quinta-feira, fevereiro 16, 2012

O Garoto da Bicicleta, de Jean-Pierre e Luc Dardenne ****



As leituras sobre “O Garoto da Bicicleta” (2011) podem ser várias. Em relação à própria carreira dos irmãos Dardenne, o filme representa um aperfeiçoamento do seu rigor estético desconcertante, em que a emoção emana a partir de uma abordagem formal seca e de um aparente distanciamento – ao contrário, por exemplo, de “Histórias Cruzadas”, não há uma música incidental avisando para a platéia os momentos de lições ou sentimentais. Tudo se sucede de forma quase prosaica, às vezes emulando o documental. De uma forma insólita, a trama de conteúdo social/intimista recebe um tratamento que remete ao gênero suspense, principalmente no que se refere a intenções dissimuladas ou mal explicadas de determinados personagens, o que fica ainda mais acentuado pelo fato da obra ter um sutil olhar subjetivo – a platéia, de certa forma, vê o que se desenrola pelo olhar do garoto abandonado pelo pai. Por outro lado, “O Garoto da Bicicleta”, produção franco-belga, também dá a impressão de buscar uma conexão com a tradição que o cinema francês tem em retratar a infância de uma forma mais crua e questionadora. Aquele longo plano-seqüência em que o protagonista corre com a sua bicicleta à noite dialoga com o inesquecível plano final de “Os Incomprendidos” (1959), aquele em que Antoine Doinel (Jean-Pierre Léaud) corre à beira da praia. Tais cenas representam um brado tácito e inconsciente de indignação infato-juvenil perante a hipocrisia e intolerância do mundo adulto. E ainda nesse sentido, “O Garoto da Bicicleta” acaba obtendo uma dimensão temática fascinante. Sua estrutura narrativa ganha uma dimensão de parábola dos valores do mundo contemporâneo ao expor dilemas e contradições que impregnam a sociedade – a importância do Estado diante dos conflitos particulares, a falta de sensibilidade dos “cidadãos” com os deserdados sociais, a tendência da sociedade pela vingança particular como punição para os crimes. Diante dessa multiplicidade de interpretações, mais admirável ainda é o poder de síntese dos irmãos Dardenne em concentrar todas essas visões dentro de uma produção de pouco menos de uma e meia de duração.

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