quinta-feira, dezembro 23, 2010

Elza, de Izabel Jaguaribe e Ernesto Baldan ***


Fugindo das obviedades típicas de uma cinebiografia, “Elza” (2010) foca sua atenção sobre o significado da musicalidade da cantora Elza Soares, não revelando muito sobre dados históricos e pessoais da artista. Tal opção dos diretores Izabel Jaguaribe e Ernesto Baldan acaba tendo um resultado fascinante. Os vários depoimentos que são dados ao longo da produção fazem as tradicionais loas à figura da protagonista, mas também ressaltam com propriedade a importância dela para a música brasileira. A musicalidade mestiça de Elza, que faz com que não se possa rotular com facilidade a sua arte (será aquilo samba, bossa, jazz ou mais alguma coisa?), encontra ressonância pela abordagem do documentário na própria trajetória de hibridismo do samba que fez com que o mesmo sofresse o desdém estético durante muito tempo por boa parte da “elite cultural” nativa. De certa forma, é traçado um paralelo entre o preconceito social que Elza sofreu pela sua personalidade polêmica e libertária com as restrições que teve pela visão personalíssima que imprimiu em sua obra. Um emblemático exemplo dessa postura desafiadora da cantora contra os padrões de bom gosto cultural pode ser atestado na seqüência em que aparece a mesma cantando um funk carioca pesadão num baile do gênero.

Como se pode observar, o ponto temático central de “Elza” é evidenciar como a arte da cantora é um reflexo direto da natureza cultural brasileira no que ela tem de mais flexível e rica em possibilidades criativas, o que se estende até mesmo na nossa religiosidade sincrética. Não é à toa que um dos momentos cruciais do documentário está nas longas tomadas do diálogo musical entre Elza e Maria Bethânia em que ambas cantam “O Samba da Benção” de Vinicius de Moraes e Baden Powell, com elas evocando várias divindades católicas e de umbanda, entremeadas por cenas de imagens de entes e divindades. Em tempos de neo-obscurantismo evangélico em voga, tal exposição tão crua de crenças acaba tendo um caráter de ousadia admirável.

Esta proposta que beira a antropologia ao esmiuçar não só a musicalidade de Elza Soares mas também as próprias fundações estéticas do nosso cancioneiro encontra semelhanças em outro documentário que também se aprofundou numa viagem sensorial sobre o samba, o fundamental “Moro no Brasil” (2002) do finlandês Mika Kaurismaki.

Um comentário:

Unknown disse...

Alguém sabe se já existe este documentário em DVD? Queria muito comprar.