Pode-se dizer que “Estou me guardando para quando o carnaval
chegar” (2019) tem como produção gêmea em termos artísticos/existenciais outra
obra expressiva do cinema nacional recente, a obra-prima “Arábia” (2017). Em
ambos os filmes, há uma visão humanista crítica e sutil sobre o “progresso”
sócio-econômico no Brasil deste século (e mesmo milênio) dentro de estruturas
estéticas-formais em que gêneros cinematográficos tradicionais são pervertidos
com elementos narrativos insólitos. No caso do documentário de Marcelo Gomes,
uma obra que a princípio poderia parecer uma investigação beirando o
jornalístico-histórico sobre uma cidade do interior pernambucano aos poucos se
converte em um amargo e irônico ensaio sensorial sobre os descaminhos da
sociedade capitalista contemporânea, com direito ainda a um certo viés
intimista/memorialista. O resultado final é desconcertante, principalmente no
confronto que se estabelece na visão de Gomes entre um passado idealizado e
mais humanizado e um presente marcado pela opressão mal disfarçada da busca
arrivista e incessante de ascensão sócio-econômica que automatiza e brutaliza
as individualidades. Entre os registros secos do cotidiano de trabalho manual e
mecânico constante e dos depoimentos entusiasmados daqueles que “venceram” na
vida, são inseridos na narrativa trechos reveladores de um atávico caráter
desafiador e malandro de parte dessas pessoas que ainda resistem, mesmo sem
saber, em se deixar suplantar totalmente por essa lógica conformista do “trabalho
dignificante”. Nesse sentido, o terço final da narrativa, quando a população de
Toritama desarma o seu conservador discurso “pró-trabalho eterno” e se rende a
alguns dias de diversão inconsequente no carnaval, é revelador dessa condição
de rebeldia e contestação quase involuntária que marca tanto o filme de Gomes
quanto a própria natureza de parcela do povo brasileiro.
Boa parte de amigos e conhecidos costuma dizer que as minhas recomendações para filmes funcionam ao contrário: quando eu digo que o filme é bom é porque na realidade ele é uma bomba, e vice-versa. Aí a explicação para o nome do blog... A minha intenção nesse espaço é falar sobre qualquer tipo de filme: bons e ruins, novos ou antigos, blockbusters ou obscuridades. Cotações: 0 a 4 estrelas.
Assinar:
Postar comentários (Atom)
Um comentário:
"Estou me Guardando para Quando o Carnaval Chegar", é a síntese do vampirismo do capitalismo e do qual anseia por somente estarmos não despertos. https://cinemacemanosluz.blogspot.com/2019/07/cine-dica-em-cartaz-estou-me-guardando.html
Postar um comentário