terça-feira, janeiro 30, 2018

Viva - A vida é uma festa, de Lee Unkrich e Adrian Molina ***

Já faz alguns anos que a Pixar deixou de ser a incontestável reserva criativa das animações norte-americanas. A produtora tem apresentado uma incômoda oscilação artística em suas produções recentes, bem distante dos áureos tempos de filmes antológicos como “Os incríveis” (2004) e “Wall-E” (2008). Isso não quer dizer, entretanto, que tudo que lança seja destituído de interesse. “Viva – A vida é uma festa” (2017) pode não trazer a mesma classe narrativa e nem a inventividade gráfica das grandes obras-primas da Pixar, mas ainda assim reserva algumas agradáveis surpresas para o público. Sem o psicologismo barato e pretensioso de “Divertida mente” (2015) ou a narrativa amorfa de “Carros 3” (2017), o filme dos diretores Lee Unkrich e Adrian Molina investe em um grafismo exuberante e festivo, valorizando com sensibilidade algumas interessantes nuances da cultura mexicana, além de apresentar uma trama sentimental de forte empatia com a platéia. De se destacar ainda uma certa atmosfera de morbidez irônica e os belos temas de teor latino da trilha sonora. Claro, “Viva” não chega a configurar algo exatamente original, mas é uma animação bem eficaz na execução de seus simpáticos clichês estéticos e emocionais.

segunda-feira, janeiro 29, 2018

The Post - A guerra secreta, de Steven Spielberg **1/2

A intenção de Steven Spielberg em “The Post – A guerra secreta” (2016) é clara e simples – a releitura moderna do gênero thriller político aos moldes de determinadas produções norte-americanas setentistas, como “Todos os homens do presidente” (1976) ou “Três dias de condor” (1975). De certa forma, ele já tinha feito esse tipo de recriação no brilhante “Munique” (2005). Nesse trabalho mais recente, entretanto, o resultado final foi menos satisfatório. Há alguns momentos no filme, principalmente ali pelo segundo terço da narrativa, que dá para sentir aquela boa pegada tradicional de Spielberg em termos de encenação e montagem, em que a dinâmica engendrada pelo diretor consegue criar uma certa atmosfera de tensão envolvente. Mas o que acaba efetivamente predominando em “The Post” é uma narrativa mofada e esquemática que dá a constante impressão de que Spielberg conduz tudo no piloto automático. As sequências iniciais de guerra, por exemplo, tem uma desenvoltura artificial e asséptica, em nada lembrando o cineasta que criou inesquecíveis épicos bélicos como “Império do sol” (1987) ou “O resgate do soldado Ryan” (1998). A forma como a perspectiva histórica se mostra em cena também é primária e enfadonha, sugerindo por vezes uma desenvoltura de documentário institucional corriqueiro. E o terço final de “The Post” guarda seus principais equívocos, com Spielberg abusando de óbvios e apelativos truques narrativos e textuais. Faltou para o diretor a notável sobriedade estética e temática com que Martin Scorsese, seu colega contemporâneo da Nova Hollywood, conduziu a narrativa no extraordinário “Silêncio” (2016).

quinta-feira, janeiro 25, 2018

O quarto andar, de Josh Klausner *

Quando despontou no panorama cinematográfico, Juliette Lewis causou um impacto considerável. Algumas de suas atuações marcantes em obras memoráveis lhe garantiram um espaço no imaginário dos apreciadores de cinema – como esquecer aquele misto de inocência e sexualidade latente no brutal “O cabo do medo” (1991), a caracterização cool e charmosa em “Maridos e esposas” (1992) ou a ferocidade alucinada e irônica em “Assassinos por natureza” (1994)? Diante da riqueza artística dessa sua filmografia inicial, é chocante vê-la atuando em um negócio tão ruim e ordinário quanto “O quarto andar” (1999), um suspense vagabundo repleto de clichês narrativos executados de maneira indigente. O que pode explicar uma escolha tão equivocada? Falta de opções melhores? Drogas ruins? E há também o detalhe de que esse abacaxi dirigido por Josh Klausner conta ainda no elenco com o oscarizado William Hurt e a ótima Shelley Duvall. Tem coisas que só quem é de Hollywood entende mesmo...

