), que excursiona pela Inglaterra e França do século XIX, exposta e explorada como se fosse uma aberração de um freak show. Por mais metafórica que a situação mote do roteiro possa ser, Kechiche é inclemente na descrição da trajetória da protagonista. O rigor da encenação e a ausência de trilha sonora criam uma atmosfera desapaixonada, dispensando o sentimentalismo fácil que uma trama como essa poderia gerar. E se nas mencionadas obras anteriores do cineasta havia um erotismo latente como símbolo de vida, em “Vênus Negra” a sensualidade ganha uma dimensão sinistra. Sempre que o sexo entra em cena, é num contexto de degradação. Isso fica evidente na seqüência antológica em que Saartjie faz uma apresentação em uma orgia entre nobres, com Kechiche extraindo uma ambientação de decadência perturbadora semelhante àquela de “Saló ou os 120 Dias de Sodoma” (1975).

quinta-feira, agosto 25, 2011

Super 8, de J.J. Abrams ***1/2



A produção de Steven Spielberg em “Super 8” (2011) não é gratuita. O filme é um caldeirão de referências a vários clássicos oitentistas no gênero aventura, nicho esse no qual Spielberg foi o principal protagonista. A começar por “E.T.” (1982), cuja trama é a influência central do roteiro da obra mais recente de J.J. Abrams. Não à toa, a história se passa no final dos anos 70. Mas as pequenas homenagens que a produção contém não soam como um recurso meramente acessório. Abrams emula com competência o estilo de Spielberg, tanto em termos formais quanto temáticos. A direção de fotografia é luminosa e clara, com enquadramentos detalhistas que privilegiam a bem orquestrada encenação de perseguições e explosões (aliás, o acidente de trem no início do filme é um capítulo à parte em termos de ação cinematográfica). Mesmo os efeitos especiais digitais acabam ganhando um certo tom nostálgico, não tendo aquela caracterização típica de vídeo game. No conjunto geral estético, nem parece que a direção é do mesmo cineasta do tosco “Cloverfield” (2008).

A mais bela reverência de “Super 8” à Spielberg, entretanto, venha mesmo no seu roteiro. Além de reprisar alguns dos preceitos temáticos favoritos do veterano diretor (crianças como protagonistas, pais e filhos em conflito que buscam a conciliação, crítica à brutalidade dos adultos), um dos motes principais da trama, o divertido filme amador realizado pelos jovens personagens principais, é uma referência direta ao universo pessoal de Spielberg, que é conhecido pelo fato de em suas origens ter sido um entusiasmado cineasta amador.

quarta-feira, agosto 24, 2011

Diário de Uma Busca, de Flávia Castro ***



Um documentário que tem como temática a ditadura militar brasileira não é exatamente uma novidade, perante a profusão de obras do gênero que freqüentemente chegam às salas alternativas pelo país. Mesmo assim, “Diário de Uma Busca” (2010) acaba ganhando destaque por trazer uma perspectiva diferente para uma temática tão gasta aparentemente. Para começar, por mais que foque alguns momentos chaves dentro do histórico dos anos de chumbo, a perspectiva adotada pela diretora Flávia de Castro é bastante intimista, ainda mais porque ela é diretamente envolvida no assunto (seus pais foram militantes da luta armada e viveram vários anos no exílio junto aos filhos). Concentrando a narrativa na trajetória pessoal do seu pai, Celso Castro, morto em circunstâncias mal explicadas no ano de 1984, a cineasta enfatiza muito mais os dramas pessoais dos envolvidos na sua narrativa do que em algum discurso ou análise objetiva dos fatos em questão. É claro que o fato dela tem uma relação tão íntima com o objeto de sua obra faz com que o filme seja marcado por forte subjetividade, mas esse mesmo motivo dá uma carga emocional forte para “Diário de Uma Busca” que dificilmente deixa o espectador impassível diante do que assiste na tela. Ao expor com certa crueza a intimidade sua e de seus parentes, a diretora mostra uma densa trama de dificuldades e desilusões, trazendo um personagem real que teve como saldo final de anos de combate a um regime que abominava um misto de amargura e solidão. Quando Flávia lê para um conhecido do pai a última carta que ele lhe mandou, pouco antes de morrer, é como se toda uma gama de sentimentos represados explodisse de forma inclemente.

