terça-feira, julho 31, 2012

Piratas pirados, de Peter Lord ***1/2


A equação de “Piratas pirados” (2012) é aquela básica de boa parte das animações atuais de grandes estúdios: uma trama infanto-juvenil com algum toque de ironia e cheia de referências à cultura pop (capaz de atrair também o público adulto) e um grande esmero na concepção formal de seu grafismo. No presente caso, tal cuidado estético se diferencia pelo fato de se tratar de stop motion (é da mesma produtora que lançou os clássicos “Wallace e Gromit” e “A Fuga das galinhas”, que também utilizavam essa técnica de animação). Apesar de não ser tão expressivo quanto as obras mencionadas, “Piratas pirados” consegue manter um padrão de qualidade notável, principalmente no que diz respeito às vertiginosas sequências de ação, além da beleza visual de algumas cenas.

Estranhas mutações, de Jack Cardiff ***1/2


Talvez um dos aspectos mais sintomáticos que marcam as diferenças entre o cinema atual e aquele praticado algumas poucas décadas atrás é o fato, por exemplo, de uma produção B de horror setentista trazer uma reunião tão expressiva de talentos, coisa que atualmente não seria tão viável. “Estranhas mutações” (1974) é um caso claro dessa situação. Por mais que o roteiro e algumas trucagens possam parecer datados para os padrões atuais, o filme impressiona por detalhes artísticos que lhe dão um encanto atemporal. Espécie de refilmagem torta do clássico “Freaks” (1932), chegando inclusive a usar “aberrações” verdadeiras como atores (assim como na obra original), a produção dirigida pelo veterano mestre da fotografia Jack Cardiff apresenta uma atmosfera sombria, quase gótica, em que a trilha sonora de tons dissonantes e a fotografia requintada configuram uma narrativa tensa e sufocante que beira o barroco, fazendo de “Estranhas mutações” uma daquelas pérolas cinematográficas perdidas no tempo e que se grudam ao nosso imaginário como se fosse um pesadelo mal digerido.

Luz nas trevas, de Helena Ignez ***1/2


A continuação do clássico “O Bandido da luz vermelha” (1968) vai muito além do mero oportunismo ou da necrofilia nostálgica em torno do culto à obra de estreia de Rogério Sganzerla. Até porque “Luz nas trevas” (2010) se baseia em roteiro original do próprio Sganzerla. O filme de Helena Ignez tem brilho próprio. É claro que elementos estéticos do “Bandido...” estão ali presentes também na produção mais recente, mas a diretora soube recriá-los de forma coerente com o cinema contemporâneo, evidenciando o quanto a obra-prima de Sganzerla era visionária. Nas duas obras, fica claro que o fator diferencial do cinema como linguagem particular é a montagem. Em “Luz nas trevas”, a edição engloba a encenação dramática atual, cenas de “O bandido...” e mais alguns trechos documentais, em meio a várias citações musicais. O tom é falsamente aleatório – no meio do caos e de uma encenação anti-naturalista, há uma ordem peculiar, em que o espírito dionisíaco das imagens e o discurso delirante dos personagens mostram não só o universo artístico de Sganzerla e Ignez, mas também a própria essência da alma cultural e artística do Brasil, em que o erudito e o popular convivem sem maiores cerimônias. Talvez aí esteja o segredo do impacto de “Luz nas trevas”: por mais que as referências e a formatação do filme sejam complexas, o resultado final é insolitamente divertido, distante do hermetismo estéril.