sexta-feira, janeiro 19, 2018

Me chame pelo seu nome, de Luca Guadagnino ****

Estética e temática em “Me chame pelo seu nome” (2017) obedecem a um conceito artístico insinuante e desafiador – a da possibilidade de uma transcendência existencial fora de ortodoxos e hipócritas preceitos morais e religiosos. A jornada de autodescoberta do jovem protagonista Elio (Timothée Chalamet) passa pela carnalidade de uma tensão entre o apolíneo e o dionisíaco em uma temporada de verão na casa de campo dos pais. Nesse período, ele desfrutará das delícias e agruras de uma rotina baseada em literatura, música, história, paisagens naturais deslumbrantes, afiados diálogos eruditos e sexo. A abordagem narrativa e formal colocada em prática pelo diretor Luca Guadagnino complementa todas as nuances da trama com precisão e uma sensibilidade desconcertante. Fotografia e edição se desenvolvem na busca de um cinema sensorial, além de incorporarem em seu modus operandi os ideais de beleza discutidos pelos personagens em cena. Nesse sentido, a encenação tem um cuidado absurdo na valorização do gestual e expressão dos personagens. Elio e Oliver (Armie Hammer) se movimentam, por vezes, como se emulassem as figuras das estátuas da cultura greco-romana que o professor Perlman (Michael Stuhlbarg), pai de Elio, tanto admira e discute. O subtexto humanista de tais analogias visuais e textuais é cortante, quase perverso, em suas constatações, principalmente na impossibilidade de se passar incólume diante das possibilidades libertárias propiciadas pelo contato com o universo da arte e da cultura. Aliás, é de se destacar o fenomenal trabalho de direção de arte do filme, pois mais do que buscar uma fidelidade temporal ou a mera beleza plástica gratuita, há uma preocupação em evidenciar com sutileza um conjunto visual em sintonia com o espírito da obra. É de se reparar, por exemplo, na forma com que livros, instrumentos musicais, estátuas, quadros e mesmo estilosas peças de vestuário se espalham pelos ambientes em que se desenvolve a trama. A mesma impressão é passada pela trilha sonora, que tanto sabe valorizar expressivos silêncios como sublinhar de maneira sutil a força dramática e mesmo irônica de importantes sequências com temas que se alternam com naturalidade entre o erudito, o folk e o rock. O notável senso cênico de Guadagnino e o roteiro complexo e de rara profundidade psicológica de James Ivory coroam as sofisticadas escolhas artísticas de “Me chame pelo seu nome” com dois momentos antológicos nas sequências finais do filme: o quase monólogo filosófico e sentimental de Perlman para consolar Elio e o longo plano-sequência fixo de pura ação interna desse último. A forma como essas duas cenas se inter-relacionam tem uma contundente coerência artística-existencial e sintetiza de maneira extraordinária o significado desse memorável trabalho de Guadagnino.

quinta-feira, janeiro 18, 2018

Um bom partido, de Gabriele Muccino *1/2

O diretor italiano Gabriele Muccino capitula de forma fragorosa em “Um bom partido” (2012). Em suas primeiras produções em sua terra natal, ele havia demonstrado considerável talento na reciclagem de tradicionais elementos narrativos e temáticos do gênero comédia dramática. Na mencionada produção norte-americana, entretanto, quaisquer traços autorais ou de originalidade artística são sepultados em nome de uma linguagem mais comercial e despersonalizada. Algumas atuações carismáticas do elenco, com destaque para Gerard Butler e Dennis Quaid, e mesmo a temática do roteiro que une esporte e drama familiar por vezes sugerem algo de promissor, mas tudo vai se diluindo em um conjunto artístico medíocre e conservador.

