domingo, setembro 21, 2008

Filmes das últimas semanas (cotações de 0 a 4 estrelas)


Caótica Ana, de Julio Medem **1/2
Nome Próprio, de Murilo Salles ***1/2
The Man From Earth, de Richard Schenkman ***
O Selvagem da Motocicleta, de Francis Ford Coppola ****
O Nevoeiro, de Frank Darabont ****
Ainda Orangotangos, de Gustavo Spolidoro **
Corpo, de Rossana Foglia e Rubens Rewald **1/2
Meu Irmão é Filho Único, de Daniele Luchetti ***
Linha de Passe, Walter Salles e Daniela Thomas **1/2
O Reino Proibido, de Rob Minkoff ***
Mamma Mia, de Phyllida Lloyd *1/2
Cleópatra, de Julio Bressane ***
Procurando Nemo, de Andrew Stanton e Lee Unkrich ****
As Confissões de Schmidt, de Alexander Payne ***1/2
Nirvana: Live! Tonight! Sold Out!!, de Kevin Kerslake ***1/2
Identificação de Uma Mulher, de Michelangelo Antonioni ***1/2
No Limite, de Lee Tamahori ****
Viver e Morrer em Los Angeles, de William Friedkin ****

quinta-feira, setembro 04, 2008

Alguém Tem de Ceder, de Nancy Meyers *1/2


“Alguém Tem de Ceder” (2003) é aquele tipo de produção que gosta de tirar uma onda de que é uma obra madura, inteligente, sofisticada, sensível ou coisa que o valha, e supostamente seria uma espécie de contraponto aos brutais e descerebrados filmes de aventura com efeitos especiais que domina os nossos cinemas por aí. Pura cascata!! É só dar uma sacada no roteiro para perceber a lorota: coroa ricaço, boa vida e que só sai com jovenzinhas gostosas (Jack Nicholson) conhece escritora sessentona de prestígio (Diane Keaton), mãe de uma de suas conquistas, que faz com que ele reveja seus conceitos. E, é claro, os dois se apaixonam. Ah, e para provar como a tal da senhora é uma mulher realmente fascinante, um médico (Keanu Reeves) com metade da idade dela também se encanta com a mesma e passa a disputar com o tal coroa quem vai ficar com a nossa heroína. Como vocês podem ver, tudo bem mais profundo e adulto que essas bobagens de “Senhor dos Anéis”, “Harry Potter”, “Homem Aranha” e afins... Mas o que me incomoda realmente em “Alguém Tem de Ceder” é a sua absoluta falta de vida: não é a previsibilidade da trama o problema, mas sim a direção mecânica e burocrática de Nancy Meyers que tira qualquer traço de vitalidade e espontaneidade do filme. O que resta é Diane Keaton reprisando os mesmos faniquitos de sempre e Jack Nicholson mantendo a mesma expressão aparvalhada durante todo o filme (justiça seja feita: mesmo assim o cara continua muito acima da média).

Rota Suicida, de Clint Eastwood ***1/2


A linha básica da trama de "Rota Suicida" é bem simples, girando em torno da história do policial durão e alcoólatra Ben Shockley (Clint Eastwood, numa variação eficiente do seu clássico papel de Dirty Harry) que deve proteger a prostituta Gus Mally (Sondra Locke), testemunha de um caso envolvendo corrupção policial. É claro que alguns homens da lei envolvidos não querem deixar barato, sendo que Schockley é incriminado injustamente e é obrigado a fugir com a sua protegida. Esse fio de roteiro pode parecer banal, e realmente não tem nada demais. O grande mérito de Eastwood é justamente extrair disso um eletrizante filme de ação. Mesmo com uma série de clichês, ele consegue fazer um filme tenso, impactante e que prende a atenção de quem assiste de forma implacável.

Como bom pupilo do mestre Don Siegel, com quem já havia trabalhado em uma série de filmes magníficos como "Perseguidor Implacável" e "Meu Nome é Coogan", Eastwood sabe que originalidade de roteiro não é algo que conta muito para se fazer um bom filme policial. O bom diretor desse gênero sabe que o que importa é fazer um trabalho bem cuidado em termos de edição, fotografia e caracterização de personagens, e é isso que é determinante para dar agilidade narrativa para um filme, não importando as obviedades do roteiro. Nesse sentido, Eastwood mostra entender do riscado como poucos em "Rota Suicida". Dispensando maiores efeitos e utilizando-se de uma montagem equilibrada e fotografia limpa, o diretor cria seqüências de ação de tirar o fôlego, como aquela em que Shockley tenta escapar em uma moto da perseguição incessante de um helicóptero. Fantástica também é toda a seqüência final, em que o protagonista, dentro de um ônibus blindado, é obrigado a enfrentar quase toda a força policial de Phoenix. Eastwood também fez a escolha sábia de centrar sua narrativa quase que exclusivamente em situações de Shockley se safando de várias enrascadas, que incluem até um quebra pau com uma turma de pretensos Hell Angels, o que dá uma concisão fabulosa para "Rota Suicida".

É senso comum na crítica cinematográfica dizer que Clint Eastwood tornou-se um diretor "respeitável" apenas a partir de "Bird" (1988). Assistindo, entretanto, obras como "Josey Wales" (1976) e esse "Rota Suicida" (1977) pode-se constatar que o cara já fazia ótimos filmes a bem mais tempo.

A Noiva Perfeita, de Eric Lartigau *1/2


“A Noiva Perfeita” (2006) é o tipo de filme “não fede nem cheira”: direção sem maiores inspirações, roteiro água com açúcar travestido de “ousado”, diálogos metidos a esperto, atores simpáticos (mas que atuam no piloto automático). Ou seja: tão inofensivo e quadrado quanto as comédias românticas mais insossas com Meg Ryan. Mas há um detalhe que faz toda a diferença: é um filme francês!! E como diria o velho e bom Nelson Rodrigues, tudo que é dito em francês parece mais inteligente...

Corações e Mentes, de Peter Davis ****


Já fazia alguns anos que eu ouvia falar de "Corações e Mentes" como uma obra referência dentro do gênero de documentários, não só através de críticas, mas também de comentários de amigos e conhecidos. O entusiasmo de tais manifestações sempre me deixou curioso em assistir a esse filme, mas o problema é que nem em VHS o mesmo havia sido lançado, e as exibições em cinemas dele eram cada vez mais raras. Em uma daquelas jogadas de sorte, "Corações e Mentes" foi relançado uns três anos atrás no Brasil em cópia nova. Quando finalmente consegui assistí-lo, pude perceber os motivos de tantas louvações. Tendo por tema a participação dos EUA na Guerra do Vietnã, esse documentário americano de 1974 atua basicamente em duas frentes. Por um lado, mostra com crueza o cotidiano do conflito entre americanos e vietnamitas no front de batalha, retratando todas as duras conseqüências da guerra tanto para soldados quando para a população do país. Por outro, os reflexos do conflito também colhidos nos próprios Estados Unidos, através de depoimentos que vão do alienado ao francamente obtuso até declarações amargas de militares e ex-combatentes. O que torna "Corações e Mentes" um clássico cinematográfico é a habilidade do diretor Peter Davis em pegar todo esse farto material e dar-lhe uma unidade fenomenal, através de uma montagem que casa com precisão imagens impressionantes da guerra com entrevistas contundentes, dando uma fluidez admirável para a sua narrativa. A edição do filme é tão fascinante que faz com que Davis dispense a narrativa em off para oferecer a sua visão pessoal sobre a insanidade colocada em prática no Vietnã.

King Kong, de Peter Jackson ****


Comparada com a obra original de 1933, essa versão mais recente de “King Kong” (2005) perde no quesito concisão, sendo que as mais de três horas de duração acabam se revelando um pouco excessivas. Apesar disso, a versão das aventuras do gorilão de Peter Jackson é disparada uma das grandes experiências cinematográficas dos últimos anos.

Os momentos iniciais em Nova Iorque e durante a viagem da expedição até a Ilha da Caveira são muito bem delineados, mas na realidade servem muito mais como elementos de expectativa, pois o filme se torna realmente monumental quando a expedição chega ao seu destino. A partir desse momento, teremos algumas das seqüências de ação, praticamente ininterruptas, mais delirantes já assistidas. Dos tensos e assustadores conflitos entre a expedição e os macabros nativos até a captura de Kong, Jackson orquestra uma aventura insana regada a muita morte, destruição e selvageria, com alguns breves e belos interlúdios românticos entre Ann Darrow (Naomi Watts) e o gorilão. O genial diretor neo-zelandês joga o bom senso e a contenção para o alto, sendo que o seu filme tem até uma incrível e absurda seqüência em que uma manada de dinossauros corre em disparada e capota espetacularmente. Aliás, isso é uma coisa que precisa ser dita: "King Kong" é o melhor filme de dinossauros que já assisti nos cinemas. Mas certamente o auge nessa loucura toda perpetrada por Jackson é o longo e violento combate travado entre Kong e três tiranossauros rex em que cada segundo é maravilhosamente indispensável.

Na parte final de "King Kong", a ação volta novamente para Nova Iorque com o nosso amigo primata capturado. Jackson dá uma freada no ritmo frenético das seqüências na Ilha da Caveira, mas essa desaceleração é breve. Logo depois, o embate final entre Kong e os aviões no topo do Empire State é realizado com um requinte visual e emocional ainda maior que nas versões anteriores. O momento em que os aviões surgem pela primeira vez deveria constar em uma antologia de cenas marcantes da história do cinema.

Como saldo final, pode-se dizer com certeza que "King Kong" é o melhor filme de Jackson desde "Almas Gêmeas" (1994), mostrando que mesmo trabalhando dentro de um "esquemão" Hollywood ele consegue marcar de forma indelével a sua concepção original, insana e apaixonada de cinema, conhecida desde as suas obras-primas iniciais como "Fome Animal" (1982) e "Meet The Feebles" (1989).