Anjos da lei, de Phil Lord e Chris Miller ***


Era para ser uma refilmagem do seriado policial oitentista. No final das contas, “Anjos da lei” (2012) acaba ganhando outra conotação. Se a série original tinha um viés dramático, a recriação recente envereda pela comédia. Essa veia irônica não se limita a fazer uma tiração de sarro dos clichês do gênero policial (coisa que faz com competência, por sinal). O fato da trama ter por premissa jovens policiais que se infiltram em uma escola secundária para desbaratar uma rede de tráfico de drogas faz com que o filme também traga uma ácida visão da juventude contemporânea, dominada por uma certa apatia e a alienação do politicamente correto. Mesmo os estereótipos das comédias adolescentes dos anos 80 e 90, centradas no conflito entre os atletas e os nerds, acabam recebendo um olhar entre o nostálgico e o gozador, até porque atualmente parece que o comportamento nerd se tornou mais predominante entre os adolescentes. Os méritos de “Anjos da lei”, entretando, não se limitam ao seu lado crítico-cômico. Os diretores Phil Lord e Chris Miller conseguem criar uma narrativa de ação convincente nos seus tiroteios e perseguições automobilísticas, com uma dose de violência escatológica até surpreendente. No mais, Jonah Hill mantém o seu habitual padrão de interpretação carismática no estilo “gordinho simpático”, mas quem causa surpresa é o habitual canastrão Channing Tatum, em uma interpretação que tira onda com sua própria condição de galã.

sexta-feira, julho 20, 2012

Em rota de colisão, de Stuart Gordon ***1/2


Uma das obras mais recentes do diretor norte-americano Stuart Gordon, “Em rota de colisão” (2007) é surpreendente, até mesmo porque o seu roteiro, inspirado em um caso verídico, foge da área do fantástico, território habitual do diretor. Em certo sentido, talvez seja a obra de Gordon que mais se aproxima de um conceito de temática social, ainda que não de forma explícita. O protagonista Thomas (Stephen Rea), um desempregado azarado, parece uma espécie de síntese do americano médio afetado pela recessão econômica. Já Brandi (Mena Suvari) é o retrato do arrivismo e individualismo tão em voga na sociedade moderna. O encontro entre os dois personagens tão distintos se dá de forma insólita e brutal: Brandi, embriagada depois de uma farra, atropela Thomas, fica com ele preso na janela do carro e se recusa a ajudá-lo com medo de ser presa e perder a sua promoção no emprego, mantendo o pobre coitado preso dentro de sua garagem. A partir dessa premissa, Gordon explora a tensão com minúcias, tanto pela situação angustiante proposta pela trama quanto pela violência de algumas cenas. O diretor não esquece de pontuar o filme com toques de humor negro, com a obra adquirindo uma atmosfera de uma parábola moral perversa. E esse é justamente um dos pontos mais perturbadores de “Em rota de colisão”: a forma com que o filme oscila naturalmente entre o thriller e a comédia de erros. Além disso, conta a favor da produção dos dois personagens principais serem bem trabalhados na sua caracterização psicológica – chega a impressionar, por exemplo, a progressiva degradação moral e mental de Brandi.

quinta-feira, julho 19, 2012

O porto, de Aki Kaurismäki ***


Com maior ou menor inspiração, o diretor finlandês Aki Kaurismäki sempre exerce o seu peculiar estilo formal, em que uma abordagem aparentemente distanciada no filmar acaba servindo como registro para uma trama de caráter mais emocional. O choque entre a estética do cineasta e a sua temática habitual acaba sendo a força motriz de seu cinema. Na produção francesa “O porto” (2011), Kaurismäki continua a investir nas suas particularidades criativas. A trama do filme tem um forte caráter social, focando questões prementes no mundo moderno, como a crise econômica na Europa e o constante crescimento de medidas xenofóbicas no velho continente. Aliado a isso, há traços do gênero melodrama, principalmente quando o roteiro dá vez ao drama da personagem esposa do protagonista que está desenganada  pelos médicos. Kaurismäki, entretanto, evita o sentimentalismo excessivo, ainda que o desenrolar da narrativa acabe convertendo “O porto” em uma espécie de fábula moral. Dá para dizer que a história acaba encontrando soluções mágicas e fáceis em sua conclusão: o policial que ajuda o pequeno imigrante a partir para a Inglaterra, a cura quase milagrosa de referida personagem doente. Tais “concessões”, contudo, mais acentuam a estranheza do filme do que o tornam um produto mais palatável.

