segunda-feira, abril 30, 2012

Luz... Câmera... Pichação!, de Marcelo Guerra, Bruno Caetano e Gustavo Coelho ***


Um dos aspectos mais fascinantes de um documentário como “Luz... Câmera... Pichação!” (2011) é fazer o espectador rever os seus próprios conceitos pessoais. Afinal, como um cidadão médio respeitável, como a maioria de nós, poderia encarar com alguma simpatia sujeitos cuja diversão (ou obsessão) principal é se dedicar a rabiscar com tinta muros e paredes? Tendo como origem um trabalho universitário de pesquisa, o filme procura estabelecer uma linha histórica para a pichação, mais especificamente na cidade do Rio de Janeiro. Nesse processo, entretanto, o fim maior é entrar na mente dos pichadores, procurando expor suas razões através de depoimentos, que variam do engraçado até o dramático, às vezes até articulados e contestadores de forma surpreendente, mas na maior parte das vezes reveladores. Na síntese entre a perspectiva histórica, as entrevistas e imagens dos “artistas” em ação, a obra traça uma visão macro sobre a própria razão de ser daquilo que pode ser considerado arte ou não (a arte deve ser sempre bela? Ou a arte mais legítima é aquela que expressa a verdade daquele que a pratica?), além de estabelecer uma relação da natureza da pichação com o própria sociedade onde se originou. O resultado final chega a ser perturbador pelo seu grau de questionamento – o que é um tremendo mérito para uma obra do gênero.

Lollipop Monster, de Ziska Riemann ***1/2


Dentro de um imaginário cinematográfico com tendências para o obscuro e fetiches, “Lollipop Monster” (2011) é uma obra estranhamente sedutora, reciclando com certa classe e ironia elementos típicos da cultura pop contemporânea. A trama evoca discretamente algo do mote central do extraordinário “Almas Gêmeas” (1994) de Peter Jackson, mas dentro de um conceito pós-punk alemão (nesse sentido, a diretora Ziska Riemann parece mostrar sintonia estética e espiritual com outros nomes do cinema germânico como Wim Wenders e Fatih Akin). A relação de amizade obsessiva entre duas jovens colegiais, uma aspirante pintora de visual gótico e órfã de pai artista suicida e uma loirinha voluptuosa, desenvolve-se dentro de uma ambientação que se divide sem cerimônias entre o realismo e o delírio. De vez em quando, Riemann se perde num visual e edição “clipeiros”, mas na maioria dos momentos acerta na concepção formal que remete a um tom de conto de fadas sombrio. Colabora ainda na elaboração de tal atmosfera a bela trilha sonora, um verdadeiro compêndio de blues bastardos do novo milênio. E ao trafegar numa linha tênue entre o sardônico e o trágico, Riemann obtém uma conclusão insólita, exaltando de forma inesperada a união familiar, ainda que manchada por um pouco de sangue...

O Corpo, de Mustafa Nuri **


De certa forma, pode-se ver dentro da concepção de “O Corpo” (2011) uma série de idéias e conceitos que tornariam promissora a obra em questão: a trama que envolve elementos e contradições da cultura oriental/islâmica na Turquia (sexo, preconceito, religião), atores carismáticos, os cenários exóticos de Istambul. O resultado final, entretanto, é frustrante. O diretor Mustafa Nuri não soube explorar de forma efetivamente interessante os conflitos humanos do roteiro e nem extrair algo de insólito ou encantador do seu registro visual. “O Corpo” espalha dilemas ao longo de sua duração e não sabe criar uma resolução de impacto para eles, perdendo-se numa equação nunca bem dimensionada entre a comédia e o drama.

Essential Killing, de Jerzy Skolimowski ****


Um guerrilheiro afegão (Vincent Gallo), surdo devido a um ferimento de guerra, fugindo em uma floresta da Europa Oriental durante um rigoroso inverno – tal premissa já evidencia que o diretor Jerzy Skolimowski não pretende facilitar as coisas em “Essential Killing” (2010). Não há mocinhos ou vilões para torcer. Logo no início o pr ota gonista, em fuga desesperada, explode três soldados norte-americanos com um disparo de bazuca. Durante o período em que fica preso, é barbaramente torturado por militares ocidentais. Fica evidente que no ambiente do filme nada é preto no branco... A luta pela sobrevivência por parte do afegão não fica reduzida ao lugar comum da superação pessoal ou do heroísmo. O que o espectador vê é um homem reduzido a uma condição instintiva de preservação da própria vida, não importando a que custo moral. O registro formal de Skolimoeski revela uma coerência brutal com a trama – há uma ausência quase completa de trilha sonora (evitando, assim, qualquer tentativa de manipulação emocional), a direção de fotografia busca um tom documental na forma seca e objetiva em que filma o calvário do protagonista pelos cenários áridos e desoladores do seu inferno gélido. A própria interpretação de Vincent Gallo busca um naturalismo descarnado, em que as reações de seu personagem quase que emulam uma fera selvagem. O barbarismo a que se reduz o afegão acaba adquirindo uma conotação simbólica – é como se mostrasse as guerras disseminadas pelo Oriente Médio levando as civilizações a um estágio de decadência moral e intelectual. Na lógica niilista de “Essential Killing” não importa se o protagonista sobreviverá ao final ou não: o seu distorcido processo de sobrevivência já representa uma derrota.