terça-feira, agosto 23, 2011

Não Se Preocupe, Nada Vai Dar Certo!, de Hugo Carvana *



Pode-se louvar as boas intenções do veterano Hugo Carvana em fazer uma homenagem ao clima das antigas chanchadas ou até mesmo a sua própria cinematografia em “Não Se Preocupe, Nada Vai Dar Certo!” (2011), como se tal produção fosse uma conclusão coerente para sua trajetória artística. Se a intenção realmente era essa, entretanto, pode-se dizer que trata de uma constrangedora declaração de intenções. Talvez os anos tenham finalmente pesado para Carvana, pois o filme tem um ritmo narrativo engessado e de pouco fluência. Ainda que se tenha o possível verniz de representar uma visão nostálgica sobre o cinema, falha naquilo que uma comédia tem de mais fundamental: fazer rir. Em nenhum momento se pode perceber algo de genuinamente engraçado. A impressão que se tem é de se estar assistindo a um quadro ruim do “Zorra Total”, só que alongado para uma hora e meia. Claro que há pequenos detalhes que dão uma certa aura de atratividade: a fotografia competente de Eduardo Escorel, a música de Edu Lobo (ainda que essa última pareça muito mais alguma sobra de estúdio). Mas, no final das contas, é muito pouco para tirar “Não Se Preocupe, Nada Vai Dar Certo!” da mesmice.

segunda-feira, agosto 22, 2011

Capitão América: O Primeiro Vingador, de Joe Johnston ***1/2



Esta recente versão cinematográfica das aventuras do Capitão América é praticamente uma resposta aos equívocos que marcaram a produção de “Thor” (2011). Para começar, há um esmero notável na concepção da ação em “Capitão América: O Primeiro Vingador” (2011). A encenação é clara e dinâmica, aproveitando com sensibilidade as influências das HQs sem apelar para aquelas pavorosas seqüências em câmera lenta quase estática (na linha “300” ou “Watchmen”) ou para efeitos especiais estilo borrão. O diretor Joe Johnston revela preferência por um estilo de filmar clássico, com a narrativa sendo marcada por influências retrô, principalmente pela fotografia e direção de arte de tons fortemente estilizados. Tais opções formais mostram uma sintonia admirável da produção com o espírito dos quadrinhos dos quais se original. Ainda quanto a essa questão da relação com os comics, em termos temáticos o filme consegue captar com considerável fidelidade a essência das melhores aventuras do Capitão América. O roteiro até simplifica alguns detalhes interessante da cronologia original do herói, mas mesmo assim são mudanças que se revelam funcionais para a trama. A caracterização do elenco também é acertada, fazendo com que os personagens tenham um caráter icônico muito interessante (afinal, profundidade dramática não é prioridade no gênero dos super-heróis – com exceção de alguns exemplos de destaque, como a recente encarnação do Magneto em “X-Men: Primeira Classe”).

No cômputo geral, “Capitão América: O Primeiro Vingador” é uma experiência tão bem sucedida que faz crescer expectativa pelo filme dos “Vingadores”, ainda em produção.

sexta-feira, agosto 19, 2011

Melancolia, de Lars Von Trier ****



As primeiras imagens de “Melancolia” (2011) evocam bastante em termos estéticos a própria abertura de “O Anticristo” (2009), o filme anterior de Lars Von Trier – uma estranha conjunção de câmera lenta extrema com música clássica, gerando uma sensação sensorial que oscila entre o belo e o perturbador. Na obra mais recente, tal recurso tem o fim de servir como uma espécie de resumo do que está por vir, com o cineasta parecendo dizer para o público abandonar as esperanças, pois não haverá chance de redenção para os personagens.

Após tal prólogo, Lars Von Trier divide “Melancolia” em dois momentos distintos, mas que se relacionam de forma intrínseca. Na primeira metade, o filme envereda por um lado intimista, focalizando de forma crua a cerimônia e a festa de um casamento onde tudo entra em colapso pela manifestação do comportamento errático da noiva, Justine (Kirsten Dunst). Nesta narrativa, o diretor faz lembrar muito do cinema que praticava na época do Dogma 95 – fotografia entre o caseiro e o documental, iluminação beirando natural, cortes bruscos, elenco com atuações resvalando para o naturalismo. Essa encenação bruta e sem concessões acaba tendo um resultado sensorial devastador, estando em sintonia precisa com a temática contundente, em que o aspecto depressivo da personalidade de Justine vai ao encontro de uma ideologia fortemente misantrópica, fazendo com que valores da sociedade ocidental (família, trabalho, poder) sejam sistematicamente pisoteados.