quarta-feira, julho 18, 2012

Catacumbas, de David Schmoeller ***


Os mais ranhetas podem fazer as reclamações óbvias em relação a “Catacumbas” (1988): o roteiro é previsível, os atores são canastrões, as trucagens são datadas. Mas esse tipo de coisa não costuma ser empecilho quando o diretor David Schmoeller está envolvido com alguma produção no gênero horror. No filme em questão, o cineasta consegue aproveitar com competência os elementos tradicionais do gênero, estabelecendo uma atmosfera sombria e convincente para uma trama típica para esse tipo de obra – um secular demônio insidioso, padres supersticiosos e repressores, mocinhas virginais, mortes graficamente explícitas na violência e no sangue. Os recursos de produção são típicos do cinema B fantástico oitentista norte-americano, mas isso não chega a afetar a capacidade de Schmoeller em estabelecer alguns expressivos climões de suspense e horror (e que ficam ainda mais realçados pela bela música de Pino Donaggio). Pelo contrário: essa aparente “fuleiragem” de “Catacumbas” até lhe dá um certo charme cult.

terça-feira, julho 17, 2012

Pequenos monstros, de David Schmoeller **1/2


O território habitual do diretor David Schmoeller fica encravado numa área entre o suspense e o horror. Assim, pode-se perceber uma clara falta de traquejo quando envereda pelo drama em “Pequenos monstros” (2012), ainda mais com um roteiro inspirado em fatos reais. Em um primeiro momento, a narrativa parece buscar um registro distanciado, evocando até mesmo um tom documental em sua abordagem. Schmoeller foca em uma visão crítica da sociedade contemporânea, principalmente em relação à forma com que a questão da criminalidade é encarada. Os jovens James e Carl, que praticaram um homicídio quando crianças de forma quase fortuita, regressam à vida em comunidade e buscam uma existência normal e meio ao preconceito natural despertado pelo ato que cometeram na infância. O acabamento formal de “Pequenos monstros” apresenta um certo rigor estético na sobriedade da direção de fotografia e na sua edição, mas a narrativa é um tanto truncada, o que se acentua pela forma superficial em que situações e personagens são caracterizados. Schmoeller, a uma determinada altura da trama, parece se enfadar desta inércia e envereda para o suspense propriamente dito, onde até acaba obtendo resultados melhores, ainda que tal opção seja pouco coerente com a proposta inicial do filme. Assim, no contexto geral, “Pequenos monstros” é até uma obra interessante dentro do panorama do cinema independente norte-americano, mas também é frustrante quando se olha o respeitável e expressivo currículo de Schmoeller como cineasta.

segunda-feira, julho 16, 2012

Tratamento de choque, de Stuart Gordon ***


Novamente se afastando da sua vertente cinematográfica habitual, o horror, o diretor Stuart Gordon se aventura pela seara do thriller de suspense em “Tratamento de choque” (2003), remetendo a trabalhos dos irmãos Coen naquela linha de revisão do cinema noir. Se nesse gênero Gordon não tem a mesma categoria formal dos referidos Coen, também não dá para dizer que realizou uma obra desprovida de interesse. Mesmo trabalhando dentro de uma infra-estrutura mais modesta e com atores de segundo escalão para baixo, ele consegue manter em boa parte da narrativa uma atmosfera tensa e sórdida. Há um equilíbrio bem delimitado entre os momentos de suspense e as econômicas, mas brutais, explosões de violência. O roteiro é coerente e não abre muitas concessões dentro da lógica do cinema noir, não oferecendo muitas opções de redenção para o protagonista, um pobre diabo que por grana se mete numa roubada que piora progressivamente. No geral, “Tratamento de choque”, ainda que esteja longe de ser um clássico ou obra-prima, consegue ao menos se mostrar digno dentro da tradição do gênero que homenageia.

