terça-feira, maio 31, 2011

Um Homem Que Grita, de Mahamat-Saleh Haroun ***



Mesmo com alguns excessos melodramáticos do roteiro e uma estrutura formal um tanto quanto convencional, “Um Homem Que Grita” (2010) consegue chamar atenção positivamente, e não só pelo exotismo de seu país de origem, a nação africana Chade. O diretor Mahamat-Saleh Haroun consegue estabelecer uma incômoda atmosfera de tensão de maneira sutil e silenciosa, fazendo que os conflitos íntimos dos personagens mantenham uma relação coerente com as questões sociais que estão de pano de fundo da trama. A notável ambientação opressiva do filme fica ainda mais acentuada pelo tom seco de algumas das escolhas formais de Haroun, principalmente pela ausência de temas musicais como trilha sonora e pela direção de fotografia que oferece uma áspera utilização de luz natural. E no meio desse constante clima pesado de “Um Homem Que Grita”, o diretor consegue oferecer breves e poéticos momentos de alívios em alguns belos enquadramentos, principalmente na comovente seqüência final, com o funeral em um rio de um dos personagens do filme.

segunda-feira, maio 30, 2011

Caminho de Casa, de Emiliano Corapi **1/2



Em termos gerais, a trama da produção italiana “Caminho de Casa” (2010) traz alguns elementos positivos dentro do gênero policial ao qual a referida obra pertence. Há reviravoltas surpreendentes, chegando a ponto de haver uma inesperada troca de protagonistas lá pelo meio da história, sendo que isso ocorre até de forma bem convincente. O que impede que o filme alce vôos mais altos, entretanto, é o fato de sua narrativa truncar por uma certa indefinição de se assumir como uma obra policial ou drama familiar. Peca-se pelo excesso de flash backs e também por uma insistência em focar os conflitos intimistas dos personagens. “Caminho de Casa” realmente funciona quando se concentra nas seqüências de ação e suspense que mostram a relação entre os cidadãos “normais” com as figuras dos mafiosos (aos quais prestam pequenos serviços). Além do mais, o elenco peca por atuações apáticas em papéis que exigiam uma melhor combinação entre vigor e sutileza.

sexta-feira, maio 27, 2011

O Símio, de Jesper Ganslandt ***1/2



O diretor sueco Jesper Ganslandt reafirma com precisão em “O Símio” (2009) um princípio basilar para o gênero do suspense cinematográfico: o que importa para manter a tensão não é a resposta para os mistérios da trama, mas sim a atmosfera de dúvida que advém dos mesmos. Na cena de abertura do filme, o protagonista Krister (Olle Sarri) acorda em uma manhã banhado em sangue que não é o seu. O personagem sabe o que aconteceu, o espectador não. A partir dessa premissa, o roteiro se concentra em mostrar o tormento de Krister em lidar com tal situação extrema. A forma de Ganslandt filmar essa odisséia pessoal é seca: os enquadramentos são quase fixos, os cortes de montagem são poucos e a trilha sonora é inexistente. Tal moldura formal acentua ainda mais o clima de paranóia e dissolução emocional de Krister. Aos poucos, vão sendo revelados detalhes que compõem, ainda que de forma incompleta, o mosaico narrativo. Tudo dá a entender que as vítimas são da própria família de Krister e que foi ele mesmo que praticou os atos de violência. O que fica mais difuso, entretanto, é a sua motivação. Ele é um psicopata? Foi apenas algo acidental? Talvez o que haja de concreto apenas é que a vida dele vai se tornando cada vez mais um beco sem saída e que dificilmente as coisas acabarão bem. E apesar se desconhecer as causas da tragédia, acaba-se também vendo as conseqüências da mesma pela ótica perturbada do rapaz, o que torna “O Símio” uma obra progressivamente desconcertante.