O Mar Mais Silencioso Daquele Verão, de Takeshi Kitano ***1/2


Os admiradores mais desavisados de Takeshi Kitano, acostumados com a violência fria e os banhos de sangue de obras magníficas como “Sonatine” (1993) e “Zatoichi” (2003), talvez estranhem a aparente inocência da comédia dramática “O Mar Mais Silencioso Daquele Verão” (1992), um dos filmes menos conhecidos de Kitano. Na verdade, tudo aquilo que caracteriza o universo desse mestre contemporâneo do cinema japonês está lá: o ritmo contemplativo, a amargura disfarçada de pequenas tolices, as emoções contidas dos personagens. A história ilusoriamente banal do surdo-mudo que quer ser surfista flui com naturalidade, às vezes até num tom quase prosaico, oscilando de forma insólita entre um humor quase constrangido e o drama rigoroso e acaba por desembocar em um final trágico que desconcerta pelo tom casual. No final das contas, é como se Kitano desprezasse as convenções dos gêneros cinematográficos (Isso é drama? Ou é comédia) e criasse uma categorização própria, ou seja, a sua concepção cinematográfica única. E que em obras posteriores ele radicalizou ainda mais.

Antes Só Do Que Mal Casado, de Bobby e Peter Farrelly ***1/2




Confesso que eu já considerava os irmãos Farrelly cartas fora do baralho. Seus últimos filmes vinham progressivamente se tornando comédias amenas, quase doces, sendo que chegaram ao fundo do poço com o medíocre e insosso “Amor em Jogo” (2005), onde conseguiram o milagre de tirar toda a graça da ironia amarga do livro original de Nick Hornby. Pois em “Antes Só Do Que Mal Casado” (2007) os caras conseguem se recuperar com louvor, retomando com sucesso o ritmo alucinado e a comédia física grotesca típicos do melhor de sua obra.

Mesmo não atingindo o grau de obra-prima de filmes como “Debi e Lóide” (1994) e “Todos Querem Ficar Com Mary” (1998), “Antes Só Do Que Mal Casado” tem vários momentos memoráveis de humor insano e sem concessões, além de uma galeria consistente de tipos inesquecíveis como o melhor amigo sem noção do protagonista Eddie Cantrow (Ben Stiller) e o primo mala e violento da amada de Eddie.

E é claro que não dá para esquecer que por trás da sua estrutura típica de comédia de erros e de algumas excelentes seqüências de puro humor pastelão e escrachado, “Antes Só Do Que Mal Casado” mostra também uma visão ácida sobre o comportamento humano e as relações amorosas. As enrascadas sentimentais em que Eddie se mete revelam uma concepção crua e pouco romântica sobre o casamento e os interesses que motivam homem e mulher a se unirem, dando o filme até mesmo um certo caráter questionador e perturbador.

Bens Confiscados, de Carlos Reichenbach ***1/2


Eu tenho uma opinião sobre o que é mais importante para alguém ser um bom cineasta. Mais relevante do que ser inteligente, ter bom gosto cultural e consciência social ou fazer alguma faculdade de cinema, o cara tem de ser um cinéfilo. Não basta amar fazer filmes: tem de amar também assistir filmes. Se o nosso amigo não for um doente por cinema, sinto muito, mas ele estará nessa pela grana ou para comer as gatinhas.

Bem, essa breve digressão que fiz serve para embasar o fato de que Carlos Reichenbach, junto com Zé do Caixão, é o grande animal cinematográfico em atividade no Brasil. O homem respira cinema. Nunca é demais lembrar, por exemplo, que ele é o responsável pelas sessões Comodoro em São Paulo, projeto esse assemelhado aos Raros aqui de Porto Alegre, ambos destinados a exibir ao público filmes de díficil acesso.

E é claro que toda essa paixão cinematográfica de Carlos Reichenbach transparece em sua obra como cineasta. "Bens Confiscados" é exemplo do seu amor pela imagem em movimento. A começar pela sua magnífica seqüência de abertura, com um espetacular plano sobre a cidade de São Paulo que se estende para o apartamento de uma mulher preste a se suicidar. Muito boas também as tomadas obtidas por Carlão do litoral gaúcho, sendo que ele capta com perfeição uma certa beleza melancólica típica das praias do RS (efeito esse semelhante ao conseguido por Jorge Furtado em "Houve Uma Vez Dois Verões").

O ponto fraco de "Bens Confiscados" está no roteiro, que traz alguns excessos de situações desnecessárias (não é tão compacto e enxuto, por exemplo, quanto a trama de "Dois Córregos", um dos melhores filmes de Reichenbach). Mesmo assim, a história engedrada por Carlão traz aspectos bem interessantes. Achei fantástico, reforçando tais aspectos, a inversão de expectativa que se faz naturalmente ao logo do filme, sendo que o cineasta nos dá a entender que a enfermeira Serena, interpretada por Betty Faria, seria o vetor de maturidade e sabedoria da trama, quando na realidade o jovem Luiz Roberto (Renan Augusto) é quem tem a visão mais lúcida sobre o que está acontecendo, mesmo coberto pelo seu comportamento impulsivo e rebelde. Aliás, o trabalho de Carlão na caracterização de seus personagens é primoroso. Ele tem a consciência de que o bom personagem não é aquele que tem maior densidade psicológica, mas sim o que tem caráter carismático e funcional adequado para a sua trama. Nesse sentido, são antológicos as performances deliciosamente caricaturais de André Abunjara e Beth Goulart. Até Werner Schünemann tem um desempenho acima da sua média, sendo que mesmo algumas pontas como a de Eduardo Dusek e Bira Valdez são fortemente marcantes.

E é claro que não se poderia comentar "Bens Confiscados" sem mencionar a seqüência em que os personagens interpretados por Marina Person, Fernanda Carvalho Leite e Renan Augusto se enroscam de maneira insólita na beira da praia, em um dos mais belos momentos eróticos do cinema brasileiro dos últimos tempos.

Filmes da Semana (Cotações de 0 a 4 estrelas)


Star Wars – The Clone Wars, de Dave Filoni ***
O Procurado, de Timur Bekmambetov ***1/2
Falsa Loura, de Carlos Reichenbach ***1/2
Agonia e Êxtase, de Carol Reed ***1/2
Sonic Youth: 1991- The Year Punk Broke, de David Markey ***1/2
O Eclipse, de Michelangelo Antonioni ****
O Assassinato de Jesse James Pelo Covarde Robert Ford, de Andrew Dominik ****

terça-feira, agosto 19, 2008

Filmes das últimas semanas (cotações de 0 a 4 estrelas)


Do Outro Lado, de Fatih Akin ***1/2
Kung Fu Panda, de Mark Osborne e John Stevenson ****
Space Chimps – Micos no Espaço, de Kirk De Micco *1/2
Beijos Proibidos, de François Truffaut ****
O Escafandro e a Borboleta, de Julian Schnabel ***1/2
Batman – O Cavaleiro das Trevas, de Christopher Nolan ****
Nevermore, de Toke Constantin Hebbeln ***1/2
Mangue Negro, de Rodrigo Aragão ***1/2
Adan Y Eva (Todavia), de Iván Ávila Dueñas **
Tales of The Fourth Dimension, deArif Hussein, John Erasmus, Mark Craig, Steve Connor & Nik Fletcher **1/2
Los Blues Del Vampiro, de Jesus Franco ½ (meia estrela)
Devil Girl, de Howie Askins **
El Caballero Del Dragon, de Fernando Colomo **
Hogfather, de Vadim Jean ****
El Cebo, de Ladislao Vajda ***1/2
Metamorfosis, de Jacinto Esteva **
A Capital dos Mortos, de Tiago Belotti *
A Encarnação do Demônio, de José Mojica Marins ***1/2
Amanecer Que No Es Poço, de José Luis Cuerda ***1/2
Hero Tomorrow, de Ted Sikora ***
The Murder Game, de Robert Harari ½ (meia estrela)
Sword Of The Stranger, de Masahiro Andô ****
CSA: Confederate States of America, de Kevin Willmot ***1/2
Snuff: A Documentary About Killing on Camera, de Paul Von Stoetzel ***1/2
El Proprietario, Javier Diment & Luis Ziembrowski ***1/2
The Dream-Quest of Unknown Kadath, de Edward Martin III *1/2
Expiration Date, de Rick Stevenson *1/2
Jack Brooks: Monster Slayer, de Jon Knautz ***
Gente Medrosa, de Makoto Wada ***1/2
Dragon Hill, de Angél Izquierdo ½ (meia estrela)
Dead Noon, de Andrew Wiest *
Suspension, de Alec Joler & Ethan Shaftel ***
Egon & Doncy, de Ádám Magyar **
The Dead Brothers, de M.A. Littler ****
After The Apocalypse, Yasuaki Nakajima *1/2
Gamera, de Shusuke Kaneko **1/2
Blood Tea And Red String, de Christiane Cegavske **
La Torre De Los 7 Jorobados, de Edgar Neville ***
El Habitante Incierto, de Guillem Morales ***1/2
Horror Business, de Christopher P. Garetano **
Bela Lugosi - Fallen Vampire, de Florin Iepan **
Vampira: The Movie, de Kevin Sean Michaels *1/2
Voodoo Rhythm, de M.A. Littler ***1/2
Easter Bunny, Kill, Kill, de Chad Ferrin **1/2
Spine Tingler!, de Jeffrey Schwarz **1/2
Filmatron, de Pablo Pares **1/2
Movimento em Falso, de Wim Wendes ***1/2
Cinturão Vermelho, de David Mamet ****
Hair, de Milos Forman ***1/2
Hair High, de Bill Plympton ***1/2
On Evil Grounds, de Peter Koller *
Nympha, de Ivan Zuccon **1/2
Murder Loves Killers Too, de Drew Barnhardt *1/2
The Zombie Diaries, de Michael Bartlett e Kevin Gates *1/2
Dark Remains, de Brian Avenet-Bradley *1/2
My Dream Or Loneliness Never Walks Alone, de Roland Reber **1/2
Beneath The Cogon, de Rico Maria Ilarde **
God Of Vampires, de Rob Fitz *1/2
Academy of Doom, de Chip Gubera (zero estrela)
Crimson, de Richard Poche (zero estrela)
100 Tears, de Markus Koch *
Small Town Folk, de Peter Stanley Ward *
Five Across The Eyes, de Greg Swinson & Ryan Thiessen ½ (meia estrela)
The Vanguard, de Matthew Hope *
Hotel, de Jessica Hausner **1/2
The Last Gateway, de Demian Rugna **
The Last House In The Woods, Gabriele Albanesi **1/2
The Man From Earth, de Richard Schenkam ***
The Demons Among Us, de Stuart Simpson **
End Of The Line, de Maurice Devereaux **1/2
Song Of The Dead, de Chip Gubera (zero)
Stupid Teenagers Must Die, de Jeff C. Smith (zero)
Mindflesh, de Robert Pratten ***
The Portal, de Serge Rodnunsky ½ (meia estrela)
Nobody, de Shawn Linden ***
Heads of Control, de Pat Tremblay (zero)
Dead And Gone, de Peter Koller *1/2
Death Knows Your Name, de Daniel de La Veta ***
Blood Car, de Alex Orr *1/2
Bukarest Fleisch, de Andy Fetscher *1/2
The Legend of Sky Kingdon, de Roger Hawkins *
O Fim da Picada, de Christian Saghaard **1/2
Bigfoot: A Beast on The Run, de David Thayer **
Jennifer’s Shadow, de Daniel De La Vega e Pablo Pares **
We Are The Strange, de M. Dot Strange *
Sexto Sentido, de Nemesio M. Sobrevila ***1/2
Bullit, de Peter Yates ****