sexta-feira, julho 13, 2012

Bonecas macabras, de Stuart Gordon ***1/2


Um dos grandes mestres do horror na década de 80, principalmente em produções inspiradas no universo literário de H.P.Lovecraft, Stuart Gordon também tinha ocasiões em que sabia buscar outras referências no gênero. Em “Bonecas Macabras” (1986), ele utiliza o seu habitual repertório de suspense, violência e efeitos especiais sangrentos, mas também elabora uma ambientação atípica, insinuando uma espécie de conto de fadas perverso. De certa forma, o filme parece também se inspirar na aventuras adolescentes fantásticas também típicas do cinema oitentista, na linha de “Goonies” e assemelhados. O resultado é cativante. As trucagens que mostram os brinquedos em movimentos são simples, mas eficientes, oferecendo uma dimensão visual que beira o onírico. Os cenários do velho casarão assombrado em que a trama se desenvolve traz os clichês habituais do terror, mas todos eles são bem aproveitados na criação de uma atmosfera sombria. Nesse sentido, a direção de fotografia valoriza os jogos de claro e escuro, essenciais para esse tipo de obra. Gordon ainda consegue um notável resultado na caracterização de seu elenco, repleto de arquétipos bem trabalhados, com destaque para a atuação de Stephen Lee no papel do atrapalhado Ralph, que dá uma inesperada leveza humorística para o suspense e a horror explícito que são tônicas em “Bonecas macabras”.

quinta-feira, julho 12, 2012

Piratas do espaço, de Stuart Gordon ***


A veia ficção científica de Stuart Gordon nunca rendeu obras de vigor como “Re-Animator” (1985), “Do Além” (1986) ou “Dagon” (2001), representantes do gênero horror na cinematografia do diretor norte-americano. Mesmo assim, as obras “espaciais” de Gordon rendiam alguns bons momentos de diversão e fuleiragem. “Piratas do espaço” (1996) é emblemático nesse sentido. As trucagens podem ser meio toscas para o padrão asséptico digital atual de efeitos especiais, mas o cineasta manipula esses recursos visuais com eficiência, dando-lhe um carisma atemporal. Além disso, a direção de arte e o roteiro apresentam uma bem sacada sintonia na combinação entre aventura espacial, pilotos de naves que mais parecem caminhoneiros e sádicos e nojentos corsários (com direito a esquisitos implantes robóticos). Ou seja, é uma mistura de “Guerra nas estrelas”, “Mad Max” e filmes de pirata, mas no conjunto a produção soa bastante orgânica, não caindo na armadilha fácil de querer parecer algo “trash” (até porque Gordon sempre preserva uma certa elegância formal no filmar).

quarta-feira, julho 11, 2012

O poço e o pêndulo, de Stuart Gordon ***


Se a versão cinematográfica de “O poço e o pêndulo” (1961) perpetrada por Roger Corman era uma cria típica do horror camp sessentista, a adaptação dirigida por Stuart Gordon em 1991 reflete muito do que foi o gênero nos anos 80: puxado para o gore, menos irônico e com a sordidez temática mais acentuada. Se não há a mesma aura cult da obra mais antiga, é admirável pela forma com que Gordon elabora suas atmosferas de suspense e violência e a sua recriação da Idade Média de forma verossímil e convincente tendo recursos característicos de produções B.

terça-feira, julho 10, 2012

Perversão assassina, de David Schmoeller ***1/2


Um filme de suspense/horror que tem como protagonista um senhorio assassino/tarado/psicopata (e que no passado foi um oficial nazista) que mata suas inquilinas já seria algo muito promissor. Mas se esse papel principal é vivido pelo maníaco-mor Klaus Kinski, a obra acaba ganhando um status de imperdível. É justamente o que ocorre com “Perversão assassina” (1986). Kinski está ótimo nos seus bizarros trejeitos e expressões, mas reduzir o interesse na obra apenas na sua interpretação seria injusto. O diretor David Schmoeller cria alguns climas de tensão perturbadores, tanto pela sombria direção de fotografia quanto pela expressiva trilha sonora (retomando a bem sucedida parceria com o grande compositor Pino Donnagio). A pensão onde se desenvolve a trama acaba se tornando um personagem próprio, principalmente pela forma como a câmera se movimenta, o que acentua ainda mais a atmosfera de suspense que permeia o filme. É de se destacar ainda a plasticidade das tomadas de violência – ainda que brutais, demonstram um notável requinte no seu detalhamento visual e na sua composição cênica.

