sexta-feira, fevereiro 28, 2014

Clube de Compras Dallas, de Jean-Marc Vallée ***


Existem filmes cuja temática e concepção de realização configuram uma espécie de protótipo de obra feita para ganhar prêmios e gerar discussões. “Clube Compras Dallas” (2013) se enquadra nessa linhagem e as suas indicações ao Oscar confirmam o funcionamento desse mecanismo. A narrativa evoca uma certa crueza, o roteiro evoca fatos reais e um tema tabu (homossexualismo e AIDS), os atores enveredam por transformações físicas para deixar suas interpretações mais intensas (recurso, aliás, que geralmente rende crédito para algum ator ser lembrado para prêmios de atuação). É claro que a produção é convencional na sua estrutura de melodrama, formulaica e por vezes até apelativa em alguns golpes emocionais da trama, mas também é inegável que a encenação proposta pelo diretor Jean-Marc Vallée tem vigor e oferece um interessante panorama de uma época (anos 80) em que a ignorância e o preconceito em relação aos soros positivos chegavam às raias do grotesco. E por mais que haja o já mencionado direcionamento no estilo de composição dramática de Matthew McConaughey, sua caracterização tem a capacidade de cativar e impressionar.

quinta-feira, fevereiro 27, 2014

Inside Llewin Davis - Balada de um homem comum, de Ethan e Joel Coen ***


Depois de uma sucessão de filme marcados pelo barroquismo cênico, os irmãos Coen se voltam para um estilo mais discreto em “Inside Llewin Davis – Balada de um homem comum” (2013). Essa obra mais recente tem uma certa sintonia temática com “E aí, meu irmão, cadê você?” (2000) pela questão musical, afinal este trazia tanto na trilha sonora quanto em elementos do roteiro menções sobre os primórdios do cancioneiro americano, principalmente o blues e o country, enquanto aquele tem como pano de fundo a cena folk de Nova Iorque no início dos anos 60, cenário esse onde surgiu Bob Dylan. Mesmo com essa relação, entretanto, as formatações das produções são diferentes, pois enquanto “E aí, meu irmão, cadê você?” se configurava como uma comédia aventuresca repleta de simbologias relacionando mitologia clássica grega com elementos da história dos Estados Unidos, em “Inside Llewin Davis” a abordagem é a de um sóbrio drama com toques irônicos. Na trama, não há grandes acontecimentos ou superações pessoais nos eventos que envolvem o protagonista do título (Oscar Isaac) – a sina de fracassos e decepções do personagem é focada com distanciamento emocional, por vezes até de forma cômica. Nesse sentido, há um contundente contraste no registro seco e desapaixonado do cotidiano de um cara normal com o próprio ambiente de intensa efervescência cultural em que ele está inserido. Colaborando com tal orientação artística, o trabalho de direção de arte e fotografia do filme se mostra fundamental e é bastante interessante na sua concepção, fazendo uma combinação entre o realismo e um certo senso de estilização, como se aqueles cenários saíssem também do imaginário coletivo relativo a um dos períodos mais comentados da história da cultura ocidental. É provável que todo esse rigor estético possa frustrar um pouco àqueles que se acostumaram com as explosões criativas de outros trabalhos dos Coen, mas mesmo um trabalho menor deles ainda é capaz de ser intrigante e acima da média como esse “Inside Llewin Davis”.