Showgirls, de Paul Verhoeven


A história do cinema é pródiga em filmes considerados malditos, obras que ganharam esse título devido a uma temática polêmica ou por apresentarem qualidades artísticas e comerciais questionáveis, nesse último caso, aquilo que podemos chamar de "bombas". É claro que alguns filmes fazem jus a esse estigma, pois realmente são muito ruins. Mas há casos, entretanto, que tal denominação acaba sendo equivocada, sendo fruto de uma percepção preconceituosa ou medíocre. Eu acredito que "Showgirls" enquadra-se nesse último caso. Considerado por muitos críticos e boa parte do público como um dos maiores fiascos da história do cinema, esse foi o filme que quase enterrou a carreira do genial diretor holandês Paul Verhoeven (na verdade, ele nem levou muito a sério esta história, comparecendo em 1996 na entrega do Framboesa de Ouro, quando "Showgirls" foi "vencedor" em várias categorias). Talvez o que tenha levado a tantos a se frustrarem foi o fato de esperarem um novo "Instinto Selvagem", um dos maiores sucessos de Verhoeven e igualmente roteirizado por Joe Eszterhas. O que diferencia os dois filmes, entretanto, é simples: enquanto que em "Instinto Selvagem" temos uma contra-parte "do bem", mesmo que perturbada, na figura do detetive Nick Curran (Michael Douglas) para a figura amoral de Catherine Tramell, em "Show Girls" isso inexiste - em sua trama ninguém é flor que se cheire, e até mesmo a pretensa heroína Nomi Malone (Elisabeth Berkley), por exemplo, não hesita em empurrar a sua rival Cristal Connors (Gina Gershons) para tomar o seu lugar de atração principal de um dos mais famosos números de dança das boates de Las Vegas. E se "Instinto Selvagem" é basicamente um suspense policial pontuado por fortes seqüências eróticas, "Show Girls" é um melodrama sobre ascensão no show business recheado de uma sexualidade que beira quase o pornográfico.

A verdade é que quem lesse atentamente o roteiro de "Showgirls" veria com certeza que se tratava de um verdadeiro suicídio comercial: essencialmente é a trajetória de dançarina loira e gostosa que quer vencer na vida, saindo de um bagaceiro bar de stripper para um show de dança erótica em um dos maiores cassinos de Las Vegas (sério, mas não se consegue perceber com grande clareza qual seria a grande evolução na vida da personagem nessa troca de emprego...). E para coroar todo esse exagero, o pano de fundo da trama é uma Las Vegas no auge da cafonice. Os olhos de Verhoeven devem ter brilhado quando ele viu todo o material que tinha em mãos. Ele joga qualquer traço de sutileza para o espaço, não abrindo qualquer concessão no seu estilo e dando um tratamento barroco e operístico para a saga de Nomi Malone. O cineasta filma as ultra-bregas coreografias das apresentações nos cassinos com uma paixão e sentido épico impressionantes. Sua câmera também dá uma dimensão insólita e ainda mais grandiosa para Las Vegas, fazendo com que a mesma pareça uma versão modernosa de Sodoma e Gomorra. Nesse sentido ainda, Verhoeven não poupa extremos: a podridão moral e a falta de escrúpulos rondam toda a trama, rendendo seqüências antológicas como aquela em que a nossa "heroína" faz a dança do colo em um influente executivo (Kyle MacLachlan) para receber uma oportunidade de emprego ou quando um diretor de coreografia (Robert Davi) sugere a candidatas para um de seus espetáculos que passem cubos de gelos nos seus mamilos para deixá-los mais durinhos...

Talvez o que leve tantos a odiarem "Showgirls" é quererem encarar o filme como se tudo aquilo fosse alguma análise séria de Verhoeven sobre o mundo dos espetáculos ou coisa parecida. O que o diretor realmente nos oferece é uma visão extrema e absurda sobre um tema que nem é tão importante assim, sendo apenas um pretexto para o seu fabuloso virtuosismo cinematográfico que se mostra no auge. A lógica de "Showgirls" é tão escapista e fantasiosa quanto a de humanos guerreando contra insetos gigantes e alienígenas em "Tropas Estelares", outra obra-prima do mestre holandês.

segunda-feira, julho 14, 2008

Filmes das últimas semanas (cotações de 0 a 4 estrelas)


O Sonho de Cassandra, de Woody Allen ****
Caveira My Friend, de Álvaro Guimarães ***1/2
Jardim do Crime, de Neville d’ Almeida ***1/2
Zona do Crime, de Rodrigo Plá ***
Condor, de Roberto Mader ***
A Marca da Maldade, de Orson Welles ****
Perdidos e Malditos, de Geraldo Veloso ***1/2
Hitler III Mundo, de José Agrippino de Paula **1/2
Os Monstros de Babaloo, de Elyseu Visconti ****
Um Beijo Roubado, de Wong Kar-Wai ***
Sagrada Família, de Sylvio Lanna **
Homem de Ferro, de Jon Favreau ***
Speed Racer, de Andy e Larry Wachowski **1/2
Encurralados, de Mike Barker *1/2
A Baía dos Anjos, de Jacques Demy ****
Os Amantes, de Louis Malle ****
Longe Dela, de Parker Posey **1/2
Indiana Jones e o Reino da Caveira de Cristal, de Steven Spielberg ****
Cidadão Langlois, de Edgardo Cozarinsky ***
Depois do Vendaval, de John Ford ****
A Chinesa, de Jean Luc Godard ***1/2
Elisa, Vida Minha, de Carlos Saura ****
Efeito Dominó, de Roger Donaldson ****
Control, de Anton Corbijn ****
Em Paris, de Christophe Honoré ****
As Crônicas de Nârnia – Príncipe Caspin, de Andrew Adamson ***
Bella, de Alejandro Gomez Monteverde **1/2
O Incrível Hulk, de Louis Leterrier ***
Chega de Saudade, de Laís Bodanzky ***
Sete Noivas Para Sete Irmãos, de Stanley Donen ***1/2
Fim dos Tempos, de M. Night Shyamalan ***1/2
Poliéster, de John Waters ****
Wall-E, de Andrew Stanton ****
Quando Explode a Vingança, de Sergio Leone ****
A Noite dos Mortos Vivos, de George Romero ****
Antes Que o Diabo Saiba Que Você Está Morto, de Sidney Lunet ****
Oto, de Bruce LaBruce *1/2
Hype, de Doug Pray ****
Agente 86, de Peter Segal **1/2
Hancock, de Peter Berg ***
Eleições 2 – A Tríade, de Johnny To ****
O Vingador Silencioso, de Sergio Corbucci ****
Os Corruptos, de Fritz Lang ****
O Samurai, de Jean Pierre Melville ****
O Retorno da Maldição – A Mãe das Lágrimas, de Dario Argento ***
Desafio à Corrupção, de Robert Rossen ****
Sweet Sweetback’s Baaadasssss Song, de Melvin Van Peebles ***1/2

segunda-feira, abril 28, 2008

Filmes das últimas duas semanas (cotações de 0 a 4 estrelas)


Shortbus, de John Cameron Mitchell ****
Os Reis da Rua, de David Ayer ***1/2
Viva Zapata!, de Elia Kazan ****
Eric Rohmer – Provas de Apoio, de André S. Labarthe e Jean Douchet ***1/2
A Fábrica do Conto de Verão, de Jean André Fieschi e Françoise Etchegaray ***
Pauline na Praia, de Eric Rohmer ****
O Amigo da Minha Amiga, de Eric Rohmer ****
Um Casamento Perfeito, de Eric Rohmer ***1/2
A Família Savage, de Tâmara Jenkins ***1/2
Botinada, de Gastão Moreira ***1/2
O Salário do Medo, de Henri-Georges Clouzot ****
Brutalidade, de Jules Dassin ****

quinta-feira, abril 17, 2008

Caçado, de William Friedkin ****


Uma das coisas que mais se falou sobre o brilhante “Possuídos” (2006) é que o mesmo marcava o “renascimento artístico” de William Friedkin. Bem, quem falou essa bobagem provavelmente não viu ou tem de rever “Caçado”, produção de 2003 também dirigida por Friedkin, obra essa que está no mesmo nível de qualidade de outras belas obras-primas desse mestre como “Operação França” (1971) e “Viver e Morrer em Los Angeles” (1985). Friedkin mostra que não é necessário fazer dezenas de cortes por minutos para se fazer uma ótima seqüência de ação, sendo que é impressionante em “Caçado” a classe do trabalho de montagem do filme. O cineasta conduz com precisão uma obra que alia forte tensão com cenas eletrizantes de perseguição e lutas corporais. As seqüências em que os personagens de Tommy Lee Jones e Benicio Del Toro duelam com facas e no braço são primorosas no seu dinamismo cinematográfico. Aliás, outro ponto forte em “Caçado” é o ótimo trabalho de direção de atores, com Jones e Del Toro tendo alguns dos melhores momentos dramáticos de suas carreiras.

