terça-feira, novembro 14, 2006


Gummo, de Harmony Korine ***1/2

Uma primeira impressão mais superficial ao assistir “Gummo”, de Harmony Korine, faz supor que essa produção norte-americana de 1997 é apenas um derivado de “Kids”, de Larry Clark. Essa comparação até faz um pouco mais de sentido quando se fica sabendo que Korine foi colaborador de Clark em “Ken Park” e no próprio “Kids”. A verdade, entretanto, é que em um olhar mais atento se pode constatar que “Gumo” é uma experiência cinematográfica muito mais ousada e satisfatória que “Kids”.

Para começar, Korine tem muito mais traquejo para a direção do que Clark. Isso fica evidente de cara em algumas seqüências de “Gummo” que impressionam pela criativa concepção visual. A seqüência em que Solomon (Jacob Reynolds) e Tummler (Nick Sutton) andam de bicicleta no meio da rua à caça de gatos, por exemplo, tem um estranho senso épico. Em outros momentos, o cineasta evoca David Lynch ao conseguir obter cenas quase surreais pela sua esquisitice, como aquela em que as meninas Dot (Chloe Sevigny) e Helen (Carisa Bara) dançam ao som da singela “Every Day” de Buddy Holly ou em qualquer um dos momentos em que aparece o enigmático Bunny Boy (Jacob Sewell).

Outro aspecto que chama atenção em “Gummo” é a visão que Korine tem de seus personagens. É mostrada uma galeria de “losers” típicos de uma cidadezinha interiorana dos EUA, em todo o esplendor de suas bizarrias. Só que não se cai na armadilha fácil de simplesmente filmar tudo isso com a intenção única de chocar. Apesar da sordidez em que as suas criaturas vivem, Korine oferece um olhar carinhoso e irônico em relação às mesmas, o que dá um efeito ainda mais perturbador. Isso fica evidente quando Solomon e Tummler “visitam” uma prostituta com Síndrome de Down. Em um primeiro momento se pode até ficar espantado com a idéia doentia da situação. Mas logo depois se fica ainda mais desconcertado com a piscadela terna que Solomon dá para a garota. Esse paradoxo de reações e sensações é um dos maiores trunfos de “Gummo”.
Algo que me chamou atenção mais particularmente no filme de Korine é a participação de Linda Manz, a eterna C.J. do magnífico “Anos de Rebeldia”. A sua atuação como a mãe de Solomon rende algumas dos momentos mais marcantes de “Gummo”, principalmente na seqüência do banho, quando o menino está comendo macarrão e chocolate dentro de uma banheira com uma água imunda e sua mãe esfregando seus cabelos com shampo. Tem-se a impressão que a jovem C.J. conseguiu sobreviver àquela explosão do final de “Anos de Rebeldia” e acabou se tornando uma mãe ainda mais enlouquecida.

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