terça-feira, agosto 15, 2006


2046, de Wong Kar-Wai ****

Devo confessar que não sou fã de “Amor á Flor da Pele”, aclamada produção de 2000 de Wong Kar-Wai. Não que eu considere tal filme ruim. Pelo contrário. Acho muito bom. Mas é de longe a sua obra menos expressiva. O excessivo apelo para o chique e o estilo fortemente contido dão uma sensação de estrangulamento criativo (lembrando, nesse sentido, o altamente superestimado “Fale Com Ela” de Pedro Almodóvar), bem distante da insana originalidade de “Anjos Caídos” ou da intensidade dramática de “Felizes Juntos”, obras anteriores de Kar-Wai.

“2046” recoloca as coisas em ordem no universo desse excelente cineasta chinês. Retomando o protagonista de “Amor à Flor da Pele”, Kar-Wai cria um estranho mundo onde tempo e espaço se alternam de forma magnífica. A narrativa oscila entre presente e futuro. No primeiro tempo (presente), temos um escritor (Tony Leung) flagrado em pleno processo criativo, ao mesmo tempo que o assistimos se relacionando com quatro diferentes mulheres. O tempo futuro seria na realidade o próprio romance de ficção científica que ele está escrevendo a partir de suas experiências. O efeito sensorial desse embate entre o tempo presente (anos 60) e esse simulacro de futuro é sensacional, ressaltando fantasticamente a sensação de atemporalidade do conjunto da obra de Wong Kar-Wai.

De se destacar ainda a original concepção do mundo futurista dos delírios criativos do protagonista. Kar-Wai utiliza de forma engenhosa uma mistura de efeitos de computação gráfica com maquetes cujo impacto está muito mais no belíssimo resultado visual do que no “realismo” obtido.

“2046” está no topo do que de melhor o cinema oriental pode oferecer atualmente, reafirmando o nome de Wong Kar-Wai, juntamente com Chan-Wook Park e Zhang Yimou, entre os grandes diretores asiáticos desse início de século.

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