quarta-feira, janeiro 17, 2018

A flor do mal, de Claude Chabrol ***

A síntese entre suspense aos moldes de Hitchcock e drama intimista-familiar praticada por Claude Chabrol em “A flor do mal” (2003) já teve resultados mais impactantes em outras do diretor francês. Ainda assim, trata-se de um filme memorável pela forma elegante e precisa com que o cineasta conduz a narrativa, além da atmosfera que permeia a trama que concilia sordidez, distanciamento e um suave erotismo. Também é interessante a forma com que o subtexto de teor histórico e político do roteiro se insinua para o espectador – em meio a tradicionais situações e viradas na trama típicas de um filme de mistério, há uma sutil reflexão sobre o fantasma nazista a influenciar a sociedade europeia mesmo após décadas do fim da 2ª Guerra Mundial.

segunda-feira, janeiro 15, 2018

Lou, de Kordula Kablitz-Post **

A vida da intelectual russa Lou Andreas-Salomé teria tudo para render uma cinebiografia interessante, configurando uma explosiva síntese de feminismo, filosofia, psicanálise, erotismo e crítica sócio-comportamental tendo como cenário principal o complexo contexto histórico da Europa do final do século XIX e primeira metade do século XX. “Lou” (2016), entretanto, padece dos mesmos equívocos artísticos de “O jovem Karl Marx” (2017) – o tratamento narrativo conservador e previsível está bastante distante da ousadia artística e existencial de sua protagonista. O roteiro se contenta a uma formatação folhetinesca, reduzindo os principais dilemas e contradições que envolviam a figura de Andreas-Salomé a banais conflitos melodramáticos, além de retratar de forma simplória personagens históricos fundamentais para a cultura ocidental como Freud, Nietzsche e Rilke. O formalismo concebido pela diretora Kordula Kablitz-Post envereda pela mesma abordagem destituída de originalidade e vigor, resumindo-se a truques estéticos desajeitados e recursos narrativos executados de maneira mecânica. Dentro desse sofrível conjunto artístico, neófitos podem ficar com a impressão de que todas as importantes personalidades que aparecem ao longo da narrativa do filme, inclusive a própria Lou, não passavam de adoráveis e apatetadas figuras excêntricas.

sexta-feira, janeiro 12, 2018

O jovem Karl Marx, de Raoul Peck **

Em tempos de domínio político de ideias fascistas e reacionárias, um filme como “O jovem Karl Marx” (2017) tem uma função cultural e humanista bastante relevante. Há um cuidado nessa produção dirigida por Raoul Peck em expor alguns dos principais fundamentos das teorias marxistas sócio-econômicas de maneira mais direta e acessível, sem um excessivo verniz acadêmico, além de contextualizar com alguma fidelidade histórica todo o contexto em que o protagonista do filme estava inserido ao criar alguns dos seus textos mais importantes. Peck também teve uma boa sacada ao colocar nos créditos finais cenas documentais de fundamentais fatos que marcaram os séculos XX e XXI, evidenciando como as ideias de Marx ainda têm forte ressonância nos dias atuais. O problema dessa cinebiografia, entretanto, é que sua formatação artística está bem distante do espírito libertário e de profundidade analítica que eram característicos de seu principal personagem. O filme se vincula a estética e narrativa excessivamente convencionais, dando a impressão em diversos momentos para o espectador de que está vendo algum telefilme careta qualquer, na linha dessas assépticas e derivativas minisséries globais. Até dá para entender que essa linha artística conservadora adotada tenha por intenção tornar a obra mais atraente para um grande público, vide ainda a caracterização idealizada da figura de Marx no filme. É de se convir também, todavia, que tal opção da produção lhe tira muito em termos de contundência formal e temática, deixando-lhe léguas de distância de obras-primas do cinema político panfletário como “O encouraçado Potenkim” (1925) ou “A batalha de Argel” (1966).