Assistir a “Caçado” é ver o bom cinema de ação em estado de graça nas mãos de um dos maiores especialistas no gênero.

quarta-feira, abril 16, 2008

O Amor nos Tempos de Cólera, de Mike Newell *


A produção é norte-americana, o roteiro é baseado no livro de um escritor colombiano, a trama se passa numa cidadezinha imaginária da América do Sul, o diretor é inglês e o casal de protagonistas é vivido por um espanhol e uma italiana (com ambos falando um inglês macarrônico). É claro que não é regra que uma combinação esdrúxula dessas necessariamente teria de resultar em um mau filme, mas no caso de “O Amor nos Tempos de Cólera” toda essa confusa combinação de elementos acabou implicando numa obra sem vida e de personalidade nula. A bonita fotografia e a trilha sonora até tem seus encantos, mas não fazem com que a narrativa perca o seu excessivo ranço acadêmico. Confesso que não li o livro de Gabriel Garcia Márquez, mas a trama do livro, digna de uma novela das 8, não me estimulou nem um pouco a ler ao mesmo. É irritante também a forma caricatural com que Mike Newell retrata personagens e situações, tirando dos mesmos quaisquer traços de humanidade e consistência dramática. Tudo no filme é vazio e contaminado por um exotismo para anglo-saxões se deslumbrarem.

Assistir a “O Amor nos Tempos de Cólera”, entretanto, não é um desperdício completo de tempo porque as caracterizações afetadas e as simplificações do roteiro são tantas que em vários momentos do filmes temos um humor involuntário típico das produções thrash. Pensando bem, o filme até seria bem melhor se tivesse Ed Wood comandando essa zona toda...

terça-feira, abril 15, 2008

A Morta Viva, de Jacques Tourneur ****


O título em português desse filme clássico de Jacques Torneur lançado em 1943 pode fazer supor que seja uma produção podreira sobre zumbis. Mas o caso aqui é quase que o oposto. Assim como na sua outra obra-prima “Sangue de Pantera” (1942), o mestre dos filmes de horror da RKO prefere investir na construção de atmosferas sombrias e no suspense psicológico, onde a tensão vem muito mais do que é sugerido do que é realmente mostrado. Tourneur obtém seqüências de uma beleza visual perturbadora, principalmente naquela em que a enfermeira Betsy (Frances Dee) segue a Senhora. Holland (Edith Barrett) no meio de uma floresta sombria e enevoada. As trucagens são simples e econômicas, mas contribuem fantasticamente com o raro encanto sensorial de “A Morta Viva”. O resultado de tantas virtudes cinematográficas é um filme que envelheceu quase nada.

Filmes da Semana (Cotações de 0 a 4 estrelas)


Não Estou Lá, de Todd Haynes ****
Horton e o Mundo dos Quem, de Jimmy Hayward e Steve Martino ***1/2
Apenas Uma Vez, de John Carney ***1/2
Cantando na Chuva, de Gene Kelly e Stanley Donnen ****
Bang-Bang, de Andrea Tonacci ****

Coisas Que Perdemos Pelo Caminho, de Susanne Bier **1/2


Os dois primeiros filmes que assisti da diretora dinamarquesa de Susanne Bier foram “Corações Livres” (2002) e “Brothers” (2004), obras altamente vigorosas, em que a cineasta combinava com maestria o rigor naturalista típico do movimento Dogma 95 e dinâmica narrativa admirável, além das tramas apresentarem uma forte densidade dramática que dispensava sentimentalismos excessivos. O superestimado “Depois do Casamento” (2006) colocou a perder boa parte das qualidades das produções anteriores, com a diretora sucumbindo a exageros melodramáticos e convencionalismos formais.

“Coisas Que Perdemos Pelo Caminho” (2007), estréia de Susanne Bier nas produções norte-americana, é um pouco melhor que “Depois do Casamento”, mas não recupera o brilho inicial de “Corações Livres” e “Brothers”. Por mais que o filme trate de temas difíceis como morte e vício em drogas pesadas, o tratamento que a cineasta oferece aos mesmos é asséptico demais, tirando muito do impacto que o filme poderia ter. Bier parece mais preocupada com as lições de vida do que com oferecer uma narrativa interessante. Mesmo assim, o filme mostra alguns atrativos, principalmente pela boa interpretação de Benicio Del Toro como o viciado Jerry (apesar de estar a léguas de distância do assustador junkie vivido por Del Toro no genial “Medo e Delírio em Las Vegas), além da bela trilha sonora recheada de inesquecíveis canções de Velvet Underground e Frank Zappa.

domingo, abril 13, 2008

Filmes da Semana (cotações de 0 a 4 estrelas)


Mulheres Sexo Verdades Mentiras, de Euclides Marinho *
Allegro, de Christopher Boe ***
Smiley Face, de Gregg Araki *1/2
Além do Desejo, de Pernille Fisher Christensen ***
Jogos do Poder, de Mike Nichols **1/2
A Casa de Alice, de Chico Teixeira **1/2
Angel, de François Ozon *1/2
Jogo de Cena, de Eduardo Coutinho ***
Cada Um Com Seu Cinema, de David Cronenberg, David Lynch e outros ***
Antes de Partir, de Rob Reiner **
Mala Noche, de Gus Van Sant ****
Ritos de Amor e Morte, de Yukio Mishima ****
Demência, de John Parker ****
Rambo 4, de Sylvester Stallone ****
Obras-Primas do Terror, de Enrique Carreras ****
Persépolis, de Marjane Satrapi e Vincent Parannaud ***
Os Senhores do Crime, de David Cronenberg ****
10.000 A.C., de Roland Emmerich **1/2
Medos Privados em Lugares Públicos, de Alain Resnais ***1/2
Sicko - $O$ Saúde, de Michael Moore **
Andarilho, de Cao Guimarães ***
Diário de Sintra, de Paula Gaitán *
Estômago, de Marcos Jorge ***
O Povo das Ilhas Perdidas, de Hrant Hakobyan **1/2
O Parque, de Yin Lichuan ***1/2
Quem Me Ama Que Me Siga, Benoit Cohen **1/2
Desvinculados, deJoanna Figg **1/2
Procurando Miguel, de Juan Fischer *1/2
Piscina de Princesas, de Bettina Blümer **1/2
Dias, de Laura Muscardin *
Cidade Congelada, de Aku Louhimies **1/2
Valsa Para Bruno Stein, de Paulo Nascimento *
Café Lumiere, Hou Hsiao-sien **1/2
Margem, de Maya Da Rin **
Rapsódias Balcânicas: Sérvia e Kosovo, de Jeff Daniel Silva **1/2
Primavera Em Um Parque, de Hiroshi Toda **
Compaixão, de Yaniv Amodai **1/2
Nossos Anos, de Alberto Gaglianoni ***
Para Sempre Esther, de Richard Olivier ***
Miss Gulag, de Maria Yatskva **
Minha Winnipeg, de Guy Maddin ***1/2
Inocência Selvagem, de Philippe Garrel ****
Quer Saber?, de Paulo de Tarso Disca **
A Fazenda das Alondras, de Paolo e Vittorio Taviani ***
Pesos Ligeiros, de Enrico Pau **1/2
Medusas, de Shira Geffen ***
Milton Santos: O Mundo Global Visto do Lado de Cá, de Silvio Tendler ***
O Império dos Sonhos, de David Lynch ****
A Oferenda, de Michelangelo Frammartino **1/2
Os De Lip – A Imaginação no Poder, de Christian Rouaud ***
Nossas Vidas Privadas, de Denis Coté **1/2
Também Queremos as Rosas, de Alina Marazzi ***
Réquiem – O Exorcismo de Micaela, de Hans-Christian Schmid ***1/2
Nisida – Crescer na Prisão, de Laura Rastelli **1/2
O Amor Esquivo, de Abellatif Kechiché ****
Residência Roma, de Andréa Foschi, Marco Innocenti, Marco Neri e Pietro Pasquetti **
Vjesh/Canto, de Rossella Schillaci ***
Domicílio Privado, de Saverio Costanzo ***
O Lado Grotesco da Vida, de Federica di Giacomo **1/2
Férias, de Thomas Arslan **1/2
O Exame de Xhodi, de Gianluca e Mssimiliano De Serio *1/2
Almost Blue, de Alex Infascelli **
Ser Romeu e Julieta, de Robin Schlant ***
Ascensor, de George Dorogantu *
A Sombra Má, de Andrea Segre e Francesco Cresati **
Tal Como Sou, de Ingrid Demetz **
Tartarugas na Costa, deSefano Pasetto **1/2
Filkret Bey, de Selma Koksal Cekik *1/2
Edu Coração de Ouro, de Domingos de Oliveira ***1/2
A Culpa, de Domingos de Oliveira ***
Jumper, de Doug Liman ***1/2
Possessão, de Andrzej Zulawski ****
O Sinal, de Ricardo Darín e Martin Odara ***
Na Natureza Selvagem, de Sean Penn ***1/2
O Preço da Coragem, de Michael Winterbottom ***
4 Meses, 3 Semanas e 2 Dias, de Cristian Mungiu **1/2
Serras da Desordem, de Andrea Tonacci ***
Rolling Stones – Shine a Light – de Martin Scorsese ****
Zona de Conflito, de Tim Roth ****
Alice no País das Maravilhas, de Clyde Geronimi, Wilfred Jackson e Hamilton Luske ****
Scarface, de Howard Hawks ****
Fúria Sanguinária, de Raoul Walsh ****
Terra, de Julio Medem ****
Vacas, de Julio Medem ****
O Dia da Besta, de Álex de la Iglesia ****

Anos de Rebeldia, de Denis Hopper ****


Lançado em 1979 e considerado um dos vários pontos altos da carreira de Neil Young, o álbum "Rust Never Sleeps" é o reflexo de uma época conturbada tanto para o rock quanto para o próprio mundo. Era um tempo ainda muito marcado pela efervescência violenta e niilista do punk, com o ideário de paz e amor da geração "flower power" sepultado. Intrigado com a situação, o mestre canadense resolve expressar sua visão desse período através do disco em questão, cujo título, "A Ferrugem Nunca Dorme", já é uma alusão ao temor do autor de ser transformado em apenas mais um anacronismo. A clássica canção de abertura do disco, "Hey Hey, My My (Out Of The Blue)", sintetiza com perfeição o espírito da obra. Nela, Neil Young declara o seu amor ao rock and roll e faz dele a sua profissão de fé, mas ao mesmo tempo expõe as suas contradições, fazendo a ligação direta entre o Rei Elvis Presley e o príncipe bastardo Johnny Rotten, vocalista e líder dos Sex Pistols. É nessa canção, inclusive, que está a famosa sentença "é melhor queimar do que enferrujar", citada por Kurt Cobain na sua carta de despedida.

