quarta-feira, dezembro 03, 2014

Boyhood - Da infância à juventude, de Richard Linklater ***




O que mais impressiona em “Boyhood – Da infância à juventude” (2014) não é o uso do recurso narrativo de usar os mesmos atores por mais de 10 anos para narrar a trajetória de amadurecimento de seus personagens. É claro que isso dá um peso dramático na composição de situações e personagens, mas o que pega mesmo no filme é que por trás da história de caráter intimista e realista da produção há um rico subtexto político e cultural que faz um raio x arguto da sociedade norte-americana contemporânea. Nesse sentido, há grande mérito por parte do diretor Richard Linklater em não cair, pelo menos em boa parte do filme, em maniqueísmos ou visões simplórias ao trazer à tona questões complexas. Por mais que Mason (Ellar Coltrane) seja o protagonista de “Boyhood”, é a totalidade de sua família (ele, pai, mãe e irmã) que sintetiza aquilo que Linklater quer evidenciar – liberais em termos políticos e ateus, representam o oposto ao ideário conservador que Hollywood e a mídia ocidental gostar de propagar como modelo. Apesar disso, sentem necessidade de se adequar a certos valores e convenções para poderem sobreviver, ainda que quebrem a cara com isso por vezes (o fato da mãe casar duas vezes com homens aparentemente respeitáveis, um professor e um policial, mas que se revelam bêbados violentos é emblemático disso). Tal concepção temática e textual da produção representa talvez o seu efetivo lado transgressivo, em um discurso perturbador que desafia inclusive o ideal do amor romântico. Essa crueza no expor as relações interpessoais bem como na caracterização de determinadas passagens da trama deixa clara a forte carga humanista da obra de Linklater.

Se “Boyhood” impressiona pelo seu subtexto, por outro lado sua estrutura narrativa e formal não acompanha a sua ousadia temática. Não há grandes arroubos estéticos por parte de Linklater e é provável que essa nunca tenha sido a sua intenção, pois o caráter de uma ambientação sóbria e naturalista de um cotidiano familiar/social não exigiria barroquismos ou estilizações. Ocorre, entretanto, que o próprio Linklater já provou que é possível conciliar um roteiro de talhe realista com uma narrativa criativa em termos formais na sensacional trilogia “Antes do amanhecer” (1995), “Antes do pôr-do-sol” (2004) e “Antes da meia-noite” (2013). Além disso, o cineasta se rende em alguns momentos a alguns incômodos truques melodramáticos que tiram a fluência da narrativa.

Os senões que se pode fazer a “Boyhood” são frustrantes em relação às expectativas positivas que se tinha em relação ao filme. Ainda sim, é o tipo de obra que traz tantos elementos intrigantes que acaba permanecendo na mente de quem a assistiu por um bom tempo, fazendo do filme de Linklater um trabalho memorável como poucos.

3 comentários:

Marcelo Castro Moraes disse...

Um dos melhores filmes do ano e a grande virada na carreira de Patricia Arquete

Anônimo disse...

Penso que gostei bem mais do filme do que tu, André. Me pareceu o melhor filme do cineasta. Mas tua última frase deste teu insinuante comentário dá uma abertura de que talvez tenhas amado o filme mais do que pareces sugerir... Eron.

André Kleinert disse...

Eu gosto do filme. Algumas ideias e o aludido subtexto do roteiro realmente me chamaram muita a atenção. O que me incomodou foram algumas coisas da encenação, da execução dessas ideias.