domingo, abril 13, 2008

Anos de Rebeldia, de Denis Hopper ****


Lançado em 1979 e considerado um dos vários pontos altos da carreira de Neil Young, o álbum "Rust Never Sleeps" é o reflexo de uma época conturbada tanto para o rock quanto para o próprio mundo. Era um tempo ainda muito marcado pela efervescência violenta e niilista do punk, com o ideário de paz e amor da geração "flower power" sepultado. Intrigado com a situação, o mestre canadense resolve expressar sua visão desse período através do disco em questão, cujo título, "A Ferrugem Nunca Dorme", já é uma alusão ao temor do autor de ser transformado em apenas mais um anacronismo. A clássica canção de abertura do disco, "Hey Hey, My My (Out Of The Blue)", sintetiza com perfeição o espírito da obra. Nela, Neil Young declara o seu amor ao rock and roll e faz dele a sua profissão de fé, mas ao mesmo tempo expõe as suas contradições, fazendo a ligação direta entre o Rei Elvis Presley e o príncipe bastardo Johnny Rotten, vocalista e líder dos Sex Pistols. É nessa canção, inclusive, que está a famosa sentença "é melhor queimar do que enferrujar", citada por Kurt Cobain na sua carta de despedida.

"Anos de Rebeldia", cujo título original é "Out Of The Blue", é um filme de 1981 que é diretamente inspirado em "Hey Hey, My My", mostrando o cotidiano de C.B. (Linda Manz), uma "punk girl" interiorana sempre pronta a arrumar confusões e fissurada em Elvis e Sid Vicious. Ao longo da trama, a menina vê o seu frágil núcleo familiar se desestruturar ainda mais após o seu pai, Don Barnes (Denis Hopper, também diretor do filme), sair da prisão.

Um detalhe fantástico em "Anos de Rebeldia" é que ele parece uma continuação natural de "Sem Destino", a fundamental obra de estréia de Hopper na direção e um verdadeiro marco cultural dos "sixties". Enquanto no primeiro filme há uma abordagem com um certo tom idealista e romântico para a trajetória dos dois traficantes-motoqueiros interpretados por Hopper e Peter Fonda, mas com final abrupto e violento, em "Anos de Rebeldia" essa visão mais reverencial dos anos 60 desaparece. Para o diretor, o sonho definitivamente acabou. A rebeldia, o amor livre e o uso de drogas, vistos anteriormente como formas de contestação da sociedade, foram distorcidos, passando apenas a serem mais uma forma de alienação. E C.B. é a encarnação perfeita dessa constatação, com a mesma tendo um ódio que chega a ser conceitual pelos hippies (a garota adora invadir as ondas de rádios amadores para ficar bradando "Kill All Hippies" - aliás, tal expressão é título de uma grande canção do Primal Scream, que inclusive sampleou as falas de C.B. para a música).

Hopper filma toda essa saga de decadência e destruição com muito vigor e estilo, apostando em um registro de fortes influências documentais que se casa perfeitamente com o espírito do filme. Isso se reflete logo na violenta abertura, com um dos acidentes automobilísticos mais brutais já visto no cinema, e também nas fantásticas seqüências de peregrinação noturna de C.B. pela cidadezinha onde vive e arredores, com a mesma se metendo em tudo que é tipo de encrenca, desde a puxar briga com leões-de-chácara com o triplo do seu tamanho até dar canja como baterista no show de uma banda punk e logo após participar do roubo de um carro. A espontaneidade captada por Hopper nesses momentos é admirável. É incrível também como a direção de fotografia oferece ao filme uma narrativa visual fortemente expressiva, abusando de longos planos-seqüência .

Além do belo trabalho na direção, Denis Hopper tem em "Anos de Rebeldia" uma das melhores interpretações de sua carreira, com o seu Don Barnes variando de forma comovente entre o francamente repulsivo e o patético. Mas o grande destaque do elenco do filme é sem dúvida nenhuma Linda Manz. Ela faz com que C.B. seja aquele tipo de personagem que fica rondando no nosso imaginário cinematográfico para sempre. Afinal, é em torno dela que gira o próprio filme, fazendo com que realmente ficamos íntimos da garota. Ao longo do filme, conseguimos perceber várias facetas de C.B.: sarcástica, apaixonada, carinhosa, carente, inocente, vingativa, sábia. Manz sabe captar e expressar todos esses lados da personagem, oferecendo uma atuação inesquecível. A garota ainda consegue resumir toda essa gama de sensações na trágica e irônica conclusão de "Anos de Rebeldia". Tal final, aliás, é uma verdadeira sacada de gênio de Hopper, dando um fecho sombrio e coerente para essa pérola transgressora da sua bissexta e marcante carreira de cineasta.

Um comentário:

Unknown disse...

Escreves bem pra caralho, André! Mais uma vez preciso declarar minha admiração pelo teu estilo estralhaçador dos enigmas sociais que mantêm os preconceitos para conhecermos mais cultura. Vou ver se pego esse filme na locadora, por sinal. Um abraço do Mario