"Anos de Rebeldia", cujo título original é "Out Of The Blue", é um filme de 1981 que é diretamente inspirado em "Hey Hey, My My", mostrando o cotidiano de C.B. (Linda Manz), uma "punk girl" interiorana sempre pronta a arrumar confusões e fissurada em Elvis e Sid Vicious. Ao longo da trama, a menina vê o seu frágil núcleo familiar se desestruturar ainda mais após o seu pai, Don Barnes (Denis Hopper, também diretor do filme), sair da prisão.

Um detalhe fantástico em "Anos de Rebeldia" é que ele parece uma continuação natural de "Sem Destino", a fundamental obra de estréia de Hopper na direção e um verdadeiro marco cultural dos "sixties". Enquanto no primeiro filme há uma abordagem com um certo tom idealista e romântico para a trajetória dos dois traficantes-motoqueiros interpretados por Hopper e Peter Fonda, mas com final abrupto e violento, em "Anos de Rebeldia" essa visão mais reverencial dos anos 60 desaparece. Para o diretor, o sonho definitivamente acabou. A rebeldia, o amor livre e o uso de drogas, vistos anteriormente como formas de contestação da sociedade, foram distorcidos, passando apenas a serem mais uma forma de alienação. E C.B. é a encarnação perfeita dessa constatação, com a mesma tendo um ódio que chega a ser conceitual pelos hippies (a garota adora invadir as ondas de rádios amadores para ficar bradando "Kill All Hippies" - aliás, tal expressão é título de uma grande canção do Primal Scream, que inclusive sampleou as falas de C.B. para a música).

Hopper filma toda essa saga de decadência e destruição com muito vigor e estilo, apostando em um registro de fortes influências documentais que se casa perfeitamente com o espírito do filme. Isso se reflete logo na violenta abertura, com um dos acidentes automobilísticos mais brutais já visto no cinema, e também nas fantásticas seqüências de peregrinação noturna de C.B. pela cidadezinha onde vive e arredores, com a mesma se metendo em tudo que é tipo de encrenca, desde a puxar briga com leões-de-chácara com o triplo do seu tamanho até dar canja como baterista no show de uma banda punk e logo após participar do roubo de um carro. A espontaneidade captada por Hopper nesses momentos é admirável. É incrível também como a direção de fotografia oferece ao filme uma narrativa visual fortemente expressiva, abusando de longos planos-seqüência .

Além do belo trabalho na direção, Denis Hopper tem em "Anos de Rebeldia" uma das melhores interpretações de sua carreira, com o seu Don Barnes variando de forma comovente entre o francamente repulsivo e o patético. Mas o grande destaque do elenco do filme é sem dúvida nenhuma Linda Manz. Ela faz com que C.B. seja aquele tipo de personagem que fica rondando no nosso imaginário cinematográfico para sempre. Afinal, é em torno dela que gira o próprio filme, fazendo com que realmente ficamos íntimos da garota. Ao longo do filme, conseguimos perceber várias facetas de C.B.: sarcástica, apaixonada, carinhosa, carente, inocente, vingativa, sábia. Manz sabe captar e expressar todos esses lados da personagem, oferecendo uma atuação inesquecível. A garota ainda consegue resumir toda essa gama de sensações na trágica e irônica conclusão de "Anos de Rebeldia". Tal final, aliás, é uma verdadeira sacada de gênio de Hopper, dando um fecho sombrio e coerente para essa pérola transgressora da sua bissexta e marcante carreira de cineasta.

sábado, abril 12, 2008

Profissão de Risco, de Ted Demme ***


Em "Profissão de Risco", o diretor Ted Demme parece nos dizer insistentemente que quer ser o novo Martin Scorsese. Bem, se ele conseguiria atingir tal objetivo é uma incógnita, afinal Demme faleceu em 2002, logo após ter finalizado "Profissão de Risco". Mas a julgar pelo filme em questão, é provável que dificilmente atingisse tal patamar. Até porque Scorsese já demonstrava genialidade no início de sua carreira, em filme como "Quem Bate a Minha Porta", "Sexy e Perigosa" e "Caminhos Perigosos", coisa que Demme nunca demonstrou em sua curta carreira cinematográfica. Mas não ser Scorsese não implica necessariamente em ser ruim, sendo que em "Profissão de Risco" podemos encontrar alguns momentos de bom cinema.

Demme formata "Profissão de Risco", tanto formal quanto tematicamente, tendo como modelo "Os Bons Companheiros", uma das grandes obras-primas de Scorsese, contando a história de ascensão, apogeu e queda do traficante George Jung (Johnny Depp). Guardadas às devidas proporções, a primeira metade de "Profissão de Risco" remete bastante aos filmes de gangsters de Scorsese, com um ritmo frenético (que parece aludir ao consumo de cocaína), caracterização bem trabalhada dos anos 60 e 70 e narração em off pautando a ação. São nesses momentos que o filme tem as suas melhores seqüências, com Demme sabendo conciliar com firmeza ironia e dramaticidade, além de contar com uma edição envolvente que se casa de forma eficiente com a trilha sonora recheada de ótimas canções emblemáticas da época. O diretor cria também um clima de dubiedade para a sua trama, em que a opulência e intensidade da vida do protagonista provocam um efeito de atração e repúdio para quem assiste.

Os problemas de "Profissão de Risco" começam aparecer, entretanto, no segundo ato do filme, que corresponde à decadência financeira e moral de Jung. O filme adquire uma narrativa muito mais arrastada e marcada por um forte tom moralista do tipo "você fez e agora você tem de pagar". Perde-se o sarcasmo do início, e fica apenas o rosário de desgraças para o nosso "herói". Demme parece esquecer alguns dos princípios do seu mestre, transformando a história de Jung em apenas mais uma parábola de como não devemos desobedecer a lei sob o risco de nos arrependermos. Uma das coisas fascinantes em "Os Bons Companheiros" era justamente o fato de que os personagens de Scorsese não pareciam demonstrar arrependimento dos seus atos, aceitando resignados o seu destino como uma das possíveis conseqüências para os seus crimes. O brilhante final resumia perfeitamente esse espírito: Henry Hill (Ray Liotta), já sob as asas do programa de proteção a testemunhas, olha o seu prato de macarrão com catchup e diz: "eu comia muito melhor antes". Aliás, um detalhe curioso em "Profissão de Risco" é o fato de Ray Liotta participar do filme como o pai de Jung, dando justamente a impressão desse último parecer uma versão júnior de seu marcante personagem em "Os Bons Companheiros".

quarta-feira, fevereiro 27, 2008

Bird, de Clint Eastwood ****


A cinebiografia do saxofonista de jazz Charlie Parker, um dos grandes expoentes do bebop, é um filme realizado com paixão e conhecimento de causa. Clint Eastwood sempre foi admirador do músico e isso se reflete em cada fotograma. É admirável ainda que apesar de todo o carinho do diretor pelo seu protagonista, isso não impede que a vida de Bird (apelido de Parker) seja exposta de forma franca e sincera. Ao mesmo tempo em que podemos ver todos os motivos que levaram o personagem título a ser considerado um dos mais geniais músicos norte-americano do século passado, também constatamos muito da instabilidade e confusão da sua vida pessoal. Essa abordagem crua colabora ainda mais para o sucesso artístico de "Bird", tendo em vista que torna Parker um personagem ainda mais humano e carismático.

Eastwood foi ambicioso em "Bird": além de contar parte da trajetória de Parker, realiza também um belo panorama da cena jazz dos anos 40 e 50. Para isso, contou com um trabalho minucioso de reconstituição de época. A recriação dos ambientes enfumaçados dos clubes e boates onde Parker e outros músicos tocavam é impressionante. Os números musicais também são de tirar o chapéu: os solos originais de Parker foram inseridos dentro de um novo acompanhamento e o resultado é arrebatador, com um som que sai cristalino e que parece que foi gravado ontem. De se destacar ainda o fato de que Eastwood pegou todo o seu vasto conhecimento sobre os meandros do jazz, expondo com clareza e sensibilidade, e sem cair no didatismo estéril, muito das questões que norteavam o gênero na época: a falta de reconhecimento nos EUA e o auto-exílio dos músicos em Paris, o conflito entre o cool jazz acessível para as platéias brancas e a fúria criativa e improvisadora do bebop, a vida desregrada e auto-destrutiva de alguns de seus expoentes. Dentro desse último aspecto, é interessante observar como o roteiro de "Bird" evita o caminho fácil das simplificações e moralismos óbvios ao relacionar o conturbado comportamento de Parker com a sua música inovadora e imprevisível, como se esses dois lados da vida do músico tivessem uma relação de dependência recíproca. Isso fica evidente na seqüência em que a mulher de Parker, Chan (Diane Venora), fica na dúvida em permitir ou não a aplicação de uma terapia que poderia aplacar o processo de auto-destruição do saxofonista, mas que certamente embotaria muito da sua criatividade e sensibilidade.

Eastwood também foi extremamente feliz na escolha e direção do seu elenco. Forest Whitaker encarna com perfeição o papel título. Muito além da simples mimetização de maneirismos, o que realmente chama atenção na sua interpretação é a composição de um personagem que não cai no unidimensionalismo: o seu Charlie Parker pode ser uma cara infeliz e preste a desabar, mas ao mesmo tempo consegue ser irônico, sedutor e com um senso musical genial, e que da mesma forma que em alguns momentos consegue ser atraente também consegue causar o mais patético repúdio. Diane Venora também está magnífica, sendo que ela dá para Chan Parker uma personalidade que alterna com impressionante naturalidade uma série de diferentes situações e sensações: da admiração e cumplicidade, passando pela frustração e chegando a resignação, Venora dá uma dimensão humana para Chan tão forte quanto à do protagonista do filme.

É interessante observar também que "Bird" traz muito da visão pessoal do próprio Clint Eastwood sobre a música americana do século passado. O diretor não esconde suas preferências musicais: deixa bem claro o seu amor pelo jazz e desprezo pelo rock and roll. Isso pode até soar conservador, mas acaba ganhando a simpatia pela sinceridade, rendendo um dos momentos mais irônicos do filme, que é na dolorosa seqüência final que retrata a última noite da vida de Charlie Parker: o músico, bêbado e já muito doente, perambula pelas ruas de Nova Iorque visitando amigos ou velhos clubes já fechados quando acaba encontrando um velho conhecido saxofonista que está tocando rock em um auditório absolutamente lotado. Perplexo com a cena, Parker rouba o saxofone do "roqueiro" e sai correndo com o instrumento e tocando o mesmo. Após, entrega o sax e diz que o pegou apenas para ver se ele tocava mais de uma nota...

