Pode ser que se esteja forçando a barra, mas talvez uma das
melhores maneiras de se entender “Tokyo-Ga” (1985) seja o encarar sob uma
perspectiva histórica-política. De forma simples resumida, seria assim:
Alemanha e Japão se associaram na Segunda Guerra Mundial ao fazerem parte do
Eixo. Com a respectiva derrota militar desses últimos no conflito, os referidos
países acabaram devastados em termos econômicos e infraestrutura. Seus
reerguimentos como nação foram bastante dependentes de empréstimos e perdões de
dívidas, sob o preço de terem recebido uma massiva influência cultural externa,
principalmente dos Estados Unidos. Assim, a partir do final de década de 40, a
discussão sobre a identidade nacional passou a ser frequente em boa parte da produção
artística nipônica e germânica. Dentro dessa abordagem, dá para dizer que pelo
menos dois cineastas foram fundamentais: Yasujiro Ozu e Wim Wenders. “Tokyo-Ga”
versa justamente sobre a relação existencial e artística entre esses dois
diretores.
Em um primeiro momento, a narrativa parte de uma premissa
simples: Wenders se apresenta como admirador e discípulo indireto de Ozu, indo
para o Japão em busca de uma maior compreensão do universo que circundava seu
mestre. Afinal, quando o alemão conheceu os filmes de Ozu esse último já era
falecido. Dentro desse conceito, Wenders faz o aparentemente previsível –
conversa com pessoas que trabalharam com Ozu, visita locais onde ele filmou
suas produções, exibe trechos de alguns dos mais importantes filmes do seu
homenageado. Ocorre, entretanto, que Wenders encaixa esses elementos de uma
forma muito particular, dentro de um sentido que extrapola a mera exposição
cronológica de fatos. A preocupação é inserir tudo isso dentro de um conjunto
de forte teor sensorial, como se Wenders quisesse emular a atmosfera e estilo
típicos dos clássicos de Ozu, mas sob uma ótica “estrangeira”. Como complemento
essencial dessa visão, “Tokyo-Ga” apresenta cenas da capital japonesa na época
em que o documentário foi realizado (anos 80), indo do cotidiano até sequencias
marcadas por uma certa bizarrice, confrontando o contemporâneo com a ótica
pessoal de Ozu, cujo o conjunto de sua filmografia expressava a sua visão de
uma série de tradições seculares se desintegrando de forma gradual e
inexorável. Dentro dessa concepção insólita e poética de formatar o seu
documentário, Wenders constrói um contundente trabalho impressionista e melancólico
ao procurar traduzir para o espectador o ideário e a essência estética de um
artista genial.
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