segunda-feira, janeiro 28, 2013

Amor, de Michael Haneke ****


No cinema de Michael Haneke, o sentimentalismo passa longe. A abordagem formal do diretor austríaco é marcada por um rigor estético inclemente, enquanto em termos temáticos ele filtra a sua visão por uma frieza cirúrgica. Em “Amor” (2012), suas concepções artísticas são levadas a um extremo impressionante. A partir de uma trama que tinha tudo para cair em excessos emocionais fáceis, ele parte para um rumo desconcertante ao dissecar com minúcias valores caros à própria humanidade. A câmera de Haneke sugere um observador que se preocupar em detalhar os passos mais expressivos do calvário de seus personagens. A direção de fotografia é composta por planos-seqüência sutis, que percorrem sem maiores cerimônias o amplo apartamento que serve de cenário para o filme, além de expressivos planos fixos que realçam a angústia dos protagonistas. Essa estética sóbria da produção amplia a tensão sufocante natural que a história emana. O realismo impresso por Haneke em seu formalismo, entretanto, permite-se a lampejos cortantes de cinema fantástico, que tanto pode se configurar como onírico ou até confundir com o delírio. Essa contraposição entre o real e o fantástico enfatiza, na verdade, aquilo que “Amor” tem de mais contundente: a capacidade narrativa de fazer com que a trama de um micro-universo se transfigure na simbologia ácida a retratar as relações humanas. O casal de idosos do filme representa o ideário daquilo que pode ser caracterizado como mais civilizado na sociedade ocidental: são cultos e refinados, tem prestígio social, uma filha bem ajustada e moram num bairro classe média alta. À medida que a doença de Anne (Emmanuelle Riva) piora, esse equilíbrio comportamental é colocado à prova e não resiste, desintegrando-se de forma inexorável. Não há espaço para redenção nessa trajetória, culminando em reações atávicas e violentas por parte de Georges (Jean-Louis Trintignant) – sua desintegração psicológica, junto à decadência física de Anne, representa a destruição do moralismo pequeno-burguês. Ou seja, “Amor” é uma verdadeira paulada sensorial nas nossas cabeças, capaz de ficar ressoando por um bom tempo no imaginário de seu público.

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