Mais do que simplesmente uma mera cinebiografia, Estwood conseguiu evidenciar em "Bird", através de sons e imagens, muito da essência do jazz através da figura de Charlie Parker, fazendo do seu filme uma das melhores traduções cinematográficas desse gênero musical, junto com o sensacional "Por Volta da Meia Noite", de Bertrand Tavernier.

segunda-feira, fevereiro 25, 2008

Tartarugas Podem Voar, de Bahman Ghobadi ***1/2



Quem acompanha o cinema mundial com uma certa regularidade geralmente sabe o que aguardar de um filme iraniano: universo infantil mesclando-se com temática social, elenco composto basicamente por atores amadores, fotografia e montagem que remetem ao neo-realismo italiano. Mesmo caindo um pouco nessa previsibilidade, "Tartarugas Podem Voar", de Bahman Ghobadi (o mesmo diretor do bom "Tempo de Embebedar Cavalos"), é uma obra de luz própria e que apresenta particularidades dentro da linha de produções iranianas.

Logo no seu começo, "Tartarugas Podem Voar" já apresenta uma de suas melhores qualidades: um protagonista fortemente carismático. "Satélite" (Soram Ebrahim) é um garoto órfão responsável por colocar a vila de refugiados curdos iraquianos onde vive em contato com o mundo. Como o período da trama se passa justamente durante esse último conflito entre EUA e Iraque, seu papel na comunidade é mais do que fundamental. Além disso, é líder das crianças que se dedicam a caçar minas para vender nas cidades próximas. A forma com que Ghobadi apresenta o personagem é muito interessante: "Satélite" é a figura de lucidez num mundo que parece estar sempre pronto a desabar. Mesmo não agindo por motivos altruísticos, parece ser o elo que mantém a sua vila ainda ligada a civilização. O jovem ator Soram Ebharim é uma revelação, sendo que ele compõe com sensibilidade um personagem que parece estar sempre a ponto de entrar em colapso.

Talvez a nuance que mais faz com que "Tartarugas Podem Voar" se destaque de outras produções conterrâneas é a forma com que a sua narrativa oscila entre a ironia e a amargura. E quando esse lado melancólico entra em cena, sempre é com uma força devastadora. Isso fica evidente quando surge na trama a estranha "família" composta por um adolescente sem braços especialista em desarmar minas com a boca, uma garota soturna e uma criança cega. Ao mesmo tempo que aos poucos os segredos dos mesmos vão se desnudando, "Satélite" começa a se envolver com os jovens em questão, revelando um lado benevolente e inocente desconhecido até então. O garoto vê em Henkov (Hirsh Feyssal), a garota de eterno semblante taciturno, uma chance de finalmente ter uma família e uma vida normal. A visão cruel dos fatos mostrados em "Tartarugas Podem Voar", entretanto, não permite complacência ou redenção para os seus personagens. À medida que conhecemos os motivos que levam Henkov a ser tão dura percebemos também que não espaço para soluções fáceis no filme.

Ghobadi conduz o seu filme também com um estilo bem interessante. Predomina em boa parte da produção uma forma de filmar com tons fortemente documentais. Em alguns momentos, contudo, o cineasta insere em sua narrativa alguns toques oníricos, principalmente nas seqüências em que são focalizados as lembranças e os pesadelos de Henkov. Esse contraste entre sonho e realidade tem um efeito perturbador, sendo um dos ponto altos de "Tartarugas Podem Voar". O cineasta consegue também obter outro punhado de seqüências antológicas nas tomadas aquáticas no lago em que os personagens costumam se banhar, com tais cenas indo do poético ao sinistro.

Mesmo não tendo a precisão formal de obras como "Filhos do Paraíso" e "Onde Fica a Casa do Meu Amigo", títulos que representam o ápice do cinema iraniano, as "Tartarugas Podem Voar" é uma obra expressiva e que merece ser vista. E Bahman Ghobadi mostra que é um nome a se prestar atenção.

Filmes da Semana (Cotações de 0 a 4 estrelas)


Sangue Negro, de Paul Thomas Anderson ****
A Via Láctea, de Lina Charmie *1/2
Elisabeth – A Era de Ouro, de Shekar Khapur ***
Os Indomáveis, de James Mangold ***1/2
O Orfanato, de Juan Antonio Bayona **1/2
Mutum, de Sandra Kogut **
Infidelidade?, de Miguel Oscar Menassa 0 (zero estrela)
A Petal, de Jang Seon-Woo ***1/2
Moacir – Arte Bruta, de Walter Carvalho ***1/2
Quem Disse Que é Fácil, de Juan Taratuto *
Savage Grace, de Tom Kalin **1/2
Delírios, de Tom DiCillo ***

sexta-feira, fevereiro 22, 2008

A Fogueira das Vaidades, de Brian De Palma ***


Comentar adaptações cinematográficas de obras literárias geralmente é uma tarefa complicada. Por mais que digamos que as mesmas devam ser vistas como filmes independentes das obras originais nas quais foram baseadas, acabamos sempre fazendo comparações, ainda mais se tivemos a oportunidade de ler anteriormente os livros em questão. Digo tudo isso porque é exatamente o que sinto ao escrever sobre "A Fogueira das Vaidades", versão para o cinema dirigida por Brian De Palma para o romance escrito por Tom Wolfe.

Lembro-me que na época do seu lançamento, em 1990, havia uma grande expectativa em relação ao filme. O livro de Wolfe faz uma brilhante e corrosiva sátira à questão racial nos EUA ao retratar a queda social de Sherman McCoy, um endinheirado agente financeiro que vê o seu mundo ruir quando acidentalmente atropela um jovem negro que aparentemente tentava assaltá-lo. O escritor não pouca sarcasmo ao mostrar brancos e negros dispostos a tudo para tirarem vantagem do calvário de McCoy, indo de um decadente e alcóoltra jornalista sensacionalista, passando por um jovem promotor judeu oportunista e chegando a um maquiavélico reverendo negro. Aliado a esse ótimo material, podia-se considerar ainda o fato de que Wolfe já tinha um livro adaptado anteriormente para os cinemas que acabou resultando em uma obra-prima, no caso, "Os Eleitos", dirigido por Philip Kaufman. E para concluir, De Palma havia demonstrado brilhantismo nessa área de transposição para as telas de obras literárias ao dirigir o clássico filme de terror "Carrie, A Estranha" (na minha opinião, muito melhor que o próprio livro original de Stephen King). O fato é que tantas expectativas acabaram sendo frustradas, e "A Fogueira das Vaidades" foi tremendamente mal recebido por público e crítica.

A verdade, entretanto, é que assistindo "A Fogueira das Vaidades" pode-se perceber que o filme, apesar de não ser exatamente um clássico, está muito longe de poder ser considerado um fiasco. Para começar, tendo um virtuose como De Palma atrás das câmeras, é difícil termos algo menos que interessante. Só a seqüência de abertura já vale uma conferida no filme: abusando do recurso de plano seqüência, o cineasta acompanha todo o trajeto do jornalista Peter Fallow (Bruce Willis) do estacionamento até o salão de festas de um luxuoso edifício onde o repórter vai ganhar um prêmio Pullitzer. O que torna ainda mais sensacional tal seqüência é fato de Fallow estar bêbado (a cena dele enfiando a mão em um salmão servido na bandeja é antológica), sendo que os movimentos de câmera são tão vertiginosos que parecem refletir justamente a sensação de ebriedade do personagem. Momentos como esse aparecem ao natural durante boa parte do filme, com De Palma criando climas de verdadeiro pesadelo para Sherman McCoy (Tom Hanks, em um estilo de interpretação que já evocava o estilo catatônico de Forrest Gump).

O que impede que "A Fogueira das Vaidades" seja uma obra cinematográfica que entre no nível de espetacular é que todo o seu rigoroso cuidado na edição e fotografia acabou não bastando para torná-lo uma experiência plenamente satisfatória. "A Fogueira das Vaidades" é um filme que dependia muito de um roteiro bem estruturado, elemento esse que acabou não tendo. Muito das nuances fundamentais para a compreensão do espírito do livro de Tom Wolfe perderam-se em simplificações excessivas da adaptação. Personagens e situações se tornaram bem mais rasos e menos interessantes. Isso pode ser constatado, por exemplo, no frustraste e moralista final, em que o Juiz Leonard White (Morgan Freeman no seu eterno papel do bom negro que aconselha seus amigos brancos) dá um discurso edificante em pleno tribunal, descaracterizando totalmente a intenção original de Wolfe para a conclusão de sua obra, que era mais cínica e pessimista (e, conseqüentemente, bem mais interessante). É claro que com tudo isso não estou dizendo que os melhores filmes são aqueles que têm os melhores roteiros (até porque se fosse assim seria melhor ler livros do que assistir filmes). Apenas considero que existem filmes que pedem, além do cuidado visual, um roteiro elaborado com maior precisão, o que é o caso de "A Fogueira das Vaidades". Philip Kaufman, ao dirigir o anteriormente mencionado "Os Eleitos", teve a preocupação em escrever um roteiro que fosse o mais fiel possível às intenções de Wolfe, o que acabou resultando em uma adaptação que foi melhor sucedida que o filme de De Palma.

Mas mesmo com todos esses problemas, "A Fogueira das Vaidades" é um programa obrigatório para quem curte Brian De Palma e bom cinema, pois em termos de linguagem cinematográfica é bem mais ousado e melhor realizado que os Crashs da vida. E mesmo não estando no melhor de sua obra, De Palma não desistiu de continuar fazer filmes baseados em obras literárias, o que acabou revelando ser uma decisão sábia. Afinal, em 1993 ele acabou realizando aquela que é a sua grande obra-prima, "O Pagamento Final", baseado no livro de Edwin Torres.