Se o viés formal da primeira parte de “Melancolia” possui uma conotação realista, há momentos na mesma em que se prepara sutilmente para o gênero fantástico que toma conta da metade final da produção. Nesta última, Von Trier nos jogas para os últimos momentos do planeta Terra, preste a ser devastado pela colisão com o planeta Melancolia. É como se os sentimentos interiorizados de Justine derivados de sua depressão atingissem uma proporção de um verdadeiro cataclismo. A visão de apocalipse pela lente do diretor dinamarquês não tem nada de serena ou de enobrecimento – só sobra desespero e amarga resignação. A encenação do fim do mundo por parte de Von Trier dispensa a previsível preocupação com nuances detalhistas típicas de obras como “Impacto Profundo” (1998) ou “O Dia Depois do Amanhã” (2004). A destruição da Terra ganha a dimensão de um pesadelo vivo, que sufoca o espectador num redemoinho de imagens e sons exasperantes.

É claro que “Melancolia” traz dentro de si um jogo de simbologias que traz algo de óbvio e caricatural, principalmente se levarmos em conta que o próprio Lars Von Trier vem padecendo de depressão (ou seria um golpe de marketing?). Às vezes isso até se manifesta em situações e personagens maniqueístas e estereotipados. É inegável, entretanto, que tais concepções também geram um todo coerente e impactante, marca inexorável da cinematografia cada vez mais autoral e particular de Von Trier.

quinta-feira, agosto 18, 2011

Quero Matar Meu Chefe, de Seth Gordon ***



A referência à “Pacto Sinistro” (1951), obra-prima de Alfred Hitchcock, em “Quero Matar Meu Chefe” (2011) se limita mais ao aproveitamento da premissa básica do que a uma possível reciclagem das atmosferas de suspense típicas do mestre do suspense. Na produção de Seth Gordon, a ênfase é muito mais no lado cômico. A comédia aqui pende para o caricatural, com nuances do roteiro e personagens enveredando fortemente para o exagero, ainda que várias situações da trama tenham uma conotação algo corriqueira e cotidiana. Nesse sentido, o filme explora um lado fundamental do gênero cômico: a capacidade de explorar os instintos básicos do espectador – afinal, quem nunca teve vontade de matar o chefe? Predomina, assim, o nonsense e o histrionismo de boa parte do elenco. Os melhores momentos de “Quero Matar Meu Chefe” residem justamente nas sequências em que o tom cartunesco da narrativa entra em choque com uma abordagem mais naturalista, principalmente quando entra em cena Jason Bateman, cujo estilo de interpretação mais sutil rende algumas das cenas mais hilárias do filme.

quarta-feira, agosto 17, 2011

Assalto ao Banco Central, de Marcos Paulo *



O sucesso das duas partes de “Tropa de Elite” pode levantar a pergunta sobre o por quê não se faz mais filmes no gênero policial no Brasil. Assistindo a “Assalto ao Banco Central” (2011) acaba-se entendo um pouco sobre tais motivos. O diretor Marco Paulo parece ter assistido a várias produções na linha, utilizando boa parte da estética e dos clichês inerentes. O resultado, entretanto, é pífio como narrativa. A encenação é artificial e travada demais, nem ao menos uma simples briga corporal entre dois personagens consegue parecer convincente. A herança televisiva do cineasta acaba o traindo em um trabalho de edição e fotografia que pouco aproveita as possibilidades criativas da tela grande. O que poderia soar ousado, a alternância dos tempos narrativos, revela-se um truque estéril, pois pouco acrescenta no sentido de oferecer tensão para a trama. Para piorar ainda, o roteiro é desastroso no sentido de caracterização de personagens e situações – tudo parece excessivamente superficial e mal delineado, beirando o caricatural. Coroando o desastre, o elenco no geral tem atuações pouco expressivas, com a maioria dos atores estando no piloto automático (Lima Duarte, por exemplo, faz um policial que mais parece um Sinhozinho Malta com distintivo), com exceção de Milhem Cortaz e Eriberto Leão, que conseguem transmitir alguma fluência em suas interpretações.