quinta-feira, maio 26, 2011

Pepperminta, de Elisabeth Charlotte Rist **1/2



As origens artísticas da diretora suíça Elisabeth Charlotte Rist pode dá uma idéia da gênese de “Pepperminta” (2009), seu longa-metragem de estreia. Artista plástica que se destacou inicialmente como videomaker, com ênfase na utilização de música, Rist leva para o cinema algumas de suas concepções estéticas. O resultado acaba sendo uma obra irregular como narrativa, no sentido de que algumas seqüências da produção acabam parecendo muito mais um longo vídeo clip do que propriamente um produto cinematográfico. Mesmo que a conjunção de “O Mágico de Oz”, “Alice no País das Maravilhas” e a fase lisérgica dos Beatles possa soar desajeitada e ingênua em alguns momentos, entretanto, é inegável o poder de sedução de algumas imagens de “Pepperminta”. A cineasta joga vários conceitos ao mesmo tempo na tela e parte deles acaba até encontrando um certo impacto que oscila entre o bizarro e o perturbador. O que falar, por exemplo, nas cenas em que o sangue menstrual da protagonista é retratado como uma espécie de droga lisérgica e sagrada? E é justamente nesse frágil equilíbrio entre o grotesco e o lírico que se encontra a força criativa do filme e que faz com que talvez Rist seja um nome a se prestar atenção no futuro.

quarta-feira, maio 25, 2011

Route Irish, de Ken Loach ***1/2



Dentro do gênero cinema político, o diretor britânico Ken Loach continua mostrando que é mestre. O tema da Guerra do Iraque, com um viés crítico à postura dos Estados Unidos no conflito, vem sendo abordado com freqüência nas telas. No caso da obra mais recente de Loach, “Route Irish” (2010), a atenção fica voltada para a participação de mercenários contratados por conglomerados de segurança que combatem ativamente no país árabe. “Zona Verde” (2010), de Paul Greengrass, já havia utilizado uma temática semelhante. No caso da produção de Loach, entretanto, o buraco é bem mais embaixo. Para começar, a quantidade de cenas de ação e violência é bem mais econômica, mas quando as mesmas surgem, é de forma impactante – Loach faz questão de detalhar todas as nuances da sua encenação, como se quisesse evidenciar todo o horror e a brutalidade do conflito. Ele também não apela para o recurso batido de filmar a ação como se fosse um documentarista tosco no meio do conflito, com a câmera tremendo e tudo se transformando num grande borrão. No caso de “Route Irish”, a ação é filmada com clareza e sem trepidações, mesmo quando utiliza imagens originadas de celulares.

Loach também dá um passo além na forma com que analisa as consequências tanto da guerra como, principalmente, daqueles que participam da mesma. O mercenário Fergus (Mark Womack), ao investigar a estranha morte do companheiro Tommy numa ação de combate no Iraque, acaba descobrindo ainda que toda a violência e sordidez que envolvem a sua “atividade profissional” comprometeu a sua própria natureza de forma irremediável, tornando até mesmo insustentável a sua convivência normal em sociedade. Essa crueza que Loach atinge ao retratar a dimensão humana do protagonista dá um toque ainda mais perturbador ao seu thriller político.

