terça-feira, maio 14, 2019

Em trânsito, de Christian Petzold ***1/2


Em seus últimos trabalhos, o diretor alemão Christian Petzold elaborou uma instigante síntese narrativa, em que preceitos convencionais do gênero melodrama e de filmes de época se entrelaçam com discretas nuances de estilização. “Em trânsito” (2018), sua obra mais recente, radicaliza essa particular concepção artística. O roteiro tem fortes vínculos com a escola de realismo, mas encenação e direção de arte formulam um universo existencial paralelo – a trama até deixa claro que se situa na tomada da França pelos alemães na 2ª Guerra Mundial, só que figurinos e a caracterização ambiental são contemporâneas. A simbologia é simples, quase óbvia, e também altamente eficaz, ao fazer a relação com os procedimentos de perseguição étnica e social adotadas pelos nazistas com as práticas desumanas na atualidade de ataques xenofóbicos a imigrantes e em outras ações de opressão econômica-social por parte de vários governos no mundo ocidental contemporâneo. Ao longo da narrativa, a abordagem temática-estética de Petzold vai se revelando cada vez mais intrincada, fazendo com que elementos literários e teatrais sejam inseridos e demonstrem fluências na fusão com a própria linguagem cinematográfica da obra. São notáveis, por exemplo, as sequências em que a narração over mostra uma sintonia frágil com aquilo que está em cena, como se soubesse apenas fragmentos da história que está sendo contada. Tal concepção realça ainda mais a complexidade dos personagens e situações do roteiro, reforçando uma visão poética e fatalista em relação àquilo que está em cena.

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