terça-feira, agosto 16, 2011

O Casamento do Meu Ex, de Galt Niederhoffer ***



Este é o tipo de caso que poderia motivar algum tipo de reclamação junto ao PROCON. Afinal, tanto o infeliz título brasileiro quanto o cartaz podem fazer com que “O Casamento do Meu Ex” (2010) seja confundido com uma produção no gênero comédia romântica “água com açúcar”, com direito a muitas cenas melosas e final feliz garantido, quando na realidade o filme envereda por caminhos bem diversos. Por mais que o foco da trama possa se concentrar em relações amorosas, a obra em questão é bem mais abrangente na sua temática, mostrando jovens adultos ainda confusos e insatisfeitos com o rumo que suas vidas estão tomando. Nesse sentido, o título original (The Romantics), é mais ilustrativo do espírito da coisa. A abordagem da diretora Galt Niederhoffer sobre os temas do filme é acertada ao combinar uma dramaticidade algo bruta com toques de humor amargo, o que rende alguns momentos antológicos, principalmente na sequência da festa pré-nupcial, com direito a brindes constrangedores. Em termos formais, Niederhoffer consegue surpreender dentro da surrada estética que emula um estilo de filmar entre o documental e o vídeo familiar, em que a fotografia esmaecida e granulada dá uma sensação de atemporalidade para a produção. Esse tom crepuscular no visual de “O Casamento do Meu Ex” acaba revelando uma interessante sintonia com a atmosfera melancólica e desiludida que emana da história.

segunda-feira, agosto 15, 2011

Singularidades de Uma Rapariga Loira, de Manoel de Oliveira ***

O interesse pelos filmes recentes de Manoel de Oliveira não se atribui apenas à curiosidade pelo fato do diretor já ser centenário. “Singularidades de Uma Rapariga Loira” (2009) é prova evidente disso, mostrando o cineasta buscando uma linguagem muito particular, em que cinema e literatura se casam de forma insólita. Partindo de um conto de Eça de Queiroz, Oliveira acaba construindo um universo próprio, tão inusual que estabelece uma estranha atmosfera de atemporalidade. Se a contextualização da história se dá na atualidade, por outro lado a encenação revela um quê anti-naturalista, algo entre o teatral e o cinematográfico, com os costumes dos personagens evocando a moral da sociedade do século XIX (talvez na visão do cineasta as coisas não tenham mudado tanto assim). Fotografia e edição entram em conexão com a pintura – o filme dá a impressão, em alguns momentos, de uma pintura que adquire movimentos com sutileza. O fascinante é que no meio dessa conjunção de elementos diversos, com direito ainda a poesia de Fernando Pessoa e música clássica, percebe-se que o espírito de ironia ácida típico da prosa de Eça de Queiroz se preserva e também se expande dentro da concepção estética de Oliveira.

sexta-feira, agosto 12, 2011

Transformers 3 - O Lado Oculto da Lua, de Michael Bay **1/2



Antes de qualquer coisa, cabe ressaltar um aspecto positivo em “Transformers 3 – O Lado Oculto da Lua” (2011): a qualidade dos efeitos, em que o extremo detalhismo digital faz com que as transformações dos robôs, por exemplo, tragam uma clareza visual muito mais avançada que os filmes anteriores da série. Tirando essa louvação, entretanto, este terceiro capítulo da saga é o pior filme disparado da franquia. O diretor Michael Bay centralizou muito a narrativa em torno dos dramas amorosos e de consciência do protagonista Sam (Shia LeBeouf), o que tornou o desenvolvimento da trama muito truncado, afinal as seqüências com os robôs não são tão freqüentes quanto nas produções anteriores e se interam de forma forçada com lado “humano” do filme. Além disso, a condução da direção de Bay é mecânica em demasia, tirando muito da tensão do filme. Tudo obedece a um certo padrão temático e formal que parece apenas emular as obras iniciais da série. Em certos momentos, parece que estamos até assistindo a um grande comercial de TV, tanto na caracterização caricata do interesse romântico de Shia (não à toa, Megan Fox já havia dito que tinha a impressão de Bay nunca tinha tido uma namorada tamanha a forma artificial que costuma retratar mulheres na sua filmografia) quanto nas bregas filmagens de caras durões caminhando em câmera lenta (Sam Peckinpah deve rolar na tumba com o desvirtuamento de um dos seus recursos estéticos mais marcante).