terça-feira, maio 24, 2011

Aisheen, de Nicolas Wadimoff ***



Mais um documentário a retratar os conflitos entre palestinos e judeus? Pois é, uma premissa como essa pode ser pouco atrativa nestes tempos em que o referido conflito é repisado continuamente na mídia. E nem dá para dizer que “Aisheen” (2010) traga alguma perspectiva nova para o assunto, pois o diretor Nicolas Wadimoff se concentra bastante na rotina de privações e injustiças pelas quais passam diariamente os palestinos que vivem em Gaza. Apesar da sensação de deja vu, entretanto, esta produção acaba chamando atenção por algumas soluções formais até mesmo surpreendentes. Isso fica evidente logo na seqüência de abertura, em que uma criança árabe caminha pelos escombros de um parque de diversão e ao encontrar o administrador pergunta ao mesmo sobre o trem fantasma. O adulto caminha com o garoto e mostra onde funcionava o antigo brinquedo e conta com detalhes o que tinha lá. O contraste entre as ingenuidades dos pretensos sustos do trem de fantasma com a dura realidade da guerra que cerca aquelas pessoas é desconcertante. E é nesse tem tom que oscila entre o alegórico e o metafórico que reside o encanto de “Aisheen”. Wadimoff abdica da narração em off impessoal para simplesmente dar a voz para os seus personagens, assim como procurar retratar com o máximo de naturalidade os fatos que se sucedem, não fazendo, assim, julgamentos explícitos sobre o que é retratado na tela. O cineasta acredita no poder de sugestão das imagens para retratar a sua visão, permitindo-se até momentos lúdicos em meio aos horrores do conflito. O momento em que os garotos palestinos de uma escola encenam episódios diários de sua difícil convivência com os soldados israelenses, por exemplo, traz uma carga de leveza irônica para um assunto tão denso que acaba ganhando um certo tom insólito.

segunda-feira, maio 23, 2011

Ultraje, de Takeshi Kitano ****



Talvez “Ultraje” (2010) seja o filme de gângster mais “puro” de Takeshi Kitano. Dentro desse gênero, obras anteriores do diretor japonês como “Sonatine” (1993), “Hana Bi” (1997) e “Brother” (2000) traziam uma abordagem mais reflexiva em determinados momentos, entre as seqüências de tiroteios e demais brutalidades. Já esta produção mais recente de Kitano se concentra exclusivamente na ação, além da trama estar mais preocupada com os meandros das intrigas entre os bandidos de um clã da Yakuza do que em extrair elementos contemplativos. O próprio Kitano interpreta um tipo diverso daquele do sujeito durão que está em crise existencial; em “Ultraje”, seu personagem é apenas um sádico e arrivista subchefe em busca de mais poder na sua organização criminosa.

Na comparação, pode-se dizer que a diferença entre “Ultraje” e os filmes mais antigos de Kitano mencionados anteriormente é aquela que se pode fazer entre “Os Bons Companheiros” (1990) e “Cassino” (1995), ambos de Martin Scorsese: este último seria a versão mais exagerada do primeiro, colocando uma maior ênfase na violência, no sexo e na sordidez. Assim, “Ultraje” é um Kitano com um pé no acelerador na truculência. É de se enfatizar, entretanto, que o diretor faz isso com um notável senso barroco no filmar. Das cenas de reuniões entre os gângsteres até as várias tomadas de execuções à bala e agressões variadas (com destaque especial para perturbadora tortura com uma broca de dentista enfiada na mandíbula de um infeliz), há uma elegância extrema na encenação e nos enquadramentos de talhe clássico. O resultado final acaba sendo um extraordinário filme policial casca-grossa, daqueles que aparecem cada vez mais raramente nestes tempos de politicamente correto.