Nos braços de minha mãe, de Atia e Mohamed Al-Daradji ***


O cinema oriental nos últimos anos tem buscado uma concepção estética que resulta em produções cujos limites entre a ficção e a verdade se estabelecem em fronteiras muito tênues, em que nunca se sabe com precisão o que é a encenação e o que é a realidade. “Nos braços de minha mãe” (2011) é mais um filme que envereda por esse tortuoso caminho, resultado em uma obra muito inquietante. A trama, mostrando o quotidiano de uma instituição que abriga crianças e adolescentes iraquianos que se tornaram órfãos devido à última guerra entre o seu país e os Estados Unidos, tem cunho social e humanista, buscando retratar com crueza uma realidade alarmante. O filme não poupa o espectador ao expor o drama de seus personagens: são várias situações limites que configuram uma atmosfera angustiante. Assim, o apelo da produção não é apenas de caráter assistencialista – os diretores Atia e Mohamed Al-Daradji conseguem estabelecer uma narrativa tensa, além de obter composições dramáticas notáveis por parte do elenco, que em boa parte é constituído de amadores.

Triângulo Amoroso, de Tom Tykwer ***1/2


O diretor alemão Tom Tykwer buscou uma sintonia existencial entre as concepções formal e temática em “Triângulo Amoroso” (2010). A história do relacionamento amoroso entre um casal heterossexual e um homem que é amante dos dois por circunstâncias aleatórias do destino (e, assim, sem que eles saibam dessa estranha condição) acaba tendo uma narrativa algo fragmentada, mas estranhamente fluida. O mote principal do roteiro estabelece contatos com elementos pontuais que pontilham a trama (biologia, filosofia, política, arte – todos esses temas que se relacionam com as atividades pessoais e profissionais dos amantes). Esse modelo de narrativa tão repleta de detalhes, entretanto, não tornam o filme um objeto de arte marcado por um hermetismo inacessível – o que eles oferecem a “Triângulo Amoroso” é uma sofisticada ironia, em que a tragédia ou outra conseqüência mais apelativa é trocada pela naturalidade na aceitação de comportamentos e sentimentos. O final feliz não soa como uma solução fácil, mas sim como um desafio às convenções da moralidade ocidental.

sexta-feira, abril 20, 2012

Jogos Vorazes, de Gary Ross **1/2



De certa forma, “Jogos Vorazes” (2012) até chega a surpreender positivamente. Afinal, o marketing do filme afirmava que se travava de um fenômeno na linha da franquia “Crepúsculo”, daí já vinha à mente algo na linha asséptica da série de “vampiros” sem sangue que louva a virgindade. “Jogos Vorazes”, entretanto, mostra ter mais culhões. Na realidade, trata-se de uma produção que dá a impressão de ser uma grande colcha de retalhos de referências, influências e clichês – o jogo de sobrevivência entre jovens faz lembrar obras como “O Sobrevivente” (1987) e “Battle Royale“ (2000), a distopia de uma sociedade marcada pela falta de liberdade evoca o clássico literário “1984” e derivativos. O roteiro é marcado por simplificações excessivas, e mesmo a direção de arte demonstra falta de imaginação (joga-se sempre com o mesmo princípio: no futuro, os menos privilegiados têm um figurino espartano e os moradores das grandes cidades são caracterizados pelo mau gosto visual). Quando “Jogos Vorazes” parte para ação na sua metade final, a narrativa evolui bastante, ainda que o diretor Gary Ross não ouse tanto em termos visuais. Mesmo que seja previsível que a protagonista Katniss Everdeen (Jennifer Lawrence) se torne a vencedora da competição de sobrevivência, há uma certa tensão nas cenas, além do grau de surpresa em algumas soluções da trama. No final das contas, “Jogos Vorazes” não representa algo de tão relevante, mas consegue criar expectativa para os próximos filmes da franquia. Dentro da lógica de mercado, isso já está mais que bom...

quinta-feira, abril 19, 2012

O Guarda, de John Michael McDonagh ***



O grande atrativo de “O Guarda” (2011) se encontra mais na caracterização peculiar de alguns personagens do que em alguma provável ousadia formal. O comportamento indolente e sarcástico do protagonista, o policial Gerry Boyle (Brendan Gleeson), e os diálogos repletos de intelectualismos sardônicos do trio de traficantes interpretado por Mark Strong, Liam Cunningham e David Wilmot possuem um encanto perverso, por representarem uma espécie de ode contra o pensamento politicamente correto. A trama policial que embala tais elementos pode ser corriqueira no seu desenvolvimento, mas também é eficiente e não soa apelativa. O tom cômico que por ora permeia o roteiro acaba tendo mais uma conotação amarga e niilista do que um alívio escapista. O diretor John Michael McDonagh estabelece uma narrativa quase sem sobressaltos, que beira o opaco, mas que de certa forma se mostra em sintonia com ambiente letárgico da cidade costeira em que Boyle vive. Ou seja: as escolhas formais e temáticas de McDonagh podem não gerar maiores arroubos criativos, mas não deixam de ser coerentes com a proposta cinematográfica de “O Guarda”.