quarta-feira, fevereiro 26, 2014

12 anos de escravidão, de Steve McQueen ***1/2


A estrutura narrativa linear clássica de “12 anos de escravidão” (2013) pode sugerir, na superfície, uma obra meramente acadêmica e convencional. O que o diretor britânico Steve McQueen faz na verdade, entretanto, é uma jogada sutil e perversa. Aproveitando-se de uma formatação típica de melodrama histórico, o cineasta constrói um filme de estética contundente, não se furtando de exageros que ampliam ainda mais o impacto sensorial da história que contra. É claro que ele não chega às raias dos barroquismos e situações delirantes concebidos por Quentin Tarantino em “Django livre” (2012), mas também não se prende a uma linguagem apenas realista. Ainda que baseada em fatos reais, a trama da produção se desenvolve mais como uma odisséia épica repleta de violência e crueldade. E é nesse ponto que McQueen imprime sua marca particular – a grande maioria dos personagens brancos é vista em registros fortemente repulsivos tanto pela covarde brutalidade quanto pela covardia hipócrita de suas atitudes (Paul Dano, Michael Fassbender e Benedict Cumberbatch apresentam desempenhos antológicos no tom over de suas interpretações), fazendo um contraste vigoroso com a nobreza comovente do protagonista Solomon Northup (Chiwetel Ejiofor), enquanto a caracterização gráfica de seqüências brutais envolvendo a degradação, exploração e espancamento de escravos recebe um detalhismo cênico perturbador na profusão de sujeira impregnada, sangue espirrando e carnes laceradas. Além disso, o diretor obtém alguns momentos de crueza impressionantes como aquele em que Solomon passa horas sob as pontas dos pés pendurado pelo pescoço numa corda enquanto atos cotidianos se desenrolam em sua volta e até mesmo crianças brincam. A própria trilha sonora de “12 anos de escravidão” reflete com consistência as concepções artísticas de McQueen: em algumas cenas sugerem uma solenidade sentimental típica do gênero, mas em outras enveredam por um tom sinistro, incorporando opressivos sons ambientais. Tais escolhas formais e temáticas mostram que para McQueen seu compromisso autoral está muito mais concentrado na percepção que Solomon tem do inferno que o rodeia do que com um rigor histórico estéril.

terça-feira, fevereiro 25, 2014

Caçadores de obras-primas, de George Clooney *


Como é que o cara que dirigiu obras de peso como “Confissões de uma mente perigosa” (2002), “Boa noite, boa sorte” (2005) e “Tudo pelo poder” (2011) pode entregar um filme tão displicente e sem graça como “Caçadores de obras-primas” (2014)? E o problema nem é o fato de ser mais uma produção que tem como temática a 2ª Guerra Mundial. Até porque a perspectiva da premissa inicial do roteiro até tem algo de diferenciado. O que incomoda é a absoluta falta de brilho na direção de Clooney. É tudo tão apático e desanimado na condução da narrativa que nem a possível desculpa de que se poderia tratar de um projeto descompromissado para Clooney se divertir com amigos acaba se encaixando. As próprias atuações no piloto automático de atores habitualmente carismáticos como Bill Murray e John Gooodman só reforçam a impressão de um projeto equivocado do início ao fim.

segunda-feira, fevereiro 24, 2014

Nebraska, de Alexander Payne ***1/2


Em 1982, o cantor e compositor Bruce Springsteen lançou o álbum “Nebraska”, um de seus melhores trabalhos e provavelmente seu disco mais triste e anti-comercial. Em despojadas baladas, o músico procurava fazer um inventário de figuras e situações que se referiam a um estado de espírito especifico, versando sobre estradas, desajustados em geral, relações mal resolvidas. A influência do disco foi tão marcante na cultura norte-americana que se tornou uma referência não apenas no cancioneiro do país como também se estendeu a outros meios de expressão. Em 1991, por exemplo, o ator Sean Penn estreou na direção com “Unidos pelo sangue”, obra comovente que se inspirava na canção “Highway Patrolman”, um dos pontos altos da obra-prima de Springsteen. Confesso que não sei se “Nebraska” (2013), de Alexander Payne, tem alguma relação direta com o disco em questão, mas sua atmosfera sóbria e a direção de fotografia em preto e branco parecem uma extensão existencial daquela obra de Springsteen. Por outro lado, o filme de Payne tem personalidade própria e que se mostra em sintonia artística com a cinematografia do diretor – na realidade, é seu melhor trabalho desde a sua estréia, “Eleições” (1999). A trama se formata como uma crônica sobre os sonhos perdidos, a falta de perspectivas e a mediocridade dos habitantes de cidades sem graça e desoladas do interior dos Estados Unidos. O roteiro da produção, entretanto, injeta insólitas doses de ironia e bom humor, fazendo com que “Nebraska” não caia na aridez temática e formal. Mesmo a redenção que oferece aos principais personagens na sua conclusão não soa forçada ou como concessão, mas como um sutil toque emocional que engrandece ainda mais a dimensão humana de tais figuras. No mais, Payne embala essa pequena saga familiar com alguns elementos formais expressivos, como a direção de fotografia que busca enquadramentos e iluminação que emulam um efeito pictórico na linha de um Norman Rockwell às avessas, além de da trilha sonora climática e acústica baseada em temas folk e country que acabam lembrando (sem querer ou não?) o próprio “Nebraska” de Springsteen.