sexta-feira, maio 20, 2011

Barcelona Era Uma Festa (Underground 1970-1980), de Morrosko Vila-San-Juan ***



O movimento de contracultura em Barcelona guarda grandes semelhanças com o movimento análogo que se desenvolveu no Brasil. Isso porque os principais princípios do ideário libertário típico de tais movimentos (amor livre, uso de drogas para expansão dos sentidos, contestação dos valores conservadores da sociedade contemporânea, rock como trilha sonora principal) se formataram com quase uma década de antecedência na Inglaterra e nos Estados Unidos. É provável que esse reflexo atrasado tenha relação com o fato de Espanha e Brasil estarem sob regime ditatoriais no período, o que dificultava a assimilação de ideias e tendências vindas do exterior (e naquele tempo Internet era algo que as pessoas mal podiam vislumbrar). O próprio punk, que foi o fecho de caixão definitivo para o flower power tanto britânico quanto norte-americano, só foi ter ressonância nos referidos países latinos lá pelos anos 80. Apesar dessa ressonância retardada, a contracultura possibilitou o surgimento de uma infinidade de manifestações criativas relevantes no circuito artístico de Barcelona (e nisso há uma outra grande aproximação com o mesmo fenômeno em terras brasileiras). Música, artes plásticas e quadrinhos geraram trabalhos que ajudaram a dar um novo patamar para evolução cultural da Espanha, assim como na parte comportamental surgiram outros padrões de conduta que colocaram em cheque os cânones morais de um país de maioria católica. “Barcelona Era uma Festa (Underground 1970-1980)” (2010) é um documentário que oferece uma perspectiva que oscila entre o irreverente (em sintonia com o espírito da época) e o crítico (ao expor sem maiores concessões as contradições do movimento), oferecendo um panorama bastante amplo sobre os fatos. As opções estéticas do diretor Morrosko Vila-San-Juan parra narrar esta saga de ascensão e queda da contracultura basca se revelam bastante adequadas no sentido de abusarem do grafismo exagerado que remete a comics da época, além da edição trepidante que reflete o espírito anárquico dos personagens focalizados. No cômputo geral, a obra se recusa a enquadrar os eventos numa ótica meramente didática e simplificadora, evidenciando que por mais que alguns dos principais artífices tenham ficado pelo meio do caminho devido aos seus excessos o seu legado anti-obscurantista foi fundamental para colocar a Espanha nos trilhos da modernidade.

quinta-feira, maio 19, 2011

O Estranho Caso de Angélica, de Manoel de Oliveira ***

Um olhar apressado sobre a sinopse de “O Estranho Caso de Angélica” (2010) poderia fazer supor se tratar de mais uma tradicional narrativa do gênero fantástico envolvendo fantasmas e afins. Nas mãos do mais que veterano diretor português Manoel de Oliveira, entretanto, as coisas não ficam assim tão simples. A história do fotógrafo que se apaixona por uma bela jovem já falecida (a Angélica do título) extrapola o caráter mórbido e toma os contornos de uma alegoria sobre um Portugal que mais existe no nosso imaginário do que na própria realidade. Isso se evidencia na ambientação da produção, que trafega por uma espécie de atemporalidade, em que o passado e o presente não apresentam uma delimitação tão clara, assim como o urbano e o rural parecem se digladiar ao longo da trama. Esse olhar nostálgico de Oliveira contamina a própria encenação da obra, tanto que nas sequências em que aparece o fantasma de Angélica os efeitos especiais possuem certo caráter “fuleiro” – o cineasta não busca aquele efeito do que “parece real”, mas sim aquele que remete a um cinema que beira o artesanal e que se aproxima da pintura.

quarta-feira, maio 18, 2011

Três Tempos Depois da Morte de Ana, de Catherine Martin ***



Em cada fotograma de “Três Tempos Depois da Morte de Ana” (2009) parece haver uma declaração da cineasta canadense Catherine Martin dizendo “gostaria de ser Ingmar Bergman. A trama e a sua respectiva encenação parecem derivadas de alguma produção do mestre sueco. A história da mãe que se isola em uma cabana no meio da uma gelada floresta no interior do Canadá após a morte violenta da filha e recebe a visita de alguns fantasmas (da avó, da mãe e da mencionada filha) evoca aquela insólita junção entre o real e o metafísico de obras como “Morangos Silvestres” (1957) e “Gritos e Sussurros” (1972), além de receber um tratamento formal rigoroso, repleto de enquadramentos quase fixos, além da ausência de trilha sonora. Há a impressão de uma certa frieza na aridez de tal ambientação, mas o desenrolar da narrativa torna a mesma cada vez mais emocional, beirando até mesmo o edificante quando a protagonista reencontra um caso amoroso da adolescência. É nesse último ponto que o filme se afasta um pouco da sombra de Bergman, pendendo para uma espécie de melodrama contido. Mesmo que com um caráter artístico um tanto derivativo, “Três Tempos Depois da Morte de Ana” acaba seduzindo pela precisão de sua narrativa e por saber evitar os excessos sentimentais.