Assassinatos do Expresso da Meia-Noite, de Aldo Lado ****


Essa produção italiana de 1978 é uma refilmagem da obra de estréia de Wes Craven, “Aniversário Macabro” (1972), mas é muito mais que um mero remake picareta. Ao contrário do charme amador do filme de Craven, o trabalho do diretor Aldo Lado é marcado por um grau de rebuscamento formal típico das produções setentistas do gênero Giallo. O resultado é um filme ainda mais assustador e tenso que a obra original. As seqüências que se passam no trem do título do filme são marcadas por um suspense mórbido e sórdido, com Lado mostrando apuro estético nos moldes do melhor de Dario Argento, explorando com maestria os ambientes soturnos dos vagões. A caracterização dos marginais estupradores e homicidas que molestam jovens garotas em um dos vagões impressiona pela crueza e ausência de maiores justificativas: eles simplesmente são vilões violentos e sádicos e parecem se deliciar com isso (o que em tempos de politicamente correto como os nossos pode chocar os espectadores mais desavisados).

quinta-feira, fevereiro 21, 2008

No Direction Home, de Martin Scorsese ****


Tentar explicar o fenômeno Bob Dylan através de um documentário é uma tarefa impossível. Ainda mais se o filme em questão retrata apenas a primeira fase da carreira do bardo americano (1961-1966). Martin Scorsese, entretanto, não se intimidou com a dificuldade da empreitada. "No Direction Home", produção televisiva de 2005, é uma bela tentativa de decifrar o significado daquele que é uma das figuras mais fascinantes da história da música.

Scorsese teve em mãos farto material para realizar "No Direction Home", indo de uma quantidade admirável de registros raros de arquivo (fotos, gravações e filmes, incluindo até trechos de "Don't Look Back", clássico documentário dirigido por D.A. Pennebaker) até depoimentos reveladores tanto de Dylan quanto de pessoas próximas a ele. O cineasta combina tudo isso com maestria notável, utilizando-se de um trabalho de edição que dá uma fluidez e coerência impressionantes para a verdadeira overdose de imagens e informações que nos são mostradas. É fascinante também que a forma com que todo esse material é exibido revela a visão particular de Scorsese sobre a trajetória artística e pessoal do seu biografado, sem que seja necessário apelar para uma constante narração em off. Nesse sentido, a linguagem utilizada é tão bem elaborada em termos cinematográficos que chega a ser um crime que "No Direction Home" não tenha sido exibido na tela grande.

A vida de Bob Dylan não representa apenas uma sucessão de acontecimentos pessoais. A biografia do músico é recheada de fatos e significados que se confundem com várias questões pertinentes à história mundial contemporânea. Scorsese teve a sensibilidade para compreender isso, fazendo com que "No Direction Home" não mostre apenas a história de parte da vida de Dylan, mas também que contextualize com brilhantismo o mundo que o cerca. Nesse sentido, é sensacional a forma com que o cineasta aborda as influências musicais que levaram Dylan a forjar seu estilo único, pois é realizado um extensivo e apaixonado inventário do que de melhor a música norte-americana produziu no século passado. Indo do folk mais tradicional, passando por country e blues e chegando até ao rock, temos um panorama amplo desse aspecto tão rico da cultura dos EUA, sendo que Scorsese tem a sacada de mestre de recuperar e valorizar tremendamente a figura de Woody Guthrie, mestre da música folk e ícone da música protesto e que foi a influência decisiva para a primeira fase da carreira de Dylan, quando o mesmo se consagrou como uma espécie de menestrel moderno.

"No Direction Home" revela também como a trajetória de Dylan confunde-se com um dos períodos mais conturbados do século passado que foram os anos 60. A relação dele com essa época é fortemente paradoxal. Nos primeiros anos da sua carreira nos "sixties", Dylan era visto como um herói para o seu público. Músicos, universitários, intelectuais e a juventude em geral o viam como um resgatador da pureza musical dos EUA e porta voz dos grandes ideais sociais e políticos da época. Praticamente todas as causas civis importantes queriam a participação do músico. Essa lua de mel é interrompida quando Dylan, influenciado pelos Beatles, resolve trocar o violão acústico por uma banda de rock para acompanhá-lo. Isso causa um choque considerável para os seus fãs, o que fica evidenciado na seqüência de "No Direction Home" em que aparece o nosso herói tocando "eletrificado" pela primeira vez no tradicionalíssimo festival folk de Newport em 1965, provocando uma verdadeira trovoada de protestos e vaias por parte da platéia. Outro momento ilustrativo do documentário em relação a esse conflito é logo na abertura, em que Dylan, acompanhado pelos magníficos The Hawks (futura The Band), em show em Manchester na Inglaterra é xingado por parte do público com ofensas como "Judas" ou "traidor". Através de fatos como esses, Scorsese nos dá uma visão bem menos mitificada dos anos 60, mostrando que mesmo na ala dita "libertária" da sociedade havia altas doses de conservadorismo e intolerância. Na verdade, era como se o mundo não estivesse preparado para digerir alguém como Bob Dylan. Exemplo disso são as seqüências que mostram o mesmo sendo entrevistado por repórteres. É engraçadíssimo ver a cara de perplexo de Dylan perante a obtusidade de seus entrevistadores ou as suas respostas irônicas para algumas perguntas incrivelmente cretinas.

A maneira como essa relação conflituosa entre o biografado e o universo de fãs e imprensa que gira em torno dele também faz com que "No Direction Home" seja uma reflexão do papel do artista perante o seu público. Dylan é um músico cheio de inquietações em relação a sua arte. A imprevisibilidade e inconstância são inerentes à sua própria criatividade. Na sua lógica, sua obrigação não está em agradar o público, mas sim em expressar a sua visão artística da forma que ele desejar, por mais absurda ou ilógica que ela possa parecer. Se ele estivesse apenas disposto a fazer o que esperam dele, é provável que não teríamos alguns dos seus mais brilhantes discos e que sua carreira não fosse tão fantasticamente perene como é. E se hoje, em tempos de louvação do arrivismo e mediocridade de "Os Dois Filhos de Francisco", tal posicionamento pode ser profundamente transgressivo, imagina nos anos 60...

Como se pode observar, a gama de questões levantadas por "No Direction Home" é considerável e complexa, sendo que Scorsese consegue colocar tudo isso na tela com uma clareza extrema. Isso ocorre porque o cineasta, apesar de admirador confesso de Dylan, não perde a perspectiva humana de seu biografado. Houve um cuidado para não transformar o documentário apenas numa peça de promoção das qualidades de Dylan. Muito pelo contrário. Scorsese expõe o músico como uma pessoa marcada por fortes contradições e capaz de atitudes não muito louváveis. Isso fica evidente principalmente em alguns depoimentos com uma certa dose de amargura de artistas que foram muito próximos a ele como Peter Seeger, Joan Baez e Liam Clancy, em que Dylan é descrito como uma pessoa capaz de atos não muito éticos para promover a sua carreira. O documentário também mostra as dificuldades dele em lidar com as amenidades de uma rotina caseira normal, o que faz com que o mesmo só sinta-se realmente à vontade quando está na estrada (aliás, o próprio título do filme é uma referência a esse fato). Essa visão franca e sem maniqueísmos simplistas torna ainda mais intrigante a figura de Bob Dylan.

Tudo o que descrevi nesse texto é apenas um brevíssimo resumo. As três horas e meia de "No Direction Home" contém ainda mais informações e imagens preciosas, além de vários momentos com ótima música, e que nos fazem aguardar ansiosamente uma continuação desse projeto tão bem sucedido de Martin Scorsese. Afinal, o filme vai somente até 1966, mais precisamente no dia em que Dylan sofreu um acidente de moto que o deixou "de molho" por alguns anos, sendo que posteriormente ele produziu outros discos antológicos, além de uma série de acontecimentos relevantes que ocorreram na sua vida (para aqueles que querem saber mais, recomendo a excelente biografia "Dylan - A Biografia", escrita por Howard Sounes, e lançada no Brasil pela Editora Conrad). Enfim, "No Direction Home" não é só indicado para fãs de Bob Dylan, mas também para aqueles interessados por grandes filmes ou em conhecer um dos músicos mais geniais de todos os tempos.

terça-feira, fevereiro 19, 2008

Across The Universe, de Julie Taymor ***1/2


É claro que o roteiro esquemático (parece uma versão requentada de “Hair”), o encadeamento meio truncado em alguns momentos entre a trama e os números musicais em si e algumas seqüências mais melosas fazem que “Across The Universe” seja um filme que esteja longe da perfeição. A verdade, entretanto, é que isso são apenas meros detalhes, pois o que interessa nessa produção é a tentativa de tradução da música dos Beatles em imagens. E nisso o filme é bem sucedido. O frescor juvenil e a beleza onírica de algumas seqüências estão em perfeita sintonia com o espírito das canções do quarteto de Liverpool, variando, inclusive, de acordo com a própria evolução artística do quarteto, indo daquelas singelas canções de amor do início de carreira do grupo e chegando até as ousadas experiências deles com psicodelia e arranjos mais complexos. Surpreende positivamente também em “Across The Universe” a criatividade no trabalho de elaboração de novos arranjos para os clássicos dos Beatles, além do fato do filme não se concentrar apenas nas músicas mais óbvias e conhecidas da banda. O resultado é uma obra que impressiona tanto os velhos fãs quanto os neófitos, e que faz com que várias cenas fiquem gravadas no inconsciente de cinéfilos e apreciadores de música em geral, principalmente na fantástica seqüência de abertura na praia ou nos números de viagem de lisérgica de “I’m The Walrus” e “Because”.

Vida de Casado, de Mikio Naruse ****


Ao mesmo tempo que o cinema japonês sempre apresentou uma forte tendência para obras épicas, vide os filmes de samurais de Akira Kurosawa, havia um lado nessa cinematografia que totalmente oposta que eram os filmes de temática intimista e familiar. Nesse campo, o mestre insuperável foi Yasujiro Ozu, mas também havia outros cineastas que enveredavam para esse lado e fizeram filmes marcantes. Um deles foi Mikio Naruse, que em 1951 lançou uma pequena pérola cinematografia japonesa chamada “Vida de Casado”, filme esse que abordava com uma lucidez impressionante um casamento que se desintegra ao poucos devido aos comodismos da rotina. O estilo de filmar de Naruse não é nenhum pouco apoteótico, sendo que a força de seu filme está justamente na sutileza e na calma plácida com que a trama vai de desenvolvendo. Não são oferecidas soluções fáceis, com o filme se tornando aos poucos cada vez mais contundente no seu exame da relação entre marido e mulher. No mundo de Naruse, não existe espaço para o amor romântico redentor, e sim para uma visão mais franca das relações humanas.