quinta-feira, agosto 11, 2011

Estranhos Normais, de Gabriele Salvatore **1/2



A proposta narrativa de “Estranhos Normais” (2010) é promissora. Usando recursos de metalinguagem, o diretor Gabriele Salvatore estabelece uma trama que se divide em duas, mas sempre tendo como denominador comum o escritor/roteirista Vincenzo (Fabrizio Bentivoglio). Numa delas, o protagonista se encontra em dilemas criativos, em busca de inspiração para um roteiro. Em outra, trata-se da trama criada por ele, onde o mesmo também é personagem. Ao longo do filme, tais planos narrativos se alternam, e elementos da realidade e da obra literária se intercomunicam até chegar a um ponto de impasse. As fronteiras entre tais planos parecem se romper, com os personagens exigindo do escritor uma conclusão satisfatória. O que pareceria um conflito inquietante sobre a relação do artista com a arte que produz acaba se frustrando quando Salvatore recorre a soluções fáceis, tanto no roteiro do escritor quanto na vida concreta do mesmo. Não há maiores espaços para a dúvida, com o diretor se preocupando em amarrar todas as pontas da história. Esse direcionamento convencional e pueril descaracteriza boa parte das concepções estéticas que pontuam ocasionalmente esta produção italiana. No final das contas, não é um filme ruim – só o elenco já seguraria o interesse de “Estranhos Normais” (com destaque para o charme maduro da bela Marguerita Buy). O problema é a impressão de que algo mais ousado ficou pelo caminho.

terça-feira, agosto 09, 2011

Harry Potter e As Relíquias da Morte - Parte 2, de David Yates **1/2



Na comparação, a segunda parte de “Harry Potter e a As Relíquias da Morte” (2011), e conclusão definitiva da franquia, sai em vantagem em relação à primeira no sentido que a narrativa é bem menos truncada, sem aquela constante impressão de que tudo é preparativo de algo que parece que nunca vai acontecer tamanha a imobilidade da trama da produção de 2010. No filme mais recente, há bem mais ação (até porque a série tinha que terminar de alguma maneira), com algumas seqüências até se destacando por um certo impacto visual, principalmente naquela que traz o duelo final entre Potter (Daniel Radcliffe) e Lorde Voldmort (Ralph Fienes). De se destacar ainda que os efeitos especiais digitais estão bem acima da média do vem sendo feito no gênero. Por outro lado, há um excesso de momentos em que a encenação soa rígida e infantilizada demais, com detalhes do roteiro que ora resvalam para o simplório ora para o superficial, além de uma disposição de atores que beira o estático. Ainda em termos de texto, esse desfecho de saga apresenta soluções fáceis e apressadas – as reviravoltas obedecem a um padrão pouco imaginativo, como se o importante fosse apenas cumprir tabela: o bem vence o mal e todos arranjam os seus respectivos pares amorosos. É provável, entretanto, que nesse ponto não dê para culpar tantos os roteiristas da série. Eles apenas repetiram as linhas básicas do livro. E talvez justamente aí resida a decadência artística de “Harry Potter” em seus últimos episódios. Se nos quatro filmes iniciais havia espaço para maiores ousadias formais e temáticas, nas produções restantes se percebe uma preocupação maior em corresponder às expectativas dos fãs e reproduzir justamente aquilo que eles esperavam. Com uma franquia milionária como essa, não dá para brincar....

segunda-feira, agosto 08, 2011

A Casa, de Gustavo Hernandez ***



Reduzir “A Casa” (2011) a mero filhote de uma escola de cinema de horror derivado de “A Bruxa de Blair” (1999) seria um tanto impreciso. A referida produção uruguaia navega em águas mais particulares, a começar que utiliza o complicado recurso de filmagem em um take só, sem cortes aparentes. Tal recurso não se vale apenas como um recurso estético, mas também para acentuar um ritmo vertiginoso para a narrativa. Afinal, o tom realista e bucólico do início da trama se converte em questão de minutos em um suspense que oscila entre o real e o sobrenatural, jogando os personagens em um redemoinho de loucura e violência. É de se ressaltar ainda que o diretor Gustavo Hernandez consegue manter um certo cuidado formal na concepção visual do filme, por mais que a câmera trema em algumas seqüências, revelando também um bem elaborado jogo de claro e escuro no filme. “A Casa” também chega a evocar alguns detalhes estéticos que remetem ao movimento Dogma 95, tanto pela utilização da luz quanto a forma com que o som e a música se inserem nas cenas, dando uma sensação de estranhamento ao filme, o que numa obra de terror sempre é bem vindo. A criatividade de Hernandez também se manifesta nos créditos finais, quando uma série de fotos é mostrada e que dá uma ideia das motivações dos personagens. No conjunto geral, todos esses truques narrativos de “A Casa” se mostram eficientes para gerar aquilo que uma obra como essa se propõe: sustos e tensão.

