sexta-feira, novembro 16, 2012

Febre do rato, de Cláudio Assis ****



Se nas obras anteriores “Amarelo manga” (2003) e “Baixio das bestas” (2007) o diretor Cláudio Assis mostrava uma estética autoral bastante baseada no sórdido e no escatológico, e nem sempre com resultados satisfatórios, em sua obra mais recentes, “Febre do rato” (2011), o cineasta aprofunda suas inquietudes artísticas ao lançar mão de um lirismo à flor da pele, tanto no texto quanto no seu formalismo. O resultado é sua obra mais consistente até então.

Na concepção de “Febre do rato”, parece rondar duas fortes influências, ambas provenientes da cinematografia italiana. Primeiro na figura de Píer Paolo Pasolini, pelo gosto em retratar tipos populares e/ou marginais através de um registro que beira o barroco tamanho o apuro visual de enquadramentos e iluminação que remetem a influências pictóricas, quase como se emulassem quadros vivos. Nesse sentido, o trabalho de direção de fotografia em preto-e-branco é algo simplesmente fenomenal, principalmente nas filmagens de cima para baixo. E a outra referência que permeia a produção é a obra-prima “A árvore dos tamancos” (1978), de Ermano Olmi, pela atmosfera por vezes de beatitude que Assis elabora ao mostrar o quotidiano dissipado de festas, bebedeiras, discussões sentimentais/filosóficas/poéticas e orgias de suas criaturas.

E por falar em poesia, poucas vezes tal arte encontrou um meio de se expressar de forma tão fluida no cinema como em “Febre do rato”. Os jorros de palavras que saem da pena e da boca do protagonista Zizo (Irandhir Santos) estão em sintonia existencial com as imagens por vezes cruas e cruéis por vezes plenas de beleza. De certa forma, a própria trajetória pessoal de Zizo é a tradução de sua arte e dos jogos contraditórios propostos pelo roteiro. O personagem clama por anarquia, desafia os costumes e convenções pequeno-burgueses, mas quase sucumbe à paixão por Eneida (Nanda Costa), musa brejeira que configura uma espécie do ideal de amor apolíneo e destruidor. A cena em que Eneida urina na mão do poeta, a seu pedido, é a síntese perfeita desse jogo entre o grotesco e o romântico estabelecido pelas obsessões de Zizo e do próprio Cláudio Assis.

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