quarta-feira, abril 18, 2012

O Homem Que Mudou o Jogo, de Bennett Miller ***



Em um primeiro momento, “O Homem Que Mudou o Jogo” (2011) pode parecer apenas mais um filme a mostrar uma história edificante sobre superação pessoal. Num olhar mais atento, entretanto, o que se pode perceber é que a produção em questão envereda por outro lado – funciona como uma espécie de exaltação do racionalismo. Afinal, o que o protagonista Billy Beane (Brad Pitt), manager de um time de beisebol, propõe para a comissão técnica do clube onde trabalha é deixar de lado a visão obscurantista na seleção dos atletas, baseada em intuições e crendices, para adotar uma postura que beira o cientificismo, usando como referência dados estatísticos. Independente do mérito de tal escolha, é interessante notar como uma simples postura baseada em critérios objetivos acaba trazendo à tona, ainda que de forma velada, uma série de posturas de intolerância. O filme não propõe soluções mágicas: o projeto de Billy se impõe de forma lenta e progressiva, enfrentando uma gama de percalços entre reclamações e resultados negativos. O grande mérito do diretor Bennett Miller está em escolher uma estrutura formal enxuta, em que mesmo em meio a várias cenas que se resumem em essência a discussões alongadas em escritórios ou em partidas de beisebol (às vezes, incompreensíveis para platéias não habituadas ao esporte), consegue-se fazer com que a trama mantenha o interesse e a tensão. Não há sobressaltos, nem grandes viradas na história: tudo parece avançar dentro de um caminho natural, num ritmo narrativo que de certa forma emula a própria vida.

terça-feira, abril 17, 2012

Oliver Sherman - Uma Vida em Conflito, de Ryan Redford ***



Obras sobre veteranos de guerra com dificuldades para se adaptar à vida civil não são exatamente uma novidade nas telas, e “Oliver Sherman – Uma Vida em Conflito” (2010) confirma tal premissa. É inegável, entretanto, que o tratamento formal e temático proposto pelo diretor Ryan Redford causa impacto pelo seu tom cru. O protagonista Sherman (Garret Dilahunt) beira o repulsivo no seu comportamento desagradável e próximo à loucura, mas a sociedade “normal” que o cerca também não é exposta com olhos tão simpáticos – na sua intolerância silenciosa e hipócrita, ela colabora com o clima de opressão que esmaga Sherman e o torna cada vez mais destoante dos seus semelhantes. É mérito de Redford saber criar a atmosfera tensa que permeia a trama, até desembocar na violência sutil e brutal que marca os momentos finais do filme.

segunda-feira, abril 16, 2012

John Carter - Entre Dois Mundos, de Andrew Stanton ****



É provável que em meio a tantas produções insossas a utilizarem o recurso de 3D uma obra como “John Carter – Entre Dois Mundos” (2012) possa passar batido (o que talvez também explique o fiasco financeiro que o filme foi ao redor do mundo). Bem, aqueles que deixaram o filme de lado diante dessa lógica correm o risco de perder de assistir a uma das melhores aventuras cinematográficas a aparecem nas telas nos últimos anos. A escalação do renomado Andrew Stanton, o responsável pelas animações “Procurando Nemo” (2003) e “Wall-E” (2008), não foi gratuita – o diretor mostra um preciso domínio na combinação dos efeitos digitais com a encenação “em carne e osso”. A ação em “John Carter” possui uma clareza de movimentos e detalhamento cênico deslumbrantes, traduzindo com sensibilidade a atmosfera pulp e nostálgica da trama. Aliás, esse é outro segredo para o triunfo artístico do filme: um roteiro lapidado com esmero tanto nos diálogos quanto no encadeamento das situações, fazendo com que nenhum detalhe da história pareça desnecessário ou apelativo (não é à toa que o nome do consagrado romancista Michael Chabon esteja nos créditos como um dos responsáveis pelo roteiro). Impressiona ainda a forma harmônica com que o tom de aventura irônica e algo escapista de algumas cenas conviva com um senso dramático arrepiante em outras seqüências – aquele momento em que John Carter (Taylor Kitsch) parte para o conflito solitário contra uma horda de marcianos selvagens, ao mesmo tempo que recorda da morte de sua esposa e filha, é antológica em termos de violência e melancolia. De se destacar ainda o apuro visual na direção de arte – toda a seqüência inicial que se passa no velho oeste durante a Guerra da Secessão traz uma reconstituição de época cuidadosa e nada fake, e que causa um senso de estranhamento quando o filme desemboca para a pura ficção científica no instante em que a trama começa a se desenrolar nos áridos desertos de Marte.

No final das contas, as pretensões comerciais frustradas de “John Carter” farão com que o filme seja lembrado por um bom tempo apenas como um dos maiores fracassos financeiros desta década, mas é possível que uma revisão mais cuidadosa de seus méritos o coloquem como um estimado filme de culto, e não apenas para os apreciadores de ficção científica. O tempo dirá...