terça-feira, maio 17, 2011

Erratum, de Marek Lechki **1/2



A base da trama da produção polonesa “Erratum” (2010) é simples, quase manjada mesmo: Michall (Tommy Kot), homem maduro bem estabelecido profissionalmente que vive há anos em Varsóvia, é obrigado por uma contingência de trabalho a voltar para a cidade interiorana em que nasceu e cresceu para executar um pequeno serviço. Acaba atropelando e matando um mendigo e é obrigado a permanecer mais alguns dias na localidade para resolver detalhes formais. Isso o faz reencontrar o pai e amigos, pessoas essas com quem têm pendências emocionais mal-resolvidas. Com isso, faz uma espécie de reavaliação do passado e, por consequência, da própria vida. Apesar dessa previsibilidade temática, o cineasta Marek Lechki consegue extrair algumas sequências cativantes no filme, principalmente nas tomadas que envolvem as peregrinações noturnas de Michall pela sua cidadezinha natal, onde utiliza uma fotografia de tons sombrios e granulados que dá a tais cenas uma conotação que beira o onírico. Interessante também no filme é o significado metafórico que a morte do mendigo vai adquirindo com o desenrolar da trama, como se ilustrasse as descobertas existenciais do protagonista. No final das contas, “Erratum” pode até não apresentar nada de novo ou especialmente brilhante em termos formais, mas acaba criando uma certa empatia pela forma honesta com que expõe os conflitos de seus personagens, o que acaba criando um fator de identificação com o espectador.

segunda-feira, maio 16, 2011

Cúmplices, de Frédéric Mermoud ****



Um dos grandes méritos do diretor Fréderic Mermoud na produção francesa “Cúmplices” (2009) está na forma como os tempos narrativos (passado e presente) se entrelaçam sobriamente no desenrolar da trama. No início do filme, já sabemos que o jovem michê Vincent (Cyril Descours) foi assassinado. Cabe ao espectador assistir à reconstituição dos fatos que levaram ao crime, tanto pela investigação da dupla de policiais Hervé Cagan (Gilbert Menki) e Karine Mangin (Emannuelle Devos) como pela presença de flash backs. Mesmo que se saiba que o resultado vai ser a morte do garoto, além do fato que o possível autor do crime não será alguém tão surpreendente, Mermoud consegue obter uma atmosfera constante de tensão, principalmente pelo seu estilo seco e elegante de filmar, não havendo concessões ao se criar uma ambientação entre o sórdido e o hedonista para retratar a rotina de sexo, drogas e violência de Vincent. O diretor também insere no roteiro uma perspectiva temática que dá uma dimensão dramática de impacto para o filme. À medida que as investigações de Hervé e Karine se aprofundam, elementos da vida da vítima provocam uma certa reflexão por partes dos próprios investigadores sobre questões pessoais mal resolvidas. E a conclusão de “Cúmplices” dá ao filme uma forte e inesperada carga humanista, não muito típica para obras do gênero policial.

sexta-feira, maio 13, 2011

Tannöd, de Bettina Oberli ***

A diretora suíça Bettina Oberli consegue estabelecer em “Tannöd” (2009) uma ambígua narrativa – apesar da trama na sua essência trazer um drama de suspense envolvendo os mistérios por trás do assassinato de uma família, o tratamento oferecido pela cineasta descamba para uma ambientação em que o elemento fantástico se insinua maliciosamente, a um ponto em que não fica preciso com certeza se aquilo que vimos conteria algo de metafísico ou se apenas faz parte da tensão psicológica dos personagens. Oberli consegue também trabalhar com eficiência a contraposição dos tempos narrativos sem causar confusão para o entendimento da trama, com passado e presente dialogando de forma coerente. É de se destacar ainda o trabalho de direção de arte e fotografia, cujo visual sujo e sombrio valoriza com sensibilidade os cenários naturais repletos de densas florestas e neblinas e rústicas construções, conferindo para “Tannöd” uma atmosfera de conto gótico.