sexta-feira, fevereiro 21, 2014

Gloria, de Sebastian Lelio ***


O estilo narrativo estabelecido pelo cineasta Sebastian Lelio em “Gloria” (2013) é seco e rigoroso – ainda que a trajetória sentimental da personagem título seja tortuosa, o filme não envereda por grandes arroubos dramáticos e nem por ostensivos truques formais. O registro de Lelio mantém de forma constante a sobriedade e o naturalismo, beirando até o documental. Tal aridez acaba se revelando coerente e adequada para a história que é contada. O interesse da trama é por se focar em pequenos atos cotidianos, em que até as mesquinharias e mediocridades de algumas criaturas ganham uma dimensão relevante. Nesse sentido, o roteiro tem sacadas interessantes em termos de sugestão – fatos do passado dos personagens são mencionados de forma ocasional, como se em pequenos esboços tais figuras humanas fossem sendo construídas sutilmente. A seqüência do jantar de aniversário do filho de Gloria (Paulina García), por exemplo, é exemplar na utilização de tal expediente, em que gestos, fragmentos de conversas e olhares evocam mágoas e relações mal resolvidas. São justamente essas sensações de mal estar ou incômodo existencial que dominam a narrativa de “Gloria”, fazendo com que essa crônica intimista elaborada por Lelio traga no seu subtexto uma espécie de reflexo da condição moral de uma sociedade dominada por solidão e preconceito.

quinta-feira, fevereiro 20, 2014

Ela, de Spike Jonze ***1/2



O diretor norte-americano Spike Jonze continua marcando a sua filmografia com uma abordagem de idiossincrasias bastante particulares, ainda que “Ela” (2013) seja o seu filme mais convencional. As sequências com edição estilo “clipezinho”, por exemplo, representam uma concessão antes impensável para aquele cineasta de narrativas delirantes como “Quero ser John Malkovich” (1999) e “Onde vivem os monstros” (2009). Esses momentos de acessibilidade configuram os pontos fracos desse filme mais recente de Jonze. Mesmo assim, um filme de Jonze flertando com convencionalismos ainda consegue ser um produto muito acima da média.

Nesse pequeno conto futurista/existencial que representa “Ela”, Jonze cria uma ficção científica bastante rica em termos estéticos. As idéias que apresenta de inovações tecnológicas são coerentes e críveis com a própria realidade contemporânea (aquele joguinho de video game, por exemplo, com que o protagonista Theodore se diverte seguidamente é uma bela sacada tanto pelo design quanto pela ironia), sintetizando também a natureza asséptica e algo triste daquela sociedade. Nesse sentido, o trabalho de direção de arte do filme é fenomenal na caracterização de ambientes e situações.

A visão de Jonze para a interação emocional entre sistemas operacionais e seres humanos impressiona na sua combinação de contundência, lirismo e lucidez filosófica, tendo também uma simbologia bastante rica e ampla ao retratar os relacionamentos contemporâneos. Jonze dispensa o simples e fácil moralismo – na concepção existencial de “Ela”, relacionar-se com uma máquina de inteligência artificial não configura uma distorção, mas sim uma conseqüência lógica do mundo pós-moderno, onde a evolução do amadurecimento intelectual e sensorial de autômatos e afins concebe naturalmente a possibilidade de que estes se tornem seres mais avançados em todos os sentidos que os próprios humanos pelas suas infinitas possibilidades virtuais. Nesse sentido, por mais que a obra de Jonze tenha uma certa aura de melancolia romântica, ela também adquire uma atmosfera perturbadora de perplexidade e impotência perante a ausência de uma conclusão moralizante do tipo “nada supera a sagacidade humana”.