Tão divertido quanto ver “Perversão assassina” é assistir a Schmoeller relembrando detalhes de bastidores da realização do filme, principalmente no que diz respeito à participação conturbada de Kinski, a um ponto que a hipótese dele ser demitido no meio das filmagens sempre foi provável – o fato dele ter participado até o fim foi um verdadeiro milagre...

segunda-feira, julho 09, 2012

O retorno, de David Schmoeller **


De certa forma, “O retorno” (1992) é um reflexo da decadência comercial e artística das produções B de horror nas últimas décadas, ao contrário do auge desse gênero nas décadas de 70 e 80. Se em “Armadilha para turistas” (1979), do mesmo cineasta David Schmoeller, podia-se perceber uma considerável gama de recursos de produção (fotografia, direção de arte, trilha sonora) que permitia maiores voos de ousadia formal, nessa obra mais recente fica evidente que nem o talento natural do diretor consegue salvar muita coisa em meio a um roteiro óbvio, um elenco excessivamente canastrão e trucagens fuleiras. O que acabam restando são algumas curiosidades, principalmente nas tomadas que mostram o músico Edgar Winter (cultuado veterano do blues rock) tocando com sua banda num bordel no meio do pântano.

sexta-feira, julho 06, 2012

Robot Jox, de Stuart Gordon ***


A temática ficção científica descompromissada, a produção de baixo orçamento e o elenco canastrão de “Robot Jox” (1990) podem fazer com que os desavisados coloquem o filme na equivocada categoria trash. O diretor Stuart Gordon, cobra criada no gênero fantástico, mostra novamente que é mestre em dar consistência narrativa para um conjunto que em mãos menos competentes teria tudo para soar meramente derivativo. Gordon consegue obter equilibro entre a comédia camp e a aventura escapista sem parecer forçado, dando à obra uma atmosfera nostálgica que remete diretamente a ingênuas e divertidas produções B dos anos 50.

quinta-feira, julho 05, 2012

Armadilha para turistas, de David Schmoeller ****


Um olhar comparativo que se faça para “Armadilha para turistas” (1979), procurando estabelecer uma relação com contemporâneas produções B de horror, causa evidentes surpresas. Talvez a maior dela é observar como um filme de gênero e de baixo orçamento de um diretor iniciante possa trazer elementos tão sofisticados. A começar pela trilha sonora de Pino Donaggio, em temas instrumentais de sutileza e beleza exasperantes que dão um toque que beira o gótico às originais atmosferas de suspense engedradas pelo diretor David Schmoeller. O roteiro revela até uma certa reciclagem típica do terror setentista: jovens urbanos, passeando pelo interior, que são aterrorizados por um psicótico caipira, poderes telecinéticos acionados por traumas (como não se lembrar de “Carrie, a estranha”?). Ainda assim, tais clichês temáticos recebem um tratamento estético rigoroso, com momentos de notável beleza visual. Schmoeller utiliza elementos simples (uma casa velha e escura, manequins, uma mata densa) para criar uma narrativa sufocante em termos de suspense e violência. O uso de trucagens simples e de tons quase artesanais não soa datado e resguarda boa parte do impacto imagético de tais efeitos. No geral, “Armadilha para turistas”, na tradição do melhor do cinema B norte-americano, confirma a tradição da capacidade dos filmes de gênero em trazerem uma série de ousadias formais e narrativas, bem mais criativas, aliás, do que produções ditas “sérias” e “artísticas”.

quarta-feira, julho 04, 2012

Jeca contra o Capeta, de Pio Zamuner e Mazzaropi **1/2


Uma análise sobre os aspectos econômicos e comerciais de “Jeca contra o Capeta” (1976) é bem mais relevante e interessante do que falar sobre os méritos artísticos do filme. Isso porque tal obra revela o verdadeiro lado visionário de Mazzaropi: a capacidade de vislumbrar aquilo que pode fazer de uma produção cinematográfica algo que tenha sucesso comercial. E isso não é pouca coisa, afinal é só pensar que nos dias de hoje a grande maioria dos filmes ganha verba pública para a sua realização, e também boa parte deles não consegue atingir uma parcela expressiva de público. No filme em questão de Mazzaropi, aproveitou-se que na época havia uma grande comoção em função do filme “O exorcista” (1973) para se lançar uma produção que adaptava a temática da possessão demoníaca para uma linguagem brasileira, com claro viés cômico e caricatural. Por mais que algumas soluções de roteiro e de encenação sejam ingênuas e claramente datadas para o espectador atual, “Jeca contra o Capeta” traz momentos de um genuíno humor brejeiro, que ainda provoca alguns riso, ainda que por certo caráter nostálgico.

