sábado, junho 20, 2009

Jogo Entre Ladrões, de Mimi Leder *1/2


Filmes marcados por obviedades em seus roteiros não são necessariamente um mal. Se um diretor consegue obter uma narrativa dinâmica através de fotografia e montagem bem trabalhadas, os lugares comuns de uma trama até passam batidos. Não é o que acontece em “Jogo Entre Ladrões” (2009). A cineasta Mimi Leder não demonstra maiores brilhantismos nos aspectos formais da produção, procurando enfocar o interesse justamente num roteiro cheio de “surpresas” que são facilmente adivinháveis lá pela metade do filme. Para piorar a situação, Antonio Banderas e Morgan Freeman estão no auge da canastrice. No final das contas, o que acaba dando um certo interesse para “Jogo Entre Ladrões” é a bela Radha Mitchell, que está bem gostosinha em cena...

Gran Torino, de Clint Eastwood ***1/2


Clint Eastwood, parceiro e admirador confesso do grande cineasta Don Siegel, deve ter resolvido homenagear o mesmo em “Gran Torino” (2008). Afinal, a trama dessa sua produção mais recente tem muitos pontos em comum com o roteiro de “O Último Pistoleiro” (1976), um dos filmes mais admiráveis de Siegel. Ambos tem protagonistas durões e de passados com experiências violentas e nebulosas que se descobrem com uma doença fatal e resolvem estabelecer as suas próprias regras e rituais de como morrerão. Além disso, os mesmos acabam tendo jovens carentes da figura paterna como espécie de seguidores/aprendizes. “Gran Torino”, entretanto, não é uma mera reciclagem do filme mais antigo, tendo seus méritos próprios. Eastwood dirige da sua tradicional maneira segura e clássica. O personagem Walt Kowalski é uma síntese de outros papéis marcantes de Eastwood, sendo que as melhores seqüências são justamente aquelas em que o protagonista range os dentes e enfrenta os seus desafetos. Mesmo com todas as suas rugas e outros entraves da sua avançada idade, são nesses momentos que a tremenda carga mitológica e carismática de Clint irrompe de forma impressionante.

“Grand Torino” só não atinge o mesmo patamar de excelência de “O Último Pistoleiro” porque algumas caracterizações simplórias e caricatas, principalmente quando entra em cena a família de Kowalski, enfraquecem um pouco a densidade da sua narrativa. Mesmo assim, é uma obra de respeito dentro da expressiva cinematografia de Eastwood.

Entre os Muros da Escola, de Laurent Cantet ****


Li recentemente um artigo no jornal Zero Hora que tratava sobre o fenômeno cada vez mais recorrente de pessoas que abandonam as salas de cinema de Porto Alegre no meio das projeções. O mais curioso em tal matéria era o fato de que apontava a produção que era uma espécie de atual “campeã” nesse tipo de situação: “Entre os Muros da Escola”. Um repórter que ficou “de tocaia” na saída de uma sessão do filme em questão abordou um cidadão que estava saindo bem antes do término, questionando o mesmo porque ele já estava partindo tão cedo, sendo que o cidadão respondeu que a obra era decepcionante por só mostrar pessoas discutindo e não trazer nenhuma “lição de vida”. Bem, devo confessar que concordo com o nosso amigo fujão, pelo menos em parte. Não há em “Entre os Muros da Escola” exemplos edificantes de comportamento professoral, na linha “Meu Mestre Com Carinho”. E esse é justamente um dos aspectos mais fascinantes da obra. O professor François é apresentado, antes de mais nada, como um ser humano que diante de situações difíceis pode tomar uma decisão acertada como também hesitar ou meter os pés pelas mãos, o que é que ocorre justamente em alguns momentos. Paira pelo filme a sensação melancólica de que François e seus colegas, que representam um modelo de escola tradicional, são quase anacrônicos ao tentar lidar com uma nova realidade de situações e questionamentos que são representados pelos alunos que, em sua grande maioria, são descendentes de imigrantes. O que se atira na cara do espectador, e talvez isso perturbe a um ponto de até o mesmo abandonar a sala de cinema, é que tudo aquilo que se aprende numa sala de aula está cada vez mais defasado da realidade dos estudantes. A tão comentada seqüência final do filme é a perfeita e amarga síntese disso.

Mas reduzir o brilhantismo de “Entre os Muros da Escola” a somente ao seu lúcido discurso social seria injusto. O diretor francês Laurent Cantet dá a sua narrativa uma dinâmica eletrizante, num brilhante jogo de enquadramentos criativos e edição de cortes rápidos, mas não confusos, que acabam refletindo o próprio sentimento de urgência da trama. Outro detalhe instigante da obra é o fato de que devido ao fato da mesma ser uma adaptação de um livro baseado em situações reais, Cantet teve a idéia de que a maioria das pessoas retratadas no texto interpretasse a elas mesmas na tela. O resultado dramático é fabuloso, com o elenco oferecendo interpretações espontâneas e fluidas que estão em perfeita sintonia dramática com o espírito do filme.