Filmeas das Últimas Semanas (cotações de 0 a 4 estrelas)


Eu Sou a Lenda, de Francis Lawrence ***1/2
Alien Versus Predador, de Greg e Colin Strause *1/2
O Gângster, de Ridley Scott ****
Noel – O Poeta da Vila, de Ricardo Van Steen **1/2
Paranoid Park, de Gus Van Sant ****
Cloverfield, de Matt Reeves **
Sombras de Goya, de Milos Forman ***1/2
A Espiã, de Paul Verhoeven ****
Onde Os Fracos Não Têm Vez, de Joel e Ethan Coen ****
Sweeney Todd: O Barbeiro Demoníaco da Rua Fleet, de Tim Burton ****
A Lenda do Tesouro Perdido – Livro dos Segredos, de John Turteltaub *1/2
O Grande Chefe, de Lars Von Trier ***1/2
Juno, de Jason Reitman ***
Proibido Proibir, de Jorge Durán **1/2
Filhos de Hiroshima, de Kaneto Shindô ***1/2
Uma Noite na Ópera, de Sam Wood ****
Faca na Água, de Roman Polanski ****
Balada Sangrenta, de Salley Henzell ***
Festival Express, de Bob Smeaton ***1/2
Punk: Atitude, de Don Letts ***
Exército do Extermínio, de George Romero ****
Dark Star, de John Carpenter ***
Dr. Mabuse – O Jogador, de Fritz Lang ****
Vítimas de Uma Alucinação, de Kiyoshi Kurosawa ****

segunda-feira, janeiro 21, 2008

Filmes da Semana (cotações de 0 a 4 estrelas)



A Vida dos Outros, de Florian Henckel Von Donnersmarck ***
O Reino, de Peter Berg ***1/2
O Caçador de Pipas, de Marc Forster *
Pode Crer!, de Arthur Fontes **1/2
Zona de Risco, de Chan-wook Park ***1/2
Encurralado, de Steven Spielberg ****
Uma Escola de Arte Muito Louca, de Terry Zwigoff ****
Armadilha do Destino, de Roman Polanski ****
A Primeira Página, de Billy Wilder ****

O Império dos Sonhos, de David Lynch ****


O que mais tenho ouvido falar sobre “O Império dos Sonhos”, obra mais recente de David Lynch, é que o espectador não deveria se preocupar em encontrar lógica no filme, pois o mesmo seria propositadamente desprovido de sentido, estando ele vinculado a preceitos oníricos. É claro que um filme é passível de receber as mais variadas interpretações, mas reduzir essa genial trabalho de Lynch simplesmente a um devaneio originado de sonhos seria um equívoco. É claro que o cineasta, ao longo da trama, por vários momentos rompe com estruturas narrativas lineares e apresenta os fatos de forma desconexa e desvinculados da “realidade” normal das coisas. Um olhar mais atento, entretanto, faz com que se perceba que no desenrolar da história Lynch vai jogando na tela situações, personagens e pistas que se agrupam aos poucos difusamente. É claro que não dá para dizer que no final o espectador irá entender tudo que viu/ouviu/sentiu, mas ao mesmo tempo há a noção de uma espécie de quebra-cabeças cuja intenção é nunca se completar.

Acredito também que assistir apenas uma vez a “O Império dos Sonhos” é insuficiente. Não digo isso no sentido de que seriam necessárias revisões para entender o “sentido” do filme, mas sim por questões de poder apreciar o mesmo melhor. Pode ocorrer do espectador ficar simplesmente seduzido pelas imagens de beleza perturbadora e se deixar levar pelas mesmas, não dando muita bola para quantidade gigantesca de referências que surgem sucessivamente na tela. E pode acontecer também que “O Império dos Sonhos” faça com que se pense em várias teorias e conceitos ao mesmo tempo, tamanha a gama de informações e estranhas simbologias que abundam ao longo do filme. Lynch parece brincar com metalinguagem, experiências xamânicas e noções sobre a flexibilidade do tempo e espaço como se fossem as coisas mais normais do mundo. E revela também uma série de referências cinematográficas nada óbvias: a fúria surreal de Luis Buñuel, a simbologia sem concessões de Alejandro Jodorowsk, o horror climático e fortemente estilizado de Mario Bava, a violência sensorial de Dario Argento.

Essenciais também na realização de “O Império dos Sonhos” são as colaborações preciosas de Angelo Badalamenti e Laura Dern. Badalamenti providencia aqueles já conhecidos, mas sempre perfeitos, temas musicais cheios de climas sombrios e delirantes que casam à perfeição com as imagens transtornadas concebidas por Lynch. Vale destacar que na trilha sonora do filme há também a presença de insólitas canções obscuras que se combinam sinuosamente com a trilha composta por Badalamenti, indo de uma canção melancólica do sempre inquieto Beck até músicas latinas com percussões enlouquecidas, como aquela que serve de tema para a brilhante seqüência de créditos finais. Já Laura Dern apresenta umas das mais estonteantes atuações dramáticas femininas dos últimos anos, compondo uma personagem que se fragmenta em outras personalidades, mas que no final se recompõe de forma extraordinária.

É impossível assistir “O Império dos Sonhos” e não pensar na trajetória de Lynch como cineasta. Se em “Veludo Azul” (1986), “Coração Selvagem” (1990) e “Twin Peaks – Os Últimos Dias de Laura Palmer” (1992) podiam ser vislumbradas narrativas quase moldadas em modelos clássicos entremeadas de seqüências de pura esquisitice, a partir de “A Estrada Perdida” (1997) o cineasta começa a partir para uma radicalização formal que se acentua e aperfeiçoa em “Cidade dos Sonhos” (2001) e atinge o ponto de ruptura total em “O Império dos Sonhos”. Lynch já não encara mais o cinema simplesmente como uma arte de “contar uma boa história”, sendo que vê na arte cinematográfica uma forma de experiência sensorial de possibilidades quase infinitas. “O Império dos Sonhos” é uma tempestade de sons e imagens, em que a “boa história” é apenas mais um elemento, e não a essência. E para embarcar nessa viagem, é apenas necessário um pouco de disposição para contemplação...

quarta-feira, janeiro 16, 2008

Torrente, O Braço Errada da Lei, de Santiago Segura ****


Santiago Segura é um dos colaboradores mais constantes do excêntrico cineasta espanhol Alex de La Iglesias. Em “Torrente, O Braço Errado da Lei”, primeiro trabalho de Segura como diretor, dá para sacar que o cara aprendeu as lições direitinho com o seu mestre Iglesias nos quesitos de esculhambação e ironia. “Torrente” é uma comédia cujo humor negro é levado aos extremos, com várias antológicas seqüências tremendamente escatológicas e politicamente incorretas. O personagem título, interpretado genialmente pelo próprio Segura, é um primor cômico em termos de canalhice e cara-de-pau, chegando ao cúmulo de oferecer para o próprio pai uma papinha composta basicamente por restos de comida de restaurantes e baganas de cigarro.

A grande sacada de Segura em “Torrente”, entretanto, é conciliar essa série de momentos que beiram o pastelão e o absurdo com uma trama policial excelentemente elaborada, numa bem sucedida espécie de homenagem/sacanagem ao gênero policial. Além disso, é de se destacar o ótimo time de coadjuvantes, principalmente o apalermado açougueiro aprendiz de detetive Rafi (Javier Câmara) e o já citado pai moribundo de Torrente (Tony Leblanc).

No mais, “Torrente, O Braço Errado da Lei” é um expressivo exemplo de que o atual cinema espanhol não se limita aos dramas bem comportados de Pedro Almodóvar.

terça-feira, janeiro 15, 2008

Filmes das últimas duas semanas (cotações de 0 a 4 estrelas)


Império dos Sonhos, de David Lynch ****
Across The Universe, de Julie Taymor ***1/2
Coisas Que Perdemos Pelo Caminho, de Susanne Bier **1/2
O Amor nos Tempos de Cólera, de Mike Newell *1/2
Antes Só Do Que Mal Casado, de Peter e Bobby Farrelly ***1/2
A Noiva Perfeita, de Eric Lartigau **
A Maldição da Flor Dourada, de Zhang Yimou ***1/2
Desejo e Reparação, de Joe Whight ***1/2
Meu Nome Não é Johnny, de Mauro Lima ***
O Enigma de Outro Mundo, de John Carpenter ****
O Pequeno Ajudante de Satã, de Jeff Lieberman *
Alta Tensão, de Alexandre Aja ****
De Olhos Bem Fechado, de Stanley Kubrick ****
Cega Obsessão, de Yasuzo Masumura ****
El Topo, de Alejandro Jodorowsky ****
O Gosto da Vingança, de Ji-woon Kim ****
Uma Passagem Para a Vida, de Patrice Leconte **1/2

quarta-feira, janeiro 02, 2008

Mentiras Sinceras, de Julian Fellowes ***1/2


Aparentemente, “Mentiras Sinceras” seria apenas mais um suspense com uma visão moralista sobre o adultério. Com o desenrolar da sua trama, entretanto, o filme vai surpreendendo cada vez mais o espectador. Isso porque o mistério e o suspense são dispensados logo depois da meia hora inicial do filme, com o diretor Julian Fellowes se concentrando muito mais numa visão crua e arguta sobre os relacionamentos humanos. O interesse maior do cineasta está muito mais em mostrar a incapacidade do protagonista James Manning (Tom Wilkinson), um advogado bem sucedido profissionalmente, em entender as razões que levaram sua esposa (Emily Watson) a traí-lo com um playboy aristocrata (Rupert Everett, numa caracterização interessantemente sebosa). A narrativa de Fellowes oferece ao filme uma atmosfera cada vez mais sufocante, à medida que a incapacidade emocional de Manning para lidar com a situação vai ficando progressivamente mais evidente. Aliado isso, há em “Mentiras Sinceras” uma elegância no filmar notável, em que os campos interioranos ingleses são mostrados em toda a sua plácida beleza, contrastando de forma precisa com o verdadeiro turbilhão emocional que é a vida dos personagens.