quarta-feira, fevereiro 19, 2014

Philomena, de Stephen Frears **


É claro que é normal que um cineasta mude com o passar dos anos. Afinal, a maturidade pode fazer com que suas concepções artísticas evoluam, que sua visão de mundo fique mais lúcida. Por vezes, entretanto, mudanças parecem não fazer muito bem para a criatividade dos cineastas, o que parece ser o caso do britânico Stephen Frears. Em seus primeiros filmes, ele mantinha um registro seco e visceral, dando preferência para retratos despojados dos subúrbios ingleses (“Minha adorável lavanderia”, “Sammy e Rosie”), crônicas urbanas (“O amor não tem sexo”) e até mesmo algumas comédias de tons naturalistas (“A grande família”, “A van”). Mesmo em suas primeiras produções nos Estados Unidos se destacou em obras que reciclavam clichês de gêneros de forma visceral e com inventividade (“Ligações perigosas”, “Herói”, “Os imorais”). Em seus mais recentes filmes, Frears perdeu muito do seu gume criativo, parecendo se conformar com um padrão de bom gosto asséptico e destituído de vigor. E esse é justamente o caso de “Philomena” (2013). O aparente rigor estético do diretor na verdade esconde um formalismo pálido e que acaba prejudicando até mesmo a rica temática que se poderia extrair da mãe à procura do filho que lhe foi tirado por freiras na sua juventude. A apatia da direção contamina ainda as interpretações de Judi Dench e Steve Coogan, que entregam interpretações apagadas. Ok, o filme recebeu algumas indicações ao Oscar e é capaz de angariar a simpatia de adeptos de filmes “fofinhos com velhinhos”, mas o seu futuro provavelmente é o limbo das produções esquecíveis. No mais, é esperar que Frears um dia tome vergonha na cara, saia dessa lama e volte a fazer obras relevantes.

terça-feira, fevereiro 18, 2014

Trapaça, de David. O. Russell ***


Assim como já havia feito em obras anteriores como “O vencedor” (2010) e “O lado bom da vida” (2012), o diretor David O. Russell procurou imprimir em “Trapaça” (2013) uma narrativa mais solta, que enveredasse por uma abordagem mais naturalista. Só que tal concepção entra em contradição com um certo tom operístico no seu formalismo – não à toa, o filme foi comparado em mais de uma oportunidade com alguns filmes de Martin Scorsese. Esse choque de estilos gera uma produção irregular. Os pontos altos da obra estão em momentos cuja encenação fluida de Russell melhor aflora, principalmente quando a tônica da dramaticidade está nas mãos de um inspirado elenco de atores. Russell se notabiliza por ser um ótimo diretor de atores e aqui extrai interpretações antológicas de Christian Bale, Bradley Cooper, Amy Adams e Jennifer Lawrence, além da ponta mais do que expressiva de Robert De Niro como um gangster (dá até vontade de vê-lo protagonizando mais um filme de Máfia). O problema, entretanto, é quando a “Trapaça” se foca numa trama um tanto genérica, que mais valoriza surrados recursos do tipo “truque dentro do truque” do que na caracterização de tipos e situações (ao contrário, por exemplo, do registro seco beirando o documental e do visceral humanismo de “O vencedor”). Assim, mesmo o tom barroco da fotografia de belos planos seqüências e enquadramentos grandiosos acaba soando mais como uma forçação de barra do que uma real inspiração artística. É claro que no cômputo geral “Trapaça” é um filme com um certo grau de magnetismo, mas a frustração está no fato de que se sabe que Russell, pelo potencial artístico apresentado em outras obras, poderia ter se saído muito melhor.