terça-feira, julho 03, 2012

Argus Montenegro & a instabilidade do tempo forte, de Pedro Lucas ***1/2


Na aparência, “Argus Montenegro & a instabilidade do tempo forte” (2012) pode passar por mais um documentário na linha cinebiografia musical que tem aparecido com certa frequência nas telas. Ao assistir ao filme em questão, entretanto, pode-se perceber que as intenções do diretor Pedro Lucas eram diversas. Não que a produção não tenha também a intenção de contar a história de seu protagonista, um obscuro baterista porto-alegrense de jazz e música brasileiro, que além de ter sido um requisitado baterista de shows e de gravações de estúdio, foi ainda professor de música. Por vários momentos no filme, Argus conta passagens importantes da sua vida, mas o grande foco está é na filosofia dele sobre a sua arte. Articulado e carismático, o músico expressa uma particular visão, entre a sabedoria e o delírio, sobre a sua técnica e a forma com que encara a música. Virtuose em seu instrumento, ele mostra que a grande qualidade do artista musical não está simplesmente na exibição de sua técnica – a essência está em saber dosar essa técnica, em valorizar os silêncios, os momentos menos intensos, justamente para realçar, quando necessário, os momentos de maior impacto sensorial (o que seria o tal do tempo forte). Pedro Lucas tem a sensibilidade certeira em não só registrar as elocubrações de Argus, mas também em incorporar tais princípios para a própria concepção estética do documentário – sua narrativa é contida e sóbria, evitando tanto o excessivo discurso de loas ao seu biografado como a busca pelo sentimentalismo fácil. Raras vezes a conjunção cinema/música atingiu uma sintonia tão coerente e intrínseca.

segunda-feira, julho 02, 2012

Sete dias com Marilyn, de Simon Curtis ***


Aqueles que forem assistir a “Sete dias com Marilyn” (2011) achando que tal filme possa ajudar a esclarecer algum mistério ou pelo menos entender melhor o mito Marilyn Monroe provavelmente irão se decepcionar. O roteiro se foca muito mais na visão do protagonista Colin Clark (Eddie Reymayne), um jovem faz-tudo do estúdio inglês em que a estrela participa da realização de “O príncipe encantado” (1957), e no breve e quase pudico caso que teve com Marilyn no espaço de uma semana. É claro que em alguns momentos da trama se pode perceber alguns traços da complexidade da personalidade de Marilyn e do contexto que a envolvia, vislumbrando um pouco da tragédia de sua precoce morte. O que prevalece, entretanto, é uma abordagem mais romântica, do tipo “história de amor impossível”. Se por um lado esse viés pode ser frustrante, por outro ele propicia uma interessante viagem estética da produção, ao propor uma recriação de caráter mítico de Monroe e do seu mundo, tanto em termos formais quanto temáticos. A direção de arte e a fotografia ajudam a compor uma narrativa de atmosfera luminosa, quase evocando algo como um universo paralelo. Alguns detalhes do roteiro certamente farão a alegria dos cinéfilos interessados por histórias de bastidores reveladoras como a impaciência de Laurence Olivier (Kenneth Branagh) com os esquecimentos de texto por parte de Marilyn, o ciúme velado de Vivian Leigh (Julia Ormond) em relação à atenção oferecida para Marilyn, as crises temperamentais dessa última. Mas o grande trunfo do filme realmente é a interpretação sanguínea de Michelle Williams no papel de Marilyn, que apenas com alguns gestos e olhares consegue evocar com verossimilhança impressionante o impacto sensorial que uma figura como Monroe causava por todo o planeta.