sexta-feira, agosto 05, 2011

Gainsbourg - O Homem Que Amava as Mulheres, de Joann Sfar ***1/2



O cineasta e quadrinista Joann Sfar utiliza em “Gainsbourg – O Homem Que Amava as Mulheres” (2010) uma abordagem de cinebiografia bastante semelhante àquela adotada por Martin Scorsese em “O Aviador” (2004): o que interessa não são exatamente os fatos reais da vida da figura focada, mas aquilo que está no nosso imaginário sobre o biografado. Assim, o que se assiste na tela sobre o genial cantor e compositor francês é um delírio estético, que procura relacionar a essência de suas canções com a trajetória pessoal de Serge Gainsbourg, como se tais elementos formassem um conjunto intrínseco. Por mais irreal que tal opção narrativa possa soar irreal, é inegável que a mesma também joga o espectador no meio daquilo que representa o primordial na obra de Gainsbourg – uma mescla sedutora de canção romântica, rock e pop animadinhos, letras sacanas e tudo mais o que der na veneta do autor (com direito até a versão reggae de “A Marselhesa”). A herança dos quadrinhos de Sfar cai como uma luva dentro de tais concepções estilizadas, não se limitando à hilária sequência de animação que ilustra os créditos de abertura, fazendo com que toques de cinema fantástico permeiem a trama. Assim, as criaturas grotescas que se manifestam como expressões distorcidas do ego de Gainsbourg adquirem um tom de naturalidade desconcertante, estando em perfeita coerência espiritual com o próprio processo criativo do cancioneiro “gansbourgiano”. No final das contas, talvez o grande mérito de Sfar está em privilegiar aquilo que efetivamente notabilizou Gainsbourg como um dos grandes artistas do século XX (apesar do apelativo título brasileiro para o filme): sua música.

quinta-feira, agosto 04, 2011

Filhos de João - O Admirável Mundo Novo Baiano, de Henrique Dantas ***1/2



Assim como em “Daquele Instante em Diante” (2011), seria fácil confundir o meu apreço por “Filhos de João – O Admirável Mundo Novo Baiano” (2009) com o fato de eu gostar muito dos Novos Baianos. Aquela coisa – “ah, estão falando sobre os caras? Putz, já estou gostando do filme”. Assim como no mencionado documentário sobre Itamar Assumpção, todavia, os méritos da cinebiografia do grupo de Moraes Moreira, Pepeu Gomes e companhia vêm também de suas qualidades cinematográficas. O diretor Henrique Dantas, dentro do clássico formato de combinar imagens de arquivo com depoimentos mais recentes, acerta ao adotar uma abordagem que beira o lúdico, o que acaba se revelando em perfeita sintonia com a própria música festiva dos homenageados. Não à toa, em vários momentos do filme se evoca a figura de crianças, tanto em registros visuais quanto no canto infantil de sucessos como “Preta, Pretinha”. O cineasta consegue ainda traçar uma genealogia da própria trajetória da música brasileira ao tentar explicar a alquimia sonora dos Novos Baianos. Para isso, além de se valer das próprias descrições dos músicos do grupo e de admiradores entusiasmados, Dantas conta com as falas delirantes (e ainda sim tremendamente lúcidas!) de Tom Zé, que na realidade é um dos principais fios condutores da narrativa. O outro elemento que “esclarece” a loucura nova baiana não deu entrevista alguma, mas sua serena sombra paira por toda a produção – simplesmente um tal de João Gilberto... Todos mencionam o genial cantor e violonista como a influência decisiva não só na formatação da música da banda, como naquilo que melhor e mais relevante se fez no nosso cancioneiro nos últimos, pelos menos, 50 anos.