segunda-feira, fevereiro 17, 2014

Cassandra Rios: A safo de Perdizes, de Hanna Korich *


Em sessão de debate com a platéia que sucedeu à exibição de “Cassandra Rios: A safo de Perdizes” (2013), Hanna Korich, realizadora do filme em questão, deixou claro que não se considera uma documentarista profissional e que a intenção principal de sua produção era resgatar a memória de sua protagonista, escritora lésbica bastante popular entre os anos 50 e 80 de romances de forte teor erótico e que foi bastante censurada, principalmente na época da ditadura militar. Vendo o documentário, é bem evidente essa falta de traquejo da diretora. Nas cenas de depoimentos, Korich praticamente se limita a focalizar seus entrevistados em longos comentários biográficos e/ou dissertativos sobre Rios – falta uma caracterização de ambientação e também um trabalho mais zeloso de edição. Do jeito que ficou, a impressão é a de longas seqüências de prolixas, e por vezes tediosas, “cabecinhas falantes”. Incomoda também a falta de um material audiovisual de arquivo mais amplo, tendo em vista que nesse sentido o filme se limita a trechos de uma entrevista de Rios com Jô Soares. Além disso, a narrativa tem um forte tom panfletário, o que atrapalha a fluência do seu ritmo. Diante de todos esses equívocos, portanto, pode-se dizer que se trata de uma obra dispensável? Pois é, pode parecer meio contraditório, mas mesmo com os seus defeitos é um filme que merece ser visto pela riqueza de sua temática. Cassandra Rios é uma figura fascinante e sua trajetória traz uma série de questionamentos e contradições que são inerentes à história cultural, social e comportamental do Brasil. Talvez o documentário de Korich possa servir como ponta de lança para futuras abordagens cinematográficas mais aprofundadas e melhor acabadas formalmente sobre a escritora.

sexta-feira, fevereiro 14, 2014

Uma aventura lego, de Phil Lord e Chris Miller ***


Muito mais que um mero pretexto para vender brinquedos, “Uma aventura lego” (2014) é um filme que se expande para uma viagem para o imaginário infantil, tanto de crianças quanto de adultos. A trama da animação brinca com referências tanto ao universo lego quanto por citações a outros elementos da cultura pop. E por trás de um roteiro focado na aventura e na comicidade, repleto de personagens engraçados e carismáticos, encontra-se um subtexto de forte teor orwerlliano, explorando até com um discreto tom sombrio conceitos como a de uma sociedade distópica, em que a padronização desumana de comportamentos e a influência subliminar da mídia são preceitos dominantes. A estética adotada pelos diretores Phil Lord e Chris Miller é uma insólita e criativa combinação entre efeitos digitais e uma aparente “tosqueira” na movimentação de personagens e caracterização de cenários. Tal concepção se relaciona com a própria natureza dos brinquedos legos, a de estruturas de bonecos e objetos para montar, cujo design visual é puxado para o estilizado e não para o realismo. Assim, a busca formal na encenação não é por uma fluidez natural, mas pelo movimento que emula um indivíduo brincando e interagindo com os legos. Nesse sentido, a explicação na parte final do filme para as entidades (ou deuses) que regem o mundo dos personagens é uma engenhosa e até sofisticada sacada temática. De certa forma, as boas idéias conceituais de “Uma aventura lego” acabam funcionando como excelente propaganda para os brinquedos que deram origem à produção, no sentido que reforçam o seu caráter nostálgico, lúdico e criativo.

quinta-feira, fevereiro 13, 2014

O herdeiro do diabo, de Matt Bettinelli-Olpin e Tyler Gillett 1/2 (meia estrela)


É complicado e um tanto leviano fazer vaticínios definitivos, mas me atrevo a afirmar que talvez “O herdeiro do diabo” (2014) possa ser considerado como um dos pontos mais baixos que o cinema de horror contemporâneo já atingiu. É o típico exemplar da “esperteza” de produtores – por um lado se apropria de uma temática, o nascimento do anticristo, bastante batida (ainda que tenha rendido alguns filmes clássicos como “O exorcista” e “A profecia”) e por outro usa o recurso estético mais manjado da atualidade, o do registro audiovisual tosco emulando uma filmagem caseira. Ou seja, a intenção é apostar na certeza comercial em qualquer direção. E o real problema do filme não é o fato de que cada trecho do roteiro lembra várias outras obras na linha. O que realmente incomoda é a direção medíocre de Matt Bettinelli-Olpin e Tyler Gillet, incapaz de extrair tensão em qualquer momento, limitando-se a repetir mecanicamente todas as fórmulas e clichês possíveis inerentes ao gênero. E é possível ainda que faça o espectador sentir saudade da franquia “Atividade paranormal” (e olha que isto não representa necessariamente um elogio a esta última....).