O Vagabundo, de Avishai Sivan ***



A opção estética do diretor israelense Avishai Sivan por uma narrativa árida em “O Vagabundo” (2010) não se revela como uma escolha gratuita. Enquadramentos quase fixos, parcos diálogos e ausência de música na trilha sonora compõem um sóbrio todo formal que se mostra em sintonia com a temática melancólica da trama. Tal ambientação faz com Sivan consiga manter uma incômoda tensão ao mostrar o estranho cotidiano do protagonista Isaac (Keren Michael), um jovem judeu tomado por não bem explicadas dores psicossomáticas e que dedica os seus dias e noites a ficar vagando a esmo por sua cidade, cabulando aulas e as sessões de oração no templo religioso que seu pai costuma frequentar. À medida que seu desconforto físico aumenta, as experiências de Isaac vão ficando cada vez mais perigosas e esquisitas. A trajetória do personagem tem traços metafóricos, parecendo aludir à própria situação contraditória da sociedade israelense, portadora de um constante mal estar advinda do medo constante de retaliações da parte do povo palestino ao qual o seu próprio governo oprime.

quarta-feira, maio 11, 2011

Ex Isto, de Cao Guimarães ***1/2



Se em documentários como “Andarilho” (2006) e “A Alma do Osso” (2004) o diretor Cao Guimarães apresentava um viés quase delirante para o gênero, em “Ex Isto” (2010) ele expande para a ficção a sua tendência para o antinaturalismo. Tal abordagem também se mostra como um reflexo do próprio conflito temático de seu roteiro (baseado no livro “Catatatu” de Paulo Leminski), que parte da fantasiosa premissa inicial do que teria acontecido se o pensador Renée Descartes, pilar do pensamento racionalista, tivesse desembarcado no Brasil em 1637 junto com o desbravador holandês Maurice de Nassau. Em terras brazucas, o protagonista, interpretado por João Miguel, é envolvido por uma natureza selvagem, misteriosa e impenetrável. Assim, o célebre discurso cartesiano vai se fragmentando e se tornando difuso diante de um emaranhado de misticismo, sensualidade e da ausência da pretensa civilidade ocidental. E se a razão se perde, por que não também a própria realidade? Se nos momentos iniciais Descartes perambula a esmo diante de uma floresta silenciosa e ameaçadora, com Guimarães evocando até mesmo algumas obras clássicas de Werner Herzog como “Aguirre – A Cólera dos Deuses” (1972) e “Fitzcarraldo” (1982), aos poucos o pensador vai adentrando, sem maiores explicações, ao nosso mundo contemporâneo, interagindo com a modernidade caótica das metrópoles. É desconcertante a forma espontânea com que aquilo que é dramatizado se relaciona com aquilo que é “verdadeiro”, com ambos os planos (fantasia e real) se abraçando como se fosse uma coisa só. Guimarães não se prende a um hermetismo puro e simples, fazendo de “Ex Isto” uma verdadeira viagem xamânica sobre a dissolução da máxima “penso, logo existo”.

terça-feira, maio 10, 2011

Juntos, de Matias Armand Jordal ***



Em um primeiro momento, pela sua premissa inicial, a produção norueguesa “Juntos” (2009) pode fazer pressupor uma obra nos moldes daqueles desgastados melodramas familiares que costumam ser exibidos nos Supercines ou Sessões da Tarde da vida: mulher morre em acidente e seu marido e filho precisam aprender a lidar com a situação. No filme em questão, entretanto, o furo é mais embaixo. O diretor Matias Armand Jordal não parece muito interessado em lições de superação ou coisa que o valha. Sua encenação é crua e objetiva, sendo que as reações de seus personagens são humanas a um ponto que acabam beirando o perturbador. O registro visual de “Juntos” privilegia um certo enfoque naturalista, mas também em alguns momentos ganha uma dimensão de um soturno pesadelo, principalmente quando o viúvo envereda por jornadas noturnas em busca de brutais brigas para aplacar a sua culpa. A conclusão do filme pode até ensaiar uma possível redenção para seus protagonistas, mas a jornada para chegar até lá é bastante tortuosa...

