quinta-feira, agosto 08, 2019

Estou me guardando para quando o carnaval chegar, de Marcelo Gomes ****


Pode-se dizer que “Estou me guardando para quando o carnaval chegar” (2019) tem como produção gêmea em termos artísticos/existenciais outra obra expressiva do cinema nacional recente, a obra-prima “Arábia” (2017). Em ambos os filmes, há uma visão humanista crítica e sutil sobre o “progresso” sócio-econômico no Brasil deste século (e mesmo milênio) dentro de estruturas estéticas-formais em que gêneros cinematográficos tradicionais são pervertidos com elementos narrativos insólitos. No caso do documentário de Marcelo Gomes, uma obra que a princípio poderia parecer uma investigação beirando o jornalístico-histórico sobre uma cidade do interior pernambucano aos poucos se converte em um amargo e irônico ensaio sensorial sobre os descaminhos da sociedade capitalista contemporânea, com direito ainda a um certo viés intimista/memorialista. O resultado final é desconcertante, principalmente no confronto que se estabelece na visão de Gomes entre um passado idealizado e mais humanizado e um presente marcado pela opressão mal disfarçada da busca arrivista e incessante de ascensão sócio-econômica que automatiza e brutaliza as individualidades. Entre os registros secos do cotidiano de trabalho manual e mecânico constante e dos depoimentos entusiasmados daqueles que “venceram” na vida, são inseridos na narrativa trechos reveladores de um atávico caráter desafiador e malandro de parte dessas pessoas que ainda resistem, mesmo sem saber, em se deixar suplantar totalmente por essa lógica conformista do “trabalho dignificante”. Nesse sentido, o terço final da narrativa, quando a população de Toritama desarma o seu conservador discurso “pró-trabalho eterno” e se rende a alguns dias de diversão inconsequente no carnaval, é revelador dessa condição de rebeldia e contestação quase involuntária que marca tanto o filme de Gomes quanto a própria natureza de parcela do povo brasileiro.

Um comentário:

Marcelo Castro Moraes disse...

"Estou me Guardando para Quando o Carnaval Chegar", é a síntese do vampirismo do capitalismo e do qual anseia por somente estarmos não despertos. https://cinemacemanosluz.blogspot.com/2019/07/cine-dica-em-cartaz-estou-me-guardando.html