quarta-feira, fevereiro 12, 2014

Operação Sombra: Jack Ryan, de Kenneth Branagh **1/2


Se hoje em dia é mania fazer reboot de tudo que é franquia, não ia ser o Jack Ryan que ficaria de fora. E já é a segunda ou terceira vez que tentam fazer um novo começo para o personagem criado originalmente na obra literária de Tom Clancy. Na tentativa de dar um peso dramático maior para as aventuras do agente da CIA, os produtores convocaram o diretor e ator britânico Kenneth Branagh, conhecido por suas adaptações cinematográficas de textos de Shakespeare para dirigir “Operação Sombra: Jack Ryan” (2014). O resultado dessa nova tentativa está longe de ser memorável, mas também não chega a ser desprezível. O roteiro traz algumas minúcias temáticas relativas a operações financeiras obscuras e o novo cenário político mundial, mas no final das contas é uma trama superficial para servir de suporte para cenas de ação. Branagh até dá um certo estofo elegante para os cenários cosmopolitas do filme, além de sua encenação das cenas de pancadarias e perseguições automobilísticas ser eficiente. Nada, entretanto, que fuja muito do lugar comum dentro do que tem sido feito no gênero. Sua experiência shakesperiana não consegue gerar alguma tensão dramática convincente e mesmo sua atuação no papel de antagonista está mais para a canastrice divertida do que para uma caracterização assustadora. No mais, “Operação Sombra” dá uma sensação de que o grau de patriotismo ufanista é maior que em outras produções protagonizadas por Ryan, e não que isso seja necessariamente um elogio....

terça-feira, fevereiro 11, 2014

Os belos dias, de Marion Vernoux **1/2


Existe um bom motivo para assistir a “Os belos dias” (2012): a serena interpretação de Fanny Ardant. No papel da protagonista Caroline, uma dentista aposentada de 60 anos que vive um caso adúltero com um rapaz de trinta e poucos, ela consegue dar uma considerável gama de emoções à personagem, variando entre elas de forma natural e sutil. Assim como Ardant consegue passar uma tocante fragilidade em momentos de melancolia, há sequências em que impressiona por uma tremenda sensualidade latente em pequenos gestos e olhares. Tal interpretação maiúscula dá ao filme da diretora Marion Vernoux uma dignidade artística que somente a sua formatação convencional não conseguiria oferecer, transformando uma produção derivativa em uma experiência cinematográfica com um certo apelo memorável.

segunda-feira, fevereiro 10, 2014

Quando eu era vivo, de Marco Dutra ***1/2


O cinema de horror contemporâneo tem duas grandes vertentes – uma, mais tradicionalista, recicla narrativa e temáticas clássicas do gênero, enquanto que a outra, mais “moderninha”, usa e abusa daquela estética “câmara subjetiva”, em que o registro é aparentemente amador para que se dê uma ideia de maior realismo. De certa forma, a produção brasileira “Quando eu era vivo” (2012) até se vale de alguns dos preceitos de tais vertentes, mas a via criativa pela qual envereda é diversa. A trama se vale de elementos recorrentes na filmografia do terror, evocando segredos de um passado obscuro, personagens misteriosos, possessão demoníaca, alma penadas, ainda que o roteiro do filme permaneça de forma constante numa fronteira tênue entre o horror metafísico e o suspense psicológico. Em algumas seqüências, o diretor Marco Dutra se apropria do recurso de filmagens caseiras, mas de forma econômica e sem usar como desculpa para inserir um registro tosco. Mas catalogar a produção em questão na categoria terror seria impreciso. Por mais que a obra de Dutra tenha momentos assustadores (e realmente tem), o que ela sugere mais é um drama de tons fantásticos a tratar sobre as relações familiares e a loucura humana, carregando bastante no simbolismo. Nesse sentido, a transformação que o apartamento que serve de cenário para história passa é exemplar – de um asséptico recanto tipicamente classe média atual para um local mal iluminado repleto de móveis antigos, enfeites cafonas e imagens religiosas nos moldes de um tradicional lar católico de meados do século XX. E nisso reside um dos aspectos mais fascinantes de “Quando eu era vivo”: a obsessão de Júnior (Marat Descartes) em reconstituir fisicamente o seu passado e descobrir supostas mensagens crípticas deixadas por sua mãe traz uma rica carga metafórica na busca nostálgica da inocência perdida e de um amor familiar deteriorado pela busca do pai (Antônio Fagundes) pelo conforto pequeno-burguês. O roteiro do filme é desconcertante na maneira sutil com que lida com esse jogo de aparência e com a inversão de expectativas. Em pequenas nuances narrativas, que vão de estranhas e evocativas melodias musicais ao aparecimento nada aleatório de objetos corriqueiros, a trama desconcerta o espectador ao preservar a visão singular do escritor Lourenço Mutarelli, autor do romance que deu origem ao filme – a de que é mais humano permanecer unidos na loucura do que desagregados pela suposta normalidade. E nesse viés, a climática conclusão da obra apenas reforça a impressão de “Quando eu era vivo” como um dos momentos mais comoventes da filmografia brasileira recente.