Anabazys, de Paloma Rocha e Joel Pizzini ***1/2


Apesar de gostar muito de “Deus e o Diabo na Terra do Sol” (1963), “Terra em Transe” (1967) e “O Santo Guerreira Contra o Dragão da Maldade” (1968), devo confessar que ainda não assisti “A Idade da Terra” (1980), o derradeiro filme de Glauber Rocha. É que boa do que li e ouvi falar sobre o filme é tão pouco animador que o mesmo por muito tempo não entrou como prioridade na minha lista de obras por assistir. Mas depois da sessão de exibição do documentário “Anabazys” (2007) essa minha percepção mudou bastante, sendo que agora “A Idade da Terra” se tornou uma produção a ser conferida brevemente por este que vos escreve.

“Anabazys”, basicamente, tem como tema a realização de “A Idade da Terra”, mas está muito longe de ser um simples “making of”. Sua narrativa é dividida em três momentos. No primeiro, assiste-se às dificuldades de Glauber para conseguir financiamento para a realização do filme. Na época, a situação era difícil para o genial cineasta baiano, que se encontrava brigado com boa parte do meio cultural brasileiro devido a declarações polêmicas sobre a ditadura militar, além de recém chegado do seu exílio. O segundo momento de “Anabzys” é focado nas filmagens. Nessa parte do documentário, é fascinante assistir ao método de filmar de Glauber em ação. Tudo parecer fluir de forma espontânea e delirante, com Glauber em plena ebulição criativa e exigindo de atores e demais membros da equipe uma entrega absoluta, ao mesmo tempo que expõe suas insólitas concepções estéticas e temáticas, misturando crítica social, misticismo e inusitadas referências culturais. O terço final do filme é igualmente desconcertante, ao retratar a forma, que oscilava entre a frieza e estranheza, com que “A Idade da Terra” foi recebida no Festival de Veneza e no Brasil. Pode-se até discordar das razões e teses de Glauber, mas o que impressiona mesmo é a sua defesa febril e quase messiânica da sua obra, com ele encarnando uma espécie de Antônio Conselheiro do cinema nacional.

O grande mérito de “Anabazys” não é o simples fato de comprovar ou não as qualidades artísticas do canto do cisne de Glauber. O que realmente impressiona nesse documentário é de mostrar sem artifícios ou concessões o difícil parto de uma obra que, longe de alcançar a unanimidade e muito mais importante do que isso, revelava a alma de uma das mais importantes figuras da cultura brasileira.

domingo, junho 07, 2009

Sex Drive - Rumo ao Sexo, de Sean Anders ***1/2


Os anos 80 foram um período dourado para o gênero comédias adolescentes. Aquela mistura de grosseria e inocência, tendo como modelo a suprema obra prima "O Clube dos Cafajestes" (1978) de John Landis, rendeu uma série de filmes antológicos. E o impacto de tais produções foi tão grande que ainda hoje aparecem obras influenciadas por aquele período, como os excelentes "Show de Vizinha" (2004) e "Superbad" (2007). "Sex Drive – Rumo ao Sexo" (2008) não está no mesmo nível desses dois últimos, mas chega perto e é um excelente divertimento. O diretor Sean Anders resgata muito daquela aura oitentista, mas atualizando com eficiência sob uma ótica moderna. No meio de hilariantes seqüências envolvendo escatologia e situações constrangedoras, há também uma fina ironia ao sacanear a conservadora sociedade norte-americana e seus estereótipos. Isso fica evidente principalmente nas seqüências envolvendo o hilariante homofóbico Rex (James Marsden) e uma comunidade amish não muito convencional... "Sex Drive" também encanta pela espontaneidade de sua dinâmica narrativa e por uma muito bem sacada conjunção de imagens e trilha sonora. Toda aquela seqüência dos três amigos viajando numa estrada ao som da sensacional canção "Time to Pretend" do MGMT, por exemplo, remete bastante a algumas cenas do clássico "Sem Destino". E podem acreditar: essa comparação, por mais exagerada que possa parecer, não é sacrilégio!!

Simplesmente Feliz, de Mike Leigh ***1/2


Em obras anteriores como "Segredos e Mentira" (1996), "Agora ou Nunca" (2002) ou "Simplesmente Feliz" (2004), o cineasta britânico Mike Leigh mostra uma visão sem enfeites sobre as relações humanas, optando pelo gênero de dramas sérios e de temática forte, utilizando um estilo de filmar objetivo e focado nas intensas interpretações de seus atores. Aparentemente, "Simplesmente Feliz" parece fugir dessa linha narrativa típica de Leigh pelo tom leve e cômico de algumas seqüências. No decorrer da trama, entretanto, o diretor parece contaminar a trajetória da otimista e bem humorada protagonista Poppy (Sally Hawkins) com uma série de pequenos episódios que revelam uma amarga visão de mundo. De certa forma, esse contraste entre a índole de Poppy e a indiferença do mundo que a cerca é que traz o real elemento de comédia de "Simplesmente Feliz", mas num tom cômico que tende muito mais para a ironia perversa. Além disso, a própria caracterização "alto astral" de Poppy se inclina para esse tipo de humor no sentido em que a mesma desafia não só a paciência de outros personagens, mas também dos próprios espectadores. É justamente nessas ambigüidades que Leigh demonstra a sua bruta coerência autoral.