Aliás, o título do documentário não deixa de ser uma profissão de fé assim como uma bela esculachada ao medíocre “Os Filhos de Francisco” (2005). Se neste último a música é vista apenas como uma forma arrivista de ascensão social e econômica, em “Filhos de João” tal arte é encarada como manifestação prazerosa e visceral, uma busca de expressar uma sensação, um sentimento indefinido. Alguns depoimentos emocionados no filme ao se descrever a música e o modo de vida dos Novos Baianos, além é claro de fenomenais números musicais, sublinham esse papel de transcendência da canção brasileira.

quarta-feira, agosto 03, 2011

Daquele Instante em Diante, de Rogério Velloso ***1/2



Apesar de gostar muito da música de Itamar Assumpção (1949-2003), atribuir apenas à sua arte as qualidades de “Daquele Instante em Diante” (2011), documentário que foca a sua trajetória, seria impreciso. O grande mérito do diretor Rogério Velloso é conseguir ressaltar os aspectos mais fascinantes da vida do músico sem obscurecer o maior motivo pelo qual é conhecido e admirado: suas canções, discos, shows. E neste aspecto artístico o filme é bastante generoso, captando apresentações do cantor em várias fases de sua carreira, desde o seu surgimento no underground paulistano no início da década de 80 até os derradeiros registros ao vivo, quando ele já estava bem debilitado pelo câncer que o matou. No meio disso tudo, momentos antológicos como a sua desconcertante participação em um festival da Globo, além de depoimentos que muito esclarecem da sua visão cultural. A interação que se realiza da descrição de sua rotina doméstica e pessoal com o seu processo de composição, gravação e performance ao vivo mostra como tais pólos de sua vida estavam intrinsecamente ligados. Velloso consegue ainda evidenciar como o notório fato de Assumpção ser considerado um artista difícil na forma com que lidava com a sua arte na verdade revelava uma coerência conceitual e também uma forma de preservar intacta a integridade de sua obra. No mais, “Daquele Instante em Diante” serve também como uma expressiva radiografia de um lado mais obscuro, mas nem por isso menos interessante, da música brasileira, dando imagem e voz de uma geração de artistas (Arrigo Barnabé, Grupo Rumo, Vânia Bastos, entre outros) que não se acomodou diante dos cânones comerciais e da falta de exposição na mídia para gravar a ferro e fogo as suas particulares concepções cancioneiras.

terça-feira, agosto 02, 2011

Stake Land, de Jim Mickle ***1/2



Pode-se dizer que “Stake Land” (2010) é uma verdadeira colcha de retalhos de referências: ficção científica apocalíptica estilo “Mad Max”, vampirismo, crítica social/política metafórica no estilo George Romero em “A Noite dos Mortos-Vivos” (1968) ou “Madrugada dos Mortos” (1978). O diretor Jim Mickle tem o mérito de combinar com habilidade tais elementos aliado a um afiado senso de ação cinematográfica. Sua encenação não recorre a clichês contemporâneos como câmeras tremendo e cortes excessivos na edição – a narrativa é clássica nos seus enquadramentos e montagem. O apuro formal de Mickle se evidencia no extraordinário plano-sequência do “bombardeio” de vampiros em um acampamento. De se destacar ainda que o roteiro de “Stake Land” apresenta um notável refinamento na crítica ácida que faz de grupos religiosos que utilizam o fanatismo místico como forma de ascensão ao poder político (e também para manutenção do mesmo), o que mostra que a produção em questão está em sintonia com o atual e conturbado momento da política interna dos Estados Unidos. Além disso, a caracterização dos personagens é muito bem delineada, configurando tipos bem carismáticos, com destaque para Mister (Nick Damici), um anti-herói fodão como há muito não se via.

Ainda que a sua trama caia em alguns exageros destoantes no seu terço final, “Stake Land” se revela como um produto bem acima da média do que vem sendo feito no gênero recentemente.

segunda-feira, agosto 01, 2011

Cilada.com, de José Alvarenga Jr. *1/2



O problema de “Cilada.com” (2011) não é tanto a sua estética televisiva. “Os Normais 2” (2009), por exemplo, também trazia um formato semelhante, mas acabava se sobressaindo por enfiar o pé na jaca no roteiro, trazendo uma dose muito maior de sexo, palavrões e escatologia do que um episódio normal da série na telinha. No filme baseado no programa de Bruno Mazzeo, entretanto, ocorre justamente o contrário. Se no programa da TV nós temos uma abordagem crítica e cínica das mediocridades do cotidiano social e amoroso de um adulto de classe média, na obra cinematográfica, que em tese teria mais liberdade para extrapolar na ironia e no politicamente incorreto, nós temos uma insossa comediazinha romântica, com direito a final feliz e declarações de amor, em que os toques humorísticos acabam sendo quase acidentais. Ou seja, descaracteriza bastante o original televisivo naquilo que ele tem de mais relevante e interessante.