sexta-feira, abril 01, 2011

Cópia Fiel, de Abbas Kiarostami ***1/2


O neo-realismo italiano é uma influência clara em boa parte do melhor da filmografia iraniana das duas últimas décadas, principalmente na obra de Abbas Kiarostami. Assim, o fato de “Cópia Fiel” (2010) ser uma espécie de releitura de “Viagem à Itália” (1954), de Roberto Rosselini (o nome maior do neo-realismo), soa como uma consequência natural da trajetória autoral de Kiarostami. Não se trata, entretanto, de mera refilmagem ou homenagem. O reprocessamento dos preceitos de Rosselini é realizado de uma forma enviesada, com o cineasta iraniano estabelecendo uma ambiência que tangencia até mesmo o fantástico. Tendo como ponto de princípio uma discussão filosófica e existencial sobre as diferenças entre obras originais e cópias, a trama aos poucos se dissipa em várias direções e interpretações. O que vemos é uma realidade? Ou apenas uma simulação? Ou as duas situações que se fundem? Kiarostami torna a narrativa cada vez menos objetiva, a um ponto que o espectador não têm certeza se os protagonistas Elle (Juliette Binoche) e James (William Shimell) são realmente um casal em crise matrimonial, se são estranhos que estabelecem uma interpretação aleatória e espontânea de um “falso” casamento desgastado ou se a realidade se transmutou de forma mágica. É interessante notar que para acentuar este aspecto difuso Kiarostami se vale de um recurso que poderia se converter em um obstáculo para um diretor “estrangeiro” como ele: a língua. No filme, três idiomas (inglês, francês e italiano) são utilizados inicialmente de forma metódica, mas com o tempo os mesmos se alternam de forma caótica (afinal, James sabe falar francês? Ele tem alguma noção de italiano?). Essa babel linguística parece refletir a própria impossibilidade de diálogo em uma relação amorosa decadente.


Kiarostami também se vale em “Cópia Fiel” de algumas de suas soluções formais tradicionais, com destaque para os seus expressivos planos fixos, tanto naqueles abertos que valorizam o ambiente quanto naqueles mais fechados nas expressões faciais de seus personagens. Esses últimos, principalmente, são desconcertantes no sentido de que se capta com crueza a ação interna das criaturas de Kiarostami, o que acaba sendo um complemento fundamental nos momentos de entrega emocional de Elle e James. E nesse sentido, também não há como não destacar as composições dramáticas de Binoche e Shimell. Seus personagens traçam uma evolução de sentimentos e emoções com uma sutileza admirável, indo da serenidade civilizada até chocantes crises de destempero.

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