quinta-feira, janeiro 11, 2018

O código, de Boaz Yakin ***

Jason Statham é uma espécie de Stallone ou Schwarzenegger sem o teor megalomaníaco e com a vantagem que atua melhor em termos dramáticos (mesmo que ele não se importe muito com isso). Para ele, não interessa que na grande maioria dos seus filmes interprete basicamente o mesmo papel – o anti-herói durão e de poucas palavras, que no fundo é um cara legal, que sempre é levado pelas circunstâncias a distribuir porradas ou sair a mil por hora em um carrão envenenado. Em algumas dessas produções, o resultado final fica no medíocre ou qualquer nota, mas em outros trabalhos até que as coisas fluem de maneira envolvente. Nesse último caso é que dá para enquadrar “O código” (2012). O roteiro prima por premissas inverossímeis que beiram a cretinice, mas a narrativa e a encenação concebidas pelo diretor Boaz Yakin têm desenvoltura convincente, com o detalhe ainda sempre expressivo de sequências de ação bem dirigidas – não custa repetir: em tempos em que Zack Snyder é referência no gênero aventura/ação, ver cenas de lutas e perseguições bem coreografadas no modelo tradicional acaba sendo um alento. No mais, Statham consegue dar um certa consistência psicológica para o seu personagem sem abrir mão da sua brutalidade habitual.

segunda-feira, janeiro 08, 2018

The square - A arte da discórdia, de Ruben Östlund ***

Apesar de sua trama se concentrar na figura do protagonista Christian (Claes Bang), a narrativa de “The square – A arte da discórdia” (2017) tem algo de fragmentada, com as situações do roteiro se sucedendo quase de forma episódica, por vezes beirando uma espécie de anedotário dos absurdos e ridículos da sociedade europeia do século XXI. A própria configuração psicológica do personagem principal obedece a um direcionamento que sintetiza simbolismo e caricatura – ele é o protótipo do macho branco ocidental civilizado que por trás de uma máscara de gentileza e erudição esconde mesquinharias e preconceitos. Nessa levada, a proposta artística-existencial do filme dirigido por Ruben Östlund fica embretada entre uma forte veia irônica e um viés humanista, com uma trama que se pretende a retratar os principais dilemas políticos, sociais e culturais da Europa contemporânea. Por vezes, a pretensão do cineasta cai em obviedades e simplificações excessivas, principalmente na forma jocosa e conservadora com que expõe sua visão sobre as artes plásticas e conceituais dos últimos anos. Nesse sentido, por exemplo, o extraordinário romance “O mapa e o território” de Michel Houellebecq apresenta um subtexto mais lúcido e aprofundado sobre o papel da arte no mundo atual. “The square” tem seus momentos mais memoráveis quando abdica do seu tom discursivo e embarca numa abordagem mais delirante e nebulosa, vide a antológica sequência em que um artista emula o comportamento de um selvagem pré-histórico em um refinado jantar para um público refinado e endinheirado, em um enlouquecido happening levado às últimas consequências.

sexta-feira, janeiro 05, 2018

Roda gigante, de Woody Allen **1/2

Os primeiros minutos de “Roda gigante” (2017) são bastante promissores, principalmente pelo fato de ficarem mais em evidência a belíssima fotografia de Vittorio Storaro e uma direção de arte primorosa que combina na medida exata realismo e estilização. Quando a encenação efetivamente começa, entretanto, o filme de Woody Allen desanda de maneira fragorosa. A impressão constante é de uma peça teatral a parodiar de forma involuntária grandes clássicos da dramaturgia norte-americana, ainda que embalada por uma concepção imagética deslumbrante. Por mais que se critique Allen de ser um cineasta que tem o hábito recorrente de autoreciclar, a verdade é que nessa sua produção mais recente como diretor ele frustra justamente por não apresentar os seus traços autorais mais característicos – a narrativa é tediosa na sua falta de fluidez, o roteiro é genérico nas caracterizações de personagens e situações e também destituído de verve e ironia convincentes, o desempenho do elenco varia incomodamente entre atuações inexpressivas, caricaturais ou exageradas. E a decepção com tais equívocos artísticos fica ainda maior quando se pensa que Allen teve alguns de seus melhores momentos da sua carreira de cineasta no gênero dos filmes de época, vide trabalhos antológicos como “A era do rádio” (1987) ou “Tiros na Broadway” (1994). E mesmo no nostálgico “Café Society” (2016) a preferência por uma narrativa mais estilizada teve um resultado final bem mais satisfatório.