
Se como ator Selton Mello consegue ser irritante em alguns dos seus maneirismos, no seu lado como cineasta ele consegue ser bem mais fluente e interessante. “Feliz Natal” (2008), seu de estréia na direção, é a prova natural disso. Logo nas primeiras cenas já se fica surpreendido com a paixão de Mello pela imagem cinematográfica: as tomadas do ferro velho, com enquadramentos magníficos sob iluminação naturalista e saturada, têm um impacto fortíssimo. Esse gosto pelas imagens, e não palavras, que traduzem idéias e concepções paira por todo o filme. O estilo de filmar pode ser seco e objetivo, mas também tem um corte elegante: não se cai na armadilha fácil de câmeras que tremem ou que ficam fora do foco da ação principal. A lente do diretor é contemplativa e curiosa. Acompanha de forma detalhada a desintegração psicológica e emocional da família do protagonista Caio (Leonardo Medeiros), com a câmera investigando toda a sordidez e falta de esperança que emanam das situações e dos personagens. Mello, todavia, não esquece de pingar sobre a trama um pouco de um senso de humor agudo e perverso. Nesse sentido, é inesquecível a cena em que o cunhado bonachão e desempregado fica devorando pernil e farofa durante a ceia de Natal enquanto patriarca e matriarca (Lúcio Mauro e Darlene Glória) discutem da forma mais áspera e bagaceira possível.
Outro ponto alto de “Feliz Natal” são as atuações dramáticas que Selton Mello consegue extrair do seu elenco. Leonardo Medeiros atinge o seu auge como ator ao compor sutilmente um Caio imerso em fragilidade e culpa. Lúcio Mauro, de rosto pétreo e gestos econômicos, é o retrato perfeito da amargura, enquanto Darlene Glória oferece uma interpretação completamente over mas adequada a uma idosa mergulhada na loucura e no alcoolismo. Já Paulo Guarnieri surpreende ao caracterizar uma imensa melancolia apenas no seu olhar triste e apagado. Graziella Moretto sai do seu registro cômico habitual e oferece o retrato muito bem delineado da mulher frustrada em todos os sentidos.
Mesmo não sendo uma obra-prima, “Feliz Natal” é aquele tipo de produção que cria uma tremenda expectativa sobre o que seu autor pode oferecer no futuro, além de dar vontade de pedir ao Selton Mello que largue a carreira de ator e se concentre só em fazer filmes (tudo bem, estou exagerando: em “Lavoura Arcaica” e “O Cheiro do Ralo” ele teve atuações extraordinárias).