sexta-feira, fevereiro 07, 2014

Mais uma canção, de Rene Goya Filho e Alexandre Derlam ***


Num primeiro plano, “Mais uma canção” (2013) seria um documentário biográfico do músico gaúcho Bebeto Alves. Só que a abordagem proposta pelos diretores Rene Goya Filho e Alexandre Derlam é mais ampla. A partir da trajetória de seu protagonista, o filme acaba oferecendo uma visão bastante lúcida e pouco óbvia do que significar ser um músico no mundo contemporâneo, ainda mais com as peculiaridades tanto do Brasil quanto da própria arte de Bebeto. Surgindo nos conturbados anos 70, ele nunca facilitou as coisas para público e crítica – apesar das influências do cancioneiro tradicional das milongas de sua terra natal, a fronteiriça Uruguaiana, nunca fez música regional típica, partindo geralmente para fusões com ritmos universais como reggae, rock, tecnopop e música árabe. Tal postura artística irrequieta se reflete tanto no fato de Bebeto ter morado em várias cidades quanto no fato de ter se mantido a margem de modismos fáceis ou tradicionalismos limitadores. A formatação do filme tem a sensibilidade de captar boa parte dessas nuances tanto pelo lado intimista e pessoal do músico quanto pela contextualização histórica e social ao mostrar como Bebeto e sua arte se inseriram em épocas diferentes. Para isso, Goya e Derlam se valeram de registros como a gravação de um show-retrospectiva no emblemático Teatro Arena, de raras imagens de arquivos, de depoimentos recentes e de trechos de uma viagem de Bebeto por países orientais onde busca insólitas conexões da música de tais localidades com as suas próprias canções. O trabalho de edição é muito bem efeito ao combinar de forma harmoniosa esses diferentes registros e dar-lhes uma unidade que sintetiza com fidelidade as particulares concepções artísticas de Bebeto.

quinta-feira, fevereiro 06, 2014

Mazzaropi, de Celso Sabadin **1/2



Mais conhecido como crítico de cinema, Celso Sabadin mostra certa relevância como realizador cinematográfico. O documentário “Mazzaropi” (2013) pode estar longe de ser um primor em termos formais, mas é eficiente ao oferecer um panorama até bastante esclarecedor sobre a história e a importância de uma das figuras mais populares do cinema brasileiro. Sabadin tem uma bela sacada narrativa ao começar a produção com depoimentos de admiradores do universo caipira, contextualizando com lucidez boa parte das verdades, mitos e preconceitos que envolvem a personalidade desse particular tipo interiorano. Assim, a biografia de Amacio Mazzaropi ganha uma conotação humana e social ainda mais ampla. Não há a preocupação de apenas ser didático – também existe uma considerável parcela de bom humor ao se contar alguns saborosos “causos” envolvendo as manias de seu protagonista bem como os bastidores de alguns de seus principais filmes. Nesse sentido, o documentário também ganha importância por fazer um retrato esclarecedor de como era fazer cinema popular no nosso país entre as décadas de 50 e 80, revelando velhos dilemas que até hoje grassam por aí, principalmente no que diz respeito à dicotomia na distinção entre o que é artístico e o que é comercial. É claro que há alguns elementos dispensáveis – os comentários do apresentador de televisão casca grosa Ratinho, por exemplo, chegam a ser constrangedores pelo tosquice de suas “teorias” e concepções do que é cultura popular – mas no final das contas o filme de Sabadin consegue cumprir a contento tanto a missão de fazer os velhos admiradores de Mazzaropi de matarem um pouco a saudade quanto de apresentar para os neófitos um dos poucos ídolos do cinema nacional.