segunda-feira, maio 09, 2011

Eu Matei Minha Mãe, de Xavier Dolan ***1/2

Fica claro em “Eu Matei a Minha Mãe” (2009), longa de estreia de Xavier Dolan (realizado por ele quanto tinha menos de vinte anos de idade), que o jovem diretor canadense estava com a cabeça fervilhando de ideias para o seu debut. Sua ambição artística não é pequena numa obra que evidencia uma estética que abusa de uma série de preceitos típicos do “cinema verdade”, com tomadas que beiram o documental e fotografia de tons granulados em boa parte das cenas. Sua encenação, entretanto, é bastante dramatizada, com um certo pendor para o exagero, principalmente nas interpretações de Anne Dorval e do próprio Dolan nos papéis principais de mãe e filho em conflito. O choque entre tais concepções diferenciadas acaba sendo a força motriz do filme, que dá uma impressão permanente de um mundo em dissolução, o que se mostra em sintonia com a trajetória atribulada dos personagens principais. Por vezes, pode-se perceber que a vontade de Dolan de colocar na tela tudo o que está na sua cabeça torna alguns momentos da produção um tanto irregulares e fragmentados, mas isso é apenas um pequeno deslize em meio uma narrativa que impressiona pelo seu vigor ao expor com crueza a fúria formal e temática do cineasta. Nesse último quesito, aliás, ele revela uma inquietante visão sem pudores das contradições existenciais do filho que odeia (e também ama deslavadamente) a sua respectiva progenitora.

sexta-feira, maio 06, 2011

Os Residentes, de Tiago Mata Machado *



Há um momento em “Os Residentes” (2010) que se pode ter um vislumbre do que o filme poderia ter sido. É aquele em que um casal discute o seu relacionamento – a ambientação crua e tensa, os diálogos francos proferidos de forma trôpega pelos autores, tudo isso sugere um tom de cinema que digladia entre a ficção e o documental. Nessa sequência, a produção se revela momentaneamente livre de suas afetações referenciais e consegue estabelecer uma narrativa que cause empatia com o espectador. No geral, entretanto, “Os Residentes” afunda numa série de equívocos estéticos pretensiosos e irritantes, tanto no seu lado formal, marcado por fotografia e edição toscas que caem em vanguardices estéreis, quanto pela sua temática que esbarra numa confusa junção de teatro e cinema. É provável que a maior inspiração do diretor Tiago Mata Machado tenha sido elementos do cinema marginal de Rogério Sganzerla e Julio Bressane, principalmente no que diz respeito da combinação entre referências eruditas e populares, mas o resultado final de seu filme ficou muito distante da coerência artística da filmografia dos cineastas citados.

quinta-feira, maio 05, 2011

A Minha Versão do Amor, de Richard Lewis **1/2



A equação cinema/literatura sempre foi um dilema na sua elaboração. O ato de adaptar uma obra literária para as telas traz o risco de fazer com que um filme abra mão das suas possibilidades criativas para que se limite a narrar de forma sistemática a “história” de um livro. “A Minha Versão do Amor” (2011) é uma prova dessa armadilha estética. Baseado em um cultuado livro de Mordechai Richler, a produção se comporta apenas como uma expressão visual da trajetória do protagonista Barney (Paul Giamatti repetindo os trejeitos de outros personagens desajustados que já interpretou). Algumas soluções narrativas são agradáveis, remetendo àqueles velhos dramas acre-doces setentistas, e mesmo a direção de arte revela um certo cuidado na reconstituição de épocas, quase como se brincasse com o imaginário que o espectador tem de tais períodos. Parte dos personagens apresenta também uma caracterização fortemente carismática. A impressão final, entretanto, é que todas essas boas qualidades vêm muito mais do texto original de Richler do que de possíveis méritos do filme.