quarta-feira, fevereiro 05, 2014

47 ronins, de Carl Erik Rinsch **1/2


A história dos 47 ronins é um dos mitos mais tradicionais na cultura japonesa, tendo recebido diversas adaptações cinematográficas no seu país de origem. Assim, até soa estranho essa versão norte-americana para “47 ronins” (2013). E não é só pelo fato de samurais e afins aparecerem falando inglês. A marca ocidental da condução da narrativa do diretor britânico Carl Erik Rinsch fica bastante evidente – há uma ênfase num romance entre um guerreiro mestiço (Keanu Reeves) e a filha de um lorde que rende um excesso de momentos de romantismo meloso que é estranho para um filme tradicional de samurais, assim como a violência é bastante atenuada (praticamente não se vê no sangue nas seqüências de ação ou nos rituais de suicídio). Por outro lado, não deixa de ser interessante ver um filme de samurais feito com um padrão de grande produção norte-americana. Ainda que ousadia e criatividade não sejam grandes marcas da direção de Rinsch, a conjunção de trucagens eficientes com porradaria típica de filmes orientais ocasiona algumas seqüências satisfatórias em termos de diversão escapista.

terça-feira, fevereiro 04, 2014

A menina que roubava livros, de Brian Percival **


Por mais que a 2ª Guerra Mundial tenha sido abordada em inúmeras produções cinematográficas, sempre é possível extrair algo de diferente de tal temática. Está aí “Bastardos Inglórios” (2009) para comprovar isso. A realidade, entretanto, é que a grande maioria das obras mais recentes que versam sobre essa temática histórica pouco acrescentam em termos estéticos e mesmo de conteúdo. Nessa esteira, pode-se até perceber que uma espécie de vertente nesses filmes se abriu – a de filmes de 2ª Guerra light, daqueles que podem se assistidos pela família inteira, na linha censura livre. Assim, por mais que haja elementos espinhosos como mortes, privações, preconceitos e afins na trama, tudo recebe um tratamento asséptico e de visual clean, para que as platéias mais sensíveis não fiquem chocadas. “A menina que roubava livros” (2013) é um exemplar bem acabado dessa tendência. Ainda que em teoria seja dura a realidade da menina Liesel (Sophie Nélisse) sobrevivendo na Alemanha nazista e em pleno auge do conflito, o tratamento formal proposto pelo diretor Brian Percival é tão asséptico que em nenhum momento consegue deixar a platéia sensibilizada com a crueza do cotidiano da protagonista. A conclusão do filme sintetiza com precisão esse espírito “cor de rosa”: após um bombardeio que extermina toda a família e os amigos de Liesel, ao se mostrar os corpos deles não se vê um traço de sangue ou mesmo membros esmagados ou decepados. Talvez essa abordagem bunda mole pode agradar velhinhas e mocinhas bem comportadas, mas também faz com que “A menina que roubava livros” seja uma produção descartável e incapaz de cativar o nosso imaginário cinematográfico.

segunda-feira, fevereiro 03, 2014

Um final de semana em Hyde Park, de Roger Michell **


O diretor britânico Roger Michel geralmente  manteve em sua filmografia uma linha divisória – oscilou entre comédias românticas (“Um lugar chamado Notting Hill”, “Uma manhã gloriosa”) e pesados dramas (“Recomeçar”, “Amor para sempre”). Em “Um final de semana em Hyde Park” (2012) ele procurou juntar esses dois universos distintos no mesmo filme. O resultado acabou sendo bem indigesto... O roteiro de fundo histórico – fala sobre a reunião num final de semana entre o presidente norte-americano Franklin Delano Roosevelt (Bill Murray) e o rei inglês George VI (Samuel West) para decidir sobre a participação dos Estados Unidos na 2ª Guerra – até tem um certo atrativo, mas Michell aparenta indecisão entre focalizar na comédia sobre os conflitos de costumes entre ingleses e norte-americanos ou se concentrar no drama sobre as infidelidades conjugais de Roosevelt. É como se houvesse dois filmes diferentes na mesma produção, com o cineasta não conseguindo desenvolver a contento nenhum deles. O reflexo dessa indecisão criativa é uma obra em que não tem tensão dramática e nem leveza irônica. No final das contas, fica uma produção amorfa, que prefere se esconder atrás de uma direção de fotografia estilo cartão postal e em interpretações caricaturais.